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O cinema na conquista da América

O cinema na conquista da América:


um filme e seus diálogos com a história

Roberto Abdala Junior


Centro Universitário do Leste de Minas Gerais, Cursos de História e Pedagogia Universidade Federal de Minas Gerais,
Programa de Pós-Graduação em História

Se os historiadores estão procurando modelos de entretanto, era que assim estivéssemos ajudando os
narrativas que justaponham as estruturas da vida comum nossos alunos a criarem ferramentas para leituras do
pelos acontecimentos extraordinários, e a visão de baixo mundo contemporâneo, cujos significados dos acon-
pela de cima, podem muito bem ser aconselhados a voltar tecimentos se têm transformado, muito em função das
à ficção do século vinte, incluindo o cinema... mídias audiovisuais.
A maneira mais precisa para iniciarmos uma dis-
Burke, 1992, p. 347
cussão sobre um tema tão visitado, e paradoxalmente
tão pouco esclarecido, talvez seja parafrasear Robert
Introdução Rosenstone. O historiador, depois de refletir sobre a
trajetória histórica das relações humanas com o pas-
O trabalho que ora apresentamos consiste em uma sado, tomando como eixo principal a inserção do ci-
pequena argumentação teórica, seguida de um exercí- nema como mediador nesses processos, sentenciou:
cio de aplicação de proposições que formulamos em “o cinema muda as regras do jogo histórico”, pois “as
nossa dissertação de mestrado. Naquela ocasião está- imagens são muito mais complexas que qualquer tex-
vamos empenhados em encontrar abordagens teóricas to escrito” (1997, p. 22, tradução livre). Nesse con-
que pudessem esclarecer algumas relações entre histó- texto é que se inscreve o presente artigo. Noutras pa-
ria e cinema que pudessem contribuir nos processos de lavras, pretendemos oferecer elementos para que as
construção de conhecimentos históricos escolares, nos relações entre cinema e história sejam iluminadas por
quais os filmes figurassem como mediadores. outro viés teórico, evidenciando novos aspectos dos
A intenção era que o trabalho resultasse numa processos sociais que presidem essa interação, ou que,
ampliação do emprego de filmes nas aulas de histó- pelo menos, podem ser tomados como protocolos das
ria, levando as mídias audiovisuais a entrar para o interações sociais nas abordagens analíticas que pre-
horizonte cultural dos alunos. A finalidade última, tendem estudá-las.

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O quadro teórico foi o grande desafio que en- O caso do cinema parece-nos ainda mais impor-
frentamos, uma vez que análises de filmes são traba- tante na argumentação. As reflexões sobre as possibili-
lhos corriqueiros em praticamente todos os campos dades de análise da linguagem cinematográfica pauta-
das ciências humanas. Assim, a argumentação que ram-se nas teses de Bakhtin – sugeridas por alguns
apresentamos assentou-se, necessariamente, em teses pesquisadores para superar limitações de outros
de tradições acadêmicas distintas, nas quais, entre- enquadramentos teóricos (Stam, 1992). Assim, sugeri-
tanto, é possível encontrar concordâncias significati- mos que, além de apreender a linguagem cinematográ-
vas: de um lado a história cultural, e de outro a psico- fica, as teses bakhtinianas – conforme são empregadas
logia sociocultural, representadas pelas obras de Roger na psicologia sociocultural2 –, cotejadas com a argumen-
Chartier e de James Wertsch, respectivamente. tação de teóricos do cinema como Jean Mitry e Jacques
Os dois autores têm em comum o fato de serem Aumont, contribuem para apreendermos também possi-
reconhecidos internacionalmente pelas abordagens bilidades de apropriação de um filme pelo público.
teóricas que formularam, além de desenvolverem pes- Uma incursão nas obras desses autores permite-
quisas inovadoras nos campos de conhecimento em nos defender então o emprego de conceitos bakhti-
que atuam. O historiador da cultura tem pesquisado, nianos como eixo orientador para a análise de dois
entre outros temas, as práticas socioculturais de es- processos diferentes: primeiramente, nas interações
crita e leitura na sociedade de corte francesa. O teóri- entre o público e o filme, considerando os contextos
co da psicologia sociocultural vem refletindo sobre a socioculturais e históricos nos quais acontece a exi-
complementaridade entre os conceitos formulados por bição; também na leitura/apreensão da diegese fílmica,
L. S. Vygotsky e Mikhail Bakhtin, sugerindo possibi- buscando compreender os discursos construídos pe-
lidades do emprego articulado das teses desses auto- los filmes a partir das interações entre os elementos
res em pesquisas que têm os processos de ensino- que compõem a linguagem cinematográfica.3 Nosso
aprendizagem como foco. argumento, apesar de inicialmente parecer inovador,
Chartier e Wertsch, não obstante a diversidade somente emprega as reflexões apresentadas por James
de objetos e do arsenal teórico a que recorrem, consi- Wertsch a um objeto diferente – o cinema –, tomando
deram a cultura como ambiente de construção dos sig- o cuidado de reconhecer a especificidade que lhe é
nificados do mundo da experiência (histórica e/ou própria – sua linguagem.
educacional), e tomam os bens culturais como ferra-
mentas que os homens empregam nas suas práticas Discursos: os significados
sociais. Nesse sentido, consideramos que ambos, em contextualizados segundo Bakhtin
que pesem as demandas teóricas de seus respectivos
objetos de estudo, recorrem a premissas que os apro- O historiador francês Roger Chartier faz uma
ximam de maneira surpreendente.1 extensa argumentação para apresentar as premissas

cação em seus trabalhos, Wertsch não parece formular uma refle-


1
Wertsch, em um de seus últimos trabalhos, tem como foco xão muito distante da que aqui desenvolvemos, apesar de o autor
as lembranças coletivas de adolescentes que experimentaram as não empregar textos audiovisuais. A questão da necessidade de re-
transformações ocorridas na transição da antiga União Soviética conhecimento e da resistência às aproximações e paralelismos teó-
para Rússia (2002). Noutra obra o autor emprega pesquisas sobre ricos entre diversas disciplinas acadêmicas é abordada por Wertsch
alunos estadunidenses e soviéticos em suas reflexões sobre a cons- especialmente no primeiro capítulo de La mente en acción (1999).
trução do conhecimento histórico, apresentando o significado das 2
Apoiamos este argumento nos trabalhos de Wertsch, espe-
narrativas nesses processos (1999). Ao analisar as “lembranças cialmente em sua obra La mente em acción (1999, p. 47).
coletivas”, ou lidando com diversas pesquisas no campo da edu- 3
Sugestão de Stam (1992), citada a seguir.

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teóricas nas quais se assentam os trabalhos reunidos individual. Decorre dessa premissa que a configura-
na sua obra História cultural: entre práticas e repre- ção da consciência, da memória – individual e so-
sentações (1989). Ao refletir sobre a história cultural, cial – e a realização do aprendizado são processos que
considera que tem por principal objeto “identificar o nascem a partir das interações sociais mediadas por
modo como em diferentes lugares e momentos uma ferramentas culturais.
determinada realidade social é construída, pensada, Ancorado nos argumentos de Vygotsky e Bakhtin,
dada a ler”. Assim, a história cultural para Chartier Wertsch defende outra maneira de abordar a psicolo-
deve ser “entendida como o estudo dos processos com gia individual. Rompendo com o conceito de sujeito
os quais se constrói um sentido” (p. 16-17) e dirigir- universal que caracteriza outras abordagens, o psicó-
se às “práticas que pluralmente, contraditoriamente, logo considera necessário “elaborar uma explicação
dão significado ao mundo” (p. 27). Mas, para que se dos processos mentais que reconheça a relação es-
possa realizar uma abordagem dessa natureza, é ne- sencial entre estes processos e seus cenários cultu-
cessário contar com um instrumento teórico-metodo- rais, históricos e institucionais”. O autor pretende “se-
lógico eficaz, pois guir uma proposta mais geral, segundo a qual os
instrumentos mediadores surgem em resposta a uma
A problemática do “mundo como representação”, extensa série de forças sociais” (1993, p. 23).
moldado através das séries de discursos que o apreendem A partir dessa premissa, Wertsch considera que
e o estruturam, conduz obrigatoriamente a uma reflexão “é a ação, mais do que os seres humanos ou o am-
sobre o modo como uma figuração desse tipo pode ser apro- biente, considerados isoladamente, que proporciona
priada pelos leitores dos textos (ou das imagens) que dão a o ponto de entrada para uma análise” (1993, p. 25).
ver e a pensar o real. (idem, p. 23-24, grifo nosso) Para ele, “a ação tipicamente humana emprega ‘ins-
trumentos mediadores’ tais como ferramentas ou lin-
O historiador, ao referir-se ao “mundo como re- guagem e estes instrumentos mediadores dão forma a
presentação”, está considerando que sua “construção” ação de maneira essencial” (1993, p. 29). No entanto,
se dá fundamentalmente no campo simbólico e, nes- Wertsch concebe a “ação humana” de maneira dife-
se sentido, é “moldado através das séries de discur- renciada. Segundo o autor:
sos que o apreendem e estruturam”. No entanto, dis-
cursos podem ser enunciados por meio de diversas Os tipos de referenciais que tenho em mente podem
linguagens, mas para se constituírem como tais re- ser encontrados nos trabalhos de escritores russos e sovié-
querem a existência de um meio (suporte) de expres- ticos, como Bakhtin... enfocando o enunciado como forma
são para serem compartilhados. Nesse aspecto, as re- de ação; Vygotsky... com ênfase no discurso do pensamen-
flexões de Chartier não diferem daquelas que to e mais genericamente na “ação mediada”.4 Um ponto
encontramos em trabalhos de psicólogos sociocultu-
rais. Uma resposta à questão apresentada por Chartier
pode então nascer a partir das reflexões de Wertsch. 4
O conceito de “ação mediada” refere-se às ações cogniti-
Ao debruçar-se sobre as obras de Vygotsky e vas e/ou práticas, realizadas por meio dos “mediadores semióti-
Bakhtin, Wertsch apontou “aproximações concei- cos”, ou seja, ações que exigem um processo qualquer de apren-
tuais”, para empregar seus próprios termos, nos as- dizagem para serem realizadas (“Estudos socioculturais: história,
pectos concernentes ao emprego de signos e discur- ação e mediação”, in Wertsch, 1998, p. 107-121). No trabalho
sos pelos indivíduos. Segundo o autor, ambos que lida com as “lembranças coletivas”, o autor emprega a noção
consideram que o emprego do material semiótico, as de “ferramentas culturais” – termo mais próximo ao uso que faze-
“ferramentas culturais” (Wertsch, 1999, 2002) dispo- mos dele aqui –, que estaria ligada ao seguinte argumento de
níveis na cultura são organizadoras do subjetivismo Vygotsky: “A invenção e o uso de signos como meios auxiliares

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comum de convivência entre todos esses autores são seus leitura, mas em muitas outras também)”, sendo que o
enfoques na ação humana concreta e dinâmica que ocorre diferencial apresentado em seus respectivos argumen-
em contextos reais, espaço-temporais e sociais. (Wertsch, tos se baseia em reconhecer que essas categorias “de-
1998, p. 60-61, grifo nosso) vem ser construídas na descontinuidade das trajetó-
rias históricas”, pois somente aí, na “ação humana
Nesse trecho Wertsch remete-nos às reflexões de concreta e dinâmica que ocorre em contextos reais,
Chartier sobre um conceito central de sua argumenta- espaços-temporais e sociais”, os significados do
ção: o de apropriação. Segundo o historiador, a noção “mundo como representação” podem ser apreendidos
de apropriação deve ser “colocada no centro de uma (Chartier, 1989, p. 26-27). Assim, mesmo que em cam-
abordagem de história cultural que se prende com pos distintos, Chartier e Wertsch têm em mente que
práticas diferenciadas, com utilizações contrastadas” uma análise que enfoque as interpretações do mundo,
(Chartier, 1989, p. 26). Assim, o historiador da cultu- tomando as ferramentas que pretendem representá-
ra define o conceito de apropriação como tendo las, somente tem sentido na medida em que são reco-
nhecidas as práticas nas quais os homens que as rea-
[...] por objetivo uma história social das interpretações, re- lizam estão engajados.
metidas para as suas determinações fundamentais (que são A contribuição de Bakhtin torna-se essencial à
sociais, institucionais, culturais) e inscritas nas práticas análise, precisamente porque seus trabalhos visam
especificas que as produzem. Conceder deste modo aten- apreender os significados atribuídos ao mundo não a
ções às condições e aos processos que, muito concretamente, partir dos signos ou dos discursos isolados, mas se-
determinam as operações de construção do sentido (na re- gundo o enunciado5 completo no qual estão envolvi-
lação de leitura, mas em muitas outras também) é reconhe- dos, ou seja, a partir do contexto sociocultural e his-
cer [...] que as categorias aparentemente mais invariáveis tórico no qual o enunciado se realiza concretamente.
devem ser construídas na descontinuidade das trajetórias Assim, as teses de Mikhail Bakhtin, conforme espe-
históricas. (idem, p. 27, grifos nossos) ramos demonstrar, abrem possibilidades de reconhe-
cermos muitas das relações que se estabelecem entre
Os autores não estão, pois, preocupados com as os discursos da história e do cinema em diversos con-
ferramentas representacionais (ou representações) em textos socioculturais.
si, mas com a “ação” concreta realizada nas práticas
sociais pelos sujeitos que as empregam. Ambos per- O enunciado: discursos e diálogos
seguem formas de compreender as condições e os em contextos definidos
processos “que, muito concretamente, determinam as
operações de construção do sentido (na relação de Mikhail Bakhtin foi um pensador soviético con-
temporâneo do psicólogo Vygotsky e do cineasta
Eisenstein, mas que teve seus trabalhos publicados
para solucionar um dado problema psicológico (lembrar, compa- no Ocidente somente na segunda metade do século
rar coisas, relatar, escolher etc.) é análoga à invenção e uso de XX. No sentido de apreender os processos humanos
instrumentos, só que agora no campo psicológico. O signo age dos quais a linguagem participa, Bakhtin privilegiou
como um instrumento da atividade psicológica de maneira análo- em suas reflexões a ação de enunciação e procurou
ga ao papel de um instrumento no trabalho” (Vygotsky, 1994, p. 70,
grifo nosso). Nesse argumento também encontramos o significa-
do das “ferramentas culturais” nos processos de aprendizagem que 5
Ressaltamos que o enunciado, em Bakhtin, tem um signifi-
estejam assentados na formulação de problemas, tal como propo- cado muito preciso, constituindo-se, como veremos a seguir, em
mos a seguir. um conceito fundamental para apreendermos suas teses.

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demonstrar que todos os discursos se caracterizam por nificações sociocultural e historicamente contextua-
serem dialógicos. Os autores que têm mergulhado nas lizadas dos discursos, remetemo-nos ao seu conceito
obras do autor consideram que o conceito de de “tema”,8 porque é no seu interior que encontrare-
dialogismo6 é central nas suas proposições porque é mos as significações (Bakhtin, 1997). Não emprega-
ele que converte o foco da análise dos discursos para remos, entretanto, o termo “tema”, mas o termo “enun-
o enunciado,7 pretendendo esclarecer as relações que ciado”. A escolha justifica-se porque a abordagem
se estabelecem entre texto e contexto. Nesse sentido, historiográfica (e também a da psicologia sociocultu-
Bakhtin emprega o termo “tema”, e explica: ral, como vimos) busca saturar de “elementos não-
verbais” os contextos nos quais os enunciados se rea-
Um sentido definido único, uma significação unitá- lizaram concretamente. Noutras palavras, um
ria, é uma propriedade que pertence a cada enunciação como exercício de pesquisa histórica exige que a enunciação
um todo. Vamos chamar o sentido da enunciação completa dos discursos seja sempre historicizada – apreendida
o seu tema. [...] Ele se apresenta como a expressão de uma no contexto histórico no qual se realizou a ação, para
situação histórica concreta que deu origem à enunciação. que o historiador possa reconhecer os significados
[...] Conclui-se que o tema da enunciação é determinado históricos que carregam (Chartier, 1989, p. 63).
não só pelas formas lingüísticas que entram na composição Segundo Bakhtin, os discursos, ao serem enun-
(as palavras, as formas morfológicas ou sintáticas, os sons, ciados, estão realizando “diálogos” em dois contex-
as entonações), mas igualmente pelos elementos não ver- tos diferentes: um mais complexo e amplo, o da “co-
bais da situação. (Bakhtin, 1997, p. 128) municação cultural” – dos discursos científicos,
artísticos, políticos etc. – e em outro, mais próximo,
Neste trabalho, como o emprego dos conceitos simples e restrito, com os quais dialoga mais imedia-
bakhtinianos está voltado para a compreensão das sig- tamente – o contexto dos interlocutores de seu grupo
ou meio (Bakhtin, 1992). Os discursos apresentam

6
Estamos empregando o conceito de dialogismo como suge-
re Stam (1992, p. 33-34): “Bakhtin, caracteristicamente, estende o 8
Considerando a especificidade que as teses de Bakhtin apre-
sentido de interação verbal, que é apenas outra denominação para sentam, preferimos empregar seus próprios argumentos para ex-
‘diálogo’, no sentido primário do discurso entre duas pessoas a ou- plicar os termos “tema” e “significação” como aparecem em Mar-
tros domínios até mesmo metafóricos. Essa concepção ampla de xismo e filosofia da linguagem (1997, grifos nossos): “O tema da
dialogismo, considerada como o modo característico de um univer- enunciação é, na verdade, assim como a própria enunciação, indi-
so marcado pela heteroglossia, oferece inúmeras implicações para vidual e não-reiterável. Ele se apresenta como a expressão de uma
os estudos sobre cultura. [...] Esse conceito multidimensional e in- situação histórica concreta que deu origem a enunciação” (p. 127).
terdisciplinar do dialogismo, se aplicado a um fenômeno cultural “Somente a enunciação tomada em toda a sua amplitude concreta,
como um filme, por exemplo, referir-se-ia não apenas ao diálogo como fenômeno histórico, possui um tema” (p. 128). “A maneira
dos personagens no interior do filme, mas também ao diálogo do mais correta de formular a inter-relação do tema e da significação
filme com filmes anteriores, assim como ao ‘diálogo’ de gênero ou é a seguinte: o tema constitui o estágio superior da capacidade
de vozes de classe no interior do filme, ou ao diálogo entre as várias lingüística de significar. A investigação da significação de um ou-
trilhas (entre a música e a imagem, por exemplo). Além disso, po- tro elemento lingüístico pode, segundo a definição que demos,
deria referir-se também ao diálogo que conforma o processo de pro- orientar-se para duas direções: para o estágio superior, o tema;
dução especifico (entre produtor e diretor, diretor e ator), assim como nesse caso, tratar-se-ia da investigação da significação contextual.
às maneiras como o discurso cinematográfico é conformado pelo Ou então ela pode tender para o estágio inferior, o da significa-
público, cujas reações potencias são levadas em conta”. ção: a investigação da palavra dicionarizada” (p. 129, grifos do
7
A esse respeito consultar Wertsch (1993, p. 74) e Stam (1992, p. 72). original).

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para o autor duas formas de apreciação: a entonação dos diferentes discursos que circulam numa época
expressiva e a voz. No ato de enunciação, os discur- definida. Mais precisamente, segundo Bakhtin, a voz
sos adquirem um acento próprio daquele que o enun- do discurso não somente se constitui e está articulada
cia: a “entonação expressiva” (idem). Um discurso ao seu contexto de enunciação, como formula uma
escrito, por exemplo, recebe uma “entonação expres- “reação responsiva” aos outros discursos, enunciados
siva” todas as vezes que for proferido por um e/ou supostos, com os quais entra em diálogo nesse
enunciador diferente. Existe, entretanto, uma aprecia- contexto. Bakhtin argumenta que
ção mais significativa e que é própria de cada discur-
so: a “voz”. [...] em todas as direções, o discurso se encontra com o
A “voz” do discurso expressa o juízo de valor do discurso de outrem e não pode deixar de participar, com
autor, seu horizonte conceitual (socioideológico). O ele, de uma interação viva e tensa. O discurso nasce no
discurso representa então uma escolha, uma tomada diálogo como sua réplica viva, forma-se na mútua-orienta-
de posição do autor ante os múltiplos discursos que ção dialógica no discurso de outrem no interior do objeto.
se pretendem apropriar/representar da/a realidade de A concepção que o discurso tem de seu objeto é a dialógica.
uma época, num contexto sociocultural determinado. (Bakhtin, 1998, p. 88-89, grifo nosso)
A essa apreciação – expressão do horizonte concei-
tual do autor do discurso – é que o pensador denomi- A esse processo dialógico, de reação responsiva
na “voz”. Ao analisar a “voz” no romance, Bakhtin e recíproca entre os discursos, denominamos
argumenta que: “interanimação dialógica das vozes dos discursos” ou,
simplesmente, “interanimação dialógica” (Wertsch,
Todas as palavras e formas que povoam a linguagem 1993, 1998). A concepção é definida nos escritos de
são vozes sociais e históricas, que lhe dão determinadas Bakhtin como uma aproximação que pudesse esca-
significações concretas e que se organizam no romance em par às limitações dos campos de conhecimento, que,
um sistema estilístico harmonioso, expressando a posição por isso, ele chamava de “translingüística”.
sócio-ideológica diferenciada do autor no seio dos diferen- Assim, a aplicação das teses de Bakhtin com a
tes discursos da sua época. (Bakhtin, 1998, p. 106, grifo no finalidade de objetivar e esclarecer os processos que
original) se desenrolam entre os sujeitos/agentes sociais que
empregam discursos em determinados contextos so-
O grifo no texto é significativo para nossas re-
flexões, pois Bakhtin enfatiza assim que o autor do
discurso não reproduz uma posição “socioideológica”, passividade que tradicionalmente lhe é atribuída. “Ler, olhar ou
mas realiza uma apropriação9 pessoal e diferenciada escutar são, efetivamente, uma série de atitudes intelectuais que –
longe de submeterem o consumidor à toda-poderosa mensagem
ideológica e/ou estética que supostamente o deve modelar – per-
9
A idéia de apropriação que empregaremos corresponde a mitem na verdade a reapropriação, o desvio, a desconfiança ou
atitudes organizadas segundo “estratégias de distinção ou de imi- resistência. Esta constatação deve levar a repensar totalmente a
tação”, considerando que “os empregos diversos dos mesmos bens relação entre um público designado como popular e os produtos
culturais se enraízam nas disposições do habitus de cada grupo”, historicamente diversos (livros e imagens, sermões e discursos,
como argumenta Chartier (1989, p. 137), mas enfatizando que o canções, fotonovelas ou emissões de televisão) propostos para o
processo que é foco de nossa análise obedece ao que Michel de seu consumo” (Chartier, 1989, p. 59-60). Nesse sentido, conside-
Certeau (2000) define como sendo o “consumo cultural das mas- ramos que o habitus de um grupo social modela mas não determi-
sas” – que, para Chartier, seria definido como uma “outra produ- na as maneiras de apreender a realidade concreta, abrindo sempre
ção”. Assim, a leitura de um texto, por exemplo, pode escapar à ao indivíduo possibilidades novas de apreendê-la e representá-la.

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cioculturais permitem-nos surpreendê-los no momento qual o foco da análise se volta para elementos que
em que realizam, concretamente, a atribuição de sig- compõem a linguagem, privilegiando a imagem.13 A
nificados ao mundo. Mais ainda, permitem uma aná- situação exigiu então que procurássemos cotejar as
lise do horizonte conceitual (ideológico) que preten- proposições bakhtinianas com reflexões de teóricos
deram imprimir aos discursos que enunciaram e o do cinema, especialmente Jean Mitry, cujos argumen-
sentido histórico que pretenderam conferir a eles. tos nos pareceram mais apropriados ao diálogo.
Mitry, em Estética y psicología del cine (1989),
A linguagem cinematográfica compara a significação da imagem do mundo da ex-
e as teses de Bakhtin periência à imagem fílmica e afirma que “A signifi-
cação fílmica é completamente diferente. Nunca – ou
A idéia de que bens culturais estão abertos a raramente – depende de uma imagem isolada, e sim
múltiplas leituras, ou que uma obra é sempre de uma relação entre as imagens, quer dizer, de uma
polifônica, tem uma aceitação tão ampla na atualida- implicação no sentido mais geral do termo” (1989,
de que poderia até ser considerada uma unanimida- v. I, p. 133, tradução livre). As afirmações de Mitry
de.10 A idéia de polifonia, entretanto, não deve ser con- remetem-nos às de Bakhtin, quando afirma que o sig-
fundida: ela não sugere que as obras estejam abertas nificado do signo está “totalmente determinado por
a todas as leituras.11 Muito ao contrário, na cultura seu contexto. [e que] De fato, há tantas significações
encontramos protocolos de leitura que devem ser res- possíveis quantos contextos possíveis” (1997, p. 106).
peitados para que o “consumo” de bens culturais seja Para Mitry (1989), a imagem fílmica não é uma
satisfatório – para que o processo de comunicação se representação do real, mas o real apresentado na tela,
realize a contento. Nesse sentido, parece decisivo que, o que faz com que a imagem fílmica possa ser reco-
ao lidar com cinema, a especificidade de sua lingua- nhecida pelos códigos culturais de leitura do mundo
gem seja não somente reconhecida, mas valorizada da experiência. Segundo o autor, o cinema apresenta,
na análise, pois é ela que permite a construção e o entretanto, uma diferença: as imagens, ao serem es-
compartilhamento dos discursos cinematográficos – colhidas para comporem uma cena e construírem a
os filmes.12 A mesma preocupação levou-nos a tomar narrativa, adquirem uma significação específica. A
as teses de Bakhtin como diretrizes para uma propos- escolha feita pelos realizadores, o enquadramento
ta de leitura, também cinematográfica, dos filmes, na dado à imagem e suas relações com outras imagens
que figuram no filme conferem um outro significado
ao real apresentado na tela.
10
A respeito da impossibilidade de um diálogo realizado por A argumentação anterior, em termos bakhtinianos,
meio das mídias, o argumento do próprio Bakhtin sugere essa pos- leva-nos a considerar que nas imagens fílmicas o real
sibilidade ao afirmar que “toda compreensão é prenhe de resposta recebe uma “entonação expressiva” própria do outro.
e, de uma forma ou de outra, forçosamente a produz” (1992, p. 290). Elas estão articuladas ao horizonte conceitual dos reali-
A noção de reação responsiva é, assim, uma contribuição teórica zadores, constituindo-se e/ou compondo a sua voz. As
decisiva, por servir igualmente aos “diálogos” sociais e aos imagens podem, ainda, fazer parte de um universo de
cognitivos. outras vozes sobre as quais vai ressoar a voz dos reali-
11
A esse respeito consultar, entre outros, Eco (1991, 1997) e zadores (Bakhtin, 1992, 1997). Mitry (1989) afirma:
Chartier (2001).
12
Concebemos os filmes, antes de tudo, como narrativas:
discursos que recorrem à linguagem cinematográfica para serem 13
As teses de Bakhtin têm sido empregadas para análise de
formulados. Os filmes são considerados assim por autores tão di- filmes, de forma diferenciada, por autores como Robert Stam
versos como Metz (1980) e Maingueneau (2001). (1992) e Robert Burgoyne (2002).

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No cinema, ao contrário [da realidade], os objetos são significativa e/ou com finalidades educacionais, é
apresentados sob um aspecto significativo. [...] este acento necessário que o público tenha construído represen-
que se nos escapa na realidade é posto em evidência pela tações que permitam uma formulação de discursos
imagem fílmica, tanto mais quanto o que se acha implicado com os quais o filme se propõe a dialogar ou formu-
no filme é menos o objeto mesmo que um aspecto deste ob- lar uma “reação responsiva”.15
jeto, uma imagem. (v I, p. 143, tradução livre, grifo nosso) Uma visão bastante sumária das teses bakhtinia-
nas e suas assertivas acerca dos processos dialógicos
A argumentação do autor oferece possibilidades dos discursos e seus significados, cotejada com a ar-
de aplicarmos as proposições de Bakhtin no sentido de gumentação de Mitry sobre a linguagem cinemato-
sugerir uma abordagem da linguagem cinematográfi- gráfica, fornecem-nos novas chaves para uma aven-
ca conformando uma alternativa para a “leitura” do tura pelo universo das relações entre história e cinema.
discurso que um filme constrói. Tomando a argumen- Vejamos, pois, uma possibilidade de aplicação da ar-
tação de Mitry como referência, podemos concluir que gumentação que construímos, e seus resultados.
os códigos culturais de compreensão do real fornecem
as chaves de leitura da narrativa imagética que os fil- Um filme em múltiplos diálogos com a história
mes compõem. Mas, as imagens empregadas em um
filme recebem apreciações diferenciadas daquelas que A abordagem metodológica de um filme somente
têm na realidade, e seus significados são apreendidos pode ser realizada a partir de elementos escolhidos e
segundo as relações que estabelecem com outras ima- recolhidos da obra, uma vez que ela é sempre “aberta”
gens no contexto da película. As imagens estão, assim, (Eco, 1991), mais ainda se considerarmos que a lin-
em interanimação dialógica com os outros elementos guagem cinematográfica permite a reunião das demais
que compõem a narrativa cinematográfica. linguagens. O limite de um artigo exige que sejam fei-
As reflexões de Mitry, apreendidas pelo viés tas restrições às escolhas, artifício que é inerente a qual-
bakhtiniano, sugerem que a análise dos discursos ci- quer exercício analítico. Nesse sentido, seria arriscado
nematográficos deve considerar seus diálogos em dois considerar que a abordagem de um filme venha a es-
contextos distintos: o contexto sociocultural e histó- gotar quaisquer possibilidades de um exercício como
rico de enunciação (de produção ou exibição)14 mais esse. A intenção que alimentou a iniciativa apresenta-
amplo, o da “comunicação cultural”; e outro mais res- da aqui se limita apenas a demonstrar possibilidades.
trito, o do filme. Noutras palavras, tomando as ima- O filme escolhido como objeto deste estudo foi
gens-movimento ou o filme no seu conjunto, os diá- realizado pelo diretor Ridley Scott, distribuído e exi-
logos acontecem em duas esferas diferentes: com os
discursos que circulam na cultura da sociedade da qual
se originou a produção ou na qual é realizada a exibi- 15
A idéia de que os discursos têm origem nas representações
ção, e das imagens-movimento com outros elemen- foi sugerida por Chartier, ao afirmar que devemos “considerar estas
tos constitutivos da narrativa cinematográfica. Cabe representações como as matrizes de discursos e de práticas diferen-
aqui uma observação decisiva para nosso estudo: para ciadas...” (1989, p. 18). Observe-se que, sejam as representações
que os diálogos possam ser realizados de forma mais consideradas em quadros teóricos que a concebem como mais his-
tóricas e flexíveis (como em Norbert Elias), ou mais estáveis (como
em Durkheim), isso não constitui impedimento ao emprego dos dis-
14
Importa salientar que a análise, conforme a intenção para cursos como expressões destas, uma vez que os discursos e seus

a qual está voltada – histórica ou educacional – privilegiará um significados são tomados segundo sua enunciação em contextos

dos focos de enunciação: ou o da época de produção, ou o da sociocultural e historicamente situados. A respeito da discussão,

época de exibição. consultar Malerba (2000, p. 199-225) e Geertz (1989, p. 188).

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O cinema na conquista da América

bido em 1992. O diretor tem uma carreira na qual A abertura e outras seqüências
figuram filmes como Os duelistas, Gladiador, Cru- em diálogos com o conhecimento histórico
zada, Alien – o oitavo passageiro, Thelma e Louise e
Blade Runner – o caçador de andróides, além de Os 1492 – A conquista do paraíso, em sua abertura,
vigaristas, Hannibal e Todas as crianças invisíveis. remete o público à época17 na qual se desenrolaram
A versatilidade de Scott compara-se ao trabalho pri- os acontecimentos, contextualizando historicamente –
moroso da fotografia de seus filmes – sua formação de forma genérica e discutível, é verdade – a narrati-
básica – e acompanha o uso que faz da trilha sonora – va e o universo a partir do qual o discurso cinemato-
duas marcas indeléveis de sua filmografia. No Brasil, gráfico se vai constituir. São apresentados os créditos
a película recebeu o título de 1492 – A conquista do do filme, com imagens pictóricas como pano de fun-
paraíso, uma tradução literal do título original – 1492: do, seguidos da apresentação de um prólogo escrito,
Conquest of paradise. Apesar de o título sugerir que no qual há uma descrição sumária da época na
se trata do processo de “descoberta da América”, o Espanha. Acompanha essa abertura uma música de
filme é construído como uma biografia de Cristóvão som ritmado, cadenciado, executado numa mistura de
Colombo, que assim serve de mote ao cineasta e/ou vozes (tribais/ópera?) e sons eletrônicos, sugerindo
realizadores para lidar propriamente com o tema – um sincretismo musical global. O diálogo aqui, mais
muito difundido e visitado na época, pois sua exibi- sonoro que imagético, se trava com a produção musi-
ção nos cinemas coincidiu com as comemorações dos cal da época e remete o público ocidental, simbolica-
500 anos da viagem. mente, ao universalismo iniciado pelas descobertas
Colombo figura na película como o único prota- da Era Moderna. Observe-se que os diálogos, nova-
gonista de uma epopéia, retirando do contexto de épo- mente, se realizam nas duas dimensões contextuais
ca muitos dos fatores históricos que contribuíram de- sugeridas pelos argumentos de Bakhtin: o do filme e
cisivamente para a realização daquela empreitada. A o da “comunicação cultural”.
estrutura do discurso, portanto, já transforma o filme A abertura permite-nos observar a importância
em um problema, torna todo o filme uma questão a da trilha sonora na sua relação dialógica com as ima-
ser trabalhada pelo professor: uma análise crítica e gens e a trama; não somente no que diz respeito à
ativa poderia dirigir suas perguntas para esclarecer capacidade que tem de inspirar emoção, mas, e prin-
os limites de um acontecimento histórico ser fruto, cipalmente, de atender a finalidades da narrativa ci-
unicamente, da vontade de um homem. Vale observar nematográfica, quando e se bem articulada aos de-
que, como qualquer obra, um filme dialoga especial- mais elementos do filme. A música que acompanha a
mente com o que Bakhtin chama de “comunicação abertura do filme foi composta por um músico
cultural”. Assim, um ambiente de mobilização e/ou renomado – Vangelis – e provoca no público uma sen-
transformação coletiva de uma sociedade não corres- sação de expectativa, de que estamos prestes a pre-
ponderia ao contexto de diálogo da época de realiza- senciar um acontecimento de extrema importância.
ção do filme – a contemporaneidade está mais para o Ela converte-se no contexto da narrativa em elemen-
individualismo e grandes ídolos –, muito ao contrário to central, torna-se uma aliada decisiva na construção
do momento histórico no qual se desenrola a trama, dramática e na pretensão do cineasta/realizadores de
mesmo considerando que o período representado tem
sido considerado um marco da emergência do indivi- 17
O contexto de época pode ser definido, sumariamente,
dualismo no Ocidente.16
como sendo o da região da Espanha, durante o século XV, em
processo de constituição do Estado Nacional, no qual a expulsão
16
A respeito dessa época, consultar Anderson (1995), dos muçulmanos da Península Ibérica culmina com a conquista
Burckhardt (1991) e Delumeau (1983). de Granada em 1492.

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Roberto Abdala Junior

provocar emoções no público. O resultado poderia ser ranja – uma esfera. Elementos que também obede-
resumido como: a seqüência leva o público a experi- cem à estratégia de construção do discurso cinemato-
mentar uma sensação de emoção e expectativa, nas- gráfico, mas, nesse caso, são explícitos em suas pro-
cidas dos diálogos entre a mensagem escrita (violên- postas de diálogos. O diálogo proposto pelo discurso
cia e opressão), a música que reverbera – mais no cinematográfico trava-se com os discursos da histó-
corpo que nos ouvidos – e a cor vermelho-sangue que ria ocidental, especificamente o processo denomina-
cobre a tela (referindo-se à ação cruel e sanguinária do “expansionismo marítimo europeu”, que consta em
da Inquisição na Espanha da época, ou ao sangue der- qualquer livro de história. Recorrendo a Chartier
ramado pelos europeus ao longo do processo de con- (1989, p. 13-28), concluiríamos que esses elementos
quista da América, quem sabe?). Aqui, o contexto é são signos que remetem os sujeitos que assistem ao
absolutamente compósito e nos faz reconhecer o sig- filme à representação que a sociedade contemporâ-
nificado atribuído à “magia do cinema”. nea construiu daquele momento histórico. Resumin-
A primeira seqüência apresenta imagens-movi- do e reportando-nos às proposições de Bakhtin (1992),
mento em que Colombo está com uma laranja nas os realizadores, ao recorrerem àqueles signos para
mãos; sentado numa praia, com o oceano ao fundo e construir seu discurso-filme, dialogam com os dis-
ladeado por seu filho, de uma perspectiva da qual cursos históricos consolidados dessa sociedade – da
podemos “avistar” uma embarcação no horizonte. O “comunicação cultural” na qual eles também estão
título da película, a abertura com sons épicos, a apre- inseridos; o filme promove uma “reação responsiva”
sentação de uma versão do contexto de época na aos discursos consolidados dos indivíduos que com-
Espanha e as imagens-movimento que apresentam põem o público, que podem concordar e incorporar o
visualmente uma esfera, o mar revolto e o oceano ao filme como a “sua” representação de época, ou rea-
fundo, o figurino dos personagens e a imagem da em- gir, buscando resistir ao discurso cinematográfico,
barcação abrem uma infinidade de diálogos com ou- contestando ou até ignorando a interpelação proposta
tros discursos que circulam e circulavam nos acervos pela película.
culturais dos homens que tiveram uma formação es- O cineasta (e/ou realizadores) recorreu ao reper-
colar no Ocidente. tório que a comunicação cultural disponibilizou no
O cineasta (e/ou realizadores) sugere também, por contexto contemporâneo e, reconhecendo esses dis-
meio das imagens, o que virá em seguida. Segundo cursos, formulou signos – a partir das imagens captu-
esclarece-nos a argumentação de Jean Mitry (1989), radas do mundo, como diz Mitry (1989) – que se re-
as imagens têm nos filmes significados diferenciados ferem a eles. Inseriu-os na tela, compondo a narrativa
daqueles que teriam no mundo da experiência, por te- fílmica, constituindo seu próprio discurso. Nessas
rem sido escolhidas para figurar na tela. Voltando-nos mesmas circunstâncias, um outro cineasta poderia
para as teses de Bakhtin (1997), podemos considerar recorrer a outras imagens, a outros “signos” com a
que os signos – nesse caso, as imagens que se torna- mesma finalidade – de servir à construção da sua nar-
ram signos ao serem apresentadas na tela, segundo o rativa. Um olhar informado e atento apreende ime-
argumento de Mitry – têm sentido somente no contex- diatamente todos esses signos que o diretor/realiza-
to de sua enunciação (o filme), e ainda estão relacio- dores oferece(m) na película, mas seus desdobramen-
nados ao contexto sociocultural e histórico de produ- tos cognitivos – nas interpretações que se constroem
ção e/ou de exibição que devem ser avaliados na da história na ou para a construção de conhecimentos
análise. Vejamos então o filme nos dois contextos e – dificilmente podem ser mensurados.
alguns de seus possíveis diálogos com eles. A seguir, na mesma seqüência, Colombo pede a
Observamos que diversos signos foram introdu- seu filho que observe uma embarcação que navega
zidos na narrativa: o oceano, a embarcação, uma la- oceano adentro, e vai descrevendo verbalmente o que

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O cinema na conquista da América

observamos cinematograficamente: o desapareci- tavam na época: a visão católica, ainda baseada nas
mento progressivo da embarcação. Assim, o cineas- teses de Ptolomeu, e as novas teses renascentistas
ta, antes mesmo da fala do personagem, já construiu sobre o universo. Verifica-se a riqueza dessa discus-
um discurso cinematográfico que permitiria, a um são, não somente para esclarecer e informar sobre
bom observador, inferir sobre a questão abordada essas concepções, mas para a compreensão dos pro-
na seqüência. O diálogo proposto pelo discurso ci- cessos, das disputas históricas que se constituíram em
nematográfico refere-se à maneira como, a partir torno dela, dos interesses envolvidos e da condição
daquela época, passam a ser observados e concebi- que tem a Igreja católica no contexto da época.
dos os fenômenos, empregando a razão para explicá- Algumas questões que são apresentadas pelo dis-
los: nesse caso, a esfericidade da Terra, tal qual a da curso cinematográfico provocam (ou permitem que
laranja. observemos a intenção de provocar) reações respon-
O diálogo constrói-se no campo do conhecimen- sivas no público. Elas referem-se à composição do
to histórico propriamente dito, pois o público para o comitê “científico” que decidiu sobre a viagem; dos
qual o filme se dirige seria composto por pessoas que motivos de sua composição contar com representan-
freqüentam os cinemas e/ou as locadoras de filmes; tes da monarquia espanhola e da Igreja católica; da
pessoas que, supostamente, concluíram a educação discussão sobre o poder daqueles que detêm o conhe-
de nível fundamental e, por isso, reconhecem que a cimento; das relações entre a crise que a Igreja pas-
esfericidade da Terra era um conhecimento “recente” sou naquela época com a perda desse poder.
naquela época. Noutras palavras, sabem que a esferi- Os diálogos são inúmeros e as reações responsi-
cidade da Terra não era, ainda, universalmente reco- vas prendem-se ao contexto de enunciação e ao re-
nhecida, e as viagens pelo “mar oceano” eram consi- pertório que o público apresenta no momento da exi-
deradas ameaçadoras. Nessa medida, podemos dizer bição – o da comunicação cultural –, ou seja,
que as vozes do discurso cinematográfico e histórico dependendo do conhecimento histórico e da extensão
se interanimam mutuamente. O dialogo aqui é tão evi- da crítica do público, uma infinidade de elementos
dente que dispensa uma análise mais demorada. No ligados aos processos humanos que envolvem as re-
entanto, numa sala de aula na qual os alunos não co- lações de poder e interesse é interpelada e pode ser
nhecessem essas peculiaridades históricas, essas se- explorada pedagogicamente. Os diálogos podem le-
qüências do filme seriam desconsideradas. Nesse sen- var, por exemplo, a um questionamento do significa-
tido, o papel fundamental do professor poderia do que têm aqueles homens ou aquelas instituições
limitar-se a tornar evidente, esclarecer a pretensão dos que se arrogam o direito de deter o conhecimento, e
realizadores nessa passagem do filme – dialogarem, que reflexos isso tem nas relações de poder em todas
ou mais precisamente, provocarem “reação responsi- as épocas, e mesmo atualmente.
va” no público. Na mesma seqüência da Universidade de Sala-
Uma outra seqüência que elucida possibilidades manca, Colombo contra-argumenta ao representante
da aplicação teórico-metodológica que defendemos é da Igreja que a conquista das Índias seria uma forma
a da sabatina à qual Colombo se submete na Univer- de expandir a fé cristã, e ao argüidor representante da
sidade de Salamanca acerca de seu arrojado projeto. monarquia diz que poderia trazer riquezas à Espanha
Nela não são as imagens os elementos cinematográ- e torná-la não um reino, mas um império. O jogo de
ficos que interpelam o público, mas são os próprios cena é muito instigante e significativo porque
diálogos entre os personagens da película que insti- Colombo, ao sentir-se acuado pelas perguntas de um
gam reações responsivas. Nas discussões que se tra- e outro, procura recorrer aos interesses que cada um
vam entre Colombo e seus argüidores aparecem os deles poderia reconhecer na sua empreitada. O nave-
discursos das concepções científicas que se confron- gador busca apoio na própria disputa que se travava

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Roberto Abdala Junior

entre esses agentes sociais naquela época, num cená- cessos de ensino-aprendizagem – podendo ou não ser
rio histórico mais amplo. empregada como ferramenta cultural nos processos
Observamos que a interanimação das vozes que de construção do conhecimento histórico (ou outros
o filme permite é muito mais rica se o conhecimento mais), dependendo da ação do professor e/ou do co-
histórico e/ou o repertório cultural ao qual o público nhecimento do público. Nesse caso, duas possibilida-
puder recorrer para apreendê-la e problematizá-la, em des apresentaram-se: uma na qual os métodos inqui-
toda a sua dimensão, forem suficientemente elabora- sitoriais se converteriam em informação – mera
dos. Uma ação no sentido de problematizar a seqüên- curiosidade histórica –, e outra que empregasse o im-
cia, evidenciando e/ou esclarecendo o contexto de pacto visual de sua representação na tela para abrir
época na Espanha, os interesses e as disputas dos en- uma infinidade de questões sobre essa instituição, dia-
volvidos no processo histórico do qual emergiu o de- logando com o conhecimento histórico – de época e/
bate, iluminaria o diálogo que o filme pretende esta- ou contemporâneo –, contribuindo não somente para
belecer e a interanimação de vozes promovida entre a construção de conhecimentos, mas também para a
os discursos fílmico e histórico. formulação de discussões acerca da cidadania, do
Numa outra seqüência, Colombo está a caminho poder, das relações e ações políticas, sociais, econô-
de casa quando chega a uma praça em busca do filho e micas e culturais.
aí presencia (visualmente, compartilhando com o pú-
blico a cena) a execução de hereges católicos pela In- Muito mais que “erros” e “acertos”
quisição. Nessa seqüência, o cineasta (e/ou realizado-
res) também buscou um diálogo com o conhecimento Uma outra seqüência do filme, muito elucidativa
histórico; no entanto, para estabelecer a reação respon- para nosso exercício, é aquela em que Colombo entra
siva ou uma ação mais pedagógica (mais voltada para a em casa e imediatamente se encaminha para um canto
construção de conhecimentos propriamente históricos) do cômodo, onde existe uma espécie de lavabo
com relação à época na qual se passa a trama, seria ne- estilizado. Depois de lavar as mãos e enxugá-las, com-
cessário mais conhecimento por parte do público. Nes- pletando a assepsia, encaminha-se para sua esposa para
sas imagens-movimento são representados os rituais de lhe dar a notícia de que conseguiu uma audiência com
execução característicos da Inquisição, com detalhes o Conselho do Rei, na Universidade de Salamanca.
sobre os métodos de punição impostos aos hereges – A seqüência pareceria absolutamente normal, até
enforcamento e depois fogueira para os arrependidos, “didática”, não fosse seu anacronismo absoluto: sa-
ou somente fogueira para aqueles que não se arrepen- bemos que a assepsia só foi incorporada, mesmo nas
dessem, que, nesse caso, eram queimados vivos. O im- práticas médicas ocidentais, no século XIX, e que os
pacto que a visão da cena provoca é enorme.18 hábitos daquela época certamente não podiam ser
A abordagem da seqüência demonstra que o em- esses; um lavabo, mesmo que pequeno, e a preocupa-
prego de filmes como mediadores na construção de ção com assepsia seriam coisas impensáveis numa
conhecimentos históricos demanda que o contexto casa da época. Ela permite-nos constatar a historici-
discursivo seja rico em discursos sobre a história que dade do filme – como sugerem as considerações de
venham a propiciar diálogos mais elaborados com o Marc Ferro (1992; 1979) – apresentando uma contra-
discurso cinematográfico. Também evidencia a im- história, na medida em que um hábito contemporâ-
portância da ação do professor e como uma mesma neo é representado em um filme que pretende retratar
seqüência pode ou não se tornar mediadora nos pro- uma época.
A seqüência revela também que a representação
18
Aqui me refiro às reações observadas em diferentes gru- de um hábito contemporâneo projetado para o passado
pos para os quais tive oportunidade de exibir o filme. (re)construído pelo filme só tem significado no con-

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O cinema na conquista da América

texto de sua produção (também de leitura). Segundo as significado. A imagem-movimento consiste em uma
considerações de Chartier (1989), só aí teria seu signi- mão que segura uma garrafa de vinho e se dirige a um
ficado apreendido pelo público. Se confrontarmos o cálice mais distante, faz que vai verter vinho nele,
discurso cinematográfico com outros discursos da épo- suspende o ato, retorna a um cálice mais próximo e,
ca que o filme (re)constrói, torna-se incontestável o aí sim, serve o vinho. A imagem-movimento, apre-
fato de que não eram esses os hábitos daquele tempo. ciada “isoladamente”, não tem qualquer significado
Analisado sob as proposições bakhtinianas, o discurso além desse. Mas, ao ser inserida no seu contexto do
cinematográfico dialoga com outros discursos da con- filme, passa a “interanimar” a voz do cineasta/reali-
temporaneidade ao cometer esse anacronismo. Nou- zadores com o restante das vozes apresentadas no dis-
tras palavras, ao dialogar com discursos do seu con- curso cinematográfico, e também com as vozes do
texto de enunciação – o contemporâneo, no qual seu discurso histórico. Vejamos, pois, a mesma imagem-
significado pode ser apreendido –, a seqüência denun- movimento dialogando com seu contexto de enuncia-
cia a historicidade do filme. Ao ser confrontada com ção mais próximo, o fílmico, e mais amplo, o do co-
discursos da época que propõe representar na tela, a nhecimento histórico.
seqüência apresenta-se como um erro, uma desinfor- A seqüência inicia-se com a chegada do repre-
mação, um desconhecimento histórico. sentante da monarquia à mesa do representante da
A cena permite que façamos comentários sobre Igreja, num ambiente que nos sugere o “refeitório”
duas importantes questões acerca do emprego de fil- da Universidade de Salamanca. A situação desenro-
mes como ferramenta cultural nesses processos: a ação la-se com discussões sobre a viagem de Colombo e
do professor para esclarecimento do problema não os interesses envolvidos dessas instituições, culmi-
exige dele um profundo conhecimento de época, como nando com a imagem-movimento que descrevemos
ocorre com outras questões apontadas em outras aná- anteriormente. A “mão” que figura na imagem-movi-
lises, o que seria uma exigência exagerada,19 mas, em mento é do personagem que representou a monarquia
contrapartida, evidencia como as obras humanas es- na seqüência em que Colombo expõe seus argumen-
tão imersas nos seus contextos históricos e as dificul- tos na universidade. O outro personagem, de quem é
dades de escaparem da sua historicidade. Assim, mais o cálice “não servido”, é o representante da Igreja que
do que apresentar um “erro” histórico, o professor o acompanha numa refeição com pães e vinho. A des-
poderia explorar o problema para dar significado à crição contextualizada da imagem-movimento seria
disciplina, contribuindo para o esclarecimento de então: na discussão ocorrida no “refeitório” entre os
questões relacionadas a outras disciplinas. representantes da Coroa e da Igreja, acerca da via-
gem de Colombo, são apresentadas as disputas de in-
Imagens-movimento e teresses entre a monarquia e a Igreja, cena na qual
os dois contextos dialógicos observamos que o representante da monarquia inter-
rompe a ação de “servir” vinho ao representante da
Nesse momento da exposição vamos voltar o foco Igreja.20
de análise para uma imagem-movimento que, fora do
tais detalhes estaria mais próxima de uma história factual, tão dis-
contexto fílmico e sem um diálogo com o conheci-
tante dos objetivos e trabalhos da historiografia contemporânea.
mento histórico, seria absolutamente desprovida de
20
A seqüência também apresenta falas dos personagens que
19
Vale lembrar que as produções cinematográficas de quali- reforçam a interpretação que formulamos. No entanto, nossa in-
dade que lidam com contextos de época sempre mantêm um espe- tenção é evidenciar suas características imagéticas e a importân-
cialista como consultor. Assim, seria um disparate exigir de um pro- cia que essas têm num filme, bem como demonstrar a operaciona-
fessor que ele conhecesse em detalhes todas as épocas abordadas lidade metodológica das teses bakhtinianas para analisar a lingua-
por filmes. Em contrapartida, uma análise que buscasse reconhecer gem cinematográfica.

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Roberto Abdala Junior

A imagem-movimento apresenta um significa- pregado como uma ferramenta cultural, um filme deve
do tão importante quanto outras seqüências comple- ser problematizado, não somente no se refere ao seu
tas do filme. Ao dialogar com os discursos que com- conteúdo, como em suas estratégias narrativas e de
põem o conhecimento histórico, não só apresenta convencimento. Nesse sentido, parece fundamental
disputas históricas ocorridas na Espanha por essa que, concebendo a escola como um ambiente de re-
época, como, de maneira metafórica, sugere o des- flexão crítica sobre os valores veiculados pelas mídias,
fecho dessas disputas entre a monarquia e a Igreja. sempre se leve em consideração o caráter das mensa-
O cineasta diz-nos, “metaforicamente” – por meio gens que elas oferecem.
de imagens-movimento – que a monarquia, que até
então “servia” à Igreja, está em vias de não “lhe ser- Ficha técnica do filme
vir” mais. Ao contrário, como atestam os estudos
históricos, é a Igreja que passará a servir à monar- 1492 – A conquista do paraíso, de 1992, dirigido por Ridley
quia como ferramenta na consolidação do Estado Scott e co-produzido por França, Espanha e Estados Unidos. Com:
absolutista espanhol, pelo “aparelho ideológico” da Gérard Depardieu (Cristóvão Colombo), Armand Assante (Sanchez),
Inquisição (Anderson, 1995). Sigourney Weaver (Rainha Isabel), Loren Dean (Fernando), Ángela
Essas reflexões demonstram, com clareza, como Molina (Beatrix), Fernando Rey (Marchena), Michael Wincott
as teses de Bakhtin podem ser aplicadas na realiza- (Moxica), Tchéky Karyo (Pinzon), Kevin Dunn (Capitão Mendez),
ção de uma leitura de filmes: é possível perceber como, Frank Langella (Santangel), Mark Margolis (Bobadilla), Kario Salem
em um discurso cinematográfico, uma imagem-mo- (Arojaz), Billy L. Sullivan (Fernando – 10 anos).
vimento estabelece diálogo com seu contexto mais
imediato – o filme –, e com um contexto mais am- Referências bibliográficas
plo – o da comunicação cultural; nesse caso, o con-
texto configurado pelos discursos da história. É fácil ANDERSON, Perry. As linhagens do Estado absolutista. Trad.
concluir que o reconhecimento desse diálogo amplia, João Roberto Martins Filho. São Paulo: Brasiliense, 1995.
decisivamente, o significado que se poderia atribuir à BAKHTIN, Mikhail. Gêneros do discurso. In: Estética da cria-
imagem-movimento, considerando-se somente o con- ção verbal. Tradução do francês Maria Ermantina Galvão Gomes
texto fílmico. Outra observação importante é que a Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
imagem-movimento que foi foco de nossa análise e . (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. Trad.
que formula um diálogo com os discursos da história Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 1997.
poderia estar realizando o mesmo processo com ou- . O discurso no romance. In: ______. Questões de
tros discursos – políticos, filosóficos, científicos ou literatura e de estética. Trad. do russo Aurora Fornoni Bernadini
culturais da época representada no filme ou da época et al. São Paulo: UNESP/Hucitec, 1998.
na qual foi realizada a produção. BURCKHARDT, Jacob. A cultura do Renascimento na Itália. Trad.
Finalmente, é preciso reconhecer que o fascínio Vera Lucia de Oliveira Sarmento e Fernando de Azevedo Correa.
pelo cinema ou uma boa representação – seja de épo- São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
ca ou temática – não bastam para o envolvimento de BURGOYNE, Robert. A nação do filme. Trad. René Loncan.
um filme em qualquer processo de ensino-aprendiza- Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002.
gem. A qualidade de uma obra cultural sempre deve BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas perspectivas.
ser avaliada, mas deve-se cuidar, sobretudo, para que Trad. Magda Lopes. São Paulo: UNESP, 1992.
o discurso cinematográfico não se converta em “ver- CERTEAU, Michel de. A escrita da história. 2. ed. Trad. Maria de
dade” (nem mesmo um documentário), uma vez que Lourdes Menezes Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.
é característico dos seus dispositivos levar o público CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representa-
a esse tipo de percepção. Assim, para poder ser em- ções. Trad. Maria Manuela Galhardo. Lisboa/São Paulo: Difel, 1989.

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O cinema na conquista da América

.(Org.) . Práticas da leitura. Trad. Cristiane Nasci- Trad. Javier Zanón e Montserrat Cortés. Barcelona: Paidós Iberica,
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WERTSCH, James V. Vygotsky y la formación social de la mente. Aprovado em julho de 2007

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Resumos/Abstracts/Resumens

das seguintes questões: de que forma En este trabajo es discutida la relación Palavras-chave: história; cinema;
podemos saber mais sobre a infância a entre arte, educación e infancia a partir construção do conhecimento histórico
partir de metáforas da arte contemporâ- de las siguientes cuestiones: ¿de qué The cinema in the conquest of
nea? O que a arte contemporânea pode forma podemos saber más sobre la America: a film and its dialogues
dizer para a docência da infância? De infancia a partir de metáforas del arte with history
que modo a docência vê a infância e contemporáneo? ¿Qué puede decir el The article seeks to deal with a classical
sua arte? Podemos pensar em uma di- arte contemporáneo para la docencia de question, particularly present in the
mensão estética da formação docente la infancia? ¿De qué modo la docencia relation between teachers and film-
para a infância? Na esteira dessas ve la infancia y su arte? ¿Podemos makers: films and processes of learning.
questões, debato também sobre o lugar pensar en una dimensión estética de Based on works by James Wertsch, a
da arte nas políticas públicas para edu- formación docente para la infancia? En psychologist who has been searching
cação infantil, especialmente no que el rastro de esas cuestiones, debato for “approaches” between the theses of
diz respeito à formação docente e à también sobre el lugar del arte en las Vygotsky and Bakhtin, these reflections
ampliação do ensino fundamental para políticas públicas para la educación aim to demonstrate that the arguments
nove anos. Como interlocutores privi- infantil, especialmente a la formación of these and other authors who study
legiados para essa discussão, Deleuze, docente y a la ampliación de la the cinema – also from the Bakhtinian
Nietzsche e Agamben. enseñanza fundamental para nueve perspective – can be articulated in the
Palavras-chave: dimensão estética e años.. Como interlocutores privilegiados sense of suggesting strategies for using
docência; infância; arte contemporânea para esta discusión, Deleuze, Nietzsche films in the process of constructing
e educação y Agamben. historical knowledge. Finally, we
Art and contemporary metaphors Palabras claves: dimensión estética y propose a practical exercise based on
for reflecting on childhood and docencia; infancia; arte the film 1492 - The conquest of
education contemporáneo y educación paradise, by Ridley Scott.
This paper discusses the relation Key words: history; cinema;
between art, education and childhood Roberto Abdala Junior construction of historical knowledge
by means of the following questions: O cinema na conquista da América: El cine en la conquista de América:
how can we know more about um filme e seus diálogos com a una película y sus diálogos con la
childhood by means of contemporary história historia
art metaphors? What message could O artigo procura lidar com uma El artículo busca trabajar con una
contemporary art have for teachers? questão clássica, especialmente cuestión clásica, presente
How do teachers regard infancy and its presente entre professores e cineastas: especialmente entre profesores y
art? Can we think of an aesthetic os filmes e os processos de cineastas: las películas y los procesos
dimension of teacher training for aprendizagem. Baseado em trabalhos de aprendizaje. Basados en trabajos de
children? On the basis of these de James Wertsch, psicólogo que vem James Wertsch, psicólogo que viene
questions, the text discusses the very buscando encontrar “aproximações” buscando encontrar “aproximaciones”
place of art within public policies of entre as teses de Vygotsky e Bakhtin, entre las tesis de Vygotsky y Bakhtin,
child education, particularly with as reflexões buscam demonstrar que os las reflexiones buscan demostrar que
regard to teacher training and the argumentos desses e de outros autores los argumentos de esos y otros autores
recent extension of basic education in que estudam o cinema – também pelo que estudian el cine – también bajo el
Brazil from eight to nine years. viés bakhtiniano – podem ser mirar bakhtiniano – pueden ser
Deleuze, Nietzsche and Agamben are articulados no sentido de sugerir articulados en el sentido de sugerir
the privileged interlocutors for this estratégias para empregar filmes nos estrategias para emplear películas en
debate. processos de construção do los procesos de construcción del
Key words: aesthetic dimension and conhecimento histórico – escolar ou conocimiento histórico – escolar o no.
teaching; childhood; contemporary art não. Ao final, a partir do filme 1492 – Al final, a partir de la película 1492 –
and education A conquista do paraíso, de Ridley La conquista del paraíso, de Ridley
Arte y metáforas contemporáneas Scott, propomos um exercício prático Scott, proponemos un ejercicio
para pensar en infancia y en que operacionaliza a argumentação práctico que realiza la argumentación
educación formulada anteriormente. formulada anteriormente.

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Resumos/Abstracts/Resumens

Palabras claves: historia; cine;


construcción del conocimiento
histórico

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