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Mário Sérgio Maia Falcão
Thaíssa Louyse Bezerra da Câmara
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c Falar sobre o poder constituinte é, de maneira simples, falar sobre quem faz as
constituições. Ou seja, trata-se de tema relacionado ao nascimento das constituições.
Na Europa absolutista (antes do Estado de Direito e das constituições modernas)
as leis existentes e válidas em um determinado território eram definidas pelo rei, que
detinha, obviamente, poderes absolutos. O caso da França é emblemático nesse sentido,
pois o rei Luís XIV chegou a afirmar ³o Estado sou eu.´ O que podemos observar, a
partir de um prisma histórico, é que tal situação passou a não mais ser aceita pelos
franceses. O descontentamento francês foi potencializado pelas teorias contratualistas,
especialmente a de Rousseau, as quais deram o embasamento teórico necessário para
que as mudanças acontecessem.
Foi num cenário de crise econômica para o povo, manutenção de privilégios para
os nobres e religiosos, que os franceses se revoltaram e revolucionaram a política,
pondo em prática a ideia de um contrato (constituição) definindo os limites de atuação
do Estado. Basicamente, o que inquietava os franceses era o fato de que as camadas
mais pobres da sociedade, apesar de serem maioria, não participavam da formação da
] do Estado, ou seja, não tinham participação na formação das leis que guiavam
seu próprio destino.
Nesse contexto conturbado surge um panfleto passional escrito pelo padre
Sieyes (Que é o terceiro estado?), que fundamenta toda a teoria tradicional sobre o
poder constituinte. A teoria do poder constituinte visa, basicamente, à resposta a duas
questões: (1) quem tem o poder para fazer uma constituição? (2) como executar esse
poder?
De acordo com o referido panfleto (que se tornou base da teoria tradicional),
todo o poder para se fazer uma constituição se encontra na nação. Sieyes afirmava que
quem tinha o poder para fazer uma constituição eram os franceses, e não francês (o
rei).
De qualquer forma restava em aberto a segunda questão: como podem os
franceses, em termos práticos, fazerem uma constituição? A pergunta envolve uma
problemática fundamental em tempos de Estado nacional, afinal, já se podia contar os
franceses aos milhões, numa realidade bem diferente das cidades-estado gregas, onde as
leis eram feitas por todos os ! .
A resposta do padre foi no sentido de ser esse poder exercido pelos
representantes da camada mais pobre da França (a maioria dos franceses) que, devido a
uma distorção no sistema de representação, nunca tiveram participação importante na
tomada de decisões do Estado. Trata-se de se definir os representantes do povo (terceiro
estado), e não os da nobreza e do clero, como legítimos executores do poder
constituinte.
A partir disso temos uma diferenciação que vai marcar a teoria tradicional: ic
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iic!c"ic'$c!c"!ccici(!c)*!+,c"!-!.,c+/c!c$c%#0#!c#icic#i1!c
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Constituição ± Assembleia Nacional Constituinte.
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Tudo o que foi dito acima se aplica ao chamado Ä
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De maneira simples, podemos dizer que $$c "!c c !c $"!$/- c " ic i !i(!c
c ic #!$(!, ou seja, trata-se de um poder exercitado em situações
excepcionais )i$c -3$c c !!$c -! #!/!$), que tem o objetivo de
fundar juridicamente uma nova ordem.
Os manuais de direito constitucional costumam falar em algumas características
do poder constituinte originário, assim, fala-se em um poder: autônomo; ilimitado
juridicamente; incondicionado e soberano na tomada de decisões; e no fato de ser um
poder de fato e jurídico (LENZA, 2010, p. 155).
Propomos, ao invés de tal divisão, entender como característica básica do poder
constituinte originário ic $ !i(!c$$c"!c ic i c !c +0#ic !c
"$i!c "! 0#!c i!. Assim, podemos dizer que quem faz uma constituição
não deve obediência ao passado. Daí entendermos !c ! muitas vezes causado nas
classes estáveis, num determinado momento histórico, diante da possibilidade de
erupção do poder constituinte. Nesse sentido, vejamos o que diz a declaração (de caráter
constitucional) resultante da revolução russa de 1917:
Tendo-se determinado como missão essencial abolir toda a exploração do
homem pelo homem, suprimir por completo a divisão da sociedade em
classes, esmagar de modo implacável a resistência dos exploradores,
estabelecer a organização socialista da sociedade e alcançar a vitória do
socialismo em todos os países, a Assembléia Constituinte, decreta, também:
1) Fica abolida a propriedade privada da terra. Declara-se patrimônio de todo
o povo trabalhador toda a terra, com todos os edifícios, o gado de trabalho, as
ferramentas e demais acessórios agrícolas.
2) Se ratifica a lei soviética sobre o controle operário e o Conselho Superior
de Economia Nacional, com o objetivo de assegurar o Poder do povo
trabalhador sobre os exploradores e como primeira medida para que as
fábricas, minas, ferrovias e demais meios de produção e de transporte passem
por inteiro a ser propriedade do Estado operário e camponês.
3) Se ratifica a passagem de todos os bancos para a propriedade do Estado
operário e camponês, como uma das condições da emancipação das massas
trabalhadoras do jugo do capital.
4) Fica estabelecido o trabalho obrigatório para todos, com o fim de eliminar
as camadas parasitas da sociedade.
5) Se decreta o armamento dos trabalhadores, a formação de um Exército
Vermelho socialista com objetivo de assegurar a plenitude do Poder das
massas trabalhadoras e eliminar toda a possibilidade de restauração do Poder
dos exploradores.
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c Que o poder constituinte é do povo (ou da Nação, na lição de Sieyes) não é
apenas uma questão retórica, já que em última analise é somente na obediência não
forçada que se verifica o poder constituinte.
Questão difícil, porém, é a de saber se, nos dias atuais, o poder constituinte de
um país (povo de um Estado) deve se subordinar ao direito estabelecido
internacionalmente nos documentos de direitos humanos. A questão pode ser traduzida
de maneira simples: i$c #!$5$c i#!i$c "!c #!iic !$c !$c
*i!$ci#!i$6cc
Essa questão ganha ainda maior importância em regiões onde se vive um
processo mais intenso de integração regional, como na Europa atual. O que se pode
observar, no ocidente pelo menos, é que mesmo sem o consenso teóricoc ic "/#ic c
#!# i(!c c -i !$c i#!i$c c i#!i$c c $!c i!ii&c Adoção
evidente no constitucionalismo contemporâneo do fundamento axiológico
constitucional europeu do pós-guerra: a Ä
.
No Brasil, por exemplo:
Além disso, ic i#i(!c c "!c "ic !c "!c #!$c !1/!c c ic
7#ic ic !c i#!i c !$c !$c *i!$c c $!c i$c -3$c
%"$$ic#ii& Novamente utilizando a nossa constituição atual:
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Uma vez feita a constituição, volta o poder constituinte originário à sua condição
latente. Esse poder do povo passaria, então, a se tornar uma força não manifesta,
somente vindo a produzir novas estruturas jurídicas em caso de existirem as condições
históricas necessárias.
Porém, a dinâmica da vida social torna necessária uma constante atualização da
constituição. Considerando isso, c i !ic ic #!$(!c !i c c
ã c"!ci 3ic$ic!#i(!ccc i$c-c$ci$&cc
No Brasil os Deputados e Senadores (em processo nas duas Casas) podem
modificar boa parte da constituição atual. Quando modificam a constituição esses
representantes estão, na verdade, exercendo o chamado Ä
!
] .
Note-se que nossos parlamentares somente podem modificar a constituição, porque
foram expressamente autorizados pelo constituinte originário, que positivou o seguinte:
MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL
Não sendo a constituição considerada imutável, foi visto que ela pode ser
modificada mesmo depois de manifesto o poder constituinte originário. Trata-se,
justamente, da mudança formalmente introduzida na constituição pelo chamado Ä
!
] , utilizando-se do procedimento legislativo específico (emenda
constitucional).
Acontece que, muitas vezes, a constituição é modificada mesmo sem nenhuma
alteração formal no seu texto. Assim, ic !#i(!c $c /c " ic -ic "i-ic
i!,cicci!$cii$c!c# i$c!-!$,c"i$$i$cicic!!c$!cic
ci!c%!c#!$#!i &c$$$c#i$!$c$i!$ciccic
, que é uma situação usual no terreno do constitucionalismo norte-
americano, contribuindo decisivamente para isso o fato de, naquele país, somente ter
existido uma constituição (1787) vigente até os dias atuais.
No Brasil temos o exemplo do art. 5º, que define como uma das garantias
fundamentais ³LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo
inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário
infiel;´. A tese interpretativa do referido artigo, existente no STF nos dias atuais, é no
sentido de não mais considerar a possibilidade de prisão nos casos do depositário infiel.
Outro debate sobre a mutação, ainda em aberto, diz respeito ao papel do
judiciário na produção de efeitos
nas decisões de controle de
constitucionalidade submetidas ao judiciário pela via difusa. O artigo, que se quer
interpretar de maneira diferente (mutação), é o seguinte:
cccccccccccccccccccccccccccccccccccccccc cccccccccccccccc
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A primeira constituição brasileira foi marcada pelo grande "!c)!i!.c
i 0!c i!c "i!& Na verdade, trata-se de uma constituição !!1iic "!c
!c !, que pretendia, com tal ato, uma espécie de auto-limitação do seu poder.
A constituição de 1824 tem um pai diferente do povo: o imperador. Nes se
sentido o seu texto evidencia esta realidade:
Preâmbulo:
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De acordo com BALEEIRO (2001, p. 18):
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c Trata-se de constituição nova, considerando-se as modificações substanciais
introduzidas pela emenda constitucional nº 1 de 1969. Por sua vez, esta emenda é fruto
do trabalho do Executivo (militares), o que evidencia seu caráter autoritário. Vejamos o
seguinte trecho introdutório da emenda, que nos indica a sua autoria:
B;
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia
Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado
a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem
interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,
promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BR ASIL.
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C9 c
ANDRADE, Paes de; BONAVIDES, Paulo. 4$=ic #!$#!i c !c ;i$ & 6 ed.
Brasília: OAB Editora, 2004.
Leitura sugerida:
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. $"#!$c !c !c #!$#!i c
#!"!<!&cD&cSão Paulo: Saraiva, 2009. P. 43-53.