Observação: este artigo foi apresentado e publicado nos anais da International Conference on Engineering and Computer
Education, São Paulo, Brazil, August 27 to 30, 2000
I. Introdução
O ensino do Direito deve ser direcionado aos aspectos essenciais à formação do profissional
cidadão. Pretende-se que o profissional seja capaz de entender seus direitos e obrigações
profissionais. Entretanto, o processo de aprendizagem adequado deverá ser capaz também de
incutir na pessoa do profissional as noções básicas de seus direitos e deveres individuais, bem
como de cidadania e ética. Há que se ter sempre em mente que as regras existem para disciplinar
relações de forma a tornar a convivência social mais harmônica. E o Direito é o conjunto de tais
normas. Assim, é possível afirmar que a função do Direito é evitar a ocorrência de injustiças.
Porém, em muitos casos o conteúdo da disciplina de Direito vem sendo ministrada de acordo com
o método tradicional do curso de Direito, tornando sua aprendizagem desestimulante ao
profissional da informática. Neste passo, cumpre observar que a aptidão desse profissional, muitas
vezes, não está afinada com o Direito. A metodologia utilizada no processo que envolve a
aprendizagem deve ser direcionada a aspectos que se identifiquem com o aprendiz, de forma a
despertar-lhe o desejo de adquirir conhecimento.
De maneira geral, o ensino universitário deve estar sempre vinculado à realidade que cerca, ou
cercará, o futuro profissional. Um processo de ensino que desvincule a teoria da prática tem menor
chance de aproveitamento, ainda mais no tocante a disciplinas não específicas do curso. O
aprendizado deve pertencer ao espaço que o cerca e ao momento em que é ministrado. Deve-se
procurar despertar no aprendiz o desejo em aprender, ou seja, a universidade deve rejeitar um
modelo que não exercita a criatividade, não identifica nem analisa problemas concretos a serem
estudados, que não incentiva o hábito de um estudo crítico.
Dessa forma, o processo de aprendizagem do Direito por parte do profissional da informática deve
guiar-se pela vinculação a aspectos práticos, analisando-os e buscando, nessa análise, transmitir
ao aprendiz noções básicas de direito, cidadania e ética que devem ser parte integrante de sua
vida.
A formação jurídica do profissional de informática deve iniciar-se por noções básicas sobre leis. É
importante que ele saiba o que é uma lei (regra geral, emanada de autoridade competente e
imposta à obediência de todos de modo coativo), bem como conheça a hierarquia existente entre
as normas constitucionais (previstas na Constituição Federal, bem como as Emendas
Constitucionais), legais (integrantes das leis complementares, ordinárias e delegadas, bem como
as medidas provisórias, que tem força de lei) e infralegais (contidas, por exemplo, em decretos,
instruções normativas, resoluções, portarias, ordens de serviço). Com tal conhecimento, o
profissional poderá fazer uma primeira avaliação da necessidade de cumprimento de uma norma,
já que uma lei que contrarie a Constituição é inconstitucional e um decreto que contrarie a lei é
ilegal [3] [5].
Na figura abaixo é ilustrada, de forma simplificada, a hierarquia das normas. No topo da pirâmide
estão as normas constitucionais, no centro as leis complementares, as leis ordinárias, as leis
delegadas e as medidas provisórias. As normas infralegais (decretos, resoluções, instruções
normativas, portarias, circulares e ordens de serviço) estão representadas na parte inferior.
Assim, pode-se explorar tal hierarquia utilizando exemplos hipotéticos, como por exemplo, um
contexto em que uma lei preveja que determinado tributo deva incidir em percentual de 1% da
venda de determinado produto e um decreto prescreva para a mesma operação um percentual de
2%. Conhecedor da hierarquia das normas, mediante avaliação prévia, o profissional estará apto a
concluir pela ilegalidade do decreto. Por óbvio, não poderá simplesmente deixar de recolher o
tributo, sob pena de vir a ser autuado pela administração, mas conhecerá seu direito e procurará
defendê-lo através de uma ação a ser intentada em juízo por profissional habilitado a fazê-lo.
Aliado aos conhecimentos acima apontados, também deve o profissional ter noções sobre vigência
da lei e sua eficácia, ou seja, saber quando a lei existe no mundo jurídico e quando produz efeitos.
O ensino pormenorizado das teorias existentes a respeito das normas jurídicas deve ser, na
medida do possível, evitado, uma vez que tal conhecimento é mais pertinente às necessidades do
profissional especializado na área jurídica.
O ensino das normas deve, ainda, valer-se de exemplos práticos de normas aplicáveis ao
profissional de informática, fazendo com que o profissional entenda para que servirão tais
conhecimentos. Como exemplo, pode-se citar a Lei n. 9609 de 19 de fevereiro de 1998, que dispõe
sobre a proteção à propriedade intelectual do software e sua comercialização no país [9].
II.2. Contratos
O profissional da área de Computação e Informática deve conhecer regras básicas sobre contratos
(acordos de vontade celebrados entre partes para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou
extinguir direitos), tanto no que concerne à sua celebração, quanto à exigibilidade, direitos e
obrigações dele resultantes.
Os contratos podem ser civis, comerciais e de consumo. Serão contratos comerciais aqueles
firmados entre pessoas que tenham a qualidade de comerciante (aquele que realiza a
intermediação com habitualidade e fins lucrativos) e que sejam firmados a fim de propiciar a
realização de atividades mercantis. Serão civis os contratos firmados entre pessoas que não se
revistam da qualidade de comerciante, ou que não estejam contratando nessa qualidade. Serão de
consumo os contratos firmados entre comerciante ou prestador de serviço e consumidor final [1] [6]
[7]. A exploração destes tipos de contratos é importante para o profissional.
A fim de ilustrar as distinções, pode-se utilizar uma situação na venda de um computador. Quando
a loja revendedora adquire da empresa fabricante o computador, entre elas está estabelecido um
contrato comercial. Caso alguém que possua um computador queira vendê-lo, por exemplo, a um
amigo, este será um contrato civil. Será de consumo, por sua vez, a compra de um computador por
um consumidor final. A importância da distinção está nos efeitos que cada contrato gera, conforme
seja civil, comercial ou de consumo.
Nos contratos são inseridas cláusulas que regulam o negócio jurídico a ser celebrado. Como
exemplo pode ser citado o contrato de licenciamento de software, utilizado pelo profissional de
informática como forma de proteção do programa, no qual há a presença de cláusulas proibitivas
que impedem a circulação do software além dos licenciantes.
II.3. Responsabilidade Civil
As noções de responsabilidade por danos devem ser cuidadosamente ensinadas. A evolução das
relações sociais traz problemas correlatos que ensejam danos e merecem reparação. Este é o
campo da responsabilidade. Tais danos podem advir tanto de relações contratuais quanto
extracontratuais, ambas indenizáveis [11]. São indenizáveis os danos causados no âmbito civil,
comercial e das relações de consumo. Aliás, nesse ponto, o Código de Defesa do Consumidor tem
ampla aplicação ao profissional de informática.
O profissional da informática poderá atuar como fornecedor, como empregado de empresa que se
revista da qualidade de fornecedor, como prestador de serviço ou como profissional liberal. Deverá,
portanto, conhecer suas responsabilidades básicas relacionadas aos consumidores. Nesse ponto
deverá estar ciente, também, de que feita a reclamação pelo consumidor tem o fornecedor prazo
para sanar o vício do produto ou do serviço. A resposta negativa à reclamação ou a ausência de
resposta do fornecedor faz nascer o direito do consumidor de exigir uma de três opções: a)
substituição do produto por outro da mesma espécie em perfeitas condições de uso; b) restituição
imediata da quantia paga corrigida monetariamente, sem prejuízo, eventualmente, de perdas e
danos e; c) abatimento proporcional do preço. Esse direito vem amparado por lei e, uma vez
descumprido, sujeita o infrator a diversas sanções que vão da multa até a condenação a reparação
de danos.
Os direitos acima apontados são válidos apenas para os trabalhadores com vínculo empregatício,
que são as pessoas físicas que prestem serviços de natureza não eventual a um empregador, sob
sua dependência e mediante salário, conforme descrito no artigo 3o da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT).
O profissional deverá estar ciente de suas obrigações para com o Fisco. Nos seus rendimentos
incidirão tributos, tanto nos valores recebidos em razão de vínculo empregatício, quanto naqueles
decorrentes de outras formas de prestação de serviços. Os tributos existem para fins de realização
da justiça social, já que os gastos estatais devem ser suportados pelo elemento humano do Estado
(o povo), na medida de sua capacidade de contribuir para tal financiamento [2].
Pode-se definir os tributos, com base na definição legal, como prestações em moeda ou cujo valor
possa exprimir-se em moeda, de caráter obrigatório, que não constituam sanção por ato contrário a
lei, criados mediante lei e cobrados mediante atividade administrativa vinculada à descrição contida
na lei. Também incidirão tributos nas atividades exercidas por empresa que possa vir a ser
constituída pelo profissional da informática, ou seja, o direito tributário fará parte de sua vida.
II.7. Cidadania
A formação ética do profissional deve sempre ser valorizada, ainda mais em um momento em que
a privacidade está a um passo de ser cada dia mais rechaçada em face da crescente
modernização dos sistemas de comunicação.
Segundo Masiero [8], a administração dos sistemas computacionais que oferecem serviços de
acesso à Internet, como os provedores da Internet, são normalmente administrados pelos
profissionais da informática. Nesse exercício, eles atuam como intermediários entre os provedores
de conteúdo e os consumidores. Espera-se que estejam capacitados para a adoção de
comportamento profissional que dificulte a propagação de condutas consideradas restrições legais
e éticas. A valorização da formação ética do profissional da Computação e Informática atende ao
sentimento social no sentido de que se espera que todo profissional esteja apto a adotar uma
conduta profissional ética.
Algumas condutas que violam normas éticas constituem também atos contrários à lei. Como
exemplo de conduta ilícita pode-se citar a violação do sigilo, da privacidade e da segurança na
manipulação de dados eletrônicos, principalmente aqueles que concernem ao endereços
eletrônicos (e-mails).
Quanto à administração do banco de dados, deverá estar ciente, também, de que a transmissão
dos dados pessoais armazenados, sem autorização pode ensejar reparação de danos
eventualmente causados, já que constituirá violação da intimidade, garantida pela Constituição
Federal. Aliás, nesse ponto a entidade mantenedora de tais dados, ainda que particular, é
considerada de caráter público podendo ser parte em processo de habeas data. Tal processo é o
meio jurídico pelo qual as pessoas podem assegurar-se do conhecimento de informações a seu
respeito contidas em registros ou banco de dados governamentais ou de caráter público, com a
possibilidade de retificar tais registros. Neste ponto, recebida uma ordem judicial para que se dê
conhecimento das informações contidas no banco de dados à pessoa do impetrante, deverá o
profissional estar ciente da necessidade de cumprimento.
Também deve ser estudada a questão do acesso não autorizado, efetivado pelos denominados
hackers, que são indivíduos capazes de enganar os mecanismos de segurança dos sistemas de
computação com habilidade, conseguindo acesso não autorizado a informações de tais sistemas.
Esse acesso pode ser feito inclusive partindo-se de uma conexão remota, como nos casos em que
se utiliza para tal prática a Internet.
Não obstante ser considerado para alguns um desafio, constitui forma de violação, que pode gerar
responsabilização no campo cível ou até mesmo no criminal. Neste, ainda não foi editada lei que
preveja punição específica em razão da prática, mas o acesso não autorizado pode se enquadrar
em outra conduta que esteja prevista em lei como crime, caso em que o agente será
responsabilizado penalmente. No tocante à responsabilização no campo civil, ela poderá ocorrer
no caso em que esteja configurado o dano. De qualquer forma, ainda que a conduta realizada não
se qualifique como ilícita, ela sempre será antiética, devendo ser sempre evitada.
Enfim, muitas outras questões importantes de ética, violação de sigilo, privacidade e segurança de
dados eletrônicos poderão e deverão ser discutidas em dinâmicas de grupo na sala de aula e em
situações atuais pesquisadas pelos alunos e docente.
Ao tutelar o software, a lei não o protege em sua totalidade, mas apenas o programa, ou seja, o
código fonte. Tal proteção é definida pela Lei 9609/98, conhecida como lei do software, como "a
expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contido
em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquina automáticas de
tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseado em
técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados".
A importância de tal diferenciação da forma de proteção encontra guarida nos diferentes requisitos
essenciais para a proteção. Enquanto a tutela da propriedade industrial é concedida àquele que
primeiro solicitou o registro ou a patente ao órgão competente, a tutela do direito autoral nasce com
a criação da obra intelectual (obra artística, científica, literária ou programa de computador). Criada
a obra, surge o direito à sua exploração econômica. Assim, o registro do software (programa de
computador) realizado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial não tem efeito constitutivo
(efeito capaz de garantir àquele que primeiro registrou o direito exclusivo de exploração), como tem
quando são registrados inventos, modelos de utilidade, desenho industrial e marcas. Por tratar-se
de direito autoral, o registro do software tem apenas efeito declaratório. Neste caso, se
demonstrado que determinada pessoa foi quem criou o programa de computador, esta terá os
direitos referentes à sua exploração econômica, ainda que outra tenha efetivado o registro.
Outra diferença entre o direito industrial e o autoral está relacionada à extensão da tutela jurídica,
que enquanto o primeiro protege a própria idéia inventiva, o segundo cuida apenas da forma em
que a idéia se exterioriza [1].
A Lei 9609/98 dispõe ainda sobre diversos outros assuntos relevantes para o profissional da área
de computação e informática, como a propriedade do software nas relações trabalhistas,
responsabilidade e crimes praticados em decorrência da violação de direitos autorais. Recomenda-
se que tal lei seja pormenorizadamente estudada, bem como o estudo da Lei 9610/98, que se
aplica, no que couber, à proteção jurídica do programa de computador.
III. Conclusões
Neste trabalho foram apresentados tópicos da área jurídica que são importantes para a vida
profissional dos egressos de cursos da área de Computação e Informática. Defende-se a
necessidade dos conceitos jurídicos a todos os aprendizes, como forma de conscientização para o
exercício da ética e cidadania.
O Direito, tal qual a informática, é bastante dinâmico. Assim, o que aqui apresentado pode, a curto
espaço de tempo, deixar de sê-lo. O Direito vem atender às necessidades sociais e por isso sofre
variações quando esta se altera. Por óbvio, qualquer relação decorrente das atividades ligadas à
informática é mutável e o Direito, bem como, sua aprendizagem deverá acompanhar tais
mudanças.
Referências Bibliográficas
[1] F.U. Coelho, Curso de Direito Comercial, 3ª ed. v.1. Editora Saraiva, São Paulo, 2000.
[2] H.B. Machado, Curso de Direito Tributário. 17ª ed. Editora Malheiros, São Paulo, 2000.
[3] J.A. Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo. 17ª ed. Editora Malheiros, São Paulo, 2000.
[4] M.D. Varella, Propriedade intelectual de setores emergentes, Editora Atlas, São Paulo. 1996.
[5] M.H. Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro, V.1, Editora Saraiva, São Paulo, 1999.
[6] N. Nery Jr; A.P. Grinover, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 6ª ed., Editora Forense Universitária, Rio de
Janeiro, 1999.
[7] O. Gomes, Contratos, 20a Edição, Editora Forense, 2000.
[8] P.C. Masiero, Ética em Computação, Editora USP, São Paulo, 2000.
[9] Pricewaterhouse Coopers, Lei do Software e Seu Regulamento, Série Legis-Empresa, Editora Atlas, São Paulo, 1999.
[10] S.P. Martins, Curso de Direito do Trabalho. 2ª ed., Editora Dialética, 1999.
[11] S. Rodrigues, Direito Civil - Responsabilidade Civil ,17a Edição, Vol. 4, Editora Saraiva, 1999.
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