Anda di halaman 1dari 209

UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

CABOCLOS, ERVATEIROS E CORONÉIS:


LUTA E RESISTÊNCIA EM PALM EIRA DAS M ISSÕES

LURDES GROLLIARDENGHI

Dissertação de M estrado na área de


História Regional, apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
História como requisito parcial para
a obtenção do grau de mestre em
História sob a orientação da Profª.
Doutora Loiva Otero Félix.

Passo Fundo, j
aneiro de 2003
__________________________________________________________________

A676c Ardenghi, Lurdes Grolli


Caboclos, ervateiros e coronéis :luta e resistência em Palmeira das
Missões /Lurdes Grolli Ardenghi. – 2003.
210 f.

Dissertação (mestrado)– Universidade de Passo Fundo, 2003.

1. História – Palmeira das Missões 2. História regional 3. Relações depoder 4. Terra 5.


CoronelismoI. Título.

CDU:981.65

____________________________________________________________________
Catalogação na fonte:Schirlei Teresinha da Silva VazCRB 10/
1364
FOLHA DE APROVAÇÃO
BANCA EXAMINADORA

DRª. LOIVA OTERO FÉLIX UPF - Presidente da banca

DR. BENITO BISSO SCHMIDT UFGRS

DRª. ELIANE LÚCIA COLUSSI UPF


O estudo das feridas da história, de suas
paixões e de suas febres sociais, dos
estigmas que estas deixam, ainda pode nos
ensinar muita coisa sobre a relação
patológica que uma sociedade mantém
consigo mesma. A estranheza perturbadora
que emana dos fenômenos percebidos por
nós (mas também pelos contemporâneos)
como insensatos, revela as perguntas que o
corpo social formula a respeito de sua
própria identidade e os perigos que tenta
exorcizar segundo o registro próprio de sua
época.
Dominique Julia
AGRADECIMENTOS

Em especial, ao Alfredo e aos meus filhos, Patrícia, Luciana, Daniela e Alfredo Filho,
agradeço o incentivo, o apoio e a compreensão pelas ausências e momentos de convívio
roubados.
À professora Drª. Loiva Otero Félix, um agradecimento especial, pelo estímulo,
amizade e competente orientação. As indicações de leituras, locais de pesquisa, discussões e
sugestões possibilitaram que esse trabalho se concretizasse. Seu exemplo de superação
desafiou- me a vencer as dificuldades.
Aos professores da Universidade de Passo Fundo, em especial àprofessora Drª. Ana
Luiza Reckziegel, pelas sugestões e apoio. À professora Drª. Eliane Lúcia Colussi, pelas
contribuições na construção da temática. Aos professores Drs. Fernando Camargo, Astor
Diehl e Mário Maestri pelas sugestões na qualificação e defesa do projeto.
Ao Dr. Benito Bisso Schmidt pelas sugestões e avaliação deste trabalho quando da
defesa do mesmo.
A Cristiane e Denise, amigas com as quais partilhei avanços e angústias, obrigada pelo
companheirismo e amizade. Aos demais colegas, obrigada pela convivência enriquecedora.
Às pessoas amigas, que acreditaram e incentivaram a realização do presente trabalho,
obrigada. À direção e colegas do Colégio Pio X e do Instituto de Educação Estadual Borges
do Canto, pelo apoio e compreensão. Em especial, às amigas Dione Lima Ribeiro, pela
colaboração na revisão do texto, Nádia Scariot e Elza Mafalda pelas contribuições.
Às pessoas que concederam entrevistas, agradeço pela disposição e contribuições,
especialmente ao Dr. Mozart Pereira Soares, que pela sua sapiência, contribui para a
construção da história regional. Aos familiares de Leonel Rocha pela atenção e
disponibilidade.
Aos funcionários dos arquivos e instituições de pesquisa, pela disponibilidade e apoio
na coleta de dados.
RESUMO

O passado de lutas, que envolve o município de Palmeira das Missões, se constitui no


tema deste trabalho, buscando investigar as motivações que impulsionavam as facções em
confronto e a permanência de relações conflitantes, ma nifestadas no jogo político. Através da
pesquisa e análise de correspondências, relatórios, processos judiciais, jornais, entrevistas e
obras produzidas, o presente estudo é uma tentativa de reconstrução histórica das lutas e
resistências que marcaram a sociedade regional no período da República Velha. A freqüência
e a gravidade dos combates que ocorreram na região da Grande Palmeira, fizeram com que o
município fosse identificado com representações que o qualificam como espaço de violência.
A área geográfica nativa, constituída de áreas de campo e mata, deu origem à
construção de um espaço diferenciado e a conseqüente formação de grupos sociais distintos,
em permanente animosidade. De um lado, o poder do campo, constituído pelos coronéis-
latifundiários e, de outro, o poder do mato, constituído pelos caboclos, pequenos
proprietários, posseiros e ervateiros.
A temática remete a questões relacionadas com a posse da terra e às relações de poder,
em que a estrutura do coronelismo se impõe como fator determinante para a análise, buscando
explicar a cristalização dos conflitos, associados a questões socioeconômicas e diferenciados
dos confrontos estaduais. O grupo oposicionista – poder do mato – aliava-se nos confrontos
estaduais, aos fazendeiros da Campanha gaúcha, que apresentavam composição e
características distintas em relação ao grupo local. O estudo procura reconstituir a trajetória de
Leonel Rocha, como representante dos pequenos e médios agricultores, ervateiros e
posseiros, identificado como o caudilho a pé, buscando as razões que mantiveram acesos os
conflitos.

Palavras-chave: Palmeira das Missões, relações de poder, terra, Leonel Rocha,


coronelismo.

7
ABSTRACT

The past of fights that involv the city of Palmeira das Missões, set up the subject
of this work, searching for to investigate the causes that push forward the factions in confront
and the permanence of relations ships in conflict, manifested in the politic game.
Across of search and aralysis of corres pondences, reports judicious processes,
news papers interviews and produced works, the present work is a attempt of reconstruct the
history of fights and resistance that marked the regional society in the period of old Republic.
The frequency and the gravity of the combats that happened in the region of big Palmeira
became the city recogniced as na space of violence.
The geografic native area, constituted of areas of fied and wood land, gave origin
for the construction of different space and the consequent formation of different social groups
in permanent conflict. To one side, the power of field, constituted by colonel-big owners and
the other side, the pawer of woodland, constituted by small owners, squatters and extractor of
herb trees.
The subject consigns to questions related with the possession of land and and the
relationbhips of power, which the structure of the colonelism imposes as a decisive factor for
the analysis, searching for to explain the crystallization of conflicts associated to for social
and economics questions and different of the state conflicts. The opposite group – pawer of
woodland – associated, in the state conflicts, with the famers of the west of Rio Grande do
Sul, that presented different composition and characteristies in relation to the local group. The
learning look for to reconstitute the trajectory of Leonel Rocha, as representative of small and
medium agriculturists, owners of herb trees and squatters, identified as the “caudilhist on
foot”, searching for the reasons that maintain lighted the conflicts.

Key-words: Palmeira das Missões, relationships of power, land, Leonel Rocha,


colonelism.
SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ........................................................................................................ v
RESUMO ............................................................................................................................. vi
ABSTRACT ........................................................................................................................ vii
LISTA DE ABREVIAÇÕES ............................................................................................... x
LISTA DE FIGURAS .......................................................................................................... xii
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12
CAPÍTULO 1 – PODER DO CAMPO & PODER DO MATO :
Construção do espaço e agentes sociais............................................................................... 28
1.1. A ocupação do espaço e a identidade regional ............................................................. 28
1.1.1. A ocupação da mata ................................................................................................... 38
1.1.2. A ocupação dos campos nativos ................................................................................ 46
1.2. Caboclos, ervateiros e coronéis .................................................................................... 48
CAPÍTULO II – A QUESTÃO DA TERRA E O PODER LOCAL................................... 59
2.1. A ocupação primitiva e a emergência de conflitos ....................................................... 60
2.2. Os ervais do Campo Novo e as disputas pela terra....................................................... 67
2.3. A posse da terra e a legislação. ..................................................................................... 75
2.3.1. O período republicano. .............................................................................................. 76
2.3.2. O positivismo e a questão agrária. ............................................................................. 79
2.3.3. A Lei de Terras de 1899 e seus desdobramentos....................................................... 83
CAPÍTULO III – LUTA E RESISTÊNCIA ........................................................................ 94
3.1. Palmeira das Missões: A violência como parte do cotidiano... .................................... 94
3.1.1. ... nos últimos anos do Império. .................................................................................. 97
3.1.2. ... e quando che ga a República. ............................................................................... 100
3.2. A violência exteriorizada na Revolução. ...................................................................... 107
3.2.1. A chacina do Boi Preto .............................................................................................. 109
3.3. Os caboclos vão à luta. ................................................................................................. 112
CAPÍTULO IV – O PODER DO MATO: REPRESENTAÇÃO E IMAGINÁRIO........... 116
4.1. Leonel Rocha – “o caudilho a pé”. ............................................................................... 116
4.1.1. O Levante de 1902. .................................................................................................... 123
4.2. Coronéis & coronéis. .................................................................................................... 134
4.3. Palmeira nas Missões na Revolução de 1923. .............................................................. 140
4.3.1. O olhar do poder. ....................................................................................................... 152
4.3.2. A pacificação. ............................................................................................................ 157
4.3.3. A paz inconclusa. ....................................................................................................... 162
4.4. Caboclos e colonizadores na Fazenda Sarandi. ............................................................ 174
4.5. Por que lutou Leonel Rocha?........................................................................................ 184
4.5.1. O imaginário .............................................................................................................. 190
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 194
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................. 199
FONTES .............................................................................................................................. 204
ANEXOS:............................................................................................................................ 206
Nº1: Abaixo-assinado dos moradores de Campo Novo ao Imperador D. Pedro II ........... 207
Nº2: Composição apresentada no 3ºCarijo da Canção Gaúcha:
Por que lutou Leonel Rocha?.............................................................................................. 209
Nº3: Oração de Santa Catarina .......................................................................................... 210

10
LISTA DE ABREVIAÇÕES

AAM/CPDOC/FGV : Arquivo Antunes Maciel – Centro de Pesquisa e Documentação -


Fundação Getúlio Vargas.
ABM/IHGRS: Arquivo Borges de Medeiros - Instituto Histórico e Geográfico do Rio
Grande do Sul.
AHRS: Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
AL : Aliança Libertadora
AFC/UFRGS: Arquivo Flores da Cunha – Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
APRS: Arquivo Público do Rio Grande do Sul
AVaD/IHGRS: Arquivo Vazulmiro Dutra – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande
do Sul.
FUG: Frente Única Gaúcha.
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
IHGRS: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul
MCSHJC: Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa
NHP/UPF: Núcleo de História Política – Universidade de Passo Fundo.
PL: Partido Libertador.
PRD: Partido Republicano Democrático.
PRR: Partido Republicano Rio-Grandense.
INTRODUÇÃO

“... daria para viver muito bem aqui, se não fosse a


constante competição partidária, com conseqüentes
intrigas e rixas, de tal modo, que viver em paz é
quase impossível. Quem quiser tranqüilidade terá
que tapar os ouvidos, para não escutar, vendar os
olhos para não enxergar”. 1

Os confrontos armados que ocorreram no Rio Grande do Sul, durante a fase da


República Velha, foram particularmente marcantes no município de Palmeira das Missões,
onde federalistas e republicanos mantiveram um clima de belicosidade que, de certa forma,
explica a formação do imaginário de violência, presente na memória coletiva e na
historiografia. Desvendar a trama de relações que contribuíram para manter acesos os
antagonismos, buscando os motivos que impulsionaram os confrontos, é o objetivo a que nos
propusemos no presente trabalho.
Pretendeu-se investigar, através da reconstituição do passado de lutas, as relações de
poder que se estabeleceram ao longo do processo histórico, e que marcaram o município,
colocando em confronto dois grupos distintos, o poder do campo e o poder do mato2 . O foco
se volta, especialmente, sobre o poder do mato, que sustenta uma luta em condições adversas,
liderado pelo “caudilho a pé”, Leonel Rocha, mobilizando a população cabocla das áreas
florestais e conseguindo manter em constante tensão o poder constituído, representado pelos
coronéis- latifundiários, cooptados ao governo castilhista/borgista. Sobretudo, pretendeu
reconstruir a atuação dos sujeitos históricos marginalizados no processo de ocupação e
esquecidos na maior parte da historiografia regional.
O estudo abrange a área primitiva do município de Palmeira das Missões, situado no
Planalto Rio-Grandense e designado historicamente de Grande Palmeira, numa área de

1
Maximiliano Beschoren nas suas impressões sobre a Vilinha da Palmeira, em 1877, numa época em que,
segundo ele, havia 400 a 500 habitantes na sede, e cerca de 9.000 em todo o município. Ver: BESCHOREN,
Maximiliano. Impressões de viagem na província do Rio Grande do Sul (1875-1887). Porto Alegre: Martins
Livreiro, 1989. p. 78.
2
FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. 2º edição. Editora da Universidade/UFRGS.
Porto Alegre. 1996. p. 95 e 96. Destaca, em sua obra, o confronto entre o “poder do mato (representado pelos
ervateiros, lavoureiros e chacareiros, identificados com as forças da oposição política) e o poder do campo
(representado pelos estancieiros, identificados com as forças do situacionismo)”.
15.600 quilômetros quadrados, que se estendia até as margens do rio Uruguai, apresentando
vegetação nativa que entremeava campos e matas. Tal especificidade gerou uma formação
dicotômica, com processos históricos diferenciados e guardando, até hoje, traços
socioeconômicos e culturais que permitem perceber duas nítidas configurações de identidade
regional. Atualmente, este território constitui um grande número de municípios que vieram a
se emancipar numa fase posterior aos fatos a serem investigados.
Partimos da idéia de região como um corte analítico na espacialidade e com
múltiplos fatores interferentes, considerando-se, além dos aspectos físicos, os elementos de
ordem cultural, política, econômica e ideológica, presentes num determinado espaço. Não
pode ser tomada como parte isolada, mas sim como parte de um sistema global do qual foi
recortada, em que múltiplos fatores, que constituem o seu entorno, nela são interferentes. A
região possui identidade própria, porém articulada a um sistema maior. Em suma, a região
deve ser vista como um produto da ação humana, como um espaço vivido e com uma carga de
historicidade própria, que influi na contemporaneidade. 3
Assim, o recorte espacial que estabelecemos permite a análise das manifestações do
imaginário social, na região em estudo, que é percebida como um espaço de violência,
envolvendo a intrincada rede das relações de poder, cujas marcas estão presentes muito além
do tempo dos confrontos reais, em manifestações da memória coletiva.
O recorte temporal situa-se, predominantemente, no período da República Velha,
extrapolando esse limite, quando necessário, para a compreensão do contexto histórico que
envolve os acontecimentos. Nesse período, o município foi palco de lutas coronelistas entre
maragatos e chimangos, decorrentes das rivalidades locais associadas aos conflitos na esfera
estadual, dentre elas, a Revolução Federalista de 1893, a Revolução de 1923 e, na esfera
federal, a passagem da Coluna Prestes, em 1924, e a Revolução Constitucionalista de 1932, na
qual Palmeira teve uma participação peculiar com o 3o Corpo Provisório, denominado Pé-no-
Chão. Evidencia-se, também, um levante ocorrido em Palmeira, em 1902, ainda pouco
estudado, o que demonstra que as animosidades foram constantes, manifestando-se de formas
diversas, mesmo quando não havia um confronto declarado.
A temática desenvolvida originou-se da constante referência ao passado de violência
que marca o imaginário coletivo. Os antigos habitantes assistiram a constantes mobilizações
armadas de grupos rivais, que marcaram o cotidiano e o papel geopolítico do município na
esfera estadual. Essa característica se manifesta freqüentemente na historiografia, em

3
Ver RECKZIEGEL, Ana Luiza. “História regional: dimensões teórico conceituais”. In. História:debates e
tendências. Passo Fundo, v.1, Ediupf. 1999. p.15-22.
13
documentos, jornais da época e, sobretudo, na memória coletiva. Como tema recorrente nas
representações e no imaginário social, constituiu-se em um fator de controvérsias e
indagações, escamoteado às vezes, por trazer à tona questões que, segundo a visão de alguns,
deveriam ser apagadas, mas que a memória teima em fazer ressurgir, pois, conforme Pierre
Nora: “a memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em
permanente evolução aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas
deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, suceptível de longas
latências e de repentinas revitalizações”. 4
A investigação inicial, buscando delimitar o tema, levou- nos ao levantamento das
obras produzidas, em nível local e regional, como também a obras relativas à República Velha
e aos temas a ela relacionados. A revisão bibliográfica conduziu a algumas certezas e a
questionamentos que permitiram estabelecer os pressupostos iniciais da pesquisa. Nesse
sentido, algumas obras tiveram especial relevância, apontando lacunas e possibilidades para
avançar na investigação histórica.
A obra do escritor palmeirense Mozart Pereira Soares, Santo Antônio da Palmeira,5
serve de referência para estudo do município, destacando as linhas gerais da ocupação e
evolução histórica. Apoiada em consistente pesquisa documental e acrescida de registros de
contemporâneos dos fatos, pela sua abrangência, abre possibilidades para novos enfoques e
investigações. Aponta para a polarização de forças entre os grandes proprietários da área de
campo e os habitantes da zona florestal, que veio a se constituir no foco desta pesquisa.
O estudo sobre coronelismo na região, realizado por Loiva Otero Félix, apontou o
rumo da pesquisa, quando ressalta a presença dos pequenos proprietários, representados por
chacareiros e ervateiros, designando-os como poder do mato, em permanente enfrentamento
com o poder do campo, constituído pelos estancieiros. As forças políticas do campo
concentram-se em Vazulmiro Dutra, que lidera a política regional, nas primeiras décadas do
século XX, e que foi objeto de estudo na obra citada, sendo representativo dos coronéis do
Planalto, cooptados ao modelo borgista.
O poder do mato é comandado pelo coronel maragato, Leonel Rocha, que tinha o
apoio de líderes políticos que se opunham ao grupo situacionista. A atuação de Leonel Rocha,
embora de grande relevância nas lutas locais e regionais, carece de estudos mais

4
NORA, Pierre. “Entre memória e história. A problemática dos lugares”. Revista Projeto História. Vol. 10. São
Paulo: dez. 1993. p. 9.
5
SOARES, Mozart Pereira. Santo Antônio da Palmeira. Editora Bels. Porto Alegre: 1974. A obra se constitui
numa referência para o estudo do município, pela sua abrangência, apontando as linhas gerais da ocupação e
evolução histórica do município.
14
aprofundados, o que é apontado por Félix, quando destaca a falta de um “estudo sobre os
coronéis maragatos, suas bases de apoio e mecanismos de manutenção local numa política
estadual adversa.”6
As obras de Soares e Félix foram de fundamental importância, dando origem aos
primeiros questionamentos referentes às especificidades das lutas que marcaram a região. A
partir desses elementos, foi possível estabelecer alguns dos pressupostos que nortearam a
pesquisa.
Ao examinarmos a produção historiográfica sobre os confrontos armados, constatou-
se que a maioria dos autores situa os acontecimentos no quadro das disputas políticas
relacionadas ao domínio do poder na esfera estadual. Dessa forma, adquirem caráter de lutas
elitistas, nas quais se destaca o enfrentamento dos estancieiros da região da Campanha contra
o poder estadual, representado pelo Partido Republicano Rio-Grandense e sustentado pelos
estancieiros do Planalto Gaúcho.
Nesse sentido, sobressaem as obras de Sandra Pesavento, Celi Regina Pinto e Maria
Antonieta Antonacci7 que, com algumas diferenças quanto às motivações dos grupos
envolvidos, defendem que o enfrentamento ocorria no interior da classe dominante. Essas
abordagens não contemplam as peculiaridades presentes nas lutas da região em estudo, visto
que a liderança local era representada por Leonel Rocha, que tinha sob seu comando um
número significativo de caboclos, que como ele, enfrentavam as dificuldades de sobreviver à
margem dos latifúndios.
A formação econômica do município fornece o suporte estrutural no qual se
estabelece a organização de uma sociedade com a dominação da elite pastoril e a conseqüente
marginalização dos demais setores. A ocupação do município fez-se de maneira distinta nas
áreas de campo e mata, resultando numa formação social diferenciada e, por vezes,
conflitante, constituindo-se em poderes antagônicos, como já foi colocado anteriormente.
Entre esses grupos, situa-se uma massa de caboclos, expropriados de suas terras,
quando houve a privatização dos ervais nativos, que passam a ocupar os “fundos” de campo
como posseiros, meeiros ou como peões das estâncias ou, até mesmo, mão-de-obra temporária
dos proprietários- imigrantes e ervateiros. Esse segmento social aparece de forma quase difusa
na historiografia, porém, as obras de Paulo Afonso Zarth e Aldomar Rückert adquirem

6
FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit. p. 29.
7
ANTONACCI, Maria Antonieta. RS: As oposições e a Revolução de 1923. Porto Alegre. Mercado Aberto.,
1981. PESAVENTO, Sandra J. República Velha gaúcha- charqueadas frigoríficos e criadores. Porto Alegre:
Movimento/IEL/RS, 1980 e outras obras relativas ao período e PINTO, Celi Regina. Positivismo: um projeto
político alternativo – 1889-1930. L&PM Editores. Porto Alegre: 1986. As obras das autoras tratam com
profundidade o período da República Velha, abordando os aspectos econômicos e políticos.
15
importância significativa por apontarem os problemas agrários que conduziram à formação
desse grupo marginalizado no processo de ocupação e escassamente citado na historiografia.
De acordo com Paulo Afonso Zarth, “o lavrador caboclo estava estreitamente ligado
ao estancieiro ou comerciante de mate”, que poderiam ser a mesma pessoa. Os caboclos
poderiam ser submetidos a uma sólida dominação política e econômica, sujeitos, inclusive, à
arregimentação militar nos momentos das lutas armadas. 8 Em sua obra História agrária do
Planalto gaúcho, realiza importante estudo sobre a formação da propriedade na região, no
período de 1850 a 1920, demonstrando as contradições do processo numa região de vastas
áreas inexploradas na qual emergem os conflitos pela posse da terra.
Para fins deste estudo, temos presente na designação de caboclo, componentes
étnicos, socioeconômicos e culturais. Referimo- nos aos moradores das áreas rurais, que se
dedicavam às atividades extrativistas - especialmente a erva- mate – e/ou relacionadas a
culturas de subsistência, em roçados de pequeno porte. Trata-se de pequenos proprietários,
agregados ou arrendatários, com significativa carga étnica, fruto da mestiçagem do índio,
branco e mesmo do negro, apresentando um modo de vida típico do meio rural. Enfim,
considera-se caboclo o homem da terra com uma cultura própria, vinculada a práticas
coletivas e atividades econômicas relacionadas ao setor primário.
A designação ervateiros pressupõe um grupo diferenciado, que em menor número,
controlava a produção, a comercialização e as áreas onde a erva- mate – Ilex paraguaiensis –
era encontrada em maior quantidade. Distingüiam-se dos coletores ou tarefeiros que
executavam as atividades de corte, coleta e sapeco da erva, destinada posteriormente à fase de
transformação e comercialização.
Os coronéis assumem, na região em estudo, o papel de comando socioeconômico e
político, respaldados no poder do governo do estado e nas suas próprias prerrogativas, que
lhes advêm como detentores de terra, gado e controladores de gente. Os coronéis-
latifundiários, portanto, constituem o grupo dominante, proprietários de grandes áreas de
campo destinadas à pecuária, sendo em geral descendentes dos tropeiros paulistas de
ascendência luso-brasileira, que chegaram ao planalto nos primórdios da ocupação.
Os colonos são entendidos aqui por imigrantes ou descendentes de imigrantes
europeus, que se dedicavam à agricultura em pequenas propriedades. Diferenciam-se dos
caboclos agricultores, por terem ocupado a área de mata, numa fase posterior, como
participantes do processo de colonização em colônias oficiais ou particulares.

8
ZARTH, Paulo Afonso. História agrária do planalto gaúcho - 1859-1920. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 1997. p.175-176.
16
A diferenciação socioeconômica põe em confronto grupos distintos, em permanente
enfrentamento, designados, como o poder do campo e o poder do mato. Os coronéis-
latifundiários exercem marcadamente o predomínio político, aliados à cúpula dirigente do
estado, representada pelo castilhismo-borgismo de base positivista. Esses coronéis
representam a base de sustentação do PRR, em nível estadual, visto que emergem como grupo
dominante, a partir da instalação da república positivista.
No estudo das lutas que marcaram a região, sobressai a ação do poder do mato que,
embora em condições desfavoráveis, mantém por um largo período a mobilização contra o
poder estabelecido, o poder do campo. A análise dos grupos nos remete a Norbert Elias,
quando estuda uma pequena comunidade, na qual demonstra uma constante universal,
constituída de estabelecidos e outsiders. O poder do campo constituía o establishment, “grupo
que se auto percebe e que é reconhecido como uma “boa sociedade”, mais poderosa e melhor,
uma identidade social construída a partir de uma combinação singular de tradição, autoridade
e influência”. Esse grupo se completa no outro que lhe dá visibilidade, os outsiders, este
definido como um coletivo, existe sempre no plural, constituindo um conjunto heterogêneo e
difuso, marcado pela estigmatização 9 .
Os caboclos, que constituem o poder do mato, são os que estão fora da “boa
sociedade” e se autopercebem como tal, sendo marcados com atributos de violência e atraso.
No caso em estudo, os caboclos assumem aos olhos da “boa sociedade” características
depreciativas, associadas à ignorância, às crendices, à delinqüência. Elias destaca que “um
grupo só pode estigmatizar outro com eficácia, quando está bem instalado em posições de
poder das quais o grupo estigmatizado é excluído”. 10 O grau de coesão maior do grupo
estabelecido permite que controlem cargos e posições sociais, preservando, assim, seu
excedente de poder, o que lhe permite manter a exclusão dos demais grupos. A natureza das
fontes de poder pode variar em diferentes contextos, no entanto, a figuração estabelecidos-
outsiders apresenta características comuns e constantes, podendo ser atribuída aos coronéis e
caboclos da região. A luta entre os grupos ocorria pelo grande diferencial de poder, tendo em
vista a manutenção das fontes de poder, no caso, a posse da terra que concedia vantagens
materiais e simbólicas a quem a possuía.
Através da pesquisa em fontes documentais e historiográficas, bem como de relatos
orais, buscamos desvendar os motivos que mobilizaram o poder do mato a lutar contra o
poder estabelecido, em condições adversas e considerando que sua condição de classe era

9
ELIAS, Norbert & SCOTSON, John. Os estabelecidos e os Outsiders. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 2000. p. 7-8.
10
Idem. p. 23.
17
marcadamente diferente dos fazendeiros da região da Campanha, dos quais eram aliados.
Portanto, os grupos que se confrontavam no estado não apresentavam a mesma figuração,
estabelecidos – outsiders, que ocorria na região.
A partir da análise inicial foi possível estabelecer as hipóteses que norteiam o
presente estudo:
1º - A formação de uma sociedade dicotômica, com a exclusão dos caboclos que viviam
da extração da erva- mate, nas áreas do campo, gerou confrontos relacionados à questão
agrária.
2º- O domínio socioeconômico e político dos coronéis- latifundiários, cooptados ao
governo castilhista/borgista, gerou disputas pelo poder local, com reações típicas do
coronelismo.
3º -As lutas armadas, no município, diferenciavam-se dos confrontos estaduais quanto à
composição do grupo de oposição e, em conseqüência, quanto aos motivos que
impulsionavam as lutas, relacionando-se a questões de terra e exclusão socioeconômica.
4º- A liderança do grupo de oposição se concentrava no “caudilho a pé”, Leonel Rocha,
sobre o qual assentavam-se representações que o identificavam com o segmento despossuído,
e que era reforçado na historiografia com expressões como “roceiro pobre, quase analfabeto,
sem ambições de poder”. A questão Por que lutou Leonel Rocha?, presente no imaginário
social, se impõe como explicação a ser perseguida na busca dos motivos que mobilizaram o
poder do mato, durante o ciclo revolucionário que envolveu a região.
A partir dessas constatações, foi possível estabelecer as linhas gerais da pesquisa,
centrada nas relações de poder entre as facções relacionadas ao mato e ao campo; nas
motivações do poder do mato, que remetiam à questão da terra e, sobretudo, à trajetória de
Leonel Rocha, como fator aglutinador dos dois outros componentes: coronelismo e questão
agrária.
As constatações remeteram a fontes bibliográficas relacionadas com o tema. Para o
estudo da questão agrária recorreu-se à obra de Luiza Kliemann, RS: terra e poder 11 , que faz
uma detalhada análise da relação entre a posse da terra e o controle do poder no estado do Rio
Grande do Sul. Fez-se necessário situar as lutas dentro do contexto político da República
Velha, relacionado com a esfera estadual e federal. A maioria dos historiadores destaca as
especificidades do estado sulino, quanto à formação histórica, marcado pelas características
de zona fronteiriça, em que a conquista do território se deu às custas da luta armada. O

11
KLIEMANN, Luiza H. Schmitz. RS: terra e poder: história da questão agrária. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1986.
18
positivismo e o autoritarismo do governo castilhista/borgista diferenciam o Rio Grande do Sul
do restante do país nas primeiras décadas do período republicano. Esses fatores, associados a
uma economia subsidiária e dependente, estariam na origem dos conflitos.
Sandra Pesavento, ao analisar a economia gaúcha no período, destaca a importância
de “analisar também as formas de articulação e conscientização da classe dominante local,
bem como o desempenho do estado sulino de feição positivista e autoritário”. 12 Pesavento
ressalta a tradição de autoritarismo brasileira, que é acentuada no Rio Grande do Sul, devido
às condições históricas de sua formação, sendo necessário considerar que “as prováveis
disputas pelo poder dão-se ao nível dos grupos dominantes, uma vez que as demais camadas
sociais se fazem ausentes do jogo político”. 13
As especificidades da elite que controlava o poder no estado, representada pelo
partido republicano, são apontadas por Celi Regina Pinto, quando afirma que, na sua maioria,
não pertencia à tradicional elite pecuarista da Campanha gaúcha, mas era proveniente da
região norte do estado. 14 Diferentemente, dos demais partidos republicanos brasileiros, o PRR
teve que enfrentar uma oposição organizada, representada pela elite pecuarista do estado que
dominava a rede coronelista da campanha gaúcha. Mesmo considerando esses aspectos e o
fato de se constituírem numa minoria, destaca que o partido dominou o estado durante a
República Velha, tendo inclusive enfrentado duas revoluções sem perder o poder e, ainda,
liderou o processo da Revolução de 30, que pôs fim ao pacto oligárquico. 15 Os maragatos
palmeirenses aliaram-se à elite pecuarista da Campanha, mas eram social e economicamente
muito distintos da mesma.
No caso da região da Grande Palmeira, constata-se que o enfrentamento se dá entre
camadas sociais distintas, visto que o poder do mato não faz parte do grupo dominante,
constituindo-se no segmento sobre o qual lançamos nosso olhar, no sentido de investigar a
composição e os motivos que os impulsionavam à luta. As motivações do grupo de oposição
local apresentam-se como indagações a serem investigadas, visto não apresentarem
semelhanças com os federalistas da Campanha, cujos vínculos com a oligarquia dominante no
Império, serviram como motivo para enfrentamento com o grupo que assumiu o poder na
República e, posteriormente, contra um governo que se perpetuou no poder.

12
PESAVENTO, Sandra J. “República Velha gaúcha Gaúcha: Estado autoritário e economia”. In DACANAL,
José H. ;GONZAGA, Sérgius (Orgs.) RS: Economia e Política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979. p. 194.
13
Idem. p. 196.
14
PINTO, Celi Regina. Positivismo: Um projeto político alternativo – RS: 1889-1930. L&PM Editores 1986. p.
10-11.
15
Idem. p. 11.
19
A eficiência política do PRR, apoiada numa máquina administrativa, nos
mecanismos de coerção e violência e no poder econômico, representado pelos coronéis locais
que sustentaram as práticas ditatoriais do governo positivista, está presente na região que é
objeto deste estudo, onde o coronelismo se constituiu em base de sustentação para a política
estadual.
Eliane Colussi, ao estudar o municipalismo gaúcho, destaca a força do coronelismo
no período da República Velha e no Estado Novo, constituindo-se na expressão de uma
sociedade predominantemente rural em que “o poder privado fortalecia-se em conseqüência
do atraso econômico e da falta de comunicação dessas localidades com os centros mais
desenvolvidos”.16 Os coronéis exerceram um papel de intermediação com o poder público,
possibilitando a montagem de uma máquina político-administrativa, através da qual
fortaleciam-se os laços de dominação. Às autoridades estaduais, interessava o fortalecimento
do poder local através dos coronéis, como forma de comprometimento com acordos político-
eleitoreiros.
Os estudos sobre coronelismo no Brasil remetem fatalmente à obras que se tornaram
representativas, pela sua consistência e riqueza de análises, como as de Victor Nunes Leal,
Raimundo Faoro, Maria Isaura Pereira de Queiroz e Edgar Carone, entre outros. Inúmeros
estudos sobre o coronelismo têm enriquecido o tema, considerando peculiaridades regionais.17
Os estudos recentes sobre o coronelismo têm em José Murilo de Carvalho e Antônio Octávio
Cintra os nomes de destaque com análises que privilegiam os vários tipos de coronelismo, que
aparecem na sociedade brasileira e a persistência de manifestações apoiadas no mandonismo e
no clientelismo. Várias obras sobre manifestações locais do coronelismo possibilitaram
análises comparativas. Dentre elas, destacamos Jean Blondel e Luís Palacin que realizaram
estudos sobre os estados da Paraíba e Goiás, respectivamente.
É preciso ter presente que, no Rio Grande do Sul, o coronelismo assume
manifestações diferentes em relação ao restante do Brasil, devido às especificidades da
formação histórica do estado, cuja ocupação foi marcada pelo militarismo e associada à base
econômica, predominantemente pastoril, favorecendo o surgimento de uma sociedade
senhorial em que se estabeleceram relações de dominação dos chefes locais com bandos ou
grupos de parentela.

16
COLUSSI, Eliane Lúcia. Estado Novo e municipalismo gaúcho. Passo Fundo: Ediupf. 1996. p.16.
17
As obras dos autores constam da bibliografia e foram utilizadas para o embasamento geral do tema, sendo
citadas no decorrer do texto, nos tópicos específicos em que serviram de suporte para as análises.
20
Loiva Otero Félix, em sua obra Coronelismo, borgismo e cooptação política
apresenta uma análise do coronelismo gaúcho, abordando suas origens, características e
diferenças entre os coronéis/caudilhos da região da campanha e os coronéis borgistas da
região do Planalto Médio gaúcho.
Com referência às origens do coronelismo gaúcho, aponta as características do ciclo
militar-pastoril como definidoras das relações de poder, destacando como “um fator
altamente significativo na formação do coronelismo gaúcho: a estruturação dos grupos de
parentela onde, em geral, o chefe da mesma era o chefe do bando de guerrilheiros que se
afazendou”. 18 Ao se estabelecer como estancieiro, mantém sob sua dependência um certo
número de pessoas em que os laços de lealdade e submissão contribuem para o
estabelecimento do compromisso coronelista.
Um aspecto que diferencia o coronelismo gaúcho do praticado nos demais estados
brasileiros está relacionado com sua vinculação com o caudilhismo. A autora discute o tema
conforme tem sido abordado pela historiografia e literatura, “identificando o caudilhismo com
o coronelismo do período imperial enquanto poder local com predomínio do sentido militar e
carismático em relação ao papel político, legitimado em sua ação pelo consenso dos grupos
sociais locais”. 19
Dessa forma, o coronelismo no Rio Grande do Sul teve aspecto caudilhesco
acentuado, como também foi impregnado pela ideologia positivista, definindo-se, assim, as
diferenças em relação aos demais estados brasileiros. No período imperial, houve o
predomínio dos coronéis da campanha, com características caudilhescas, e, na República,
cresce a importância dos coronéis serranos, cooptados ao PRR e ideologicamente ligados ao
positivismo.
Os coronéis- militares e os tropeiros descendentes de tradicionais famílias paulistas
constituíram o grupo dominante na fase de ocupação, estendendo-se por todo o período
imperial e início da república. Durante a República Velha, fatores socioeconômicos advindos
das mudanças que se operam nas atividades produtivas, favorecem a emergência do poder do
mato, constituído por ervateiros, chacareiros e pequenos proprietários. Nessa fase, estabelece-
se um clima de permanente enfrentamento com o poder do campo, que até então se constituía
no grupo dominante e controlador das relações políticas locais. 20

18
FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit. p. 38.
19
Idem. p. 46.
20
A designação de poder do campo e poder do mato é usada por Loiva Otero Félix, na obra já citada. Também
Mozart Pereira Soares, na obra Santo Antônio da Palmeira, destaca as características dos dois grupos de poder,
apontando os antagonismos entre os mesmos.
21
O poder do mato, tem como líder Leonel Rocha, que apresenta um perfil
diferenciado do coronelismo estudado, pela sua origem e características pessoais. Conforme
Arthur Ferreira Filho, “representou outra categoria social. Era um pequeno agricultor, muito
pobre, que trabalhava de enxada em terras que nem lhe pertenciam. Não se achava integrado,
nem por si, nem por sua ascendência, à aristocracia rural do Rio Grande do Sul”. 21 No
entanto, manteve mobilizados significativo número de caboclos, durante grande parte da
República Velha, o que lhe valeu o título de caudilho a pé. Sua presença marca a oposição ao
coronelismo que se manifestou em lutas armadas durante todo período da República Velha.
Nas manifestações do imaginário social, destaca-se a música apresentada no Carijo
da Canção Gaúcha: Por que lutou Leonel Rocha? A simplicidade dos versos reflete a
representação construída e a presenç a dessa figura no imaginário popular, bem como o
desconhecimento das motivações que o impulsionaram para luta. A aura de herói que cerca o
personagem, que lutou sem ambições de poder e dinheiro, está a merecer um estudo em maior
profundidade. Pela proposta deste trabalho não cabe aqui uma biografia de Leonel Rocha, mas
sim pretendemos estudá- lo (vide cap. 4) inserindo-o na sua “relação com redes sociais e
discursivas mais amplas” e não relatos de sua excepcionalidade nos moldes das construções
historiográficas positivistas do “herói” e do “grande homem” como motor da história e não
parte da engrenagem e do processo da mesma 22 .
Assim, a pesquisa realizada procurou responder a uma das lacunas mais instigantes
da história local, relacionada ao papel desempenhado por Leonel Rocha, como representante
dos pequenos e médios lavoureiros e ervateiros na condução dos confrontos, bem como
identificar os motivos que inspiravam sua ação, visto que, conforme aponta Arthur Ferreira
Filho, não se assemelhava aos outros caudilhos oposicionistas, que entraram na luta por
ressentimentos ou porque aspiravam a altas posições, caso saíssem vencedores dos
confrontos. 23
No desenvolvimento do trabalho, buscamos analisar a intrincada teia de poder que se
estabeleceu entre o governo estadual e a elite latifundiária, via dominação coronelista,
submetendo todos os demais segmentos aos interesses do grupo dominante. A questão
marcante que se apresentava era: Como explicar a dicotomização de forças em nível local e a
atuação do grupo oposicionista nos confrontos estaduais, visto que se constituíam em lutas
ideologicamente distintas, em relação aos interesses locais?

21
FERREIRA FILHO, Artur.Revoluções e caudilhos. 3ª ed. Porto Alegre: Martins Livreiro Ed. 1986. p. 117.
22
SCHMIDT, Benito Bisso. “A pós-modernidade e o conhecimento histórico: considerações sobre a volta da
biografia”. In. Cadernos de Estudo. Porto Alegre: nº 10, dez. 1994. p.49.
23
FERREIRA FILHO, Artur. Op. cit. p. 117-119.
22
Maria Antonieta Antonacci analisa a Revolução de 1923 como uma luta político-
partidária entre frações da classe dominante gaúcha, relacionado-a com a crise econômica.
Segundo ela, trata-se de “uma luta intraclasse dominante tendo em vista que a partir do pós-
guerra, o acirramento das condições de mercado e a falta de reformulação do projeto do grupo
no poder, levaram as oposições a trocar as urnas pelas armas”. 24
O elo condutor da pesquisa , portanto, situou-se no estudo das relações de poder que
se estabeleceram ao longo do processo de ocupação e domínio, colocando em confronto o
poder do campo e o poder do mato. Relações essas, relacionadas com a posse da terra, a qual
se constituía em fator de prestígio e garantia de prebendas a quem a possuía.
O estudo proposto situa-se dentro das linhas de pesquisa da nova história política,
que trouxe para o debate novas possibilidades de abordagens com a inclusão de temas
relacionados com representação, imaginário e memória.
O encontro da história política com a história regional se constituiu num caminho
para responder às indagações que se apresentam: a história política, pelo alargamento de seu
campo de investigação, e a história regional, por permitir abordagens com perspectivas de
considerar a historicidade própria de uma região.
As propostas de construção historiográfica, a partir das discussões da chamada Nova
História, possibilitam a inclusão de sujeitos que, até pouco tempo, estavam ausentes do debate
histórico. Conforme Le Goff e Pierre Nora “o domínio da história não encontra limites e sua
expansão se opera segundo linhas ou zonas de penetração que deixam entre elas terrenos já
cansados ou ainda baldios”. 25 Verifica-se uma dilatação do campo da história com a inclusão
de estudos das representações, das mentalidades, do cotidiano, enfim, “dos pequenos”, na
ótica da historiografia tradicional.
As discussões trazem para o centro do debate o papel do sujeito. Abre-se espaço para
a percepção de novas dimensões, em que as emoções e a sensibilidade passam a se constituir
em temas para o historiador. A história passa a ter uma preocupação com as questões culturais
adquirindo importância a memória e o imaginário. Uma importante contribuição à história
política nos vem de Michel Foucault ao “deslocar a ênfase da política para o poder,
permitindo com isto, a incorporação de novos objetos”. 26
Maria de Fátima Gouvêa, ao analisar a obra de Foucault, destaca o surgimento de
uma nova concepção acerca da “anatomia do poder”, em que não há um sujeito em específico,

24
ANTONACCI, Maria Antonieta. Op cit. p. 114.
25
LE GOFF, Jacques e NORA, Pierre. História: novos problemas. Rio de Janeiro: F. Alves, 1988. p. 11.
26
GOUVÊA, Maria de Fátima da Silva. “O Ressurgimento da história política no campo de história cultural”.
Niterói, UFF, 1994. p. 3 e 4.
23
que exerça o poder, mas micropoderes dispersos, eliminando, assim, a dicotomia
oprimido/opressor. “Não mais o Estado tão somente, mas os micro-poderes descontínuos e
dispersos no interior da sociedade - micro-poderes esses que nada mais são do que partes
constitutivas dessa mesma sociedade”. 27
A contribuição de Foucault à história política como um todo está na percepção do
Estado como um “estado em migalhas”, destacando múltiplas formas de poder em que o
“Estado seria mais uma dentre as várias células de poder”. 28
Nessa mesma perspectiva, Roberto Machado, analisando a obra de Foucault, destaca
que “a mecânica do poder se expande por toda sociedade, assumindo as formas mais regionais
e concretas, (...) penetrando na vida cotidiana, caracterizando-se como micro-poder”.29
Assim, o poder se dissemina por toda a estrutura social, nada está isento de poder.
Para os estudos históricos tornam-se de suma importância essas considerações, visto
que os acontecimentos estão enredados numa teia de relações de poder e, portanto, geram
formas de resistência que se manifestam em pontos móveis e transitórios distribuindo-se por
toda a estrutura social. “Qualquer luta é sempre resistência dentro da própria rede de poder,
teia que se alastra por toda sociedade e a que ninguém pode escapar: ele está sempre presente
e se exerce como uma multiplicidade de relações de força”. 30
A história política, portanto, permite a investigação de novas temáticas, com novos
olhares. A inserção de abordagens relacionadas ao imaginário e à memória alarga o campo da
história e possibilita a realização de estudos, baseados em fontes diversas, entre elas, a história
oral, buscando os sujeitos reais, “desnudados” das representações criadas pelas instâncias de
poder. Não se trata de uma reconstituição histórica das lutas travadas, mas de uma tentativa de
buscar “por detrás dos imaginários os agentes sociais”. 31
No sentido de elucidar a atuação de sujeitos pouco presentes na historiografia e na
documentação oficial, recorreu-se a procedimentos relacionados à história oral, reconhecida
hoje, como importante recurso para o conhecimento histórico, permitindo trazer à tona
informações impensadas, quando do uso exclusivo de fontes escritas. Adquire relevância,
quando se trata de análises de segmentos marginalizados, embora reconhecendo seus limites
devido ao caráter seletivo da memória, que consciente ou inconscientemente, coloca o
silêncio em fatos dolorosos de serem lembrados ou ao temor e à manipulação que limitam as

27
GOUVÊA, Maria de Fátima da S. p. 3.
28
Idem. p. 5.
29
MACHADO, Roberto. In. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1979. p. 12.
30
Idem. p.12.
31
BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. Enciclopédia Einaudi. Porto. Imprensa Nacional. Casa da Moeda,
1986. Vol. 5. p. 297.
24
falas e dificultam a análise dos fatos. A distância temporal dos acontecimentos torna-se um
fator decisivo no encaminhamento das pesquisas, limitando o uso desse procedimento.
Nesse sentido, as atividades desenvolvidas com fontes orais contribuíram para a
delimitação temática, levantamento de questionamentos e identificação de novas fontes de
pesquisa, como também reforçaram as manifestações da memória social, de como os fatos
foram percebidos pelos contemporâneos.
Na identificação de pessoas fontes, procuramos antigos moradores, buscando
indicações para o encaminhamento da pesquisa. Através da indicação de pessoas consultadas,
chegamos aos descendentes de Leonel Rocha o que contribuiu para o levantamento de dados e
o conhecimento de aspectos pessoais. Também colhemos alguns depoimentos com pessoas
que possuem vínculos com participantes ou espectadores dos fatos, visto que o período
pesquisado, distante no tempo, limitou o uso da história oral.
A pesquisa em fontes documentais oficiais foi elucidativa das questões que buscamos
analisar. Destacamos a documentação encontrada no Arquivo Público do Rio Grande do Sul,
na qual localizamos vários processos judiciais que contribuíram, sobremaneira, para
esclarecer a atuação dos personagens ligados ao poder do mato e ao poder do campo.
Sobretudo, destacamos a possibilidade de encontrar neles as falas do segmento marginalizado.
Da mesma forma, a pesquisa no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul trouxe à
luz documentos preciosos, onde se constatam as disputas pelo poder local e sobre a questão
agrária. Aqui analisamos a documentação da Câmara Municipal, desde a instalação do
município, em 1874, até a implantação da República. Quanto à questão agrária, realizamos
um processo seletivo, considerando localização e nomes que estavam presentes em outras
fontes.
No Instituto Histórico e Geográfico, examinamos o Arquivo Borges de Medeiros e o
Arquivo Vazulmiro Dutra, do qual extraímos a visão do poder e as lutas internas e
dissidências que se davam dentro do PRR.
A pesquisa em jornais trouxe informações significativas. No Museu de Comunicação
Social, tivemos acesso a vários jornais da época em estudo e colhemos dados que tiveram
importância para escla recer fatos e transmitir a visão dos contemporâneos, considerando-se,
no entanto, a posição ideológica defendida pelos mesmos.
Em Palmeira das Missões, buscamos levantar todas as fontes possíveis, incluindo-se
o arquivo da Paróquia Santo Antônio, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – agência
local, Cartórios Civil e Crime, Cartório de Registro de Imóveis, Centro Cultural, Prefeitura
Municipal, Câmara Municipal de Vereadores, além da tentativa de localizar arquivos
25
particulares. Devido à ausência de arquivo histórico oficial e a não preservação de
documentos, do período em estudo, dos órgãos executivo e legislativo, os resultados foram
insatisfatórios. A consulta aos Livros Tombo da Paróquia demonstrou como se davam as
relações entre Igreja e o poder público.
O registro dos resultados da pesquisa e análise realizada foi expresso neste texto, em
quatro capítulos. No primeiro capítulo, buscamos contextualizar o espaço construído e as
relações entre os agentes sociais que emergiram do processo. A análise propôs-se a
estabelecer a importância da posse da terra como fator de dominação dos coronéis ou de
exclusão dos caboclos marginalizados no processo. A mercantilização da terra e as
transformações que se processaram no espaço regional geraram conflitos e tensões com a
presença de novos sujeitos: os colonos de origem européia. A exploração da erva- mate, que se
constituía na riqueza primordial da zona da mata, foi acrescida de novas formas de produzir e
explorar a terra. A consolidação dos coronéis-latifundiários como detentores do poder
econômico e, por extensão, do poder político, gera relações conflitantes que contribuíram para
a representação do espaço como locus de violência.
O segundo capítulo busca analisar a formação dos antagonismos que se originaram
nas disputas pela posse da terra e pelo controle do poder local. Através da análise da aplicação
das leis de terras no Império e na República, procura situar a origem dos conflitos. A
expropriação, de que são vítimas os moradores da área da mata, incluindo-se os indígenas, se
constituiu no fator que impulsionou os conflitos, levando os caboclos a se levantar em armas,
contra um governo que é identificado como responsável por suas mazelas. Através da
consulta e análise de fontes documentais e bibliogr áficas, procurou-se demonstrar a política
agrária do governo positivista e seus efeitos como motivadores das lutas locais.
O terceiro capítulo trata da arregimentação do grupo de oposição, que se manifesta
em lutas armadas, em conflitos políticos e em várias formas de resistência. Através dos relatos
dos enfrentamentos e das atrocidades cometidas, mostra-se a construção das representações
que marcam o espaço regional como terra de violência. Destaca a emergência do poder do
mato e o início da trajetória de Leonel Rocha, como participante das Revoluções de 1893 e
1923 e no Levante de 1902, no município.
Na elaboração do quarto capítulo, buscou-se reconstruir historicamente as formas de
luta do poder do mato, acompanhando a ação de Leonel Rocha. Através do levantamento de
fontes diversas, chegou-se a documentos que mostram a ação do líder revolucionário segundo
a ótica do governo, como também alguns registros do próprio personagem e de seus
contemporâneos. O desvendar da trajetória do caudilho levou a documentos que
26
comprovaram a característica de luta pela terra, no ano de 1924, através dos ataques às
colônias Sarandi, Xingu e Tesouras, todas pertencentes a companhias de colonização
particular. Finalmente procuramos abordar os acontecimentos que cercaram o final da vida de
lutas do caudilho, em um novo contexto político, em que as facções que se enfretaram viviam
uma fase de aparente acomodação.

27
CAPÍTULO I

PODER DO CAMPO & PODER DO MATO:


Construção do espaço e agentes sociais.

1.
1.A ocupaçãodoespaçoeai
denti
daderegi
onal

Palmeira das Missões constituiu-se, durante uma fase de sua história, em um


município que ocupou vasta área territorial do estado, tendo destacada participação em muitos
acontecimentos que marcaram a vida política do Rio Grande do Sul, apresentando-se nas
representações do imaginário social como espaço de violência. Localizado no Planalto Médio
Rio-Grandense 32 , sua ocupação inicial está diretamente relacionada à exploração da erva-
mate. Nas palavras de Mozart Pereira Soares, trata-se de um município “síntese do Rio
Grande do Sul. Tudo o que o estado teve de essencial, em Palmeira se manifestou em grau
muito elevado. A primeira riqueza que fez a glória dos jesuítas foi a erva- mate e Palmeira,
nesse sentido, não é só uma área de eleição, mas principalmente uma comuna filha da erva”33 .
O povoamento teve início por volta de 1815 através da formação de arranchamentos
de ervateiros, oriundos da sede do município- mãe que era Cruz Alta. A “Vilinha”, como foi
denominada, formou-se no local onde hoje é a Praça Vila Velha, apresentando um lento
crescimento populacional, tendo em vista que o extrativismo ervateiro permitia mobilidade
constante.
Em 05 de agosto de 1834, a Câmara de Cruz Alta dividiu o município em seis
distritos, sendo Palmeira o 5º, com uma área aproximada de 15.000 quilômetros quadrados.

32
A designação Planalto Médio ou Planalto Serrano será utilizada correspondendo aqui não à divisão fisiográfica
do estado, mas atendendo critérios sócio-culturais, relacionados aos processos de ocupação. Joseph Love o
divide em três áreas: Litoral, Campanha e Cima da Serra . Esta dividida em três sub-regiões: Zona Colonial, o
Planalto Central e o Distrito das Missões. Loiva Otero Félix estabelece uma divisão baseada nas relações de
poder, dividindo o estado em quatro zonas: Litoral, Campanha, Zona Colonial e Planalto, incluindo nesse as
Missões e o Platô Central. Utilizaremos esta divisão por entendermos que, do ponto de vista da ocupação,
apresenta características que a diferenciam da zona colonial. A região, também chamada de Planalto Serrano, ou
simplesmente Planalto, corresponde às áreas de ocupação dos paulistas que fundaram fazendas em Vacaria,
Passo Fundo e Cruz Alta. Além da pecuária, destacava-se na extração de madeira e erva-mate. No final do século
XIX e início do século XX acentuam-se as diferenças com relação à campanha devido à ocupação das áreas de
mata por colonos europeus ou descendentes de imigrantes europeus.
33
Entrevista de Mozart Pereira Soares, concedida à autora em 14/01/2002.
Até sua emancipação em 06 de maio de 1874, a população cresceu lentamente, sendo que
registros da Câmara de Cruz Alta dão conta da existência de 1476 almas, na “Freguesia de
Palmeira”. 34

Santo Passo
Ângel
o Fundo

Cruz Vacari
a
Alta
São Borj
a

Sol
edade

Itaqui São
Francisco
de Assis
Taquari
Santa Mari
a
Al
egrete
Uruguai
ana Rio Pardo
Cachoei
ra Porto Al
egre
São
Gabri
el
Caçapava Encruzi
lhada

Livram ento Cam aquâ


Dom
Pedri
to
Cangussú

Bagé Pi
rati
ni

Pel
otas

São José do Norte


S J R do Erval
Arroio Ri
o Grande
Grande
Jaguarão
Pedri
to

Fonte: Assembléia Legislativa – Comissão de Assuntos Municipais. Evolução Municipal


RGS: 1809-1996.
Figura 1 - Divisão do Estado do Rio Grande do Sul – 1874. Criação do Município de
Santo Antônio da Palmeira.

34
SOARES, Mozart Pereira. Op. cit. p. 131.
29
Palmeira das Missões
1874- 2001

Fonte: IBGE – Agência Palmeira das Missões


Figura: 2 – Mapa do município de Palmeira das Missões – Área inicial e emancipações
que ocorreram até 2001.

A área de formação do município, no que se refere ao território inicial, apresentou


um espaço constituído de vegetação nativa alternando campos e matas, o que possibilitou a
formação de duas economias específicas que determinaram os aspectos sócio-culturais,
30
responsáveis em grande parte, pelos rumos que caracterizam o processo de apropriação da
terra.
A ocupação dessa vasta área obedece a motivações próprias do momento histórico e
dos interesses econômicos e políticos de cada época. Mozart Pereira Soares destaca, no
povoamento do município, três fases, tendo por base as atividades econômicas que serviram
de suporte à ocupação.

A inicial se estende por toda a existência das Missões jesuíticas. É a época do reconhecimento
de seu território, da descoberta e exploração dos ervais nativos.
(...) A segunda pode ser chamada de “ciclo do tropeirismo”. É a hora do bandeirantismo
pastoril. (...) Ela obedece a uma motivação econômica, de apropriação da gadaria remanescente
da criação jesuítica, e outra estratégica, pela necessidade de defesa do território das Missões,
após sua incorporação ao Brasil.
Não nos parece descabido considerar como início da terceira fase do povoamento de nosso
município o ano de 1917, quando aqui se estabeleceu a Comissão de Terras e Colonização e
veio disciplinar o crescimento demográfico incrementado desde então”.35

A área de mata, na fase inicial, constitui-se em fator de atração para a exploração da


erva-mate nativa, dando origem aos primeiros núcleos de ocupação, onde se instala uma
população cabocla, em grande parte esquecida nos estudos da evolução histórica regional.
Posteriormente, esse espaço foi ocupado por imigrantes/ migrantes de origem européia, que
desenvolveram uma economia diversificada em pequenas propriedades, possibilitando um
crescimento que levou essas áreas, num curto prazo, a se constituírem em municípios
autônomos. Atualmente, alguns deles apresentam índices de desenvolvimento superiores ao
município- mãe.
As áreas de campo, ocupadas pela pecuária extens iva, constituíram-se em espaço
privilegiado dos latifundiários, mantendo uma estrutura conservadora e estática, até a segunda
metade do século XX, quando se inicia a fase de modernização da agricultura. A grande
propriedade é a base da ocupação e, mesmo as transformações modernizantes, mantiveram a
estrutura agrária concentradora como marca desse espaço.
Esses aspectos da ocupação inicial propiciaram a formação de uma sociedade
dicotômica com características diversificadas, gerando relações conflitantes que se
estenderam durante boa parte da história do município, confrontando o poder do campo e o
poder do mato, conforme destaca Loiva Otero Félix, na sua obra Coronelismo, borgismo e
cooptação política, na qual analisa a atuação dos coronéis chimangos, identificados
politicamente com o governo estadual. 36

35
SOARES, Op. cit. p. 81.
36
FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit. p. 95.
31
Estabelecendo relações entre “espaço e poder local” no Planalto Médio, Félix aponta
a construção de um espaço marcado pela:

(...) luta entre o poder do mato (representado pelos ervateiros, lavoureiros e chacareiros,
identificados com as forças da oposição política) e o poder do campo (representado pelos
estancieiros, identificados com as forças do situacionismo). Por outro lado, a mata densa, ao
contrário dos pampas da campanha, constituía-se em local de fácil refúgio até para a fuga pelo
Rio Uruguai, o que terminou fazendo da região, no Império e na República Velha, sobretudo de
Palmeira das Missões, um reduto de grande concentração de indivíduos considerados como
bandidos e marginais, responsáveis pelo alto grau de violência que acompanhou a história deste
município.37

O passado de lutas do município tem destaque na obra de Mozart Pereira Soares,


Santo Antônio da Palmeira, que relata vários episódios da história local, confirmando a
participação intensa do município nos confrontos que marcaram o estado do Rio Grande do
Sul, durante a República Velha. Numa passagem destaca:

Nosso município representou para o riograndense, durante muito tempo, uma espécie de último
baluarte da civilização plantado à beira da mata do Rio Uruguai. O domínio deste laboratório
político tem cabido sistematicamente aos grandes proprietários do campo que através de suas
relações com as cúpulas dirigentes do Estado manejam a engrenagem administrativa do
município. A eles se opõem, também com admirável constância ao longo do tempo, os
proprietários mais poderosos na zona florestal, ou pelo menos aqueles que aí mantêm
grandes interesses.
Há, pois, uma nítida polarização de poderes entre os homens do campo – fazendeiros, criadores
e tropeiros e os da mata – ervateiros, lavoureiros e madeireiros. A estes vêm aderir, no
povoado, os proprietários de médias posses, vencidos na escalada do mando que, de quando em
quando, acendem as labaredas da oposição nos interioranos”.38

A polarização de forças entre os grandes proprietários da área de campo e os


proprietários ou moradores da zona florestal gerou um clima de belicosidade que se manifesta
em vários momentos da história local e, mais significativamente, no período da República
Velha, associados aos conflitos estaduais, nos quais os coronéis- latifundiários atuavam
cooptados ao governo castilhista-borgista.
Os interesses conflitantes entre os dois grupos que se defrontavam tem origem na
ocupação do espaço, onde os aspectos físicos somam-se a outros componentes na formação da
identidade regional. Não se trata, evidentemente, de considerarmos como determinantes as
condições naturais da região, mas sim de considerar “a carga de historicidade” presente na
construção do espaço, considerando os aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais que
interferem na formação de uma identidade própria num recorte espacial determinado 39 .

37
FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit. p. 95 e 96.
38
SOARES, Mozart Perreira. Op. cit. p. 250.
39
Ver RECKZIEGEL, Ana Luiza. Op. cit. p. 15-22.
32
Faz-se necessário discutir o conceito de região considerada a priori como o espaço
produzido pela sociedade numa área territorial, interrelacionada com o espaço global. Ao se
trabalhar com a idéia de região deve-se considerar as “articulações entre espaço regional e o
espaço mais vasto” sem, no entanto, “perder de vista o fato de que o âmbito regional possui
uma história própria, um conjunto de relações sociais delimitadas, um espaço de memória, de
formação de identidade e de práticas políticas específicas”. 40
O conceito de região tem apresentado enfoques variados, relacionados com o
momento histórico e com as concepções vigentes. A história pouco buscou esclarecer a
questão do espaço e a geografia, por muito tempo, definiu o espaço a partir da noção de
espaço natural, tendo por base apenas os componentes físicos. As novas concepções
históricas, a partir da década de 70 do século XX, impulsionadas pelo movimento dos
Annales, favorecem a expansão dos estudos regionais e, em conseqüência, a tentativa de
explicitação do conceito de região.
Segundo Rosa Maria Silveira, a relação entre história e região é a relação entre
temporalidade e espacialidade, destacando que a produção historiográfica não tem dado a
devida atenção “para o conceito de região e de espaço enquanto construção, processo
41
histórico concreto, portanto, atravessado pela temporalidade e nesta interferente” .
A região não pode ser vista como uma parte isolada, mas sim como uma totalidade.
Podem ser tomados vários critérios para o recorte de uma região, podendo-se falar “tanto de
uma região no sistema internacional, como de uma região dentro do estado nacional ou dentro
de uma das unidades de um sistema político federativo. Pode-se falar, igualmente de uma
região cujas fronteiras não coincidam com fronteiras políticas juridicamente definidas”. 42
O estudo da região permite colocar uma temática específica numa visão mais
abrangente, na medida em que o espaço local deve estar em interação com a sociedade global,
levando em conta as articulações entre o particular e o geral, o todo e as partes. De acordo
com Reckziegel

Os estudos históricos com o recorte regional são, assim, manifestações de um tempo que recusa
as ditas “concepções hegemônicas”, tentando resgatar as particularidades e especificidades
locais como maneira de confirmar ou refutar as grandes sínteses até agora impostas como
válidas para todas as realidades históricas.43

40
RECKZIEGEL, Ana Luiza. Op. cit. p. 20.
41
SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. “Região e História: questão de método”. In: SILVA, Marcos A. da (coord.)
República em migalhas. História regional e local. São Paulo: Marco Zero, 1990, p. 17.
42
SILVA, Vera Alice Cardoso. “Regionalismo: o enfoque metodológico e a concepção histórica”. In. SILVA,
Marcos A. da (coord.) República em migalhas. História regional e local. São Paulo: Marco Zero, 1990, p.43.
43
RECKZIEGEL, Ana Luiza. Op. cit. p. 21.
33
Tomando por base as considerações relativas à construção do espaço, podemos
considerar a região designada historicamente de “Grande Palmeira”, como um recorte
espacial envolvendo a área primitiva do município, situada no Planalto Rio-Grandense e
apresentando características específicas nas áreas de campo e de mata. Trata-se de uma
tentativa de enfoque de uma região, politicamente construída, envolvendo relações de poder
coronelístico e áreas de exclusão de segmentos não ligados ao latifúndio.
O recorte espacial da presente análise visa delimitar o espaço, buscando a melhor
compreensão dos acontecimentos que colocaram em confronto os agentes sociais originários
da construção desse espaço e identificados como poder do campo e o poder do mato, sem no
entanto perder de vista as relações com o espaço maior. Não se trata, portanto, de uma
delimitação territorial estanque, pois as relações de poder que se estabeleceram extrapolam os
limites do espaço considerado e, para melhor entendimento dos fatos, exige-se uma constante
análise da parte - a região – relacionada com o todo.
O estudo das relações de poder que se constituíram deixam visível a dicotomização
de forças: de um lado o poder latifundiário, constituído pelos coronéis chimangos, ligados ao
governo estadual e de outro lado o poder do mato, constituído pelos pequenos proprietários,
ervateiros e caboclos despossuídos de terra, que praticavam uma agricultura de subsistência
ou trabalhavam como tarefeiros nos ervais.
As marcas desse enfrentamento, aparentemente constante, permanecem no imaginário
coletivo, muito além do tempo dos confrontos reais e, de certa forma, constitui um dos traços
da identidade regional, uma vez que as disputas políticas são, ainda hoje, bastante acirradas.
As características de zona campesina, semelhante à região da campanha gaúcha,
relacionadas à atividade econômica predominante, ou seja, à pecuária extensiva, moldaram a
formação sociocultural, em que as idéias de regionalismo, identificado com os valores do
tradicionalismo gaúcho, permanecem fortemente arraigados em vários grupos sociais.
Rogério H. da Costa, ao analisar o espaço latifundiário da Campanha gaúcha destaca
a identidade política e cultural, pois os indivíduos que vivem em um determinado “espaço já
se identificam socialmente reconhecendo nele um espaço vivido e que a própria delimitação
política do território forja ou fortalece identidades como os nacionalismos ou
regionalismos”. 44 No entanto, esse é apenas um elemento, sendo que a caracterização de
região envolve vários componentes relacionados aos aspectos históricos, econômicos, sociais,
administrativos e até mesmo psicológicos.

44
COSTA, Rogério Haesbaert da.RS: Latifúndio e identidade regional. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988, p.
19.
34
É importante destacar que a organização econômica e fundiária estabelece “múltiplas
relações entre a classe monopolista e a sociedade local”. O espaço comportaria, assim, um
“valor simbólico em que o grupo social cria à sua maneira um conjunto de signos e de
representações redefinindo-se um conteúdo id eológico pelos quais a classe hegemônica
justifica sua dominação”. 45
A zona da mata começa receber levas de imigrantes no final do século XIX e no
início do século XX, implantando uma atividade diversificada que transforma rapidamente o
espaço. O desenvolvimento mais acelerado desse espaço reforça “a ideologia difundida, ainda
hoje, de que o colono europeu, agricultor, comerciante ou industrial é empreendedor,
46
progressista, e o pecuarista, de origem lusa, é retrógrado e conservador”.
Essa representação, conforme Costa, marca a sociedade sulista e está presente na
região em estudo, visto que muitos atribuem os motivos da estagnação econômica a uma visão
preconceituosa da predominância lusa na formação étnica da região, nos primórdios da
ocupação.
A região delimitada para estudo, portanto, apresenta as marcas de historicidade,
presentes nas categorias econômicas, sociais e político-administrativas, configurando-se como
um espaço com identidade própria, destacando que, de acordo com Ruben Oliven, identidades
são “construções sociais formuladas a partir de diferenças reais ou inventadas que operam
como sinais diacríticos, isto é, sinais que conferem uma marca de distinção”. 47
A construção da identidade pressupõe a ligação a um território, mas mais que a
localização física, relaciona-se a um conjunto de práticas sociais: hábitos, crenças, valores,
constituindo-se numa identidade cultural. Newton Carneiro refere que essa identidade é
considerada por alguns autores “como uma ideologia habilmente construída”, pois não está
isenta das contradições e das pressões decorrentes dos conflitos sociais. Defende que tal
identidade “não se constitui num processo exclusivamente ideológico, mas sim
essencialmente político-cultural”. 48
Iná Elias de Castro em seu estudo sobre Política e Território, constata que a ligação
espaço – política ocorre de forma vertical através da administração e do sistema político
partidário. Destaca ainda que:

45
COSTA, Rogério Haesbaert. Op cit. p. 22-23.
46
Idem. p. 70.
47
OLIVEN, Ruben George. A parte e o todo: A diversidade cultural no Brasil-Nação. Petrópolis: Vozes, 1992.
p.26.
48
CARNEIRO, Newton Luís Garcia. A identidade inacabada: o regionalismo político no Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: Edipucrs, 2000. p. 332.
35
A relação entre a base territorial e a prática é indiscutível. A delimitação do território para os
diferentes níveis de gestão do governo recorta o espaço físico e social e estabelece os limites
das diferentes escalas da administração pública e da atuação do sistema político, no qual se
definem alianças, lealdades e competições.49

Assim, o recorte regional que estabelecemos para estudo considera, além das
relações verticais, via administração política, as relações horizontais que se estabelecem entre
os agentes sociais, no território compreendido pela “Grande Palmeira”. São as relações que se
estabelecem que conferem significado ao espaço e que se traduz na identidade construída
historicamente.
Essa concepção do espaço em estudo se enquadra no conceito de região defendido
por Iná E. de Castro. Para a autora, “a região é conc reta, observável e delimitável. Como
qualquer segmento do espaço, é dinâmica, historicamente construída, e faz parte da totalidade
social. Portanto, suas características internas são determinadas e determinantes da sua
interação com o todo”. 50
Tendo em vista a especificidade do presente estudo são significativas as observações
de Rosa Maria Viscardi, que destaca o encontro entre a história política e o recorte regional,
ressaltando a importância e as possibilidades que se apresentam, bem como suas limitações. A
região é considerada como um constructo de seus agentes, com fronteiras fluidas, variando
conforme as circunstâncias em que ocorreram. “No estudo de história política, cabe ao
historiador, na definição dos limites do seu recorte regional, se apropriar de uma região
simbolicamente construída no período estudado, capaz de responder aos seus
questionamentos”. 51
Viscardi destaca, prioritariamente, os aspectos políticos, colocando os demais –
econômicos, geográficos e culturais – num plano secundário. Aponta, no entanto, para a
importância de considerar outros critérios, “tendo em vista a reconhecida importância do
imaginário coletivo na pesquisa histórica”. 52
Nesse sentido, torna-se necessário considerar as reflexões de Pierre Bourdieu. Para
ele os critérios para a definição de região levam em conta não só as propriedades ditas

objectivas (como ascendência, o território, a língua, a religião, a actividade económica, etc.),


mas também as propriedades ditas subjetivas (como sentimento de pertença, etc.) , que quer

49
CASTRO, Iná Elias de. “Política e território: evidências da prática regionalista no Brasil”. Revista de Ciências
Sociais. Rio de Janeiro: v. 32, n.3, 1989. p. 389.
50
Idem. p. 391.
51
VISCARDI, Cláudia M. Ribeiro. “História, Região e Poder: A busca de interfaces metodológicas”. Locus :
Revista de História, Juiz de Fora, v. 3, n. 1, p. 96.
52
Idem. p. 96.
36
dizer, as representações que os agentes sociais têm das divisões da realidade e que contribuem
para a realidade das divisões.53

Bourdieu destaca que ocorrem no interior do sistema de regionalização a luta


simbólica pela imposição de uma “identidade dominante”. “O espaço propriamente político
de dominação define-se pela relação que se estabelece entre a distribuição dos poderes e dos
bens no espaço geográfico e a distribuição dos agentes neste espaço, sendo a distância
geográfica em relação aos bens e aos poderes um bom índice de poder”. 54
Nessa linha de análise, a região se constituiu, portanto, segundo Bourdieu, em um
subsistema espacial em que se estabelecem relações subjetivas de poder construídas através
dos processos sociais, constituindo-se numa construção simbólica de representações da
realidade.
Considerando-se, assim, as idéias dos estudiosos do assunto, acima referidos,
podemos concluir que o recorte adotado atende ao conceito de região, não apenas como
espaço físico, mas considerada como fruto de vários componentes, resultando numa
construção histórica e cultural. A região da Grande Palmeira apresenta características que a
qualificam como uma região com identidade própria, cujas marcas estão presentes nas
representações da sociedade atual.
Concluímos, portanto, a partir das idéias citadas que a região constitui-se como parte
de um sistema global do qual foi recortada, possuindo identidade própria, porém articulada a
um sistema maior. Deve ser vista como um produto da ação humana, como um espaço vivido
e com uma carga de historicidade que resulta numa identidade regional em que interferem,
além dos aspectos físicos, componentes culturais, políticos, econômicos e ideológicos,
presentes em um determinado espaço.
Para melhor compreensão da temática abordada, destacamos que a região em estudo
corresponde à área primitiva do município, que se estendia até os limites do rio Uruguai, nas
divisas de Santa Catarina e Argentina. No entanto, os acontecimentos que envolveram o
municíp io não podem ser tratados de forma estanque, pois estão intimamente relacionados
com os municípios vizinhos de Cruz Alta, Passo Fundo, Erechim e Santa Bárbara do Sul, e
com os acontecimentos do estado e do país, impondo-se, assim, a necessidade de estabelecer
uma articulação constante entre o local, o regional e o global.

53
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. p.120.
54
Idem. p. 126
37
1.1.1. A ocupação da mata

A vasta área de terra ocupada pelo município era recoberta por uma extensa e
fechada mata nativa que oferecia condições para atividades ligadas à extração de madeira, da
qual o município apresentava grande diversidade. Conforme publicação datada de 1922:

Encontra-se, nas mattas virgens de Palmeira, arvores verdadeiramente colossais, tanto no


diâmetro como na altura.
A riqueza florestal do município é incalculável. Nota-se, alli, entre outras, as seguintes
espécies de madeira de construção: cedro, louro, açoita-cavallo, guariapunha, ipé cabrúva,
guajuvira, pau-ferro, canelleira, timbaúva, cangerana, peroba, quebracho, salso, tarumam,
cambará, pinheiro e muitas outras.55

Ao lado dessa atividade econômica, ainda pouco estudada, desenvolvia-se a extração


da erva-mate nativa que se constituiu na atividade inicial da ocupação do território da antiga
Palmeira, estando relacionada ao período da existência das Missões Jesuíticas.

É a época do reconhecimento de seu território, da descoberta e exploração de seus ervais


nativos. Durante esse tempo se estabeleceram seus primeiros caminhos que, partindo dos
núcleos principais dos Sete Povos, a princípio de São Miguel e mais tarde de Santo Ângelo e
São João Batista, dirigiram-se para o norte e nordeste, à procura das formações mais densas de
erva-mate, especialmente entre os Vales do Guarita e do Nhucorá, na região ocidental da antiga
Palmeira. Nessa fase não se organizaram núcleos urbanos permanentes, mas arranchamentos
transitórios, que se abandonavam depois das safras e se refaziam nas safras seguintes. (...) Se
dela não resultam núcleos urbanos propriamente ditos, ficaram seus gérmens, que se irão
desenvolver no ciclo seguinte, com base na riqueza vegetal então descoberta”.56

A erva- mate constituía-se numa riqueza muito valorizada na época das Reduções
Jesuíticas, podendo-se constatar a preocupação dos padres em descobrir o processo de
germinação das sementes, ocorrendo, assim, a presença de ervais plantados em algumas
reduções. Largamente usada pelos índios, foi incorporada pelos missionários, que passam a
comercializar o produto na Região Platina. Além da exploração da erva nativa, também
ocorria o plantio desde a segunda metade do século XVII. 57 No século seguinte torna-se uma
das principais fontes de recursos das Missões. No século XIX, constitui-se, ao lado da
pecuária em uma das principais fontes de arrecadação das Câmaras Municipais, através do
tributo que incidia sobre a exportação do produto. Conforme Paulo Afonso Zarth, “no

55
COSTA, Alfredo R. da. O Rio Grande do Sul. Vol. II. Ed. Barcellos, Bertaso e Cia. Porto Alegre: 1922. p.
248.
56
SOARES, Mozart Pereira. Op. cit. p. 81.
57
Idem. p. 84 e 85. SOARES relata o processo de germinação descoberto pelos padres jesuítas. Reporta-se a
registros de Temístocles Linhares e Aurélio Porto sobre ervais plantados na região missioneira. Este último
refere -se a mapas com ervais novos em Nhucorá, já em território do município de Palmeira. (grifo nosso).
38
município de Santo Antônio da Palmeira, a arrecadação total dos anos de 1874 e 1880 indica
um índice de 58% para a participação do mate na receita”. 58
Devido a sua importância, a erva- mate recebia muita atenção dos órgãos municipais
para manter a produção em níveis elevados. Daí a preocupação em manter o controle de corte
do produto, procurando evitar a destruição das árvores, o que poderia ocorrer devido às
queimadas que eram comuns na época.
O Código de Posturas da Câmara Municipal do município de Palmeira, redigido logo
após a instalação (1875) seguia as normas em vigor quando da emancipação. No Capítulo 3º,
que trata da Conservação dos hervaes, campos, mattos, e fabrico da herva matte destacam-se
os artigos:

Art.41 – São considerados como publicos todos os hervaes d’este município, que estiverem
descobertos ou possão a se descobrir em terrenos devolutos, onde se poderá colher erva matte
em commum.
ART.42 – Ninguem poderá colher, nem fabricar erva matte nestes hervaes, sem ter obtido
licença da Camara que lhe será consedida por intermedio do procurador, e seus fiscaes nos
destrictos onde estiver o herval, a qual terá vigôr durante o anno que fôr concedida. Esta
licença será fornecida em talões assignados pelo procurador da Camara. O Contraventôr
incorrerá na multa de 10$000 e pena de oito dias de cadêa.
ART.44 – É prohibido colher a erva matte de brote, sem ter decorrido de uma póda a outra
quatro annos.
ART.45 - É prohibido cortar ou por qualquer forma destruir as arvorês da erva matte: o
contraventor incorrerá na pena de trinta dias de Cadêa, e 10$000 por cada uma arvore que
cortar ou destruir.
ART.46- É prohibido fazer roça contígua a hervaes, ou em mattos onde tenha erva, e queimal-
as sem ter feito um acêiro pelo menos de sette metros bem limpos para impedir incendiar-se o
herval. Entende-se por lugar contíguo ao herval, dis tante da roça ao menos quinhentos
metros.59

A riqueza de detalhes com que o assunto é tratado demonstra a importância que a


produção de erva- mate representava na economia do município, estabelecendo multas para
todas as situações que causassem danos aos ervais que, como tudo indica, em sua maior
parte, constituia-se de ervais públicos, embora também existissem ervais privados, sobre os
quais era difícil a fiscalização. Esta, embora ineficiente para controlar a qualidade da erva-
mate produzida, pelo menos foi eficiente para controlar o acesso à terra, pois os coletores de
mate 60 exerciam a atividade em vários ervais nativos cujas terras eram públicas.

58
ZARTH, Paulo Afonso. Op. cit. p. 56.
59
Código de Posturas da Câmara Municipal da Vila de Santo Antônio da Palmeira. Ano: 1875. AHRS . Maço: 97,
Caixa 43. Vide também in. ZARTH, Paulo Afonso. Op. cit. p. 58.
60
O estudo dos grupos sociais desprovidos de recursos econômicos apresenta-se como tarefa difícil para os
estudiosos, devido à escassez de fontes históricas. Daí porque têm sido considerados, com razão, “os esquecidos da
história”. A obra de Zarth, pela riqueza com que trata essa questão, torna-se, assim, uma referência, para o estudo
dos segmentos que viviam à margem do processo dominante, razão pela qual nos apoiamos com freqüência em sua
obra.
39
Se a condição de terras públicas permitia o acesso dos agricultores pobres ao extrativismo e às
roças, por outro lado essa condição era muito instável à medida que a terra estava sujeita a um
processo de privatização pelas elites locais, que aos poucos transformaram os ervateiros em
proletários sem terras, forçando-os a emigrar para áreas inóspitas e devolutas ou a submeter-se
à condição de peões das estâncias em substituição aos escravos.
A privatização dos ervais públicos e das terras de floresta iniciou-se numa fase posterior à
apropriação de campos nativos.61

A privatização foi realizada, especialmente, a partir da segunda metade do século


XIX. Até essa época ocorreu de forma pacífica, pois havia abundância de terras florestais.
Com a Lei de Terras, de 1850, as terras devolutas passaram a ser vendidas pelo governo, o
que dificultou o acesso às camadas pobres da população. No entanto, facilita às elites locais a
regularização de suas propriedades e a incorporação de novas áreas, acirrando dessa forma os
conflitos entre extrativistas e latifundiários.
Considerando-se que o controle político e militar dos fazendeiros era inquestionável,
entende-se que o resultado da Lei de Terras foi a concentração da propriedade, “formando-se
uma legião de homens despossuídos em meio à imensidão de terras, numa região de
baixíssima densidade demográfica”. 62
A chegada dos colonos à região, a partir do final do século XIX, trouxe um novo
componente aos conflitos de posse de terras na região, visto terem sido direcionados para as
áreas de mata, as quais supostamente se constituíam em áreas desabitadas. Essa atitude
manifesta a insensibilidade das autoridades com os indígenas e caboclos que ocupavam terras
na condição de posseiros. Em relação ao espaço do latifúndio, a vinda de
imigrantes/migrantes não se constituiu em ameaça aos interesses da oligarquia regional, pois
ocuparam as áreas de mata, e sua produção não lhe fazia concorrência, antes a
complementava.
Com a vinda dos colonos, evidencia-se uma nova política em relação à propriedade
da terra e ao aproveitamento do solo. A valorização da pequena propriedade associa-se à
valorização do trabalho imigrante e, em conseqüência, à exclusão das populações nativas.
Segundo Loraine Giron, a concessão de terras a estrangeiros discriminou os brasileiros, pois
“a adoção da nova política de terras, que visava contrapor a pequena propriedade ao
latifúndio, refletia ao mesmo tempo uma nova forma de encarar o trabalho livre e uma
ideologia racista, que iria discriminar o trabalho rural brasileiro”. 63

61
ZARTH, Paulo Afonso. Op. cit. p. 59.
62
Idem. p. 69.
63
GIRON, Loraine S. “A imigração italiana no RS: fatores determinantes”. In: DACANAL, José H. e GONZAGA,
Sergius. RS: Imigração e colonização. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980. p. 54.
40
Giron, referindo-se à imigração brasileira, destaca que havia uma ideologia
dominante, que pregava a superioridade da população branca, por isso “o império
proporcionou aos europeus aquilo que negou a seus súditos”. 64 A população brasileira
constituída de caboclos, mulatos e negros foi deliberadamente excluída para deixar a mão-
de-obra barata e abundante para os latifundiários.
As áreas ocupadas até a época da imigração no Rio Grande do Sul correspondiam às
áreas de campo, tanto na Campanha como no Planalto. Aos imigrantes/migrantes foram
destinadas as áreas de mata, preservando, assim, o latifúndio. O Planalto Gaúcho permaneceu
até o final do século XIX sem constituir colônias, apenas houve tentativas da Câmara de Cruz
Alta para atrair imigrantes europeus “oferecendo gratuitamente 115 lotes aos colonos que
quisessem se estabelecer às margens do Rio Ijuí, afluente do Uruguai”. 65
A fundação de colônias no Planalto está associada à construção de alguns trechos da
ferrovia São Paulo – Rio Grande, sendo a primeira colônia fundada em 1890. As colônias
próximas às ferrovias foram as que mais se desenvolveram, destacando-se Ijuí e Erechim. Isto
se deve às facilidades de acesso e de comercialização dos seus produtos, enquanto as demais
colônias enfrentavam dificuldade no escoamento da produção.A necessidade de imigrantes
era justificada pela política de valorização das terras e pelo isolamento da região.
A tentativa do governo de resolver a situação através da fundação de uma colônia
militar, às margens do rio Uruguai, demarcando uma área de treze mil hectares, não
alcançou resultados no sentido de colonização, atendendo apenas ao propósito estratégico.
O diretor da colônia, em 1913, dirigia-se à Diretoria de Terras destacando que o principal
problema que enfrentavam residia na dificuldade de comunicação, devido à inexistência de
estradas em condições de trafegabilidade, o que impedia o contato com as localidades
66
existentes à época na região do Alto Uruguai.

64
GIRON, Loraine S. Op. cit. p. 55.
65
ZARTH, Paulo Afonso. Op. cit. p. 78.
66
A colônia militar do Alto Uruguai foi fundada pelo governo imperial a 25/12/1879, sendo dividida em 437 lotes,
dos quais foram distribuídos apenas 212 (18 urbanos e 194 suburbanos). Em 1912 contava com 1060 habitantes.
Pela lei nº. 2738 de 07/01/1913 a colônia foi emancipada pelo governo federal e entregue pelo chefe do Exército
Alfredo Augusto Corrêa ao representante do Governo do Estado Lindolfo A. Rodrigues da Silva, que envia à
Diretoria de Terras e Colonização um detalhado relato das condições em que se encontra a Colônia, conforme
constatou “in loco”. Anexa quadros dos lotes e faz previsão de gastos para melhorar a comunicação, que considera
o principal problema. Informa que para ligar com a estrada de ferro, indo por Palmeira a distância é de 185
quilômetros, com estrada em péssimas condições. Um automóvel utilizado para transporte, como experiência, ficou
inutilizado. “Não convindo, como já expuz, tratar da comunicação da colônia do Alto Uruguay com Palmeira,
procurei vêr como poderia o governo dar algum impulso ao progresso desse município por outra forma”. Passa a
referir-se à necessidade de legalização das terras ocupadas por intrusos (grifo nosso). S. A. 219 – Relatório de
Lindolfo A. Rodrigues da Silva sobre a Colônia Alto Uruguai de 30/06/1913. AHRS.
41
A colonização oficial, iniciada em 1890, procurou demarcar lotes de 25 hectares, o
que se convencionou chamar de “colônia”. Essa demarcação não levava em conta os cursos de
água e obedecia a um traçado retangular, criando dificuldade para os colonos devido à
importância da água. Mais tarde, esse padrão foi modificado e os proprietários de grandes
áreas de mata passaram a comercializar terras, com melhor aproveitamento dos cursos
d’água.
A comercialização das terras era feita por companhias colonizadoras, que geralmente
criavam núcleos com certa infra-estrutura. As terras eram compradas dos grandes fazendeiros,
que as haviam monopolizado anteriormente, ou do Estado a preços módicos, e depois
revendidas aos colonos imigrantes.
Os preços das terras dispararam em razão das formas de comercialização, com a
presença de intermediários. Entre esses empresários de terra destaca-se Hermann Meyer,
editor alemão, que, após uma excursão ao Xingu, na Amazônia, passa a dedicar-se ao
comércio de terras.

Hermann Meyer, através de seus sócios passou a investir capital na compra e na colonização de
terras. Adquiriu várias áreas de terra virgem nos municípios de Palmeira das Missões e Cruz
Alta por seu procurador Carlos Dhein, fundando várias colônias com colonos alemães e teuto-
riograndenses. A principal colônia desse empresário foi a “Neu-W ürttemberg”, no município
de Cruz Alta (...) Em 1897, Hermann Meyer efetivara sua primeira compra em Palmeira das
Missões. Seu procurador comprara a posse de Maria Rita do Espirito Santo, com cerca de 1,8
mil hectares, pela quantia de 15:500$000 réis, ou seja, 8$525 réis por hectare. Nessa área
fundou a colônia “Xingu”, a primeira de uma série de outras.67

A presença de imigrantes transformou a região, tanto do ponto de vista da ocupação


do solo como da constituição da população e atividade econômica. Esse aspecto é evidenciado
em toda produção historiográfica existente. Contudo, só recentemente há estudos que se
ocupam do caráter excludente da colonização efetuada neste período. Zarth destaca que “as
terras, quando o colono chegava, não eram tão livres como se poderia imaginar”. 68 Além dos
indígenas que já tinham sido empurrados para reservas, havia também os caboclos, que antes
se dedicavam ao extrativismo da erva- mate e a pequenas lavouras de subsistência. Estes
passam a constituir mão-de-obra barata nas serrarias, nas empresas encarregadas da infra-
estrutura ou trabalhavam como peões.
Pode-se constatar a existência de população despossuída de terra em vários
registros oficiais do período, em processos judiciais e até mesmo “em relatos de

67
ZARTH, Paulo Afonso. Op. cit. p. 86 e 87.
68
Idem. p. 98
42
colonizadores que, ironicamente, se autoproclamam de pioneiros”, 69 enquanto os
verdadeiros pioneiros são tratados como intrusos.
O relatório oficial da Colônia Alto Uruguai, de 1913, já referido anteriormente,
expõe detalhadamente a situação da colônia, destacando a presença de um número bastante
significativo de intrusos, cerca de duzentas famílias, numa única área. O relatório afirma:

A cinco léguas e a nordeste da villa da Palmeira ha um nucleo colonial de cerca de duzentas


famílias, no logar denominado “Fortaleza”, à margem esquerda do rio da Várzea, affluente do
Uruguay. São em sua maior parte intrusos ahi estabelecidos durante o ultimo período
revolucionário. A administração municipal construiu uma estrada que vae da villa a esse núcleo
e prolongou-a até cerca de 4 leguas de Nonohay. Regularizada a situação desses intrusos com a
divisão dessas terras em lotes coloniaes, é de crer que em pouco tempo e com pequena despeza
o governo daria ao município de Palmeira um elemento de vida, de que tanto precisa.
As terras da “Fortaleza” são de superior qualidade. O logar não progride porque a propriedade
dos intrusos não está legalizada. 70

Como se pode constatar, esse documento remete a alguns aspectos da hipótese que
pretendemos comprovar, o que será demonstrado no próximo capítulo:
1º - Havia terras na região, ocupadas por nacionais que não eram legalizadas e os
ocupantes eram tratados como intrusos.
2º - A região denominada “Fortaleza” ( atual Seberi) era um dos redutos onde se
concentravam os rebeldes, que constituíam o poder do mato.
3º - Os rebeldes ocuparam a área “durante o último período revolucionário”, e isso
nos leva a reforçar a convicção do vínculo entre as lutas revolucionárias e as questões de terra.
4º - O relatório permite inferir a presença de conflitos, gerados pela insegurança : “o
logar não progride porque a propriedade dos intrusos não está legalizada”. De acordo com o
relator, Lindolfo Rodrigues, a legalização das terras poderia trazer para o município condições
para o progresso de que tanto precisava, transparecendo aí as condições de penúria do
município, em parte, devido às dificuldades de comunicação, conforme relata noutro trecho
do documento.
No entanto, o governo opta por uma política que estimula a vinda de
imigrantes/migrantes de origem européia para o município, fruto de uma política oficial,
intensificada por volta de 1914, devido ao interesse do governo na colonização do interior.
Borges de Medeiros determina estudos especiais da Diretoria de Terras relativas à
colonização da área da Fortaleza (atual Seberi) que, segundo Mozart Pereira Soares,
“repercutem no Conselho Municipal que se dirige ao mandatário estadual em termos

69
ZARTH, Paulo Afonso. Op. cit. p. 99
70
Relatório de Lindolfo A . R. da Silva . S. A. 219. 30/06/1913 – A HRS.
43
entusiásticos, como se lê no ofício que parte daquela corporação a 28 de outubro de 1914” 71 ,
citado em parte na obra Santo Antônio da Palmeira.
Esse novo surto migratório tem o estímulo do governo no sentido de ocupar os vazios
existentes no Planalto Sul- Riograndense e irradia-se a partir das “Colônias Velhas” em várias
direções. A construção de uma ferrovia, ligando Santa Maria a Cruz Alta, chegando até
Santa Bárbara, favoreceu a implantação de novas colônias em áreas de densas florestas.
Começava o ciclo da colonização do Alto Uruguai, em colônias mistas de imigrantes e
descendentes, em primeira e segunda geração, dos primitivos colonizadores.
O incremento dos núcleos de colonização é estimulado por diversos fatores
conjunturais e efetivado pelas possibilidades de comunicação, transporte e escoamento da
produção abertas pela ferrovia. Os fatores conjunturais estão relacionados à expansão do
capitalismo, que exigem do governo respostas políticas que busquem o progresso. O
crescimento populacional nas Colônias Velhas e a conseqüente dificuldade de aquisição de
novos lotes de terra aproveitável trazem como alternativa a abertura de projetos de
colonização de companhias particulares ou públicas. A região do Planalto surge como
solução, por apresentar extensas áreas inexploradas.
O estabelecimento da Comissão de Terras e Colonização, em 1917, marcou o início
de um grande surto colonizador, que conforme Mozart Pereira Soares estabelece o início de
uma nova fase na evolução do município. Esta fase é marcada pela instalação dos inúmeros
núcleos de povoamento, que hoje se constituem em sedes de importantes municípios da
região: Chapada, Seberi, Frederico Westphalen, Erval Seco e muitos outros
Soares defende que o Estado já tinha experiência na questão imigratória tratando,
pois, de evitar os erros anteriores, isto é , “o surgimento de núcleos com tendências para a
formação de quistos raciais, como aconteceu em outras regiões em que se radicaram
imigrantes europeus”. 72 Apóia essa idéia na orientação doutrinária definida pelo Dr. Carlos
Torres Gonçalves, Diretor da Diretoria de Terras, da Secretaria de Obras Públicas,
considerando-a “uma esplêndida obra de integração social”, e citando Parecer de 1925 no
qual o Diretor referindo-se à imigração procur ava advertir dos perigos que representam para
os países onde penetram, quando tendem a conservar as características de sua nacionalidade,
sua língua e suas tradições.
Essa cautela em relação aos imigrantes leva-o a criar o Serviço de Proteção aos
Naciona lizados. Na sua exposição de motivos destaca:

71
SOARES, Mozart Pereira. Op. cit. p. 83.
72
Idem. 257.
44
(...) à installação de cada novo nucleo colonial, seguia-se geralmente a retirada gradual da
maioria dos nacionaes moradores das regiões. Uns retiravam-se allegando a falta de proteção
da administração publica; outros por fazerem bom negócio immediato transferindo as suas
terras, ou simplesmente os seus pretendidos “Direitos de Posse”, ao primeiro colono de origem
estrangeira que aparecia propondo-se isto. E era crença generalisada, ou mesmo entre as
pessoas que manifestavam interesse pelos nacionaes, constituir fatalidade immodificável e
impossibilidade de prende-los à terra. 73

Os cuidados com relação à distribuição de lotes coloniais e as preocupações com


relação à população naciona l não impediram que os mesmos fossem considerados intrusos e,
em conseqüência, expropriados de suas terras. Em grande parte, isso ocorre devido à atuação
das companhias de colonização, uma vez que o Ato Provincial n0 140, de 1882, autorizava a
venda de terras públicas a particulares ou a sociedades com o objetivo de colonizá- las. As
companhias adquiriam as terras do Estado por baixos preços e, sob a alegação de custos para a
montagem da infra-estrutura, as revendiam aos colonos por altos preços. Os colonos que
ocupavam áreas na condição de posseiros eram desalojados de suas terras e passavam a
constituir mão-de-obra para as companhias de colonização ou até mesmo auxiliavam os
colonos para vencer as dificuldades iniciais.
Muitas propostas do governo positivista com relação à colonização não se efetivam.
Entre elas destaca-se que as terras fossem vendidas diretamente pelo Estado aos colonos. No
entanto, muitas vezes isso não se concretizou e contribuiu para especulação nos preços das
terras. Esse aumento dos preços, evidentemente, também é influenciado pela expansão
demográfica e construção da ferrovia. Contudo, os dados são surpreendentes. Zarth demonstra
que em “Cruz Alta, Passo Fundo e Palmeira das Missões o preço da terra no período de 1851
a 1916 subiu até 1000%”. 74
Enfim, a chegada dos colonos produziu uma série de mudanças, entre elas, um
considerável aumento populacional no município, o qual concentra-se prioritariamente na
zona rural, como se pode constatar do Recenseamento de 1920 em que, de um total de 22.500
habitantes, apenas 1.200 viviam na zona urbana. No entanto, é preciso destacar que a
intensificação da colonização trouxe o acirramento dos conflitos sociais, relacionados com a
terra, visto que boa parte das áreas já eram ocupadas por caboclos que não tinham suas posses
legalizadas.

73
RÜCKERT, Aldomar. A trajetória da terra. Passo Fundo: Ediupf, 1997. p. 102.
74
ZARTH, Paulo Afonso. Op. cit. p. 92.
45
1.1.2. A ocupação dos campos nativos

As áreas dos chamados campos da Palmeira foram ocupadas a partir do início do


século XIX, onde se instalou a pecuária extensiva, determinando as características marcantes
do município.
Após a conquista definitiva do território das Missões por José Borges do Canto, a
Coroa portuguesa estimula a posse dessas terras devido à necessidade de consolidação da sua
conquista pelas armas e também pelo atrativo econômico sobre as possibilidades que a terra
representava.
Formam-se as estâncias pastoris, marcando o início do latifúndio regional onde as
áreas cobertas com pastagens naturais foram apropriadas, sendo deixadas de lado as áreas
cobertas de mata. Intensificam-se as incursões de paulistas para os campos do Planalto Rio-
Grandense atrás do gado e de recompensas, como a concessão de terras em troca de serviços
militares.
A abertura do caminho para o território, onde posteriormente formou-se o município
de Palmeira das Missões, foi realizada pelo alferes Athanagildo Pinto Martins, em cujo relato
da “exploração da abertura do caminho das Missões”, 75 assim denominada por ele, descreve o
percurso realizado na região, em 1816, realizando uma incursão de cunho militar.
Posteriormente, instala-se em Cruz Alta, onde se tornou grande proprietário de terras, como se
verifica pelo seu testamento.

Os bens de Athanagildo inventariados após a morte de sua viúva Ana Joaquina do Amaral, nos
mostram como ele foi, entre os povoadores de nossa região, aquele que seguiu de Cruz Alta
para o norte, desde a invernada do Lagoão até as adjacências da atual cidade de Santa Bárbara,
na qual é pioneiro no povoamento. Ultrapassando seus limites para o norte, veio ele ter
propriedades nas cabeceiras do Palmeirinha, já em pleno Município de Palmeira das Missões”.
76

Iniciava-se, assim, a ocupação do território da futura “Vilinha da Palmeira”, seguido


por outros pioneiros como o paulista Coronel Joaquim Thomaz da Silva Prado e o Major
Antônio Novaes Coutinho, português de nascimento, que, vindos de São Paulo, deram início
ao povoamento das áreas de campo.
Uma questão que se impõe aos estudiosos do processo de ocupação diz respeito à
formação das propriedades. Conforme documentos da Câmara Municipal de Cruz Alta,

75
SOARES, Mozart Pereira. Op. cit. p. 106 – 107. O autor refere-se a documento do próprio Athanagildo P.
Martins, datado de 1816, em que faz um relatório do caminho percorrido.
76
Idem. p. 110.
46
datado de 1850, citado por Zarth, constata-se que a posse das terras ocorreu através da
concessão feita pelas autoridades militares locais, sendo poucas as propriedades obtidas por
sesmarias . As áreas consideradas devolutas foram vendidas, sem distinguir se pertenciam ou
não à comunidade dos índios. Era mais fácil adquirir terras, por baixo preço, das
autoridades locais do que a obtenção de sesmarias. “Dessa forma, militares e tropeiros
conseguiram a preços irrisórios vastas áreas de campo nativo que deram origem às grandes
77
estâncias das quais restam resquícios”.
Considerando-se que, do ponto de vista jurídico, a concessão de sesmarias cessa a
partir de 17 de julho de 1822, com a Resolução Ministerial de autoria de José Bonifácio,
Rückert destaca que: “A obtenção de sesmarias no Norte do Rio Grande do Sul é tema
escassamente tratado à luz de provas documentais. De uma forma geral, pode-se afirmar,
no entanto, que as sesmarias foram poucas e que não consistiram na forma predominante de
obtenção de grandes propriedades”. 78 Como a ocupação da área em estudo foi posterior à
referida lei é de se supor que esta não foi a forma usual de obtenção de posse.
O processo de apossamento é, de início, lento por tratar-se de uma área nova para os
luso-brasileiros e pela presença de indígenas caingangues nas florestas que se alternavam com
os campos. Após a destruição dos Sete Povos das Missões, o território missioneiro é
abandonado e os índios embrenham-se nas matas, iniciando um momento de hostilidade
com os novos ocupantes, devido às tentativas de escravização, além da usurpação de suas
terras.
Sem dúvida, os grandes prejudicados, no referido processo de apossamento, foram os
indígenas, embora haja outro segmento, escassamente citado, que é o dos lavradores pobres e
coletores de erva, ou seja, os caboclos que se encontram dispersos pelo território e que são
ignorados, quando da concessão das posses. A Lei de Terras não favoreceu a posse da mesma
aos peque nos proprietários, pela falta de conhecimento da ocupação anterior à lei, ou mesmo
pela ignorância dos posseiros em legitimar suas propriedades.
A área de campo teve como traços marcantes os componentes específicos de
atividade pastoril: grande propriedade, sociedade patriarcal, domínio do estancieiro sobre os
dependentes, constituindo uma organização social baseada em relações de poder
coronelístico. Destaca-se o papel dos coronéis-latifundiários como detentores do poder
político e responsáveis, em grande parte, pelos rumos da economia. À medida que ocorre a
valorização das terras, buscam assegurar o controle da maior parte das áreas, para serem

77
ZARTH, Paulo Afonso. Op. cit. p. 46.
78
RÜCKERt, Aldomar. Op. cit. p. 57.
47
utilizadas, não como meio de produção, mas como reserva de valor. Nas áreas de mata não se
opuseram à distribuição de terras aos imigrantes, porque não ameaçava seu predomínio,
ligado à atividade pecuária.
O comportamento conservador da elite econômica e política, constituída pelos grandes
proprietários, contribuiu para manter o espaço latifundiário intocável. Os coronéis- militares e
os tropeiros descendentes de tradicionais famílias paulistas constituíram o grupo dominante na
fase de ocupação, estendendo-se por todo período imperial e início da república. Durante a
República Velha, fatores socioeconômicos advindos das mudanças que se operam nas
atividades produtivas, favorecem a emergência do poder do mato, constituído por ervateiros,
chacareiros, pequenos proprietários. Nessa fase, estabelece-se um clima de permanente
enfrentamento com o poder do campo, que se constituía no grupo dominante e controlador
das relações políticas locais.
A atuação dos coronéis- latifundiários na política local pode ser largamente constatada
em documentação consultada no Arquivo Borges de Medeiros, na historiografia e nos relatos
orais, como veremos nos capítulos seguintes. Nesse momento, interessa- nos uma
conceituação dos agentes históricos e a análise das relações de poder que se estabeleceram
entre os atores sociais presentes no processo.

1.2. Caboclos,ervateiros e coronéis

A forma como o governo tratou a ocupação das áreas de mata leva a crer que eram
tidas como vazias demograficamente, sem considerar a presença dos extrativistas de erva-
mate e cultores de roças com produtos de subsistência ou sobrevivendo dos recursos da
natureza. Constituíam uma população cabocla que, freqüentemente, é ignorada pela
historiografia, assim como foi ignorada pelo governo ao designar essas áreas para
colonização. A vinda de colonos transforma o espaço regional, criando conflitos e
marginalizando os caboclos, cuja presença era desconsiderada pelos poderes públicos.
A presença desses agentes históricos exige uma melhor conceituação, considerando as
representações que se faz desses sujeitos nas diversas regiões e de acordo com as concepções
de quem os denomina. Nas áreas onde há a presença acentuada de colonos a denominação
corresponde aos brasileiros, tratados, de modo geral, depreciativamente, nas áreas de
colonização italiana onde são designados como brasiliani.

48
Nos dicionários de língua portuguesa, são indicados como mestiços de branco com
índio, tendo como sinônimos: mameluco, sertanejo, caipira. Nos documentos que tratam da
questão da terra são, freqüentemente, designados como nacionais, distinguindo-os dos
migrantes descendentes de europeus. Zarth aponta uma distinção, no sul do Brasil, entre os
dois tipos de camponeses que constituem os lavradores nacionais, destacando que “colono é o
camponês imigrante ou filho de imigrantes europeus, enquanto caboclo se refere ao lavrador
nacional e ao modo de vida diferenciado, mais próximo do nível de vida original do
indígena”. 79
A literatura, em geral, considera os caboclos os autênticos brasileiros, resultado da
miscigenação do índio com o branco, apresentando muitas vezes um caráter de estigma.
Estudos recentes procuram incluir nessa categoria, além dos critérios étnicos, critérios
culturais e socioeconômicos. Segundo Telmo Marcon:

As pesquisas que estudam os caboclos a partir de questões étnicas, destacam os grupos que
participaram da miscigenação, principalmente o indígena (Kaingang, Guaranis e Xokleng), os
bandeirantes, os castelhanos (argentinos) e os lusos-brasileiros, provenientes das províncias de
São Paulo e do Paraná, mas não mais como bandeirantes. Grande parte das pesquisas acentuam
a participação destas etnias na constituição do caboclo, especialmente os índios e luso-
brasileiros80 .

No entanto, destaca que sua preocupação é pensar o caboclo “para além dos critérios
étnicos”. Comumente, aparece a ascendência indígena como um componente definidor, além
da “idéia de que a denominação caboclo é depreciativa, pois, na medida em que os sujeitos
ascendiam econômica, política e socialmente, deixavam de ser assim denominados”81 . Na sua
pesquisa, concluiu que não existe um caboclo único, havendo diferenças entre os diversos
grupos e especificidades no seu modo de viver.
Bloemer, apoiada na conceituação de vários autores, salienta que a despeito de seus
vários significados regionais a designação de caboclo “parece remeter a um determinado
modo de vida ou a uma cultura específica, denominada de cultura cabocla” definindo-a,
assim, como uma categoria sociológica que leva à designação de uma condição social. 82
Estabelece uma diferenciação entre os camponeses que constituem seu objeto de
estudo designado-os de italianos (migrantes) e brasileiros. Prefere utilizar a expressão

79
ZARTH, Paulo Afonso. Os esquecidos da História: Exclusão do lavrador nacional no Rio Grande do Sul. In. Os
caminhos da exclusão social. ZARTH, P. Afonso [et. al.]. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 1998.
80
MARCON, Telmo. Memória e cultura: modos de vida dos caboclos do Goio -Em (SC). 1998. Tese ( doutorado
em História) . PUC/SP. São Paulo. p. 65.
81
Idem. p. 68.
82
BLOEMER, Neusa Maria Sens. Brava gente brasileira: migrantes italianos e caboclos nos Campos de Lages,
Florianópolis: Cidade Futura, 2000. p. 23
49
brasileiros porque “o termo caboclo, pelo qual são reconhecidos na região, tem significativa
carga pejorativa”. 83 Destaca que é, invariavelmente, entre os brasileiros categorizados como
produtores fracos, que se encontram os que possuem menos terras, ou vivem na condição de
agregados, arrendatários ou são proprietários das piores terras. 84
Essa distinção, fruto das representações construídas pelos colonos sobre os caboclos,
está presente em outros autores, segundo Marcon. No entanto, destaca que entre os sujeitos
que entrevistou “esta distinção não se constitui num problema. Pelo contrário, eles se auto-
identificam caboclos como afirmação positiva de suas práticas e ações”. 85
Sem desconhecer a existência de representações que qualificam o caboclo de
“preguiçoso, desleixado, pouco afeito ao trabalho, desorganizado e pouco higiênico” aponta a
necessidade de avaliar mais profundamente o significado depreciativo do termo, visto que é
utilizado para caracterizar grupos sociais que decaíram socioeconomicamente. 86 A partir das
constatações feitas propõe “pensar o caboclo a partir dos modos de ser e de viver, tendo
consciência de que não estão desvinculados de traços étnicos”. 87
A expressão caboclo, de acordo com Zarth, designa o lavrador nacional pobre,
estando “fortemente marcada pelo aspecto cultural, tanto que a expressão foi utilizada para
designar imigrantes alemães que caíram a um nível de vida semelhante ao do lavrador
nacional”. Contudo admite que, embora o conceito não sendo puramente étnico, na grande
maioria, os caboclos são descendentes de índios, portugueses e africanos 88 .
O que se observa nos textos consultados é que a categoria caboclos não é nada clara,
havendo dificuldades em estabelecer uma definição precisa, pois o termo adquire conotações
e significados diversos conforme a região. Para fins desse estudo, como já referimos na
introdução, serão considerados os moradores das áreas rurais, dedicados ao extrativismo ou ao
cultivo de pequenas lavouras, observando-se, ainda, os aspectos étnicos, socioeconômicos e
culturais.
Destaca-se na região a figura do ervateiro, devido à importância que a erva- mate
adquiria por movimentar capitais, tanto no mercado interno como na exportação para a região
Platina, constituindo-se, assim, em importante fonte de renda. Zarth destaca diferenças entre
os grupos de ervateiros: “alguns trabalhavam em parceria e repartiam o produto do trabalho;
outros trabalhavam como peões assalariados para algum dono de engenho de moer erva-mate,

83
BLOEMER, Neusa Maria Sens.Op. cit. p. 23
84
Idem. p. 180.
85
MARCON, Telmo. Op. cit. p. 66.
86
Idem. p. 70
87
Idem. p. 74.
88
ZARTH. Paulo Afonso. Op. cit. p. 48.
50
ou para alguma espécie de empreiteiro, que pagava uma licença junto à administração
municipal ou comprava a erva nos estabelecimentos privados”. 89
Considerando o período em estudo, República Velha, em que a privatização das terras
e dos ervais, em grande parte, já tinha ocorrido, a designação ervateiros será utilizada para o
grupo que detém algum controle sobre a extração, comércio e transformação do produto e
não, simplesmente o que executa a coleta como tarefeiro. Como se constata em documentação
já consultada e que será analisada na exposição dos capítulos seguintes, os ervateiros
constituíram-se num grupo intermediário entre o campo e a mata, gozando de uma posição
socioeconômica que lhes possibilitou, em parte, o controle do poder em áreas e momentos
determinados.
O papel desempenhado pelos coronéis no Rio Grande do Sul, somente nas últimas
décadas, tem sido objeto de estudos, visto que o coronelismo era identificado como uma
prática típica do Nordeste brasileiro, enquanto a historiografia do rio-grandense, por muito
tempo, ignorou o tema, devido à construção mítica da figura do gaúcho e outros valores
presentes na classe dominante. Segundo Loiva Otero Félix, reconhecer o coronelismo “seria
uma forma de nivelamento e igualdade com o processo sociopolítico dos demais estados, o
que feriria os “brios” da classe dominante gaúcha que com o reforço da historiografia
90
transmitia uma imagem de força, bravura e originalidade”.
Recentemente, o tema tem sido abordado com freqüência e está inserido nos estudos
da história rio-grandense, com as peculiaridades próprias da formação do estado, cujas
características de área de fronteira impregnou de fortes marcas militaristas a fase de ocupação,
contribuindo para o domínio dos grandes pecuaristas, não só no aspecto econômico, mas
também no campo da dominação política, social e cultural, como demonstra o culto às
tradições gaúchas.
O termo “coronel” originou-se da Guarda Nacional, criada em 1831, correspondendo
ao comando municipal ou regional, respaldado no prestígio econômico ou social. Segundo
Maria Isaura Pereira de Queiroz, embora o termo seja usado desde a segunda metade do
Império “é na Primeira República que o coronelismo atinge sua plena expansão e a plenitude
de suas características”. 91 O tratamento de coronel estendeu-se a todos os chefes políticos

89
ZARTH, Paulo Afonso. Op. cit. p. 61
90
Ver FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit. p. 22. Em sua obra destaca a atuação dos coronéis no Rio Grande do Sul,
especialmente da região do Planalto Médio, como força de sustentação do PRR. Seu estudo abriu novas
perspectivas de abordagens sobre o tema, conforme se verifica no prefácio à 2ª edição.
91
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O coronelismo numa interpretação sociológica. In: FAUSTO, Bóris (Org.).
História geral da civilização brasileira.. São Paulo: Difel, 1985, v. 8. p. 160.
51
locais e, mesmo após a extinção da Guarda Nacional, manteve-se arraigado, designando os
líderes locais que detinham o poder político e econômico.
O coronelismo não se apresenta de forma homogênea. Victor Nunes Leal analisa o
coronelismo como um fenômeno complexo, com variações no tempo e particularidades locais.
Destaca que se trata sobretudo, de “um compromisso, uma troca de proventos entre o poder
público, progressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes locais,
notadamente dos senhores de terras”. 92 Assim, a estrutura agrária, baseada no latifúndio
fornece a base de sustentação do poder privado. Desse compromisso, resultam características
secundárias do sistema coronelista como “o mandonismo, o filhotismo, o falseamento do
voto, a desorganização dos serviços públicos locais”. 93
Destaca, contudo, que nem sempre o poder municipal é exercido por um coronel-
latifundiário, podendo haver uma estreita ligação com outras lideranças, representadas por
doutores, como advogados e médicos. O coronel entrava com a influência pessoal ou do clã e
o doutor a ele aliado, com o prestígio pessoal, manobrando as campanhas jornalísticas ou a
manipulação dos resultados eleitorais. Em alguns locais, o padre exerce as funções de líder
intelectual, aliado dos coronéis.
A força dos chefes locais advém, principalmente, da sua força eleitoral. Cada coronel
controla um lote considerável de “votos de cabresto”, daí o prestígio político que desfruta,
influindo para que exerça outras atividades como conselheiro, como árbitro em desavenças ou
como intermediário entre o dependente e as autoridades públicas. O coronel é visto como rico,
embora muitas vezes não disponha de capital circulante. É rico em comparação com a miséria
dos agregados e dependentes. Leal aponta a concentração da propriedade como fator de
permanência do domínio dos grandes proprietários.
No entanto, é na questão eleitoral que a dependência se torna marcante. São os chefes
locais que custeiam as despesas do alistamento, transporte e até roupas e refeições nos dias de
eleição. Daí a existência dos votos de cabresto. O eleitor obedece “à orientação de quem tudo
lhe paga, para praticar um ato que lhe é completamente indiferente”. 94
O papel paternalista dos chefes locais, na solução dos mais variados problemas,
estabelece um limite muito confuso entre o legal e o ilícito, explicando muitas vezes a
violência que acaba se instalando nas disputas locais. A desorganização administrativa dos
municípios, fruto do atraso e incultura, gera o que o autor denomina de filhotismo que

92
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo. São Paulo: Alfa-
Ômega, 1978. p. 20.
93
Idem. p. 20.
94
Idem. p. 36.
52
distribui cargos aos amigos políticos, atraídos para a gamela municipal, dilapidando os bens e
95
serviços do governo em benefício de quem garante a vitória eleitoral.
O sistema coronelista funciona, conforme Leal, apoiado na reciprocidade. De um lado,
os chefes locais controlam o eleitorado; de outro lado, o poder público concede empregos,
favores e apoio da máquina policial. Esses dois aspectos, mutuamente dependentes, garantem
o êxito do coronelismo. “Sem a liderança do coronel – firmada na estrutura agrária do país -, o
governo não se sentiria obrigado a um tratamento de reciprocidade, e sem essa reciprocidade a
liderança do coronel ficaria sensivelmente diminuída”. 96 O apoio mútuo entre o poder
político dominante e o coronel da corrente majoritária garantem a eficiência do compromisso
coronelista.
Autores como José Murilo de Carvalho e Eduardo Silva consideram o coronelismo
como “elemento central para a compreensão do sistema político brasileiro”, destacando que
está longe de ser uma questão morta e resolvida, suscitando, ainda, intensos debates.
Consideram a obra de Victor Nunes Leal como a espinha dorsal 97 dos estudos sobre o tema.
No entanto, discordam quanto à idéia de decadência dos proprietários rurais, durante a
República Velha, pois afirmam que as mudanças na economia agroexportadora, integrada ao
mercado nacional e internacional, impeliram os coronéis a estabelecer novas relações de
poder. Sustentam que, nesse período, o estabelecimento constitucional do federalismo e da
figura do governador, como intermediário entre o poder local e federal, obriga os coronéis a
estabelecer novas relações de poder.
A obra de Leal apresenta um nível de análise mais geral, voltada para uma visão de
conjunto. “Mandonismo e clientelismo, que para ele eram apenas aspectos secundários do
coronelismo, passam a constituir o próprio eixo de análises posteriores”.98 Obras mais
recentes dão visibilidade a outros aspectos do mandonismo local, enfocando, não apenas
aspectos políticos, mas também econômicos, sociais e até mesmo psicológicos.
Surgem, assim, diferentes “tipos de coronelismo”, cuja base pode estar nas atividades
comerciais, profissões liberais ou no sacerdócio. Estudos regionais têm demonstrado a
existência de outras manifestações do coronelismo. Luís Palacín , em sua obra Coronelismo
no extremo norte de Goiás99 , destaca as características de um coronelismo, centrado na figura

95
LEAL, Victor Nunes. Op. cit. p. 39.
96
Idem. p. 43.
97
CARVALHO, José Murilo e SILVA, Eduardo. Entre a enxada e o voto. Revista Acervo, Rio de Janeiro: v. 2, n.1,
p. 23-28, jan/jun. 1987. p.23
98
Idem. p. 24.
99
PALACÍN, Luís G. Coronelismo no extremo norte de Goiás: o padre João e as três revoluções de Boa Vista. São
Paulo: Edições Loyola, 1990.
53
do Padre João, apontando aspectos políticos e sociais que ora o aproximam, ora o diferenciam
do coronelismo presente no resto do Brasil.
Analisando a evolução da política brasileira, Antônio Octávio Cintra destaca que
coube aos coronéis um papel de mediação entre “o centro e a periferia, isto é , entre o Estado,
ou, mais geralmente, as instituições políticas centrais e a população interiorana”. Devido à
vastidão territorial do Brasil, é natural que o poder privado preenchesse os vazios da
autoridade pública. No início da República, com a maior importância do voto, cresce o papel
dos líderes locais, que procuravam garantir, através da vitória eleitoral, o controle político,
contribuindo para a “institucionalização do fenômeno do coronelismo”. Esse arranjo
coronelista, conforme Cintra, tem a finalidade de manter a ordem interna e o apoio eleitoral,
favorecendo o poder público e os chefes do interior. 100
Os líderes locais que, mais freqüentemente, passam a exercer esse poder são os donos
de terra visto que esta, distribuída de modo desigual, constituía a principal fonte de poder,
porque a maior parte da população dela dependia. A capacidade de mobilização de milícias
particulares constituía-se no fator complementar para garantir a manutenção do poder e o
cumprimento de suas ordens. No entanto, é importante destacar que o poder lhe advém de
uma delegação superior, conforme Raymundo Faoro:

(...) o coronel não manda porque tem riqueza, mas manda porque se lhe reconhece esse poder,
num pacto não escrito. Ele recebe – recebe ou conquista – uma fluida delegação, de origem
central no Império, de fonte estadual na República. (...) O vínculo que lhe outorga poderes
públicos virá, essencialmente, do aliciamento e do preparo das eleições.101

O papel dos coronéis cresce, na passagem do regime imperial para o republicano, com
as atribuições que lhes cabem nos pleitos eleitorais, quando atuam desde a qualificação de
eleitores até o transporte para os locais de votação. Os políticos reconhecem que o voto
precisa ser recolhido pelo líder local. Daí o papel de intermediário do coronel, que busca o
apoio do governo para a manutenção de seu poder pessoal.
O atraso econômico, o isolamento e a falta de comunicação das localidades
interioranas com os centros mais desenvolvidos contribuíam, de acordo com Eliane Lúcia
Colussi, para o fortalecimento do poder privado, visto que “o único contato das populações
com o aparelho de Estado dava-se em períodos de eleições, quando o voto significava a

100
Ver CINTRA, Antônio Octávio. A política tradicional brasileira: uma interpretação das relações entre o centro e
a periferia. Cadernos do Departamento de Ciência Política. Belo Horizonte, n.1, março de 1974. p. 59-107.
101
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 11ª. Ed. São Paulo: Globo,
1995. 2º. V. p. 622.
54
possibilidade de obtenção de favores ou de alguma melhoria material”. 102 Associa a questão
da autonomia municipal ao coronelismo, destacando que não interessava às autoridades
estaduais municípios fortes, mas um poder local fortalecido na pessoa do coronel
comprometido com acordos políticos eleitoreiros. 103
Estudos que se voltam para períodos posteriores à República Velha demonstram o
quanto o sistema eleitoral conserva a herança e a forte influência do sistema coronelista. Jean
Blondel, estudando a vida política do estado da Paraíba, na década de 50, destaca a
permanência do poder dos coronéis como chefes políticos, devido ao atraso em que têm sido
mantidas as populações rurais, com altas taxas de analfabetismo e dificuldades de
comunicação. O camponês desconhece a significação política do seu voto, deixando-se levar
pelos cabos-eleitorais, que são o elemento de ligação entre o coronel e os eleitores. Aponta
algumas inovações na forma de agir dos chefes tradicionais, a fim de enfrentar a competição
de políticos novos que podem ser representados pelo médico, advogado ou o padre. Os
coronéis procuram adequar-se às novas condições, sem mudanças significativas. Patrocinam
novos personagens, estabelecem alianças com as novas forças políticas e sociais que lhe
sejam dedicadas . 104
Cintra destaca que a mobilização dos votos pode gerar disputas entre os chefes locais,
que em muitos casos levam à violência. Por isso, nem sempre a mobilização excessiva da
população no processo eleitoral é bem vista pelos que detêm o poder constituído. Temem,
sobretudo, a violência das camadas baixas que pode assumir características de luta de classe.
“Quando isso seja iminente, a reação vem não apenas de um ou outro coronel, senão que se
mobilizam recursos maiores do sistema político: a repressão aos movimentos messiânicos,
como o de Canudos ou o do Contestado, indica o temor, o pânico mesmo, das elites políticas
diante da ameaça aí contida”. 105
Nesse aspecto, cabe analisar o contexto das lutas coronelistas no município de
Palmeira das Missões, onde as forças em confronto apresentavam diferenças que vão além de
simples luta político- ideológica. O coronel que reunia as características até aqui apontadas é
representado na figura de Vazulmiro Dutra, que controlava o poder local, com apoio do
governo do estado.

102
COLUSSI, Eliane Lúcia. Op. cit. p. 16
103
Idem. p. 17-18.
104
BLONDEL, Jean. As condições da vida política no estado da Paraíba.. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1957.
105
CINTRA, Antônio Octávio. Op. cit. p. 85.
55
As forças de enfrentamento ao poder constituído eram chefiadas por Leonel Rocha,
que mantinha mobilizado grande número de caboclos, despossuídos de bens, como ele
próprio. “Talvez, mesmo sem o saber, já lutasse como instrumento de seus próprios adeptos,
por uma vaga transformação que viesse melhorar a sorte dos roceiros e trabalhadores da
enxada”. 106
Mesmo sem a clara consciência de luta social, esse fator provavelmente explique a
violência dos embates ocorridos no município, pela ameaça que representava aos
latifundiários a mobilização armada da massa camponesa.

Os mais fracos , onde quer que estejam, devem abrigar-se à sombra dos mais fortes, reforçando
o sistema de dependência, que liga a população camponesa aos proprietários e os proprietários
menores e mais fracos aos maiores, nucleando-se toda população ao redor de pontos fortes, em
sistemas piramidais de poder, entre os quais, mas não dentro dos quais, dão-se as lutas.107

Cintra destaca que a parcialidade policial e a proteção da situação dominante


contribuem para a manutenção do esquema de dominação. “O importante é que a violência
das camadas baixas, cooptada pelo arranjo coronelista, não fuja do controle, tornando-se
autônoma e assumindo conotações de luta de classe”. 108
As lutas que ocorrem na região nos mostram o funcionamento desse sistema
piramidal, em que os coronéis maiores controlavam os menores, incluindo outros setores da
população, como comerciantes e profissionais liberais que mantinham vínculos com grupos
da situação ou oposição, procurando, tanto um grupo como o outro, manter sob o controle
todos os segmentos sociais.
Por outro lado, para melhor entendermos as lutas armadas e os confrontos políticos na
região, temos que levar em conta as características do coronelismo no Rio Grande do Sul, que
assume manifestações diferentes em relação ao restante do Brasil, devido às especificidades
da formação histórica do estado. O caráter militar da ocupação associado à base econômica,
predominantemente pastoril, favoreceu o surgimento de uma sociedade senhorial em que se
estabeleceram relações de dominação dos chefes locais sobre os grupos de parentela e bandos
guerrilheiros.
Durante o período imperial, os coronéis da Campanha controlaram a política rio-
grandense, através do Partido Liberal que tinha na liderança Gaspar Silveira Martins. Na

106
FERREIRA FILHO, Arthur. Op. cit. 1986. p. 119.
107
CINTRA, Antônio Octávio op. cit. p. 85.
108
Idem. Ibidem.
56
República Velha, o castilhismo/borgismo, buscou sustentação política nos coronéis do
Planalto que emergiram como nova força política.
Face às análises expostas, identificamos as características do coronelismo na área
primitiva do município de Palmeira das Missões, cooptado ao governo estadual, mantendo
vínculos com os demais coronéis do Planalto, no sentido da manutenção do compromisso
coronelista. Os coronéis latifundiários têm na figura de Vazulmiro Dutra o representante
típico do coronel-borgista do Planalto gaúcho, com atuação semelhante a outros que se
109
destacaram na região, como Firmino Paula e Victor Dumoncel.
Sua atuação se consolida a partir da Revolução de 23, quando os maragatos, após
vários reveses, enfraquecem sua capacidade de mobilização. Contudo, é preciso destacar que
durante a República Velha, outros coronéis tiveram intensa participação na vida política local,
ora atuando cooptados ao governo estadual, ora comandando a dissidência do PRR e, em
alguns casos, aliando-se ao poder do mato, como veremos nos capítulos seguintes.
O domínio dos coronéis era incontestável, seu poder não se manifestava só na
atuação política, mas também incluía a dominação pelo temor que causavam, devido à
capacidade de mobilização de forças, tanto a força oficial que controlavam, como utilização
de capangas e asseclas, para fazer valer sua vontade. Contudo, constatam-se formas de
resistência, que se davam não só pela luta armada, nas quais se envolviam grupos específicos
e claramente definidos como adversários, mas formas veladas de oposição aos coronéis,
representada por setores urbanos, dentre eles os comerciantes e profissionais liberais, que
procuravam, de alguma forma, resistir às imposições do grupo dominante. 110
A atuação dos coronéis na região é passível de ser analisada, porque existe uma rica
documentação em arquivos públicos e privados. Difícil é estudar a atuação de grupos que não
deixaram documentos escritos, como é o caso dos caboclos. A distância temporal dos fatos
não favorece a utilização de fontes orais. Alguns processos judiciais têm permitido “dar voz”
a esses atores sociais e, através dos documentos dos que detinham o poder, pode-se fazer
inferências dos conflitos existentes.

109
Ver FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit. Os coronéis chimangos são objeto de estudo na obra citada, sendo analisada
sua atuação e relações de compromisso com o governo estadual.
110
A correspondência do Arquivo Borges de Medeiros demonstra que alguns setores se opunham ao domínio dos
coronéis, de forma velada, sendo muitas vezes, denunciados pelos correligionários por suas ações. Cartas enviadas
a Protásio Alves fazem denúncias de dissidentes que criam dificuldades na realização dos pleitos. Em anexo à
correspondência consta o jornal A Palmeira de 22/08/1915, no qual cita o nome de correligionários “que não
compareceram à eleição e levaram outros a não votar. O juiz Zozimo de Oliveira Bueno, chegou a se esconder para
não dar títulos”. Doc. Nº 3379, de 25/08/1915 . Constam vários documentos envolvendo advogados, comerciantes
e mesmo questões com o vigário, que serão analisados em capítulo posterior. Também é importante observar a
atuação de alguns coronéis que se aliaram ao poder do mato, em alguns momentos dos confrontos.
57
Por ora, pode-se afirmar que a terra foi progressivamente privatizada, ganhando a
condição de mercadoria. As transformações que se processaram no espaço regional geraram
conflitos e tensões devido à expropriação dos caboclos e a presença de novos sujeitos.
Inovações nas formas de produzir e explorar a terra deram origem a disputas e formas
diversificadas de atuar em relação ao meio ambiente. Assim, a representação da região como
locus de violência está, em grande parte, relacionada com o conflito fundiário, aspecto ainda
pouco estudado pela historiografia regional.

58
CAPÍTULO II
A QUESTÃO DA TERRA E O PODER LOCAL

O presente capítulo busca analisar a origem da formação de grupos antagônicos, a


partir de disputas pela posse da terra e pelo controle do poder local, que se manifestaram
através de várias formas de resistência e rixas políticas, chegando ao enfrentamento armado.
Valemo-nos da documentação existente em arquivos estaduais e particulares, confrontados
com a historiografia produzida sobre o tema.
Estudar a trajetória dos segmentos marginalizados se constitui num desafio, pela
dificuldade na localização de fontes, tendo em vista não se fazerem presentes na
documentação dos grupos que detiveram o poder e, freqüentemente, não se valerem de
registros escritos no cotidiano. A história pode lançar um olhar privilegiado sobre esses
sujeitos dando- lhes presença ou silenciando-os.
Assim, o presente estudo procura trazer luz sobre grupos que têm recebido pouca
visibilidade nas representações construídas sobre o passado. A análise se apóia nas leituras de
informações subjacentes nos documentos oficiais, nas falas registradas em processos judiciais
e no cruzamento das fontes com a memória coletiva e no imaginário social. Algumas obras
produzidas a partir de vivências de pessoas que percorreram a região, no século XIX, e
lançaram um olhar arguto sobre a sociedade da época, fornecem importantes subsídios.
Dentre esses, destacamos, especialmente, Maximiliano Beschoren111 , que percorreu o planalto
gaúcho nas décadas de 1870 e 1880, registrando com o olhar da alteridade de um viajante

111
Maximiliano Beschoren nasceu em 06/07/1847, na Prússia, formando-se em Engenharia e Matemática. Chegou
em Porto Alegre em 1869, onde trabalhou como professor. Revalidando o diploma de engenheiro foi convidado a
exercer a atividade de agrimensor, na qual trabalhou durante 18 anos, viajando cerca de 3.000 léguas. Residiu em
Santa Cruz do Sul, Passo Fundo, Palmeira das Missões, São Luis Gonzaga, Cruz Alta e Nonoai. Em 1874, fez parte
da expedição para levantamentos topográficos de terras no Alto Uruguai, que resultou na obra Impressões de
Viagem na Província do Rio Grande do Sul. 1875-1887, que foi publicada em seu país de origem, em 1889.
Somente cem anos depois foi publicada no Brasil. Durante o período que percorreu a Região do Alto Uruguai fe z
de Palmeira o centro de suas pesquisas, registrando importantes observações sobre a vida de seus habitantes.
Publicou várias obras em seu país de origem. No Brasil, sua obra ainda é pouco conhecida. As atividades de
demarcação do triângulo Nonoai, Peperi e Chapecó, transformaram-se numa tarefa extenuante e, transcorridos seis
meses, suicidou-se. Os dados biográficos constam do prefácio e da introdução do livro, escritos por Henry Lange e
Júlia Schütz Teixeira, respectivamente.
estrangeiro, não só os aspectos físico- geográficos, o que era seu objetivo, mas também o
modo de vida e as manifestações culturais dos habitantes das regiões que percorreu.
Tendo feito da Vila de Santo Antônio da Palmeira seu ponto de referência, nas
explorações que realizava na região, pôde observar e registrar aspectos do cotidiano que
passaram despercebidos por outros viajantes e pelos habitantes locais, fruto do
estranhamento, de que fala Ginsburg, 112 e que permite a alguém de fora de uma determinada
comunidade de sentido alcançar outra compreensão da realidade, ou seja, representar a
alteridade. Beschoren observou as populações locais com um distanciamento que permitiu ao
estrangeiro a observação de aspectos não perceptíveis aos envolvidos mais próximos dos
fenômenos.
A passagem do autor pela “Vilinha da Palmeira”, como o município era conhecido na
época, é particularmente rica em detalhes, pois se constituiu numa espécie de “quartel” para o
explorador. “Armei meu ‘wigwan’( palhoça) de fevereiro de 1877 até outubro de 1880; e de
113
janeiro de 1882 até janeiro de 1884”.

2.1. A ocupação primitiva e a emergência de conflitos

Beschoren referiu-se com muita clareza às condições agrárias do tempo do Império. A


distribuição gratuita, às vezes, era feita sem nem mesmo saber se as terras realmente existiam
na extensão concedida e no lugar designado. Segundo ele, “a população se estabelecia ao
acaso, sem perguntar se a terra havia sido dada ou não. Toda terra parecia pertencer ao povo.
Ficavam onde mais lhes agradava e faziam, por conta própria, os limites de sua
114
“propriedade”.
De acordo com seus relatos, reinava grande confusão. Havia desavenças, porque o
governo desconhecia as terras realmente desabitadas a fim de concedê-las para a colonização.
Refere-se à Legislação de Terras de 1850, pela qual os posseiros podiam legalizar suas
propriedades, sendo medido o terreno cultivado e mais uma extensão de florestas. Relata que
a lei “não foi bem aceita pela maioria” 115 e sua execução enfrentou a oposição dos grandes
proprietários e as dificuldades decorrentes da falta de homens, tecnicamente capacitados, para

112
GINZBURG, Carlo. Olhos de madeira: nove reflexões sobre a distância. São Paulo: Companhia das Letras,
2001. p.15
113
BESCHOREN, Maximiliano. p. 83
114
Idem. p. 24.
115
Idem p. 25.
60
efetivar as medições. No Rio Grande do Sul, a legalização teve melhores resultados devido ao
aumento da colonização e à valorização crescente das terras. O cumprimento da lei foi
prorrogado até 1884, estabelecendo que as terras que não fossem legalizadas caberiam ao
governo, devendo atender a trâmites legais para que se efetivasse a legalização das
propriedades. É necessário destacar que essas observações foram feitas à época em que
ocorriam os registros.
O levantamento das terras, ocupadas ou não, desconsiderava totalmente a situação dos
indígenas, que reagiam com hostilidade à presença dos novos ocupantes. Beschoren refere-se
a “árduas lutas com índios” enfrentadas por alguns desses novos habitantes. Destaca que era
“preciso muita coragem para se instalar com apenas alguns companheiros e ficar sujeitos aos
ataques dos índios, que consideravam toda região, matas e campos, como suas propriedades
incontestáveis”. 116
Os índios, segundo ele, altamente hostis em relação aos colonos, eram pacíficos com
os missionários e, assim, facilmente sedentarizados, embora em pequeno número migrassem
para o Paraná, onde exploravam a caça nas imensas florestas. A relação com os colonos era
tensa, pois os indígenas eram perseguidos e mortos em represália aos ataques. Atacavam ou se
defendiam, dependendo do ponto de vista. Já, na catequese, eram atraídos com estratégias
mais sutis.
Pelas observações do viajante, percebe-se que ele se coloca dentro da visão dominante
entre os novos colonizadores, considerando os primitivos habitantes como selvagens e
atrasados. Com a fundação do Aldeamento de Nonoai, a região tornou-se o ponto de encontro
dos indígenas, que povoavam as regiões próximas. O número já era bastante reduzido, cerca
de 300 índios, sendo que apenas 50 eram considerados aptos para o trabalho. Interessante
notar que, já nessa época, o grau de aculturação dos indígenas era bastante acentuado, pois
“preferem vestir-se com tecidos importados” e assim vão sendo “abraçados pela cultura”.
Nos meses de inverno, mudam-se para a floresta para colher erva, “cujo produto dá- lhes
recursos suficientes para viver, obtendo dinheiro bastante para a cachaça”. 117
O autor coloca-se claramente ao lado do branco, considerando-o vítima da reação
indígena. Em nenhum momento, considera o processo de expropriação das terras como
elemento desencadeador da reação dos primitivos habitantes. O número, já bastante reduzido,
não impressiona tanto quanto a inaptidão para o trabalho. Numa época em que o capitalismo

116
BESCHOREN, Maximiliano. Op. cit. p. 42.
117
Idem. p. 44
61
europeu vivia uma fase de expansão é possível entender a visão do autor em que a não
inserção no trabalho torna-se uma barreira às pretensões de construir o progresso.
Ao referir-se aos moradores da região do Goio-En, expressa sua preocupação com sua
forma de produzir. “As pessoas querem apenas viver, pensam somente no hoje”. Produzem
apenas para a subsistência, não ambicionam construir um patrimônio. A natureza oferece
dádivas em abundância “mas é preciso que essa população seja mais ativa, a fim de aproveitar
os enormes resultados que o solo oferece”. 118 Expressa a convicção de que a colonização do
Alto Uruguai arrastará as regiões do Goio-En, expandindo-se até as margens da Província do
Paraná.
De fato, a colonização veio alterar o quadro, mas o colono teve que se adaptar às
condições impostas pela natureza. Jean Roche descreve as novas formas de vida enfrentadas
pelo imigrante alemão, passando a empregar técnicas utilizadas pelos indígenas e caboclos
como o desflorestamento. Isso força o europeu a cair ao nível desses moradores das áreas
florestais. Segundo o autor, o colono tornou-se um fabricante de terra na medida em que
assimilou a técnica da conquista da mata virgem, que consistia na derrubada das árvores, na
queimada dos ramos secos e no cultivo das áreas à mão, durante vários anos, até que o solo
desgastado se tornasse insuficiente. 119
Assim, o desmatamento promoveu o crescimento das áreas cultivadas e o aumento do
valor da terra, sobre o qual fornece alguns dados:

No conjunto das colônias rio-grandenses, o preço das terras subiu, de 1900 a 1925, até 40
vêzes, e, de 1925 a 1950, entre 9 e 25 vêzes. Essa extraordinária valorização das terras
arroteadas motivou especulações e contestações inúmeras. Explica a aspereza das questões de
direito ou de fato que opuseram os colonos, uns contra os outros e os expuseram a ações
reivindicatórias em quase todas as zonas de colonização120 .

A passagem de Beschoren por Campo Novo proporciona uma rica apreciação do clima
de violência e desmandos em que a vila vivia. “O poder armado para conter a ordem
compunha-se de dois homens; um deles o Furriel (antigo posto militar) comandava o outro e,
com suas amantes, alojavam-se na parte dos fundos da Casa de Deus”. 121 A ordem era
mantida através de espadadas aplicadas aos perturbadores noturnos, bêbados e outros
marginais. Alguns corretivos eram aplicados em plena rua. Narra um fato em que o próprio
juiz de paz assistia a uma luta sem tomar qualquer medida, pois considerava que este era o

118
BESCHOREN, Maximiliano. Op. cit. p. 51-52
119
ROCHE, Jean. p. .53.
120
Idem. p. .55
121
BESCHOREN, Maximiliano. Op. cit. p. 58
62
único meio de manter a autoridade policial. O autor, depois de algum tempo na vila, diz ter-se
convencido de que era o único meio, o mais “seguro e eficaz”. 122
Os conflitos, entre índios e colonos, eram constantes. 123 Os índios eram liderados pelo
Cacique Fonguí 124 e, após um período de muitas lutas e mortes, inicia-se um melhor
relacionamento entre esses e os colonos. Na tentativa de buscar uma situação de paz, alguns
índios foram levados para o aldeamento de Nonoai, quando esse foi fundado, mas não se
adaptaram. Retornaram e fundaram o seu próprio aldeamento entre o Campo Novo e o Rincão
do Inhacorá. 125
A figura do cacique Fongue parece ter tido papel importante na organização das
populações indígenas da região, aparecendo em vários relatos. Beschoren refere-se ao Major
Fonguí, provavelmente, por ter assumido características semelhantes aos caudilhos locais. O
Cacique tem o controle do aldeamento, e sua organização diferencia-se dos padrões indígenas,
usa a designação de Major e seus filhos são todos oficiais, de tenente para cima!
Destaca que o aldeamento apresentava-se bem organizado, com casas de madeira
resistente, sendo as condições bem melhores do que as de Nonoai. O cacique possuía uma
casa melhor e uma família numerosa com três mulheres. A figura do cacique adquire
proeminência já na época dos relatos de Beschoren e também pelas representações do
imaginário que cercam o personagem. Dizia ter mais de cem anos, mas Beschoren acredita
que devia ter de 70 a 80 anos. Há registros da morte do cacique Fongue, do Toldo de
Inhacorá, em 1920, o que seria uma longevidade surpreendente que contribuiu para a
mitificação do personagem. É provável, no entanto, que possa ter havido mais de um cacique
com o mesmo nome, como ocorreu com outros personagens, podendo ser citado o Cacique
Neenguiru.
Não há registros precisos do número de índios que viviam no aldeamento. O cacique
Fongue, quando perguntado sobre o número de índios no local, responde com um gesto
simbólico: “apanhando uma mão cheia de areia, deixando-a deslizar lentamente pelos dedos,
dizendo: TANTOS”, muito embora o cacique pudesse estar blefando, pois o número apontado

122
BESCHOREN, Maximiliano. Op. cit. p. 59.
123
O uso do termo colonos parece não coincidir com o sentido que normalmente lhe é atribuído, ou seja, imigrantes
ou descendentes de imigrantes. A forma como a expressão é empregado leva a supor que refere-se a todos os
trabalhadores rurais, ou seja, correspondendo a camponeses.
124
Encontram-se várias referências ao cacique em outros autores, que registram o nome como Cacique Fongue,
como passaremos a utilizar, pois é como consta na maioria das obras e em documentos oficiais. Ver KLIEMANN,
Luiza S. Op. cit. e MARTINI, Maria Luiza. Sobre o caboclo camponês. Um gaúcho a pé. Dissertação de Mestrado
em Sociologia. UFRGS, Porto Alegre, 1993. Martini, sem referir fonte, menciona a morte do Cacique Fongue em
1886. p. 154.
125
Esta região faz parte, atualmente, do Toldo de Inhacorá, no município de Santo Augusto.
63
em documentos parece não ser muito elevado. O sentimento de desconfiança, que os índios
tinham em relação aos brancos, fica evidente no incômodo causado com perguntas sobre o seu
modo de vida. Esses relatos datam do ano de 1876.
A questão da posse das áreas indígenas, sob o comando do Cacique Fongue, se
mantém sob controle. No entanto, em 1916, correspondência da Diretoria de Terras e
Colonização demonstra a persistência do problema da posse das áreas indígenas.

Tive ocasião de estar no Toldo de Índios de Inhacorá. Existem actualmente 40 familias com um
total de 224 pessoas. Queixam-se os Índios de que suas terras estão sendo invadidas por
intrusos, e que constantemente são por elles encomodados. Seria de conveniencia a medição de
uma área destinada aos Indios d’aquelle Toldo afim de zelar e fazer com que elles trabalhem126 .

O clima de tensão, de acordo com outros registros encontrados, atingia seu momento
crítico e, em 1920, o cacique Fongue foi assassinado junto com outro índio, no toldo de
Inhacorá. Luiza Kliemann faz registros do fato, conforme referência encontrada em relatório
da Secretaria de Obras Públicas de 1922. Os dois assassinos teriam sido presos em flagrante,
mas conseguiram fugir. Em 1922, um deles, Soriano Serra, teria sido preso, e o outro, Getúlio
Dornelles Vargas, continuava foragido.
Kliemann refere as infrutíferas buscas do processo-crime na tentativa de aprofundar a
pesquisa. Junto aos índios de Inhacorá obteve apenas a confirmação da morte de Tibúrcio
Fongue e um outro índio e, na documentação das Delegacias de Polícia, localizou o pedido de
prisão enviado, em 10 de janeiro de 1920, pelo Delegado de Porto Alegre ao delegado de
Santiago do Boqueirão, pois “Getúlio Dornelles Vargas estaria refugiado na casa de um tio
naquela localidade (...). Os estudos genealógicos da família do Presidente Getúlio Vargas
apontam a existência de propriedades desta família em Santiago do Boqueirão, mas não se
conseguiu localizar até agora entre os parentes mais próximos, o tio referido pelo delegado de
polícia”. 127
Localizamos no Arquivo Público do Rio Grande do Sul um processo que trata de
habeas corpus 128 a um dos acusados, Leriano Rodrigues de Almeida, onde estão anexados os

126
Correspondência de João de Abreu Dahne, chefe da Colônia Militar do Alto Uruguai, enviada a Carlos Torres
Gonçalves. Diretoria de Terras e Colonização. AHRS. S.A. nº. 220, 09/08/1916.
127
KLIEMANN, Luiza. Op. cit. p.135. (Nota). A autora refere que, em 1922, um dos acusados, designado como
Soriano Serra, foi preso. O esclarecimento das divergências quanto ao nome poderão contribuir para novas
pesquisas.
128
Processo do Cartório Cívil, nº 30/1920. Maço: 2, Est. 60. APRS. O advogado que solicita o habeas corpus é
Zózimo de Oliveira Bueno. Não encontramos maiores indicações quanto a sua atuação e seus vínculos partidários,
apenas encontramos referências no jornal “A Palmeira” de 22/08/1915, exercendo, então, a função de juiz.
Conforme já referido, é acusado de estar do lado dos republicanos dissidentes e “chega a se esconder para não dar
títulos”.
64
depoimentos de testemunhas, do Juiz Distrital e relatório do Delegado de Polícia. Conforme
consta dos depoimentos das testemunhas, os acusados do assassinato do Cacique Fongue e
outro índio seriam Leriano Rodrigues de Almeida, vulgo João Serra, e Getúlio Dornelles
Vargas. As dificuldades na localização dos documentos, provavelmente, estejam relacionadas
com a identidade do acusado que foi preso. Kliemann refere o nome de Soriano Serra e, no
processo encontrado, o nome é Leriano Rodrigues de Almeida, vulgo João Serra. As
divergências qua nto ao nome, no processo, aparecem também quanto à idade, pois o
advogado, na petição, registra 16 anos e o acusado diz ter dezessete anos mais ou menos129 .
Além disso, trata-se de um processo civil, enquanto o processo crime, se existe, continua
desaparecido. No entanto, fazemos aqui o registro, pois esse documento é rico em
informações sobre a situação dos índios na época do crime, bem como a atuação das
autoridades policiais diante de crimes que atingiam segmentos da população, considerados
“de baixo” na história tradicional. O primeiro aspecto que despertou nossa atenção no
processo foi, justamente, o fato de referir-se ao assassinato de índios, por tratar-se de raridade,
nas primeiras décadas do século XX, a prisão de envolvidos nesse tipo de crime.
Os registros constantes no processo deixam claro que os acusados teriam invadido o
toldo indígena e abusado sexualmente de uma índia. Os índios, chefiados por Tibúrcio
Fongue, reagiram e foram mortos a tiros por Leriano e Getúlio, que foram presos logo após
terem cometido o delito. Ao serem conduzidos a Palmeira, pernoitaram numa residência, de
onde Getúlio conseguiu fugir. De acordo com o relatório do Juiz Distrital, Luiz Augusto de
Otero, anexo ao processo, os depoimentos dos acusados, embora contraditórios, “demonstram
sua criminalidade, pois Leriano disse a Getúlio (seu cúmplice): estamos perdidos, portanto,
vamos repartir a responsabilidade, tu mataste um bugre e eu matei o outro”.130
O Juiz Distrital alega não poder inquirir as testemunhas apresentadas pelo Delegado de
Polícia, pois moravam a mais de vinte léguas da Vila de Palmeira, limitando-se, assim, a ouvir
o acusado e o condutor do mesmo. O relatório apresentado pelo Delegado de Polícia consta de
quatro páginas, registrando o delito e os acontecimentos posteriores, prisão e fuga, apoiado
nas declarações de João de Oliveira Machado, guarda florestal e encarregado do toldo de
Inhacorá, Manuel João dos Santos, Juiz Distrital de Campo Novo e João Cancio Policeno,
subintendente de Campo Novo. Este declara que lhe foram entregues pelo Juiz Distrital os
dois acusados da morte dos índios Tibúrcio Fongue de Oliveira e João Mineiro, para serem

129
Nada consta sobre o outro acusado cujo nome é igual ao do futuro Presidente, que nesta época, já era nome de
projeção no estado, exercendo a função de Deputado Estadual, contando com a idade de 38 anos.
130
Relatório do Juiz Distrital, anexo ao processo civil nº 30/1920, Maço: 2, Est. 60. APRS.
65
conduzidos à Vila da Palmeira. Diz ter providenciado uma escolta, mas que devido à distância
pernoitaram na residência do Sr. Ignácio Graviz “ficando os criminosos amarrados e com
sentinela à vista: que, no entretanto, apesar de todas as medidas tomadas, o criminoso Getúlio
Dornelles Vargas, conseguiu cortar as amarras e fugir, saindo ele e a escolta em perseguição
do mesmo não podendo encontra-lo”131 .
O réu declara chamar-se Leriano Rodrigues de Almeida, com “dezessete anos mais ou
menos”, ser natural de Campo Novo e residir nesse município onde era plantador. Dirigia-se,
a convite de Getúlio, para o “Povinho do Boqueirão” a fim de ver se encontrava colocação de
peão em qualquer fazenda, revelando, assim, ser de condição humilde. Quanto ao outro
acusado, nada consta no processo que indique sua origem ou condição, não sendo possível
identificar se há algum parentesco com a família do presidente do qual é homônimo.
As indicações fornecidas pelo processo levam a algumas considerações: apesar de
serem indicadas várias testemunhas e de o crime ter sido praticado com a maior frieza, à vista
de vários índios, a autoridade policial não despendeu nenhum esforço para solucionar o caso,
limitando-se a colocar em dúvida a culpabilidade, visto que a “prisão foi decretada sem
proceder confissão do paciente ou inquirição de duas testemunhas, que produzisse
vehementes indícios de culpabilidade”. 132 Cabe notar que, em todas as declarações dos que
estiveram envolvidos, os réus, embora contraditoriamente, acusavam um ao outro, não tendo,
em nenhuma declaração, negado a autoria do crime, havendo, portanto, veementes provas de
culpabilidade.
A vida dos índios parecia não ter valor, o habeas corpus foi concedido e ao que
parece o julgamento não ocorreu. Ressalta dos relatos o desrespeito a tudo o que se refere ao
índio, “o rancho da bugra” é invadido, expulsando o companheiro desta, João Tiburcio, que
ameaçado com faca corre para o mato, e outro índio, João Mineiro, vai ao rancho do cacique
buscar ajuda. Enquanto isso, os acusados “servem-se da bugra” e, ao chegarem em auxílio de
Brandina, os índios Tiburcio Fongue e João Mineiro foram mortos a tiros de revólver. 133
Como se constata no processo, a morte do cacique não está relacionada diretamente a
questões ligadas à luta pela terra, mas demonstra o outro lado perverso na relação do índio
com o branco, em que se praticavam todas as formas de abuso, pois havia a certeza da
impunidade. O processo nada refere quanto às vítimas, além do nome, não sendo possível

131
Processo Civil nº 30/ 1920. Maço: 2, Est. 60. APRS.
132
Idem. É o que consta do despacho, sendo o habeas corpus concedido em 30 de janeiro de 1920.
133
A índia Brandina da Silva era companheira de João Tibúrcio, filho do cacique Tibúrcio Fongue.
66
afirmar que se trata do mesmo cacique referido por Beschoren, o qual estaria com idade muito
avançada.
As terras do toldo de Inhacorá só foram discriminadas em 1918, conforme Kliemann,
com 8.026 hectares e demarcado em 1921 já com redução de 2.164 hectares que foram
considerados como área devoluta, pela Comissão de Terras de Santa Rosa. “Nessa área,
imediatamente foram localizados colonos pela “Companhia de Colonização Dahne”, cujo
proprietário era o chefe da Comissão de Terras, João de Abreu Dahne”. 134

2.2. Os ervais do Campo Novo e as disputas pela terra.

A questão da propriedade, na região, foi motivo de árduas disputas, conforme


Beschoren já constatava na década de 1870/80: “começou depois de um grande processo
pelos direitos de propriedade de todo Campo Novo, entre o descobridor, os invasores tardios e
a Câmara Municipal de Cruz Alta”. 135 No processo, o descobridor perdeu o direito sobre o
Campo que, na época, foi considerado propriedade da Câmara de Cruz Alta. O resultado
parece ser surpreendente, segundo Beschoren.
A documentação expedida pela Câmara Municipal da Vila de Santo Antônio da
Palmeira, no período de 1876 a 1879, demonstra a importância que a questão das terras
adquiriu na região. A medição das terras de Campo Novo, em 1876, pelo Dr. Benedito
Marques da Silva Acauã, Juiz Comissário de Passo Fundo, ad-hoc, para as medições do Alto
Uruguai, gerou, na região, um clima de intranqüilidade, conforme se constata na série de
documentos sobre o assunto.
Serafim de Moura Reys, que governava o município, dirige-se ao Presidente da
Província informando sobre as medições dos campos e matos do rincão denominado Campo
Novo, cujas terras são “a muitos annos zeladas pela Camara Municipal da Villa de Cruz Alta
e consideradas como de cervidão publica” de acordo com decisões do governo e da
Assembléia 136 . Mostra-se apreensivo, pois consta que foram apresentadas mais de vinte
declarações para registro das refe ridas terras. Anexa correspondência dirigida à Câmara de
Cruz Alta, solicitando esclarecimentos sobre a situação das terras. Destaca que as áreas em

134
KLIEMANN, Luiza. Op. cit. p. 136
135
BESCHOREN, Maximiliano. Op. cit. p. 61.
136
Carta de Serafim de Moura Reys para o Presidente da Província, Conselheiro Tristão de Alencar Araripe.
Documentos da Câmara Municipal de Palmeira das Missões. Doc. Nº 18, de 26/06/1876. Maço: 97, Caixa: 43.
AHRS.
67
disputa faziam parte do patrimônio administrado pela Câmara Municipal de Cruz Alta. Com a
emancipação de Palmeira, em 1874, o domínio dessas áreas deveria ter passado para a
Câmara Municipal de Palmeira, visto que as referidas terras constituíam parte do território
deste município, cabendo, assim, à Câmara do novo município a responsabilidade da
137
administração dos referidos campos.
No entanto, percebe-se, nos documentos, a falta de conhecimento das administrações
quanto às reais condições de domínio e administração das áreas. Os moradores de Campo
Novo se dirigem à Câmara de Palmeira, denunciando a demarcação de terras consideradas de
servidão pública. O presidente da Câmara de Palmeira solicita esclarecimentos à Câmara de
Cruz Alta, que por sua vez, informa ao Presidente da Província que não possui documento que
comprove os direitos às terras tanto da municipalidade, quanto dos signatários da
representação, que dizem ter direito adquirido sobre as posses. Afirma, todavia, a certeza de
“que aquellas terras como outras anexas sempre forão consideradas como de publica cervidão,
decorrendo n’este intuito muitos annos”. 138
Apesar das tensões existentes, a tramitação dos documentos é muito lenta. A denúncia
dos moradores do Campo Novo é datada de 26 de março de 1876 e a resposta da Câmara de
Cruz Alta só ocorre em 07 de novembro de 1877. O documento dos moradores de Campo
Novo possui 41 assinaturas de posseiros e, através dele, tem-se a dimensão da insegurança e
do conflito que envolve os indivíduos que se habituaram a ver, na terra, o meio seguro de
sobrevivência através de práticas coletivas e sem a preocupação com a posse legal. As
assinaturas imprecisas e, muitas vezes a rogo, demonstram que o documento foi redigido com
apoio de alguém mais letrado na comunidade e dão uma dimensão da situação delicada a que
tinha chegado a questão fundiária na região.
Como já foi citado anteriormente, as terras do Campo Novo se constituíam em áreas
comunais de exploração de erva- mate, cuja situação tinha sido regulamentada desde 1861, por
determinação do governo federal. No entanto, à medida que avança o processo de privatização
da terra, emergem conflitos em áreas onde ainda há terras para serem privatizadas.
Os moradores do 3º distrito, Campo Novo, dirigem-se à Câmara para protestar contra
as medições que estão sendo realizadas pelo Juiz Comissário de Passo Fundo:

137
Cópia do documento enviado à Câmara de Cruz Alta por Serafim de Moura Reys. Documentos das Câmaras
Municipais. Doc. Nº 18A, de 18/04/1876. Maço 97, Caixa: 43. AHRS
138
Ofício da Câmara Municipal de Cruz Alta, de 07/07/1877, enviada ao Presidente da Província. Doc. Nº 19 Maço
97, Caixa: 43. AHRS.
68
o Juiz Comisario deo commesso a medição dividio o Campo Novo ocupado por mais de três
mil almas a annos: cujo campo fora questionado por outros cidadões, que se chamavão a posse
a mais de vinte annos, cujo campo, por sentença ficou sendo propriedade Municipal aonde os
habitantes tinhão suas residências tendo nos capõens imenças harvores de herva matte, de onde
se fabrica milhares de arrobas de dicta herva, para exportação e mesmo onde se fornecem de
madeiras para o mister de suas abitações 139 .

A sentença que transformou as terras devolutas em propriedade municipal


representava uma situação incomum, permitindo condições de sobrevivência a todos os
habitantes indistintamente, pois os imensos ervais se constituíam em garantia de
produtividade, inclusive, para exportação.
O texto ressalta que a privatização favoreceria apenas “meia dúzia de interessados,
fazendo assim um prejuízo considerável a Ilmª. Câmara” , pois a arrecadação do município
seria afetada. Reclamam ainda que os beneficiados nem mesmo compraram as terras do
governo geral. Assim,

apressão-se os suplicantes avir patentear semelhantes tropelias afim de que se digne V.Sªs
como representantes do Município para que tomem uma medida conveniente não só em
beneficio dos habitantes como prevenindo uma das fontes principais donde emana a riqueza do
Município.
Os supplicantes esperão do alto juízo de V.SSª. uma retta justissa.140

Como se constata no documento, as terras já tinham sido fruto de disputas anteriores,


há cerca de vinte anos. Encontram-se no Arquivo Público vários processos do período de
1848 a 1864 141 , em que signatários solicitam restituição de posses e a expulsão dos posseiros
que habitavam o lugar. O problema é de difícil solução, pois a Câmara não sabe como
proceder, visto que a competência da regularização não lhe pertence. Dessa forma, em 26 de
julho de 1877, a Câmara Municipal dirige-se às autoridades estaduais informando que “os
habitantes do Campo Novo, não puderam por sua pobreza medir as terras que ocupavam,
tendo o mencionado distrito se despovoado, pois passaram a apossar terrenos no estado
vizinho em nº talvez de duzentas almas.” A municipalidade pede informações de como
considerar os terrenos, pois havia áreas de servidão pública142 . Constituía-se num duplo
problema, de um lado a expulsão dos posseiros, de outro o abandono das terras e o
despovoamento, acarretando a diminuição na exploração da erva- mate. A situação de
miserabilidade era muito grande pelo que se depreende da solicitação feita ao presidente da

139
Abaixo - assinado dos moradores de Campo Novo à Câmara Municipal de Palmeira. Documentação da Câmara
Municipal de Palmeira. Doc. Nº 20 A, de 26/03/1876. Maço 97, Caixa: 43. AHRS.
140
Idem.
141
Cartório do Civil: 1848 a 1864. Maço: nº.1, Estante: 10. Foram examinados os processos de 15 a 19, 21 e 22 .
APRS. Todos apresentam em comum a disputa por áreas territoriais no local denominado Campo Novo.
142
Documentação da Câmara Municipal de Palmeira. Nº33, de 26/07/1877, Maço: 97. Caixa: 43. AHRS.
69
Província de um auxílio para subsistência, pois devido à seca são cerca de 4 mil almas que
necessitam de ajuda. 143
Conforme demonstram os documentos que seguem, o conflito permaneceu latente,
pois no ano de 1879, encontram-se vários registros que tratam ainda das posses das terras na
região. Pode-se avaliar a gravidade dos fatos diante de um abaixo-assinado dirigido ao
Imperador, em que os habitantes do Município de Santo Antônio da Palmeira solicitam
“remédio aos seos males que os oprimem, como agricultores e fabricantes de herva matte
pelas razoes que passão a expor”. 144 Os signatários sentem-se ameaçados da perda das terras
devido às medições que estão sendo realizadas. As terras por eles ocupadas foram concedidas
para uso em comum desde 1861, embora a ocupação já viesse de longa data, tendo sido
apenas regularizada a partir desse ano.

Senhor
V.M.I. serviu-se por seu beneplácito e magnanima vontade fazer graça pela lei de 20 de maio
de 1861 ao povo fabricante da herva matte, as terras devolutas existentes naquelle anno de
1861 entre os Rios Turvo, Uruguay i Várzea esta graça que tão liberal fez V.M.I., fez com que
se conservassem os habitantes em paz passifica, com esse direito até o anno de 1877, em que
foi nomeado Juis commissario para este termo. Acontecendo que este Juis Commissario que se
acha investido do poder para medir e demarcar os terrenos de posse, nem respeito tem da lei de
1861, já medindo posses tão criminosas, por seos princípios e contra a disposição da lei Nº 601
de 18 de setembro de 1850, art. 1º, que prohibiu a acquisição de terras devolutas, já mais
podião ser medidas posses de taes ordens, em vista da citada lei e a concessão feita por V.M.I.
e estende suas medições em terras concedidas em commum e que se achavão no anno de 1861
em mattas virgens, abrangendo os terrenos que então ficarão pertencendo em commum ao
145
povo, existente dentro do perimetro dos três citados Rios .

A linguagem trôpega não esconde a indignação, bem como a demonstração do


conhecimento de que a lei lhes garantia um direito que estava sendo usurpado. Revela, no tom
que adquire nas páginas seguintes, a inconformidade e a fraqueza, pois não têm a quem
recorrer dentre às autoridades próximas, tendo que se dirigir ao mandatário supremo da nação,
inclusive, fazendo denúncias de medições realizadas de forma fraudulenta em uma área.

Não contente assim, Senhor, em tomar do povo os ervais que existião em mattas altas no anno
de 1861, ainda manda medir por seu agrimensor Maximiliano Beschoren, uma sua posse (...)
que foi vendida ao juis Commisssario Fortes cuja medição foi feita sem a assistência do juis
Commissario ad-hoc e sim do dito juis Fortes; si é possível assim se proceder nas terras por
V.M.I. concedidas em commum aos fabricantes da herva matte146 (grifo nosso).

143
Correspondência da Câmara Municipal de Palmeira. Documento nº 31, de 25/07/1877. Maço: 97, Caixa: 43.
AHRS.
144
O documento possui 73 assinaturas reconhecidas pelo tabelião Claudino Antonio Ferreira da Rocha, datado de
24 de maio de 1879. Documentação das Câmaras Municipais. Nº. 70 A, Maço 97, Cx. 43. AHRS.
145
Idem. p. 1.
146
O Juiz Comissário ad hoc era Benedito Marques da Silva Acauã, conforme citado anteriormente. Idem. p. 2.
70
É conveniente lembrar que em 1876 já tinham dirigido um abaixo-assinado à Câmara
Municipal. O restante do texto é carregado de mágoa, denunciando a condição de miséria em
que vivem, absolutamente dependentes da extração da erva-mate e se as medições forem
mantidas “então se verá os pobres subditos na dura necessidade de mendigar o pão para suas
famílias no Paíz estranho”. A emigração para a vizinha Argentina parece ser, pela
proximidade, a alternativa possível. Queixam-se, ainda, que alguns estão sendo expulsos de
147
seus domicílios, outros chamados aos tribunais e outros ameaçados “de tudo sofrer”.
Junto à petição dos moradores é anexada correspondência da Câmara que informa a
“S. M. Imperial que he verdade ter o Juiz Comissário deste município medido grande número
de posses de terras dentro do perímetro marcado pelo Aviso de 20 de maio de 1861”148 . No
encaminhamento que fazem à Câmara de Palmeira os moradores informam que o Juiz
Comissário Tiburcio Álvaro de Siqueira Fortes vem cometendo tropelias dentro do perímetro
dos três rios: Turvo, Uruguai e Várzea. Sempre destacando que, de acordo com o Aviso de 20
de maio de 1861, as terras devolutas existentes na área cercada pelos três rios já citados foram
concedidas aos fabricantes de erva- mate, deixando, portanto, de haver terras devolutas desde
aquele ano, mas sim terras de domínio comum. Informam que nessas terras constam ervais e
posses de simples roçados, denunciando que o dito juiz mediu para si áreas de mata, 149
conforme está assinalado acima.
O documento é particularmente importante, revelando o grau de tensão que existia na
região, o desrespeito à legislação e o abuso de poder daqueles que tinham a função de cumprir
a lei. Além disso, um aspecto fundamental está no fato de ser difícil encontrar documentos
produzidos pelos despossuídos, daí porque está transcrito, em anexo, para futuras análises.
A documentação nos dá uma idéia das condições de miserabilidade dos habitantes
locais, cuja única riqueza se constituía na extração da erva- mate, evidenciando-se a gravidade
que a perda dos ervais representava. A descrição de Beschoren sobre a vila é bastante
significativa no que se refere às condições em que vivia a população, nessa época:

(...) estamos em Campo Novo.(...) A vila, ao longe, nos causou uma agradável surpresa. Porém,
ficamos decepcionados. As poucas casas e ranchos estavam em ruínas. A Vila consiste em dez
ranchos cobertos de capim e outros poucos com telhas. A capela serve, ao mesmo tempo, como
delegacia de polícia. Não se tomaria essa construção por uma igreja, se não houvesse ao lado,
um estrado com dois sinos que a retrata como tal. – Aí estava a Casa de Deus inclinada pelo

147
Correspondência da Câmara Municipal de Palmeira. Nº 70 A, Maço 97, Cx. 43. AHRS.
148
Correspondência da Câmara Municipal de Palmeira. Doc. 75 C, de 15/07/1879. AHRS.
149
Correspondência dos moradores de Campo Novo, de 24/07/1879, enviada à Câmara Municipal de Palmeira.
AHRS.
71
vento, de modo que a qualquer momento se temeria o seu desmoronar. Desapareceu o reboco
branco. O material entre o madeiramento caiu, aparecendo o esqueleto nu150 .

Por outro lado, entende-se a violência que ele percebeu, pois, se tratando do
agrimensor encarregado das medições das terras, deveria ser muito mal visto pelos habitantes
locais, como representante que era do poder que os oprimia e usurpava.
Descreve as condições de vida das pessoas como sendo bastante precárias em toda a
região. Ao fazer uma crítica à sua própria visão, destaca que “viajando-se por essas terras,
logo perde-se a mania alemã de julgar a fortuna das pessoas pela aparência e conforto como
vivem”. 151 Os grandes proprietários, apesar de possuírem imensas áreas, viviam
modestamente. Ao percorrer a região de Palmeira, dirigindo-se a Passo Fundo, refere-se a
estâncias em ruínas. “A prosperidade passou. Extingüiu-se uma antiga e orgulhosa geração de
estancieiros”. Descreve a estrutura das residênc ias que, apesar do estado em que se
encontram, ainda guardam marcas da antiga opulência. A Revolução Farroupilha estaria na
origem da decadência, “mesmo em estâncias tão arruinadas seus proprietários continuam
autênticos cavaleiros, os reis da coxilha, onde se nota no modo de viver, um relativo bem
estar”.152
Destaca a importância da erva- mate e manifesta sua preocupação com a forma como
vem sendo extraída, pois, segundo ele, a coleta era feita durante todo ano, em terras devolutas,
sem respeitar a época devida. Constata-se, assim, que apesar da rigidez das normas
estabelecidas no Código de Posturas do Município, citado em parte no capítulo anterior, os
ervais não recebiam o devido cuidado, o que não é difícil de entender, numa época de
dificuldades de comunicação e de transporte. Saliente-se que era necessário vencer grandes
distâncias para chegar aos locais de extração do produto, problema acrescido pelo reduzido
número de fiscais e, ainda, tendo que respeitar os interesses dos chefes locais. No olhar do
viajante da época, há uma crítica ao fato de os coletores de erva não dispensarem os cuidados
devidos aos ervais. “Não se conscientizam de que precisam cultivar a floresta ervateira,
dispensando- lhe todo o cuidado. Não se dão conta de que mesmo não sendo donos da terra,
vivem da produção que lhes dá tanto lucro, extraída do terreno que pertence a todos nós”. 153
Os cuidados que as queimadas deveriam exigir, de acordo com o Código de Posturas,
não eram obedecidos, pois relata extensas queimadas em Campo Novo, onde o fogo destruía
ricas florestas de erva, onde centenas de famílias tinham aí um meio de vida. As queimadas

150
BESCHOREN, Maximiliano. Op. cit. p. 58
151
Idem. p. 62
152
Idem. p. 57
153
Idem. p. 62
72
destruíam moinhos de erva-mate, com grande quantidade do produto, ranchos cheios de
milho, roças,... gerando dificuldades para a sobrevivência. Nessas circunstâncias, despertava a
religiosidade cabocla que se manifestava com procissões, orações especiais, banho de santo e
outros rituais, pois eram as únicas formas de que dispunham para amenizar as angústias que
as secas provocavam.
A presença da erva-mate para a chegada e fixação dos primeiros povoadores da
Vilinha da Palmeira, ervateiros que se estabeleceram nas bordas da floresta. O povoado tem
origem por volta de 1830, já com a presença de compradores de erva e tropeiros que vinham
de São Paulo. O primeiro povoamento localizando-se numa coxilha, onde hoje se encontra a
praça da Vila Velha, atualmente denominada praça Paulo Ardenghi. Mais tarde, alguns
povoadores começaram a construir, numa coxilha vizinha, pouco mais baixa, outro
povoamento. “Assim, surgiram duas cidades, fortemente divididas, não só pelo vale, mas
pelas opiniões políticas aí dominantes”. 154 Novamente o olhar de estranhamento do viajante
diante da divisão local.
A construção de casas no meio das duas povoações, a Vila Velha e a Vila Nova, deu
origem à rua do Comércio, hoje Independência, que fez a ligação entre os dois núcleos.

Era uma tentativa de conciliação quebrando a magia, mas a unificação tornou-se apenas física,
pois a unificação no que se refere à política é impossível, pois uma das partes é exclusivamente
habitada por liberais, enquanto a outra é por conservadores. Os liberais possuem a Vila Nova,
situada na coxilha alta, logo avistada pelos viajantes. Os conservadores estão localizados na
Vila Velha155 .

É interessante observar como o autor retorna , freqüentemente, às disputas entre os


moradores da Vila de Palmeira, que estão presentes desde à fase de formação do povoado.
A fluidez dos limites na região é comentada pelo explorador que lastima a sorte dos
moradores por se verem jogados de um lado para outro. O que move o estabelecimento das
divisas dos distritos é apenas o interesse político, sem preocupações com os interesses da
população. Cita o caso de Nonoai, que, em 1875, foi anexado à Palmeira; em 1877,
novamente a Passo Fundo e, na época em que escreve, ocorria o movimento para reanexação
de Nonoai a Palmeira, o que é contra a vontade de seus moradores e contra seus interesses.
“Desse modo os pobres moradores estão sempre jogados de um lado para outro”. 156
O autor destaca que, embora os campos sejam de ótima qualidade, as matas ofereçam
um solo fértil para as lavouras e as florestas ervateiras, as mais ricas das Missões, “a

154
BESCHOREN, Maximiliano. Op. cit. p. 84
155
Idem. 85
156
Idem, ibidem.
73
população é pobre, pobre junto aos recursos que não se esgotam. O município está muito
distante dos grandes centros comerciais, isolado e abandonado no longínquo noroeste da
Província”. 157 Sempre o problema das comunicações !
Em 1879, o governo central fundou a Colônia Militar do Alto Uruguai, conforme
referimos no capítulo I, coincidentemente, no mesmo período em que a região do Campo
Novo vivia momentos de tensão. A fundação da Colônia parece ter contribuído para melhorar
as comunicações nessa região. Uma comissão de oficiais do corpo de engenheiros, composta
por oitenta homens, foi mandada pelo governo central. Segundo Beschoren, embora a Colônia
não tivesse alcançado o que o governo esperava, no sentido de ocupar e colonizar a região
próxima ao rio Uruguai, trouxe grande vantagem para o Município, especialmente para o
distrito de Campo Novo, graças ao grande investimento do governo para a instalação e
construção de uma estrada que ligava a Colônia ao Campo Novo.
A fundação da Colônia obedeceu especialmente a uma estratégia geopolítica, devido à
condição de fronteira com a Argentina, em que as guerras eram sempre um fator iminente,
criando a necessidade de ocupação em pontos específicos. Isso tinha em vista o aumento da
densidade populacional nas zonas florestais que margeavam o rio Uruguai. No entanto, os
relatórios sobre a Colônia continuam mencionando os problemas decorrentes das
comunicações. Em 1913, o diretor da Colônia informa que o principal problema é a
dificuldade de comunicação, devido às péssimas condições das estradas e às distâncias com a
ferrovia, que era de 185 quilômetros, passando por Palmeira, em estradas intransitáveis.
Apresenta previsão de gastos necessários para serem investidos na melhoria das estradas,
como sugestão ao governo 158 .
Os relatos de Beschoren são particularmente importantes, pelo período em que
percorreu a região e pela qua lidade dos registros, em que se destacam observações sobre os
aspectos geográficos, sobre a flora e a fauna, e, principalmente, sobre o modo de vida das
populações que viviam na região. Através de sua obra, podemos conhecer alguns aspectos
desses agentes sociais, pouco citados e que não produziram documentos escritos sobre as
condições em viviam. O Rio Grande do Sul do final do século XIX adquire vida nos relatos,
alternando descrições de miséria e grandeza e os caboclos que povoavam essa terra ganham
vida na perspectiva do olhar estranho.

157
BESCHOREN, Maximiliano. Op. cit. p. 87
158
Diretoria de Terras e Colonização. S. A . 219, 30/06/1913. AHRS.
74
2.3. A posse da terra e a legislação

A questão relativa à ocupação das terras é de grande interesse para este estudo, por ter
afetado diretamente as relações de poder que se estabeleceram entre os grupos sociais e o
poder governamental instituído, mostrando o exercício da dominação e as resistências que se
manifestam e se traduzem em várias formas de luta.
Os conflitos são gestados na ocupação das imensas áreas e começam a manifestar as
contradições, a partir da metade do século XIX, com a aplicação da Lei de Terras. É, no
entanto, na República Velha, que ocorre a explosão dos conflitos pela posse e uso da terra, e
onde o papel do Estado, como interventor e agenciador das políticas econômicas ditas
modernizantes, se torna mais presente.
Na medida em que a terra adquiria maior valor com a expansão capitalista e a
especulação fundiária, emergem os conflitos sociais decorrentes de posses mal resolvidas, em
que o que estava em jogo não era apenas o poder econômico, mas o poder político e o
prestígio social inerente à posse da terra. Controlar a terra significava controlar as populações
que dela dependiam.
A Lei de Terras de 1850, regulamentada em 1854 159 , pretendia resolver os conflitos
agrários existentes, substituindo a concessão pela venda e dispondo sobre a legitimação de
posses, conforme se constata nos seguintes artigos :

Dispõem sobre as terras devolutas do Império, e acerca das que são possuidas por titulo de
sesmaria sem preenchimento das condições legaes, bem como por simples titulo de posse
mansa e pacifica: e determina que, medidas e demarcadas as primeiras, sejão ellas cedidas a
titulo oneroso assim para emprezas particulares, como para o estabelecimento de Colonias de
nacionaes, e de estrangeiros, autorisado o Governo a promover a colonisação estrangeira na
forma que se declara.
Art.1º- Ficão prohibidas as acquisições de terras devolutas por outro titulo que não seja o de
compra.
Exceptuão-se as terras situadas nos limites do Imperio com paizes estrangeiros em huma zona
de dez leguas, as quaes poderão ser concedidas gratuitamente.
Art. 5º. Serão legitimadas as posses mansas e pacíficas, adquiridas por ocupação primária, ou
havidas do primeiro ocupante, que se acharem cultivadas, ou com principio de cultura, e
morada habitual do respectivo posseiro, ou de quem o represente(...)
Art. 8º Os possuidores que deixarem de proceder à medição nos prazos marcados pelo Governo
serão reputados caidos em comisso, e perderão por isso o direito que tenhão a serem
preenchidas das terras concedidas por seus titulos, ou por favor da presente Lei, conservando-o
somente para serem mantidos na posse do terreno que ocuparem com efetiva cultura, havendo-
se por devoluto o que se achar inculto160 .

159
Coleção das Leis do Império do Brasil. Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850. p. 307-313. L0079. AHRS.
160
Idem. p. 307-313.
75
A Lei de Terras não levava em conta as especificidades e interesses regionais,
conforme Luiza Kliemann, havia um descompasso entre o legal e o real, dando margem ao
surgimento de contradições.

Teoricamente, a Lei de Terras de 1850 resolveria inúmeros problemas: acesso à terra,


reorganização da produção e da sociedade e satisfação dos anseios das elites produtoras e dos
intelectuais anti-escravagistas, partidários da necessidade de uma purificação do sangue e da
cultura brasileira através da colonização estrangeira. Na prática, ela foi geradora de novos
conflitos, pois a centralização forçada não conseguiu atenuar o descompasso entre o projeto do
governo central e dos governos provinciais, ou seja, entre a legislação e as realidades agrárias
regionais 161 .

A regulamentação da lei estabelece uma série de medidas para legitimar as posses, que
vai desde a medição à criação de cargos diversos para a executar e fiscalizar tais
procedimentos, o que gera uma complexa rede de relações de poder, que dificultam aos
posseiros mais humildes a regularização das terras. 162 Muitos processos arrastam-se por anos,
ocasionando gastos, usurpações de posse e toda série de abusos e corrupção por parte
daqueles que tinham mais condições econômicas, legitimando grandes áreas, em detrimento
dos “pequenos”.
A terra transforma-se em mercadoria que favorece a especulação e o lucro. Extensas
áreas são controladas e comercializadas pelas companhias de colonização nacionais e
estrangeiras.

2.3.1. O período republicano

As transformações do final do século XIX, advindas da abolição da escravatura, da


imigração, do aumento da produção manufatureira e, conseqüente urbanização, fazem emergir
as contradições de uma sociedade dominada pelas oligarquias agrárias. Com a implantação da
República, o Estado alarga-se, pois assume novas formas de atuação, mas torna-se incapaz de
perceber os conflitos no interior dos vários segmentos de classe.
No Rio Grande do Sul, com a ascensão dos republicanos ao poder e a implantação de
uma nova maneira de conduzir as práticas econômicas, a política agrária adquire novas
formas de interferência, embora sujeita às determinações da legislação federal.

161
KLIEMANN, Luiza Helena S. Op. Cit. p. 20.
162
Ver: ZARTH, Paulo Afonso. Op. cit. e RÜCKERT, Aldomar. Op. cit. As abordagens constaram do Capítulo I.
76
As medidas do governo central voltam-se para a região cafeicultora, mas aplicadas a
todo país, acabam acentuando os conflitos onde a realidade é outra. As novas leis tinham em
vista a maior penetração do capital no campo e a solução de conflitos que se arrastavam em
todo território nacional. Em nível federal, o governo provisório estabelece, entre as primeiras
medidas, o Decreto 451-b de 1890, alterando o registro de transmissão de propriedades,
operando pelo Sistema Torrens. 163

O objecto principal dessa lei (...) é a mobilização da propriedade territorial, isto é, a


representação de cada immovel por um título minuciosamente descriptivo de sua extensão e
configuração, de sua composição geológica, dos seus limites, da sua área cultivada e inculta,
das producções a que se adapta, do seu valor approximativo, e de todos os demais
característicos indispensáveis para darem uma idéia exacta da situação da propriedade.164

Tratava-se de uma lei australiana cuja aplicação no Brasil era defendida por Rui
Barbosa, porque “iria facilitar o comércio da terra, a transmissão da propriedade por herança,
o levantamento estatístico dos bens imobiliários e as hipotecas, evitando discussões sobre a
legitimidade das propriedades”. 165
Para a execução do Decreto, toda a estrutura administrativa foi reorganizada. A
legitimação do título de propriedade seria feita por um oficial de registro, diretamente ligado
ao juiz de direito e ao Ministério da Justiça, substituindo, assim, o vigário, tornando-se
necessária a publicação da mesma no Diário Oficial e em um dos jornais da capital ou centro
da comarca. As discussões que surgissem só poderiam ser requeridas ao Juiz, sendo os
encargos por conta dos requerentes. 166
Obviamente, os pequenos proprietários e posseiros, com posses legitimadas ou não,
tinham dificuldades de contestar as legitimações que eram feitas por grandes proprietários,
incluindo áreas que não lhe pertenciam.
Encontram-se, no Arquivo Público, vários processos de legitimação de posses pelo
sistema Torrens, normalmente tratam-se de grandes áreas sem que haja contestação. No
entanto, destacamos um que merece ser analisado. Trata-se de uma contestação movida por
alguns moradores do lugar denominado Boi Preto contra Hermann Meyer, que foi
proprietário, no Rio Grande do Sul, de várias áreas destinadas à colonização, como já foi
referido no capítulo I. Em Cruz Alta, foi recebido com banda de música. No município de
Palmeira, implantou a Colônia Xingu.

163
KLIEMANN, Luiza H. S. Op. cit. p.42
164
Artigo sobre o pronunciamento no Congresso Nacional, proferido pelo Deputado Ignácio Tosta. Jornal do
Comércio. Porto Alegre. Nº. 144. 20/06/1907. MCSHJC.
165
KLIEMANN, Luiza H.S. Op. cit. p. 42
166
Ver: KLIEMANN, Luiza S. Op. cit. p. 42-43.
77
Em maio de 1902, Hermann Meyer, residente em Leipzig, na Alemanha, através de
seu procurador requer a inscrição no Registro Torrens de um imóvel de sua propriedade, no
local denominado Boi Preto, município de Palmeira das Missões. Alguns moradores da
localidade interpõem embargos a tal solicitação: alegam ter a posse legal da área, pois
mantêm cultura efetiva e são moradores habituais nessas terras há muitos anos, sem oposição
de qualquer pessoa. Fazem uma exposição detalhada em vários itens, alegando que as terras
que o Dr. Meyer pretende inscrever no Registro Torrens são de propriedade dos embargantes,
tendo havido irregularidades na discriminação das terras medidas e legitimadas de Antônio
Galvão Pereira, que estavam sendo vendidas, num total de dez milhões de metros
quadrados 167 .
Trata-se de um dos poucos registros em que os antigos moradores, sentindo-se
prejudicados, buscam seus direitos e conseguem manter os limites de suas propriedades, visto
que as companhias de colonização tinham apoio do governo e gozavam de grandes recursos
para conduzir seus empreendimentos, dentro de uma proposta que lhes rendia vantagens
econômicas.
A política fundiária, muitas vezes, constituiu um fator de atrito entre o governo federal
e estadual, visto que os interesses da política federal nem sempre correspondia aos interesses
dos governos estaduais. Estes obtiveram certa autonomia na resolução de seus problemas de
terras, em razão do federalismo, montando uma organização administrativa e gerindo terras
devolutas, porém mantinham-se sujeitos à União por meio das leis gerais.
O governo federal tem em vista o estímulo à imigração para desenvolver a propriedade
agrícola e a entrada de mão-de-obra especializada para a incipiente indústria brasileira. Para
isso contava com o apoio de proprietários particulares, companhias de colonização e bancos
de incentivo. “Dessa forma, restringe a apropriação de terras por parte de estrangeiros na área
cafeicultora e controla a colonização nos demais estados” 168 . Para tanto, estabelece um
sistema de classificação das propriedades de acordo com o número de famílias que poderiam
ser instaladas e o auxílio a ser oferecido, entregando a companhias o trabalho de
discriminação de terras, medição dos lotes, bem como, de prover as condições de

167
Cartório do Civil, Crime e Júri. Processo 389. M.11, Est. 59. Maio/1902. APRS. Os embargantes são
Guilhermina Maria de Vargas, João de Deos Magalhães , Joaquim Bueno da Rosa, Joaquim Ignácio Fernandes e
Antonio José Corrêa. Conforme referem no processo por ocasião da discriminação das terras de Antônio Galvão
Pereira, julgando-se prejudicados, os embargantes fizeram ao juiz um protesto, em 15/07/1901, que foi localizado
como Doc. 410- APRS. Nesse embargo, há inclusive a troca de nome de Hermann por Germano Meyer, visto que
desconheciam tudo do colonizador, como declaram na petição.
168
KLIEMANN, Luiza. Op. cit. p. 44
78
comunicação através da construção de estradas e outras atividades, que até então eram
realizadas pelas Comissões de Terras.
Grandes áreas foram destinadas a essas companhias, gerando conflitos cujas
proporções diferem conforme o grau de valorização das terras e pela presença de posseiros
nas áreas a serem medidas e comercializadas. No Rio Grande do Sul “as medições das
companhias entravam em choque com o projeto de colonização estadual”, porque o governo
federal entregava a administração das terras devolutas aos governos estaduais, porém
decretava como deveria ser o serviço de registro, legitimação, distribuição e venda de terras,
em todo território nacional. 169

2.3.2. O Positivismo e a questão agrária

No Rio Grande do Sul, a política do governo positivista comandada, inicialmente, por


Júlio de Castilhos, assumiu características mais ortodoxas do que no restante do Brasil. A
Constituição de 1891 consubstanciava as diretrizes positivistas de que o governo do Partido
Republicano Rio-Grandense seria o criador e executor. “As divergências no plano econômico
e a ortodoxia castilhista levaram às primeiras dissidências partidárias”170 , dentre elas destaca-
se a de Assis Brasil, que vai se constituir, durante o período, no principal aglutinador das
forças de oposição.
O programa do PRR e a Constituição procuram consubstanciar as reformas pela via
capitalista, o que não ocorre sem resistências de alguns setores, por exigir uma nova
reordenação das instâncias de poder. Conforme Kliemann:

Nessa “nova ordem”, encontram-se a proliferação da livre empresa e a acumulação baseada no


trabalho assalariado, a introdução de novas técnicas, a valorização do preço da terra, a
diversificação da produção, a abertura de novos mercados e o crescimento da pequena
propriedade.
Isso explica o comportamento do governo do estado no que se refere às reformas relativas à
área rural, implícitas nas modificações do imposto de transmissão de propriedade e exportação;
na instituição do imposto territorial; na proliferação da legislação sobre colonização, partilha e
reavaliação de terras públicas e particulares; na criação de créditos e prêmios rurais, escolas
agrícolas, cooperativas e associações de classe.171

169
KLIEMANN, Luiza S. p. 46
170
Idem. p. 47
171
Idem. p. 48
79
Assim, o Rio Grande do Sul integra-se à economia nacional, sem descuidar de suas
especificidades, destacando-se, nesse período, um número significativo de medidas com vistas
ao controle da economia, formatando-se as características do estado interventor e
centralizador. A aplicação de tais medidas enfrenta as resistências de ordem política que
explodem de várias formas, chegando mesmo aos conflitos armados.
A estrutura agrária no estado influiu de forma decisiva na estrutura de poder, sendo,
portanto, as questões relacionadas com a terra que vão exigir do governo positivista uma
interferência constante, tornando-se, freqüentemente, fator de rupturas e tensões na política
rio-grandense.
A historiografia rio- grandense172 tem tratado as questões de luta política como sendo
uma luta intraclasse dominante, que colocava em confronto os pecuaristas da campanha com
os coronéis do planalto. Essa generalização não se confirma na região que é objeto deste
estudo, onde o enfrentamento se dá entre o poder do mato e o poder do campo, constituídos
de modo diferente na base econômica e fundiária, do que os grupos que se defrontavam no
estado.
A consulta à documentação da época em estudo tem confirmado que o grupo que se
levanta em armas, nos vários momentos da história regional, é constituído pelos
marginalizados do poder e que estão associados aos marginalizados na posse da terra. Em
vários documentos são encontradas referências aos caboclos que ocupavam as áreas de mata
na condição de posseiros, designados como intrusos e prejudicados no momento da
implantação da política de colonização na região norte do Rio Grande do Sul.
As políticas adotadas pelo governo Castilhista/borgista, buscando a solução dos
problemas fundiários, encontrou dificuldades na aplicação.
A solução para os problemas que se faziam sentir nessa área interessava tanto ao
governo como à oposição, daí porque as medidas adotadas tiveram algumas vezes, se não o
apoio, a condescendência de seus opositores. 173 Dentre as primeiras medidas adotadas por
Júlio de Castilhos estava a de que a venda de terras seria feita em hasta pública, delimitando o

172
Ver sobre o tema ANTONACCI, Maria Antonieta. RS: As oposições e a Revolução de 23. Porto Alegre,
Mercado Aberto, 1981. PESAVENTO, Sandra J. República Velha Gaúcha: Estado autoritário e economia. In.
DACANAL, José e GONZAGA, Sergius (Orgs.). Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979. PINTO, Celi Regina.
Positivismo: um projeto político alternativo – 1889-1930. Porto Alegre: L&PM, 1996. FËLIX, Loiva Otero. Op. cit.
173
KLIEMANN, Luiza. Op. cit. p. 54
80
tamanho das concessões territoriais 174 , no que ficava evidente o incentivo à pequena
propriedade.
A política de Júlio de Castilhos voltava-se principalmente para a moralização dos
serviços administrativos, tendo preocupações com a revalidação dos títulos, medições e
legitimação de terras, em vista da constatação de inúmeras fraudes, o que levou o governo à
criação de Comissões Verificadoras em 1897. Kliemann destaca o papel das comissões no
sentido de apurar as irregularidades, juntando documentos e, quando necessário, proceder
nova medição e legitimação das terras.

Através da máquina burocrática e do aparelho policial, o governo procurou reaver terras em


regiões valorizadas para promover o desenvolvimento do capital. Nessa linha de ação, foram
privilegiados os colonos entrados no estado espontaneamente, as companhias estrangeiras e
aqueles particulares que, com seus capitais, pudessem contribuir para o desenvolvimento do
estado. Por outro lado, inúmeras vezes, saíram prejudicados os pequenos proprietários
nacionais e estrangeiros que, oriundos da colonização oficial, foram por ela abandonados.175

No entanto, os problemas agrários continuavam a crescer. No último ano do governo


de Júlio de Castilhos, “mais uma vez o Estado republicano tentaria, através da coerção,
manter a “ordem para o progresso” com o projeto de nova Lei de Terras”. Novamente, o
governo justificava a elaboração da lei devido às fraudes e usurpações e à “necessidade de
adequar as questões fundiárias à instalação do sistema federativo para que o Estado pudesse
melhor proteger suas áreas florestais”. 176
Kliemann defende que, através da lei, o governo amplia o seu papel com vista à
manutenção da hegemonia e do controle dos aparelhos repressivos. Assim, as medidas são
implantadas pelo autoritarismo e pelo consenso, com a intenção de manter a condição
estabelecida.Várias estratégias são adotadas e demonstram o peso do agrário para a
permanência dessa hegemonia. 177 Axt contrapõe ao discurso historiográfico que defende a
hegemonia uma análise do papel interventor do estado, como forma de sustentar o precário
equilíbrio das forças políticas sendo que “o processo de construção da hegemonia do bloco
histórico é permeado pela ação ao mesmo tempo cooperativa e contraditória das frações de
classe, através do eixo das políticas públicas”. Defende que as políticas borgianas voltam-se
para a construção da hegemonia da elite dirigente em “constante interação com o feixe de

174
O Decreto nº 158 de 12/04/1892, estabelecia que “nenhuma concessão de terras será maior que 100 hectares, se
forem destinadas à lavoura ou de 400 hectares se o forem de colonização dentro do prazo de 5 anos”. In: Leis,
Decretos e Atos do Governo do Estado do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, AHRS, 1954.
175
KLIEMANN, Luiza. Op. cit. p. 55-56.
176
Idem. p. 70
177
Idem. p. 15.
81
conflitos esboçados no interior da classe dominante, determinados pelo choque de interesses e
frações de classe e pelo atrito entre facções coronelistas e o poder central”. 178 Havia entre
Borges de Medeiros, demais líderes do partido e o mandonismo local uma “tensão que
pressupunha cooperação, competição e confronto”. 179
Através da manipulação dos cargos públicos, Borges assegurava o controle do
funcionalismo policial e jurídico, como também da fazenda e obras públicas. Como presidente
do estado e líder do partido, procurava estabelecer uma relação de controle que se baseava
mais na cooperação do que na subordinação, como a relação com Firmino de Paula, Victor
Dumoncel e Vazulmiro Dutra. Os coronéis, de acordo com Félix, eram peças vitais para o
funcionamento da engrenagem política, razão pela qual o governo positivista buscava a
cooptação dos mandatários locais, integrados às estruturas de poder, ou mesmo, coagidos
pelo aparato policial.
Félix demonstra que as disputas dentro do próprio PRR eram constantes e os coronéis,
que dominavam a política local, tinham que enfrentar, além do partido de oposição, as
dissidências dos perrepistas, constatando-se uma forte contradição entre os relatos de “partido
coeso” e as dissensões existentes na documentação. É possível “comprovar a constante
dissidência dentro do partido local, sobretudo, por interesses pessoais, personalismos, vindo,
possivelmente , a favorecer o crescimento da oposição, no caso, o partido federalista, que,em
Palmeira, era uma força considerável no jogo político”. 180
Os republicanos dissidentes a cada disputa aproximavam-se dos federalistas
fortalecendo, assim, o poder do mato. As disputas se tornavam particularmente intensas no
momento em que a aplicação de medidas do governo afetava mais diretamente os setores
rurais.
O governo positivista buscou, através de extensa regulamentação, alternativas para a
questão fundiária, tendo em vista adequar os problemas relativos à posse e à intrusão com as
novas perspectivas de modernização da economia.

178
AXT, Gunter. Gênese do estado burocrático-burguês no Rio Grande do Sul (1889-1929). USP, São Paulo:
2001. Tese de Doutorado em História. p. 7.
179
Idem. p. 103
180
FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit p. 125.
82
2.3.3. A Lei de Terras de 1899e seus desdobramentos

As mudanças que se operam no setor econômico e social, colocadas dentro da


proposta do PRR, não se alteram com a saída de Castilhos. Coube a Borges de Medeiros a
implementação da nova Lei de Terras, de Nº. 28 de 05 de outubro de 1899 e regulamentada
pelo Decreto Nº. 313 de 04 de julho de 1900. Na Exposição de Motivos, Júlio de Castilhos, ao
encaminhar a lei, justifica a necessidade da mesma devido aos abusos que se verificaram na
aplicação da Lei de 1850. Destaca que:

Nas minhas Mensagens anuais dirigidas á Assembléia dos Representantes, tenho


insistentemente rela tado as principais ocorrências do serviço das terras publicas, exposto os
inúmeros e criminosos abusos que o haviam conspurcado desde longo tempo, bem como
tenho aludido ás decisivas medidas moralizadoras que a atual administração do Rio Grande do
Sul ha posto em pratica para estancar as fraudes e usurpações que estavam ousadamente
desfalcando o patrimônio territorial do Estado181 . (grifo nosso)

Conforme Castilhos, as fraudes foram significativas, bastando observar os números:

(...) em 1881, durante os 28 anos decorridos após o regulamento de 30 de janeiro de 1854,


tinham sido legitimadas posses de cerca de 50 léguas quadradas ! De setembro de 1885 a 15 de
novembro de 1889 ficou também facilmente legitimada a área de 70 1/2 léguas quadradas,
além dos 200 milhões de metros quadrados que receberam a indevida legitimação, de julho de
1883 a setembro de 1885 !
Em contraste, informo que de janeiro de 1893 até o presente, isto é, desde que assumi o
governo do Estado, a legitimação de posses não foi além de 3,4 de léguas quadradas !

A lei de 1899 dispõe sobre o serviço das terras públicas, legitimação de posses,
medição, conservação e alienação das terras devolutas e provê acerca do regimen colonial e
florestal do Estado. A lei dispunha que a legitimação das posses ocorreria nas áreas com
cultura efetiva e morada habitual do posseiro. Para os coletores de erva- mate, que eram
nômades, surgem dificuldades .
Um dos artigos mais citados da lei diz respeito ao tamanho das posses legitimadas. O
artigo 6º estabelecia “a área de cada posse, sempre que possível, não será inferior a vinte e
cinco hectares nas terras de mata e a cinqüenta nas de campo”. Conforme a referida lei, as
posses estabelecidas posteriormente a 15 de novembro de 1889 não seriam legitimáveis, mas
poderiam ser adquiridas, dispondo detalhadamente sobre todos os procedimentos necessários
para o encaminhamento das soluções.

181
Exposição de Motivos: Lei de Terras de 1899. Livro 631, 1904. p. 5 a 17. AHRS.
83
O critério da divisão de terras em 25 hectares, de acordo com Mozart P. Soares, foi
defendido por Rondon, estando de acordo com a visão positivista de que os lotes nessa
extensão seriam suficientes para uma “família viver abastada, sendo que abastada quer dizer
uma propriedade que se basta a si própria. Abastança não quer dizer abundância”.182 Júlio de
Castilhos criou na Secretaria de Obras Públicas a Divisão de Colonização de Terras e a
entregou ao Dr. Torres Gonçalves, procurando conter a legitimação de terras devolutas.
Os processos dos Autos de Medição de posses da região da Grande Palmeira são em
número bastante expressivo, aproximadamente 490, solicitados, em grande maioria, no
período de 1901 e 1902. Já as sentenças levaram muitos anos para serem proferidas, algumas
raras foram resolvidas ainda em 1902, outras, algumas décadas depois. O clima de tensão no
município parece ter contribuído para o confronto ocorrido em 1902, como veremos mais
adiante.
Os problemas herdados do período castilhista aumentaram e a nova Lei de Terras não
foi suficiente para resolver as questões que se arrastavam. Borges de Medeiros conduz a
política agrária, procedendo a verificação e legitimação de terras, incluindo a partir de 1903 a
questão do imposto territorial.
O imposto incidia sobre o valor venal, abrangendo a extensão da terra e as
benfeitorias. Segundo Kliemann, se a nova Lei de Terras não tinha criado empecilhos, o
mesmo não aconteceu com o imposto territorial, pois atingia o latifúndio pecuarista. O
imposto foi posto em prática, apesar das pressões, e o governo justificava a medida como
necessária aos cofres estaduais, embora com riscos de perda de hegemonia. Essa cobrança de
imposto ocorreu através de decretos e as maiores resistências vinham dos médios e grandes
183
proprietários, que alegavam o desconhecimento da extensão de suas terras.
O governo estabeleceu algumas medidas que isentavam do pagamento do imposto,
como o incentivo ao plantio do trigo, que dispensaria do imposto territorial por cinco anos
aqueles que o cultivassem. Essas isenções não afetaram a arrecadação e, ao lado dessas
medidas, pelo contrário, propiciaram o seu crescimento, o que contribuía para que o PRR
mantivesse o controle político. 184
As isenções atingiam, principalmente, a zona colonial, enquanto o latifúndio
pecuarista continuava descontente, alegando que as propriedades destinavam-se à criação de
gado, que já pagavam imposto de criação e exportação para o município e imposto sobre o

182
SOARES, Mozart Pereira. Entrevista concedida à autora em 14/01/2002, em Porto Alegre.
183
KLIEMANN, Luiza. Op. cit. p. 77-78.
184
De acordo com KLIEMANN, a arrecadação em 1903 era de 996:443 $184 e, em 1912, atingiu a cifra de 2.125:
099 $ 400.
84
gado abatido, este pago ao estado. Em 1913, o estado cede às pressões através da revisão
tributária. No entanto, na essência, foram mantidos os decretos anteriores a respeito das
isenções, pois, o governo voltava-se, nesse momento, para o incentivo à produção agrícola
nos campos, como o arroz, pretendendo que os pecuaristas aderissem a ela ou vendessem ou
arrendassem suas terras para o desenvolvimento dessa atividade.
O governo do PRR procurou manter com o governo federal uma política, se não de
cooperação, pelo menos de aparente atendimento às medidas estabelecidas, buscando “uma
participação mais efetiva na política nacional a fim de receber, em troca, o atendimento das
necessidades da região”. 185
Em nível regional, tiveram que enfrentar o crescimento da oposição. Com a morte de
Gaspar Silveira Martins, em 1901, a liderança oposicionista passou a ser exercida por Assis
Brasil que, como republicano dissidente, nem sempre teve o apoio dos federalistas nas
questões de ordem política, especialmente no que se referia ao parlamentarismo e ao
presidencialismo.
Nas eleições de 1907, houve uma tentativa de ofensiva política em que Assis Brasil
apoiou Fernando Abbot. Esperavam o apoio dos federalistas que, no entanto, foi pífio, devido
às divergências oriundas da Revolução de 1893, quando Abbot havia lutado ao lado dos
republicanos.
Usando o aparato repressivo estatal, o candidato do PRR, Carlos Barbosa, foi
vitorioso, restando a Assis Brasil a tentativa de unificar as oposições no Partido Republicano
Democrático, que propunha reformas no setor agropecuário. “As teses políticas baseavam-se
na derrubada do autoritarismo positivista e na sua substituição pela democracia representativa,
o que resultaria num presidencialismo original, mesclado de parlamentarismo”. 186
O PRD era constituído por uma fração da classe dominante, que tinha sido alijada do
poder pelo governo positivista e, em razão disso, seu projeto de reforma rural era muito
semelhante ao do borgismo.
Borges de Medeiros, por sua vez, procurava reforçar sua posição junto aos grupos
emergentes e buscava manter o controle do poder. No entanto, no âmbito social, as tensões
avolumavam-se por conta dos problemas agrários.
Kliemann destaca que o discurso go vernamental repetia sucessivamente que o
problema de terras no Rio Grande do Sul se encaminhava para a solução, porém a

185
KLIEMANN, Luiza S. p. 87
186
Idem. p. 92
85
correspondência existente nas Comissões de Terra e os jornais da época demonstram que
muitas questões agrárias estavam ainda para serem resolvidas.
A questão da imigração assume rumos que nem sempre estavam em consonância com
as pretensões governamentais. Os estudos referentes ao assunto demonstram as dificuldades
enfrentadas pelos imigrantes, devido às adversidades das condições do terreno, da mata
fechada, dos enfrentamentos com os indígenas e com os primitivos habitantes das áreas.
Na região da Grande Palmeira, a imigração destina-se à ocupação das áreas de matas,
visto que os campos estavam em poder dos pecuaristas. Em relação ao espaço do latifúndio, a
imigração não ameaçou os interesses da oligarquia regional, pois os imigrantes ocuparam
as áreas de mata e, portanto, não lhes fazia concorrência. As levas de migrantes que
ocuparam a região são, sobretudo, descendentes dos primitivos colonos europeus, que
buscam, no planalto, a possibilidade de aumento de suas terras, pois nas colônias de origem
elas são insuficientes para os descendentes da mesma família.
A introdução da colonização estrangeira no Rio Grande do Sul estabelecera as bases
da pequena propriedade rural e, com ela, um novo sistema de aproveitamento do solo, que no
final do século XIX, se estende para o norte do estado. A produção, na pequena propriedade,
assume um caráter complementar em relação à economia como um todo. No estado,
apresenta um aspecto peculiar, pois a produção latifundiária não se destinava à exportação
como no resto do Brasil, em que o processo imigratório era uma alternativa que visava
substituir o trabalho escravo.
Os estancieiros gaúchos tive ram uma atitude favorável em relação à imigração, pois não
tinham porque temer a concorrência da pequena propriedade e não necessitavam de grande
quantidade de mão-de-obra. “A atividade imigrantista constitui-se, portanto, numa crítica à
sociedade tradicional em dois sentidos: introdução do trabalho livre e consolidação da
pequena propriedade”. 187
Evidencia-se com a imigração uma nova política em relação à propriedade da terra. A
valorização da pequena propriedade associa-se a uma atividade de valorização do trabalho
livre. Por outro lado, o imigrantismo está associado à questão do “branqueamento” da
população brasileira. Segundo alguns estudiosos, já havia, no Brasil, mão-de-obra suficiente
para atender às necessidades, se deslocadas de suas áreas originais, no entanto, a concessão de
terras a estrangeiros discriminou os brasileiros conforme referimos no capítulo anterior,
contribuindo para a gestação dos conflitos de terras.

187
Luiza Kliemann. Op. cit. p. 43.
86
A presença de caboclos nas áreas que se destinam à imigração, os quais em grande parte
não possuem a regulamentação de suas propriedades, vai se constituir num fator alimentador
das tensões. A política do governo positivista procurou atuar no sentidos de ordem e
progresso. Criou a Diretoria de Terras e Colonização que, por intermédio das Inspetorias,
procedia a discriminação e a legitimação das terras e coordenava a política de colonização.
Os rumos da política agrária no estado, durante o governo perrepista, deve muito à
orientação doutrinária de Carlos Torres Gonçalves, que dirigiu a Diretoria de Terras e
Colonização durante o período de 1909 a 1928, desempenhando “importante papel na história
da colonização do Rio Grande do Sul. Ele dirigia os trabalhos de organização das novas
regiões, sobretudo do ponto de vista social”. 188 Orientava-se pela doutrina do positivismo que
servia como justificativa científica das deliberações tomadas.
As medidas, na região, foram postas em prática por Frederico Westphalen, como chefe
da Comissão de Terras e Colonização, que exerceu um papel destacado na política agrária da
Grande Palmeira. Sua atuação coincide com um momento de bastante perturbação da ordem
política regional e será tratada em capítulo posterior, naquilo que estiver relacionado com os
conflitos ocorridos. Seguiu a orientação doutrinária de Torres Gonçalves, que, na defesa
intransigente de seus princípios, pregava que “cabia ao Estado a missão de colonizar o seu
solo”, e dessa forma procurou voltar-se para todos aspectos que envolviam a questão da terra.
“Os primeiros anos da sua gestão foram mais dedicados aos assuntos da terra do que à
colonização, em virtude da existência de grandes áreas de domínio público recobertas por
matas.”189 Defendia que não era interesse do Estado manter essas terras em seu poder e que
era natural e mesmo conveniente que essas terras fossem aos poucos sendo privatizadas, mas
devia manter o controle dessa transformação, a fim de evitar a exploração industrialista.
Através da criação da “Colônia Guarita”, Torres Gonçalves procurou concretizar a idéia
do Estado como executor do processo de colonização, atribuindo ao diretor da colônia todos
os poderes, o que tornou Westphalen um chefe respeitado na região em que atuava. 190
O governo preconizava o protecionismo à economia, no entanto, a presença de capitais,
tecnologia e mão-de-obra estrangeira foi uma constante nos vários setores. Nas áreas
destinadas à colonização, grandes extensões passaram para as mãos das Companhias de
Colonização, que deveriam demarcá- las, vendê-las aos colonos e providenciar a infraestrutura
necessária ao assentamento e crescimento da região. As companhias nem sempre cumpriram

188
NORA, Nilse Corteze Dalla. Quem chega, quem sai. A política de distribuição de terras em Jaboticaba-RS.
Dissertação de Mestrado em História. UPF. 2002. p. 48
189
Idem. p. 49.
190
Para maior aprofundamento sobre a atuação de Frederico Westphalen, ver NORA, Nilse C. Dalla. Op. cit.
87
com os compromissos relativos à abertura de estradas, e a demarcação dos lotes, muitas
vezes, era feita sem levar em conta as questões de relevo e hidrografia. Assim muitos colonos
recebiam lotes que não possuíam água e situavam-se longe de qualquer meio de comunicação.
Na região, um dos problemas mais sérios está relacionado com a ocupação das terras
por posseiros. As áreas destinadas à colonização eram as mesmas em que os coletores de
erva-mate exerciam suas atividades, percorrendo os ervais, sem fixar-se definitivamente em
nenhuma área. As companhias compravam as terras, loteavam e vendiam-nas a terceiros sem
se ocuparem dos intrusos. É exemplar o que aconteceu com as terras de Hermann Meyer e
Cia. que se situavam na região de Cruz Alta onde já viviam, há mais de trinta anos, alguns
posseiros dos quais o governo tinha conhecimento. A empresa revendeu as terras e o novo
proprietário, Carlos Dhein, para livrar-se dos intrusos, mandou publicar nota exigindo a
retirada dos animais das terras. Agindo com extrema violência, mandou despejar os
ocupantes, conseguindo assim o controle da situação. Isso só foi possível devido a sua
posição: Carlos Dhein era representante de Hermann Meyer e já possuía grandes áreas.
Quando essa situação ocorria com colonos de poucas posses, os processos podiam arrastar-se
por muitos anos, gerando violência e tensões 191 . Conforme vimos anteriormente, na localidade
de Boi Preto, o mesmo Meyer procurou inscrever áreas, sendo contestado pelos primitivos
moradores das áreas pretendidas, antes de concretizar o apossamento das mesmas.
Isso ocorre porque o governo não tinha conhecimento da real situação das terras no
estado, onde praticamente já não existiam áreas devolutas. A desorganização aumenta com a
intermediação das companhias privadas na colonização, povoamento e exploração de recursos
naturais.
O governo não consegue fugir às contradições de seu programa, tenta manter o
consenso, mas usa também a repressão para enfrentar as resistências. Em muitos casos,
omitiu-se de sua responsabilidade e muitas pessoas, sem condições de resistir, quer pela força,
quer judicialmente, saíam em busca de novas áreas, que também já tinham dono ou
pertenciam às reservas indígenas. Como já foi dito anteriormente, o índio foi a primeira
vítima da disputa pela terra. Tal processo estendeu-se por séculos, limitando as áreas
indígenas cada vez mais, fruto da expansão das propriedades, sem que os governos
solucionassem a questão. Sempre que conflitos fundiários se estabeleciam, novas invasões
ocorriam nas áreas indígenas.

191
NORA, Nilse C. Dalla. Op. cit. p. 115
88
Assim, a região do Alto Uruguai, que possuía ainda boa parte das florestas inexploradas,
era o espaço onde se concentrava a maior parte das populações indígenas do estado, da
mesma forma que vai se constituir na região de maiores enfrentamentos. Embora a política
protecionista de Rondon fosse adotada pelos positivistas, como Torres Gonçalves, muito
pouco puderam evitar a usurpação das terras indígenas. Em relatório em 1910, Gonçalves
refere-se a indígenas que foram convencidos a abandonar suas terras para satisfazer a vontade
de proprietários particulares, criticava a catequese desenvolvida pelos padres e solicitava para
sua diretoria a proteção ao índio. 192
A usurpação das terras indígenas continua a ocorrer e, em 1922, uma nova
regulamentação sobre as terras consagra atenção ao problema:

Art. 20 – São consideradas terras dos índios as que se acham por eles ocupadas.
Art. 21 - O Estado as considera tais independente de qualquer titulo especial de domínio, como
conseqüência da prioridade da ocupação por eles.
Art. 22 - Toda vez que se tiver de fazer a demarcação de terras dos índios, será ela realizada
com largueza, tanto quanto possível segundo linhas naturais, consultado previamente o desejo
deles.
Art. 23 - O Estado auxiliará por todos os meios ao seu alcance a realização do serviço de
proteção leiga aos silvícolas, instituído pelo Governo Federal. 193

O parágrafo único do artigo 23 estabelecia várias medidas de proteção e apoio para


tornar os indígenas produtores capazes de viver dos seus próprios recursos. Nesse aspecto, a
função do Estado era proporcionar as condições para tal fim, sempre que o apoio da União
falhasse. Certamente ocorre grande distância entre o que é estabelecido pela lei e a realidade,
considerando a freqüência de registros e relatos de conflitos entre colonos e índios.
A crise política dos anos vinte tinha entre os seus componentes a questão agrária e,
em 1922, o governo outorgou um novo Regulamento Estadual de Terras, já citado
anteriormente. O regulamento dispõe “sobre os serviços de discriminação de terras,
legitimação de posses, povoamento, proteção aos indígenas e aos nacionais, conservação e
exploração das matas”. 194 Mesmo em uma análise superficial constata-se que o regulamento
pretendia solucionar as questões de terras que se arrastavam desde o Império. O
desconhecimento da realidade das propriedades era evidente, tanto que os artigos 3º e 4º
determinam:

192
KLIEMANN, Luiza S. Op. cit. p 133.
193
Regulamento das terras públicas e seu povoamento. Decreto Nº 3004 de 10/08/1922. Coletânea de Leis e
Decretos do Estado do Rio Grande do Sul. AHRS.
194
Idem.
89
Por toda parte onde houver incerteza nas divisas entre terras do domínio publico e do domínio
privado, o Estado promoverá gradualmente, os necessários trabalhos de discriminação; e bem
assim sempre que houver suspeita de invasão de terras do domínio publico por proprietários
confinantes.
(...) Quando não for possível a locação exata das divisas, o Estado respeitará as áreas
constantes dos títulos e estabelecerá divisas definitivas 195 .

O número de processos de legitimação de terras, baseados no Decreto n.º 3.004 de 10


de agosto de 1922, é significativo em Palmeira. São aproximadamente 151, contendo Autos
de Medição e documentos relativos à autuação.
A legislação tinha em vista a regularização de todas as posses para que o Estado
pudesse ter conhecimento da realidade da situação fundiária. Assim estabelece no artigo 8º do
Regulamento que estão sujeitas à legitimação:

a) - as posses com processos iniciados de acordo com a lei n. 601, de 18 de setembro de 1850
e regulamento n. 1.318, de 30 de Janeiro de 1854;
b) - as posses com processos iniciados de acordo com a lei estadual n. 28, de 5 de Outubro de
1899 e respectivo regulamento de 4 de Julho de 1900.
c) - as posses transmitidas por escritura de mais de 30 anos; bem assim as de ocupação efetiva
e ininterrupta de mais de 30 anos dos respectivos posseiros ou seus herdeiros e cessionários;
provada em ambos os casos a continuidade da ocupação, e contados os 30 anos até a data em
que tenham inicio os serviços de discriminação de terras, em cada região.196

Faz distinção entre terras públicas e particulares e estabelece detalhadamente os


procedimentos a serem observados na discriminação das terras e legalização das posses.
Vários artigos tratam da intrusão, sendo que o artigo 07 determina : “os que intrusamente se
estabelecerem em terras de domínio público estão obrigados a despejo imediato, com perda
das benfeitorias existentes e mais indenização dos danos causados”.
Ressalte-se que, ainda nesta data, a lei se refere a ervais de domínio público que
podiam ser arrendados, porém somente os das zo nas onde fosse realizável a fiscalização da
extração, de modo a ficar assegurada a efetiva conservação dos mesmos. Em regra, os
arrendamentos seriam anuais, compreendendo zonas pouco extensas, limitadas por linhas
naturais. A diretoria de terras ficava incumbida de expedir instruções, regulando a exploração
dos ervais. As terras de ervais poderiam ser aproveitadas na organização colonial, porém seria
computado no preço de venda dos lotes rurais o valor do erval. Quando se tratar de ervais
plantados e não simplesmente cuidados, deviam ser equiparados às demais culturas.
O Capítulo VI do Regulamento de Terras de 1922 trata das terras e proteção dos
índios, determinando que as terras indígenas “são as que estão ocupadas por eles”. Com um

195
Regulamento das terras públicas e seu povoamento. Decreto Nº 3004 de 10/08/1922. Coletânea de Leis e
Decretos do Estado do Rio Grande do Sul. AHRS.
196
Idem.
90
primor de detalhes garante- lhes a liberdade de se organizarem, preservar suas crenças, sua
cultura, sendo- lhes concedidas áreas onde pudessem manter seu modo de vida, rios, matas ...
A lei dispõe sobre os núcleos coloniais de modo especial, estabelece que só seriam
organizados em terras onde houvesse meios de comunicação e transporte num curto prazo.
Fixa quais as terras destinadas à colonização e as condições para a escolha dos lotes. O artigo
36 do referido Regulamento é surpreendente. Dispõe que “os lotes rurais destinam-se de
preferencia aos descendentes da avultada população colonial do estado”. Ou seja, por
dispositivo legal dificulta a concessão de lotes das áreas de colonização aos caboclos.
Embora mantendo a extensão dos lotes em 25 hectares, estabelece que as famílias
poderão receber de 1 a 3 lotes e o agricultor maior de 16 anos e menor de 21 poderá receber
um , não podendo aliená- lo antes da maioridade. A lei estabelecia que os agricultores, no caso
de receberem mais de um lote, deveriam pagar à vista os demais, obvia mente favorecendo os
agricultores que tinham mais posses, podendo ampliar suas propriedades.
O regulamento estabelece, no artigo 42, que “os nacionais, já estabelecidos nas terras,
que não sejam intrusos recentes e notoriamente não disponham de recursos para os
pagamentos a vista ou a prazo (...)” poderão ter a redução de 20% nos preços.
Encontra-se, no Arquivo Histórico, um número significativo de processos de Autos de
Medição, relativos à discriminação e regularização das posses. São mais de 150 processos do
município de Palmeira, cuja tramitação se estende por vários anos, sendo alguns solucionados
muito tempo após a solicitação.
Nos termos do art. 16º do Regulamento de Terras, de 4 de Julho de 1900, a área
legitimável ficaria limitada à extensão cultivada, e não inferior a 25 hectares. Porém, o novo
Regulamento de Terras, de 10 de Agosto de 1922, no seu artigo 9º estabelecia que os limites
poderiam variar entre 25 e 100 hectares, “ a não ser que existam inventários ou escrituras de
mais de 30 anos, consignando divisas precisas, caso em que prevalecerão estas”197 . Nos
demais casos, no cômputo de área legitimável, será reunida a extensão cultivada (incluídos
nesta os ervais cuidados, embora nativos), área utilizada por animais de criação e qualquer
indústria que o requerente da legitimação ou seus sucessores mantenham, contanto que a área
total não exceda a 100 hectares. Mas fica entendido que, se 25 hectares bastarem para as
culturas do posseiro, mais a subsistência dos animais de sua propriedade e outras indústrias
instaladas, continuará sendo essa área de 25 hectares a legitimável. Portanto, o Regulamento
de Terras de 1922 não veio elevar o mínimo da área legitimável a 100 hectares, mas somente

197
Regulamento das terras públicas e seu povoamento. Decreto Nº 3004 de 19/08/1922. Coletânea de Leis e
Decretos do Rio Grande do Sul. AHRS.
91
estender ao Estado a prescrição de 30 anos, regulando-a e fixando, assim, o máximo da área
legitimável em 100 hectares.
O governo assim resumia os aspectos fundamentais do novo regulamento: “quer o
Regulamento de 4 de Julho de 1900, quer o de 10 de Agosto de 1922, o que tem em vista é
somente amparar, com eqüidade e o quanto baste, os pequenos ocupantes antigos de terras, e
não proporcionar- lhes domínios extensos”198 . Reforçava o dispositivo de legitimar apenas as
terras que estivessem efetivamente ocupadas por cultura, mesmo quando excedesse a 100
hectares.
Os interessados deveriam requerer a legitimação em petição dirigida ao Presidente do
estado, indicando a situação das terras, juntando ainda documentos que provem a
continuidade da ocupação da mesma por mais de 30 anos.
Aos ocupantes de terras estabelecidos posteriormente à fixação dos editais contra a
intrusão, isto é, a 31 de Dezembro de 1910, não são aplicáveis as disposições do número 27º.
Ao contrário, contra eles poderão ser aplicadas as disposições e penalidades no Regulamento
de 4 de Julho de 1900 e no Regulamento de 10 de Agosto de 1922 . O mesmo regulamento
determinava medidas a serem adotadas nos casos de intrusão após a data citada, pois, “o
intuito da administração é sempre exercer o mínimo de compressão, e somente a
indispensável para obter o completo respeito às terras do domínio público” , assim os
funcionários deveriam:

a) – intimar individualmente os intrusos estabelecidos posteriormente aos editais contra a


intrusão, isto é, a 31 de Dezembro de 1910, a se retirarem, porém, oferecendo-se-lhes lotes
onde existirem demarcados nas condições habituais de concessão; e, aos que não tiverem
recursos, facilitando-se-lhes o pagamento em trabalhos de viação;
b) – dar prazos diferentes a cada um, de 15 dias para os mais recentes, e maiores
sucessivamente aos outros, a fim de isolar os casos de ação compressiva, individualizando-os;
c) – fazer a intimação e despejo por intermédio dos funcionários florestais, solicitando para
isso o concurso das autoridades locais, de acordo com o artigo 56º do Regulamento de Terras,
de 04 de julho de 1900, e despacho presidencial de 09 de outubro de 1918, em ofício da
Diretoria de Terras e Colonização, n. 724, de 8 do mesmo mês. Se as autoridades policiais
julgarem necessário, para fornecer força, autorização expressa dos seus superiores, deve isso
ser trazido ao conhecimento da Diretoria de Terras e Colonização, para que esta providencie 199 .

O mesmo regulamento determinava que o despejo não seria realizado no caso de


intruso com grandes benfeitorias. Seriam demarcados os lotes das terras onde se achassem
estabelecidos. Esses lhes serão vendidos pelos preços correntes na ocasião da demarcação,
acrescidos de 50 %.

198
Regulamento de terras públicas e seu povoamento. Decreto Nº 3004 de 10/08/1922. Coletânea de Leis e
Decretos do Estado do Rio Grande do Sul. AHRS.
199
Idem.
92
A aplicação das novas determinações na região trouxeram dificuldades para muitos
posseiros que não apresentavam as condições exigidas para a regulamentação de suas terras,
pois a atividade seminômade dos ervais impedia o atendimento de dispositivo de áreas
efetivamente cultivadas. Por outro lado, o processo de colonização com imigrantes/migrantes
tinha desalojado os antigos posseiros de suas áreas primitivas, não tendo o prazo necessário
para justificar a regulamentação. Na região da Fortaleza, onde se concentravam as forças
maragatas, a Comissão de Terras agia com eficiência, procurando cumprir a lei, contribuindo
para o acirramento das rixas e desavenças.
Os estudos têm demonstrado a eficiência do PRR, no sentido de manter o controle
político, apoiado numa máquina administrativa, nos mecanismos de coerção e violência e no
poder econômico, representado pelos coronéis locais, que sustentaram as práticas ditatoriais
do governo positivista. As medidas econômicas do governo castilhista/borgista atingem a
sociedade como um todo. Examinamos mais detidamente a questão agrária, haja vista que
esse aspecto está na origem dos conflitos que marcaram a região.
O apossamento de grandes glebas pelos proprietários das áreas de campo, que tinham
o poder e os recursos econômicos para o registro das mesmas, se constituiu ao longo do
período imperial e, sobretudo, durante a República Velha, fator de desestabilização social, que
gerou vários momentos de tensão e crise, independentemente das motivações que inspiraram
os enfrentamentos em nível estadual. No momento em que as lutas eclodiram no estado, os
setores marginalizados se levantaram em armas, contra o governo que os oprimia,
representado pelos coronéis locais.

93
CAPÍTULO III

LUTA E RESISTÊNCIA

3.1- Palmeira das Missões: A violência como parte do cotidiano.

O estudo da história do município de Palmeira faz emergir relatos que assombram pela
crueldade e pela freqüência com que ocorrem. A identificação da região como espaço de
violência se confirma na historiografia e no imaginário coletivo ainda constituinte da memória
social da região. É preciso, no entanto, na análise dos fatos, ter presente que o período foi
particularmente tenso em todo o estado, considerando as condições políticas de confronto
entre as facções, que buscavam o controle do poder em nível estadual, estendendo-se para os
municípios onde, da mesma forma, o confronto e as disputas se realizavam.
Seria a violência em Palmeira maior do que nas demais regiões? Teriam as matas e a
possibilidade de passagem para a Argentina atraído os revolucionários ou a violência
independe desses componentes? As características da ocupação, gerando relações de poder
coronelístico, explicariam os fatos?
A relação entre espaço geográfico e identidade é sem dúvida importante, mas não é
suficiente para explicar a violência que foi presenciada pelos antigos moradores. A região da
Grande Palmeira era constituída por uma imensa área de florestas que representaram um
refúgio para aqueles que, por razões diversas fugiam tanto da justiça como das perseguições
dos inimigos. A historiografia fala de marginais e perseguidos da lei, no entanto, a “lei”, em
muitos casos, não representava a justiça, mas servia a quem detinha o poder.
A ocupação do espaço regional originou uma estrutura socioeconômica na qual se
afirmou a figura do estancieiro, com destacada atuação política, detendo os meios de controle
do poder local, através da manipulação ou da coerção, o que pressupõe a montagem de uma
estrutura coronelista, que, de acordo com Maria Isaura P. de Queiroz, “é profundamente
influenciada pela própria estrutura socioeconômica ali existente”. 200 Os dois aspectos se
interpenetram.
A tentativa de (re)construção do conhecimento sobre o passado não tem a pretensão de
responder a todos os questionamentos, mas apontar algumas possibilidades que permitam uma
reflexão sobre os mesmos, buscando, nos documentos produzidos na época, uma leitura que
nos aproxime de uma explicação histórica, tendo presente que a história é sempre
representação do passado.
Dessa forma a reconstrução do conhecimento sobre o passado valendo-se de múltiplas
fontes, entre elas documentos oficiais, artigos de jornal, as falas registradas nos processos
judiciais, as publicações da época, cruzando-as com depoimentos orais e a análise da
produção historiográfica existente é uma tentativa de compreensão da cultura e identidade de
uma sociedade que não pode prescindir das construções do imaginário.
As publicações do período em que se inserem os fatos analisados foram
particularmente importantes, não só por aquilo que deixaram registrado, que de outra forma
estariam perdidos, mas por trazerem a visão dos grupos que se defrontavam. Nesse sentido,
torna-se imprescindível ter em mente o calor das paixões que impulsionava os relatos,
contrapondo as informações com outras fontes, ou quando não for possível, relativizar os
fatos, buscando estabelecer a coerência necessária.
Destacamos aqui, sobretudo, as obras de Euclydes B. de Moura, O vandalismo no Rio
Grande do Sul; de Antônio Ferreira Prestes Guimarães, A Revolução Federalista em Cima da
Serra; de Wenceslau Escobar, Apontamentos para a História da Revolução rio-grandense de
1893; de Ângelo Dourado, Voluntários do martírio e de Rafael Cabeda, Os crimes da
ditadura: a história contada pelo dragão. Nelas temos registradas as visões dos
contemporâneos de acordo com seu engajamento político, tendo em comum o aspecto de
terem sido escritas por pessoas que, de alguma forma, vivenciaram os fatos ou ouviram os
relatos à época em que aconteceram.
A obra de Euclydes Moura foi publicada pela primeira vez em 1892 e retrata os
acontecimentos políticos que sucederam à proclamação da República no Rio Grande do Sul,
narrando uma série de crimes que ocorreram em vários municípios gaúchos, no período que
antecedeu a Revolução de 1893. O autor, embora declare realizar um relato imparcial, deixa
clara a visão dos republicanos. Baseia-se em informações da imprensa , especialmente o
jornal “A Federação”, e depoimentos de testemunhas. Essa publicação contribui para o

200
QUEIROZ, Maria Isaura P. de. O coronelismo numa interpretação sociológica. In. FAUSTO, Bóris (Org.)
História geral da civilização brasileira. São Paulo: Difel, 1985. v. 8. p. 171
95
conhecimento do clima hostil que dominava no período em que foi divulgada. É dedicada ao
Partido Republicano e ao Dr. Júlio de Castilhos e, dessa forma, apresenta a visão de “um
soldado disciplinado” do partido, como ele se intitula, relatando apenas as violências contra os
aliados. Usa uma linguagem carregada de elogios aos chefes republicanos e termos ofensivos
aos adversários políticos. Na reprodução de artigos de “A Federação”, Afonso Honório 201 ,
líder federalista, é chamado de latrinário e seus aliados de affonsuínos.Acusa os adversários
de atos ilícitos na aquisição de terras, opondo-se à medidas pacificadoras adotadas por
Evaristo Teixeira do Amaral, tentado “chamar o burro aos trilhos”. As acusações são de toda
ordem e reforçam a idéia do clima de hostilidade que culminou em episódios de extrema
violência. 202
As obras de Ângelo Dourado, Wenceslau Escobar, Prestes Guimarães e Ra fael Cabeda
nos dão a visão dos federalistas, registrando passagens que permitem o confronto das idéias e
o relato dos fatos de acordo com as versões que circulavam em ambas as facções. Nessas
obras, as acusações voltam-se contra os republicanos e, da mesma forma, precisam ser
analisadas com a devida isenção. Procuramos extrair das obras referidas os fatos relacionados
à área de abrangência deste estudo, no intuito de traçar um quadro da situação vigente,
enriquecido das manifestações de rivalidades e mágoas que foram expressas pelos envolvidos
nos fatos.
Essas obras têm, em comum, o fato de terem sido escritas por pessoas que
participaram diretamente do movimento armado e, parte dos acontecimentos narrados foram
presenciados pelos mesmos. Ângelo Dourado, médico da coluna de Gumercindo Saraiva,
descreve, em minucioso relato, os acontecimentos que presenciou e as condições em que
viviam os rio-grandenses durante o período da guerra civil. A obra foi publicada em 1896 e,
conforme ele mesmo diz: “é a narração dos factos sob a impressão do momento”. 203
O relato de Prestes Guimarães, comandante das forças revolucionárias de Cima da
Serra, abrange o periodo de 1892-1895, versa sobre os acontecimentos nos municípios de

201
Afonso Honório dos Santos era advogado e exerceu papel de destaque como líder oposicionista. Atuava na
sede, mantendo a ligação com os maragatos da zona da mata. Após a Revolução de 1893 e o Levante de 1902
esteve exilado na Argentina, assim como Leonel Rocha.
202
MOURA, Euclydes B. de. O vandalismo no Rio Grande do Sul: antecedentes da revolução de 1893. Porto
Alegre: Martins livreiro, 2000. As expressões constam de um texto de Evaristo Teixeira do Amaral Filho,
publicada na “A Federação”. Data da carta: 29/02/1892, a data do jornal não consta. p. 156-171. No artigo faz
acusações aos envolvidos no ataque à Palmeira chefiado por Rocha Tico .
203
DOURADO, Ângelo. Voluntários do Martírio: narrativa da revolução de 1893. Porto Alegre: Martins
Livreiro – Editor. 1977. p. 1.
96
Passo Fundo, Soledade, Palmeira das Missões e Cruz Alta. Trata-se do depoimento de quem
vivenciou os combates e as lutas políticas durante o período. 204
A obra de Wenceslau Escobar, publicada em 1919, traz relatos de acontecimentos, faz
denúncias da ditadura positivista e registra encaminhamentos políticos, ressalvando que,
mesmo tendo participado diretamente da luta contra os republicanos, procurou “expor os fatos
205
com a posssível imparcialidade”.
O livro de Rafael Cabeda é uma reedição da obra de 1902 sobre atrocidades praticadas
pelos vitoriosos da Revolução de 1893, a partir de denúncias levantadas pelo jornal O
Maragato, então editado na cidade uruguaia de Rivera. Cabeda, um dos chefes federalistas,
durante o exílio e contando com a participação de Rodolpho Costa, faz um relato de saques,
prisões ilegais, assassinatos, empastelamento de jornais, estupros e as famosas degolas.
Abrange o período de 1889 a 1900, retratando, assim, um quadro da situação pós-revolução
em que as perseguições continuaram, mesmo após a assinatura da paz, em 1895. 206
Extraímos das obras referidas os relatos vinculados à região em estudo, buscando
dados que ajudassem a compor um quadro dos acontecimentos no município, tendo presente a
parcialidade contida nas mesmas.

3.1.1. ... nos últimos anos do Império

Feita a emancipação em 06 de maio de 1874, a primeira Câmara Municipal207 foi


instalada em 1875, tendo como primeiro presidente Serafim de Moura Reys. A preocupação
inicial esteve relacionada com a elaboração do Código de Posturas do município, que em
linhas gerais assemelhava-se ao de Cruz Alta, município- mãe. O documento trata com
detalhes de todos os aspectos da zona urbana 208 e rural. Em especial, preocupa-se com a

204
GUIMARÃES, Antônio Ferreira Prestes.A revolução federalista em Cima da Serra, Porto Alegre: Martins
Livreiro – Editor. 1987. A obra foi organizada a partir dos registros manuscritos encontrados, incluindo os
relatos de campanha.
205
ESCOBAR, Wenceslau. Apontamentos para a história da revoução rio-grandense de 1893. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1983. p. 4.
206
CABEDA, Rafael. Os crimes da ditadura: a história contada pelo dragão. Porto Alegre: Procuradoria-Geral
de Justiça, Memorial do Ministério Público, 2002.
207
As Câmaras Municipais tinham, na época, funções maiores que as de hoje, exercendo as atribuições do poder
executivo e legislativo, cabendo ao Presidente da Câmara a função de governo do município.
208
Com referência à zona urbana, que não é nosso objetivo, destacamos que o documento trata detalhadamente
de aspectos que vão desde a largura das ruas até a edificação de residências, cuidados com a limpeza das áreas
públicas, combate à saúva, obrigações diversas dos moradores e as respectivas multas. Doc. Nº 2C , M: 97, Cx.
43, AHRS.
97
exploração e preservação dos ervais que se constituíam numa das principais riquezas,
estabelecendo rigorosas normas de controle, conforme já foi referido no capítulo I.
O final da década de 1870 é marcado, sobretudo, por conflitos na região do Campo
Novo, relacionados à posse da terra, por disputas pela ocupação dos ervais públicos, em torno
das quais moradores estiveram mobilizados, dirigindo-se até mesmo ao Imperador, como já
foi analisado no capítulo II. Nesse mesmo período, a região enfrenta uma seca extremamente
séria que agravou as condições já precárias em que a população vivia. Ocorrem incêndios nas
matas, conforme Beschoren registra, queimaram-se “as ricas florestas de erva, concedidas a
centenas de famílias, que tinham aí um meio de vida. (...) As notícias recebidas de Campo
Novo eram bem tristes: moinhos de erva-mate, com grande quantidade do produto, ranchos
cheios de milho, roças, matas ervateiras – tudo destruído de forma arrasadora”. 209 A situação
era tão difícil a ponto de a Câmara Municipal dirigir solicitação de ajuda ao Presidente da
Província. 210
As dificuldades enfrentadas pelos moradores da região eram grandes. Conforme se
depreende da documentação da Câmara Municipal em relatório sobre receita e despesa, há
necessidade de providências e comentários sobre os problemas enfrentados, entre eles, a falta
de professores e as péssimas condições de comunicação. Destaca que a abertura de uma
picada ligando o Alto Uruguai a Campo Novo poderia contribuir para a solução do problema,
assim como uma picada ligando Fortaleza ao Alto Uruguai “atravessando enormes hervaes, a
principal riqueza ao alcance da classe pobre”. 211
À precariedade das condições econômicas, na última década do período Imperial,
acrescentam-se problemas de ordem política, com uma Câmara dividida por rixas pessoais e
disputas constantes entre liberais e conservadores. Em 1881, assume a presidência da Câmara
o Coronel Athanagildo Pinto Martins. 212
Nesse momento, desponta na política palmeirense uma das figuras que marcariam
presença na fase inicial da República, estando sua morte relacionada ao início da Revolução

209
BESCHOREN, Maximiliano. Op. cit. p. 79. Registra as manifestações de religiosidade dos moradores, que
através de procissões, rezas e procedimentos diversos pedem misericórdia e clemência divina, suplicando chuva.
210
Correspondência da Câmara Municipal ao Presidente da Província. Doc. Nº 31, 25/07/1877. Maço: 97, Cx.
43. AHRS.
211
Idem. Doc. Nº 36, de 03/10/1877. AHRS.
212
Trata-se do bisneto do desbravador, que tinha o mesmo nome, conforme informa Mozart P. Soares.
Destacaram-se em momentos bem distintos da história municipal, o primeiro, designado pelo título de Alferes,
constituiu uma das primeiras estâncias da região e o segundo, que atingiu o título de Brigadeiro, atuou na política
local, na fase de emancipação até o início da República.
98
de 1893, no município. Trata-se de Evaristo Teixeira do Amaral213 que tem uma atuação
polêmica, sendo mostrado de forma contraditória por seus contemporâneos.
Athanagildo Pinto Martins não chegou a completar seu mandato, ao que tudo indica,
por desentendimentos com seus adversários: Evaristo Teixeira do Amaral e o Tenente
Coronel Miguel Antunes Pereira. Devido às desavenças existentes, Athanagildo cassou o
mandato político dos mesmos, o que contribuiu para que os ânimos ficassem ainda mais
exaltados, levando Athanagildo a afastar-se do cargo.
No período seguinte, 1883/86, os vereadores afastados retornam à Câmara, marcando
um momento de intensa luta política numa Câmara dividida entre duas facções, conforme se
constata na documentação existente 214 . As disputas acabam favorecendo ao Major Evaristo
Teixeira do Amaral, que assume a presidência em 1886, abrindo- lhe caminho para o
predomínio político, que se estende até a fase inicial do período republicano. Inicia sua
atuação, desmontando o sistema organizado por seus antecessores, substituindo professores e
abrindo violenta luta política com seus adversários.
A atuação polêmica dos coronéis locais dá uma idéia do clima de instabilidade que
envolvia a Vila de Santo Antônio da Palmeira no limiar da República. As lutas pela afirmação
levaram a medidas extremas. Evaristo chega a instalar uma Câmara paralela em sua
residência.
Félix aponta diferenças entre o coronel do Império e o coronel borgista, sendo a
Revolução Federalista um marco divisor para o coronelismo gaúcho. O coronel Evaristo,
dessa forma, constitui-se num elemento de transição, pois atua na fase final do Império e
início da República, buscando manter o equilíbrio, na frágil estrutura de poder que marcou os
primeiros anos da República no Rio Grande do Sul, com a “redistribuição do poder local e
regional no estado, respaldado por novo grupo hegemônico, o republicano”. 215

213
Evaristo Teixeira do Amaral fazia parte da estirpe de família paulista que ocupara o Planalto no ciclo do
tropeirismo. Nasceu em São Paulo, em 31/12/1831, vindo para o sul, residiu em Alegrete. Em 1854, transferiu
residência para Passo Fundo: “caminho das tropas”. Retorna a Alegrete em 1857, fundando a empresa Evaristo
& Cia., forte casa comercial que se dedicava à exportação de erva-mate, lã e couros, importando sal, açúcar,
tecidos, cigarros, fumos, charutos, dos países vizinhos: Uruguai, Argentina e Paraguai. Acumula um grande
patrimônio em terras, gado, possuindo, inclusive cinco escravos. Participou da Guerra do Paraguai, a qual trouxe
prejuízos a seus negócios. Em 1869, é nomeado Major Ajudante da Guarda Nacional, sendo em 1870 transferido
para Cruz Alta, reiniciando seus negócios e estendendo sua atuação até a Vila de Palmeira. Em 1882, foi eleito
vereador da Câmara de Palmeira, atuando num clima de intensas rixas políticas. Por Decreto Imperial de
14/07/1887, Evaristo Teixeira do Amaral é nomeado para o cargo de Coronel Comandante Superior da Guarda
Nacional da Comarca de Cruz Alta. Foi nomeado Comandante da Colônia Militar do Alto Uruguai e várias
outras funções públicas. Esses dados foram extraídos de biografia elaborada por Castúlio Amaral, neto do
mesmo. (mimeo.)
214
Documentação da Câmara Municipal do Município de Santo Antônio da Palmeira, período 1874 a 1889.
Maço: 97, Cx. 43. Ver também, SOARES, Mozart Pereira. Op. cit. p. 168-170.
215
FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit. p. 59.
99
Emerge um novo grupo de poder, os coronéis do Planalto, tendo Cruz Alta como
centro político, ao qual Palmeira se acha vinculada, quer pelas origens históricas, acentuadas
por traços identitários comuns, quer pelo vínculo político de aliança entre os coronéis que
dominavam a política regional. Nesse aspecto, cabe salientar as ligações, no início da
República, entre José Gabriel, que dominava a região de Cruz Alta, e Evaristo T. do Ama ral,
que se destacava em Palmeira. Firmino Paula se sobressaiu na Revolução de 1893, passando a
ocupar um papel de destaque na política regional, estabelecendo fortes ligações com os
coronéis que vão controlar o poder na década de 1920, especialmente, Vazulmiro Dutra.

3.1.2. ...e quando chega a República

Com o avanço da propaganda republicana, ocorre uma mobilização em que Palmeira


se faz representar, na primeira Convenção do Partido Republicano Rio-grandense, em 23 de
fevereiro de 1882, em Porto Alegre. De acordo com Love essa convenção organizou
formalmente o partido e os participantes formavam um grupo cerrado, constituído por jovens,
unidos pela educação e pelos negócios familiares, relacionados com a pecuária. 216 Às
vésperas da proclamação, fundou-se, no município, o Clube Republicano, liderado por
Evaristo Teixeira do Amaral Filho. 217
O pai permanece em atitude aparentemente neutra até 15 de agosto de 1889, quando
adere ao movimento na 2ª reunião do partido, realizada em sua casa e presidida por seu filho.
Na data de 15 de novembro, Evaristo encontra-se numa curiosa posição, tendo aderido à
República, mas no exercício do poder ligado ao governo imperial. Como chefe do poder
municipal, dirige-se ao Visconde de Pelotas informando da renúncia da Câmara, mas
afirmando que a mesma “é composta por republicanos muito antes de 15 de novembro”. 218
A Junta Governativa indicada para a transição é composta por Fernando Westphalen,
Evaristo Teixeira do Amaral e Guilherme Fetter, sendo presidida pelo mais idoso, que era
Evaristo, permanecendo no poder até sua morte em 27 de outubro de 1892. Em
correspondência enviada pela Junta Municipal, em 04 de junho de 1890, mostram-se
republicanos convictos, ressaltando “a grande obra de 15 de Novembro e (...) de joelhos ante a
patria redimida, sauda a República dos Estados Unidos do Brasil”. Tecem críticas ao Império

216
LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho. São Paulo: Perspectiva, 1975. p.29.
217
SOARES, Mozart Pereira. Op. cit. p.178. Evaristo Teixeira Amaral Filho atuará como deputado estadual e
como diretor do jornal A Federação.
218
Idem. p. 179.
100
e destacam a grandiosidade da proclamação em que a pátria renasce “de seu leito de
angustias, levada em triumpho nos braços masculos dos heróes de 15 de Novembro que,
destroçando os demolidores dos brios nacionaes transformaram em larga estrada de paz e
liberdade a vereda sinuósa por onde aventurara incertos passos a patria brasileira”. 219
Trata-se de um longo relato das condições do município, manifestando a certa altura a
convicção de que depois de constituída legalmente a República e “descentralizada a
administração, poderão as municipalidades reger por si os negocios do município, base da
verdadeira liberdade e fonte original do progresso e desenvolvimento da nação”. 220 Isso nos
leva depreender a aspiração de autonomia dos municípios. Faz um relato das condições do
município em setores como saúde, segurança, administração judiciária, instalação da comarca,
instrução pública, necessidades de construção de pontes e estradas. Entre as reivindicações,
consta a anexação do território da Freguesia de Nossa Senhora da Luz de Nonohay, assunto
recorrente em vários documentos.
Um aspecto importante do documento diz respeito aos impostos. Informam que estão
sendo cobrados conforme as leis do Império, destacam como principais o fabrico da erva-
mate e do fumo em corda, porém ressaltam que o imposto causa dificuldades aos
“industriais”. Saliente-se que Evaristo era um dos principais ervateiros da região, mantendo
em Erval Seco um grande engenho de erva- mate. Sugerem a cobrança de outros impostos,
como pedágio nas pontes, casas de jogos, teatros, bailantas, impostos sobre veículos e sobre a
terra. Como veremos mais adiante, a cobrança de impostos e multas presumíveis contribuiu
para deflagrar o clima de instabilidade e desavenças que vão surgir no município durante este
governo.
Pouco tempo depois, em 20 de julho de 1890, a junta envia ao governo do estado uma
extensa correspondência referindo-se a conflitos e tensões na questão de terras, que, como já
vimos anteriormente, se constitui num ponto muito sensível de atritos na região. Destacam,
primeiramente, que o município possui extensas áreas de terras nacionais e devolutas, assim
como ressaltam as excelentes condições do solo que foi fa vorecido pela boa distribuição das
águas, pois cinco rios atravessam a área, sendo os mesmos margeados por matas. Voltam
suas críticas à população:

A população do Município porem suppõe que as terras nacionaes são logradouros públicos, e
todas (...) invadem as terras nacionaes, derrubão e queimão as mattas, estragando até os hervais

219
Correspondência da Junta Municipal de Santo Antônio da Palmeira, assinado por Evaristo T. do Amaral,
Fernando Westphalen, Guilherme Fetter. 04/06/1890. M. 353, Cx.190. AHRS.
220
Idem. p. 3.
101
nacionaes, que é uma fonte de receita para a pobreza. Assim constituem o que elles chamão
posse por um ou dois annos para depois venderem a outros, e irem adiante na serra fazer outra
pósse para o mesmo fim.
Estes factos se tem dado com mais frequencia a dez annos a esta parte, e actualmente não
respeitão nem a propriedade particular, invadindo as posses legitimadas, devastando os mattos de
diversos proprietarios, que constantemente reclamão providencias.
A Lei de Terras de 1850 e seo regulamento de 1854 nunca foi executada n’este municipio.221
(grifo nosso).

Fazem referência a alguns invasores que se apossam de áreas, permanecendo nelas por
alguns anos e depois vendem- nas, apossando-se novamente de outras. As áreas ocupadas
localizam-se no lugar denominado Pary, Estiva e margens dos rios Uruguai, Fortaleza e
Várzea. Dizem já ter levado ao conhecimento do governo do estado, mas que, no entanto, não
foram tomadas providências. Assim, o Delegado de Polícia tem agido no sentido de obstar
tais procedimentos. Solicitam providências para cessar tais abusos e que sejam “processados
na forma da lei os delinqüentes”. 222
Chama atenção no documento a solução apontada, já que essa medida iria afetar
grande parte da pobreza, solicitam autorização para “medir e demarcar as extintas aldeias de
índios existentes n’este município a fim de aforar aos particulares”. Apoiam-se, para tanto, na
lei nº 3348 de 20 de outubro de 1887. Quanto às terras indígenas informam:

Vários aldeamentos d’indios, e d’estes há extinctos primeiramente o do Pary onde esteve


aldeada toda a indiada com o Cacique Fongue, depois d ‘este o da Guaryta de onde essa
indiada foi para o Aldeamento de Nonohay, e ultimamente existião tres aldeamentos de indios,
o do Inhacorá, o da Estiva e Campina que ficarão reduzidos a dous – Campina e Inhacorá,
ficando extinto o da Estiva. Esta Camara pede permissão para medir o antigo aldeamento do
Pary, ou da Estiva. 223

Como se depreende dos documentos, a apropriação de terras e as respectivas medidas


adotadas pelas autoridades locais, associadas às estruturas de poder e dominação vigentes,
contribuem para o encaminhamento de situações conflituosas. A atuação de Evaristo colabora,
ainda mais, para o acirramento da violência. A aplicação de multas, sob a alegação de burla
fiscal, levou um dos atingidos Antonio Maria da Rocha Tico, inconformado, a invadir a Vila
da Palmeira em fevereiro de 1892 “à procura de Evaristo e seus sequazes que, avisados a
tempo imigraram para Misiones, Argentina”. 224 Escobar registra a cobrança das multas
abusivas que teriam provocado a reação de Rocha Tico. O fato é comentado por Evaristo

221
Documentos da Junta Municipal de Palmeira- 20/07/1890. M. 353, Cx. 190. AHRS.
222
Documentos da Junta Municipal de Santo Antônio da Palmeira – 20/07/1890. M. 353, Cx. 190. AHRS.
223
Idem .
224
SOARES, Mozart Pereira. Op. cit. p. 180. Há poucos registros sobre o fato e, menos ainda, sobre o
personagem. Não foi possível estabelecer se existiu algum parentesco com Leonel Maria da Rocha, que aparece
no cenário das disputas durante a Revolução Federalista.
102
Teixeira do Amaral Filho no artigo transcrito na obra de Alcides Moura, apontando os
vínculos com Afonso Honório dos Santos e Ubaldino Machado. Isso leva a identificar a
emergência de um grupo de contestação ao poder dos coronéis castilhistas. Esse grupo unido
ao poder do mato vai estender sua ação por todo período da República Velha.
Evaristo ao retornar de seu exílio, continuou a exercer seu papel de autoridade
regional225 e, pelo que indicam os fatos que se seguiram, passou a agir com maior rigor contra
os adversários políticos. Soares registra com base em depoimentos de contemporâneos, que
não procedia de forma vingativa, embora tivesse oportunidades para tal. No entanto, o mesmo
autor afirma não ser “aceitável que se comportasse indiferentemente em relação aos fatos
ocorridos e teria adotado ações políticas que explicam seu assassinato em 27/10/1892”. 226 Os
fatos que se seguiram demonstram um clima de tensão, cada vez mais acentuado, sendo difícil
acreditar que adotasse medidas conciliatórias. A bibliografia da época apresenta registros
extremados de acordo com a facção a qual pertenciam. Entre os federalistas, como já foi
citado, destacam-se Wenceslau Escobar e Prestes Guimarães, que fazem relatos dos abusos
cometidos pelos republicanos, destacando, sobretudo, as medidas repressivas adotadas após o
assassinato de Evaristo e tais procedimentos teriam alimentado os ódios que se revelam na
Revolução de 1893.
Os republicanos manifestavam-se através do órgão oficial do partido “A Federação”,
fazem acusações e criam versões para a violência policial que se seguiu, especialmente, na
região e na capital. A obra de Euclydes B. de Moura apresenta a versão dos republicanos, com
referências freqüentes ao jornal do PRR, fazendo violentas críticas à oposição.
De acordo com Prestes Guimarães, chefe federalista, as arbitrariedades corriam soltas
e “na Palmeira, Evaristo Amaral, confiscava tropas de bestas de seus adversários ausentes e
extorquia dos oprimidos indefesos contos e contos de réis a título de indenizações”. 227
Durante o período de Vitorino Monteiro se desencadearam os ódios devido às
inúmeras arbitrariedades e atentados contra a vida e a liberdade. Em todo o estado, os líderes
federalistas são feitos prisioneiros. Em Palmeira, figuram Padre Bernardo Brandão, Afonso
Honório, Luiz Moreira, ex-delegado Belmonte, entre outros 228 .
Segundo alguns autores, o assassinato de Evaristo T. do Amaral marca o início da
Revolução de 1893 na região, motivada pela represália e atos de vingança. A morte do líder

225
No período inicial da República, Evaristo T. do Amaral exercia as funções de chefe político, Chefe de Polícia
e Intendente Municipal.
226
SOARES, Mozart Pereira. Op. cit. p. 181
227
GUIMARÃES, Antônio Ferreira Prestes. Op. cit. p. 25.
228
ESCOBAR, Wenceslau. Op. cit. p. 55.
103
republicano é registrada de forma contraditória nas obras que se referem ao período, de
acordo com a posição ideológica dos autores. Escobar registra em sua obra que “este coronel
(Evaristo) extorquiu a vários fazendeiros serranos, a título de indenização e de multa, alguns
contos de réis. A odiosidade que lhe valeu este reprovado procedimento foi, certamente, a
causa real de sua morte”. 229 Destaca, em Palmeira, alguns dos federalistas que foram atingidos
pelas multas, entre eles:

O tenente-coronel José Ribeiro de Sampaio foi multado em 3:000$000; Antonio Maria da


Rocha Tico 2:000$000;Carlos Arbo e João Amado em 1:000$000 cada um. Este chefe
(Evaristo) , favorecido pelo servilismo e parcialidade de juízes leigos e ignorantes, a pretexto
de perdas e danos oriundos da tentativa revolucionária de fevereiro, por ele mesmo e seus
parciais levada a efeito, fez constar a propositura de uma ação contra o tenente-coronel
Ubaldino Demétrio, reclamando indenização de 54:000$000! Como medida securatória, para
pagamento desta indenização, embargou, ou melhor, proibiu a venda de mulas de uma
invernada do referido tenente-coronel, então emigrado. Tal era a consciência destes prejuízos,
que, por acordo amigável, fê-los por 13:000$000, recebendo sete de corpo presente!...(grifo
nosso)230

Essas atitudes teriam contribuído para que “quando tentava extorquir dinheiro do
fazendeiro Gaspar José Fagundes, no Rincão do Cadeado, próximo à Cruz Alta, o coronel
Evaristo fosse morto brutalmente por quinze homens que, num ato de extremo banditismo, o
degolaram, castraram e ainda deceparam suas mãos e pés”. 231
A repercussão do assassinato se fez sentir em todas as esferas republicanas influindo
no desenrolar dos acontecimentos que levaram à Revolução de 1893, juntamente com outro
fato que foi a apreensão de cartas sigilosas enviadas por Facundo Tavares, irmão de Joca
Tavares, a dois ou três cidadãos filiados ao partido federalista. As cartas deixavam clara a
intenção de deflagrar o movimento revolucionário. A Felipe Portinho informava que
projetavam “reagir contra este governo, que tantos males tem acarretado ao nosso desgraçado
Estado. (...) de acordo com meu irmão general Silva Tavares estamos nos preparando para a
luta”. 232
As cartas forneceram ao governo o motivo para determinar a prisão de todos os chefes
federalistas, matando-os se resistissem, dando lugar a que se desencadeasse uma série de

229
ESCOBAR, Wenceslau. Op. cit. p. 68-69. O autor cita uma vasta lista de federalistas que foram prejudicados
pela cobrança de supostas multas em toda região, como uma prática do governo republicano, especialmente, no
período de Vitorino Monteiro e que seguiu sendo realizada no segundo governo de Fernando Abbot. Também
aconteciam saques a comerciantes, destacando-se em Palmeira: Romualdo Ervité e Antônio Correia. p. 60.
230
ESCOBAR, Wenceslau. Op. cit. p. 60-61.
231
CAVALARI, Rossano Viero. O ninho dos Pica-paus: Cruz Alta na Revolução Federalista de 1893. Porto
Alegre: Martins Livreiro, 2001. p. 56
232
ESCOBAR, Wenceslau. Op. cit. p. 70 a 72. As cartas estão transcritas na íntegra e, segundo nota do autor,
Facundo agia por conta própria sem o conhecimento do irmão ou do líder federalista Gaspar Silveira Martins.
104
violências praticadas pelas autoridades. Tais atos mobilizaram a oposição, conduzindo o
estado a mais sangrenta e cruel dentre as lutas que se desenrolaram no estado.
Euclides Moura, como republicano, apresenta a visão dos fatos sob a ótica do seu
partido. Reproduz artigos de Evaristo Teixeira do Amaral Júnior, então deputado estadual,
publicados em “A Federação”, que acusavam os federalistas por toda violência praticada: “me
dirijo unicamente aos Affonsos, Ubaldinos 233 e quejandos que se intitulam chefes”. Afirma
que o município de Palmeira gozava de “pleníssima paz” durante o governo de seu pai. “Eram
respeitados todos os direitos, garantidos todos os cidadãos. Os criminosos e ladrões
perseguidos iam emigrando e há quase dois anos não havia um processo criminal no foro de
Palmeira”. 234 É possível vislumbrar, no discurso, o tipo de justiça que era praticada. Esse
enunciado acaba sendo uma forma de acusação mais forte do que as palavras dos adversários,
pois mostra que não havia processos criminais, embora ocorressem vários crimes, porque a
justiça era feita de outra maneira, ou seja, de acordo com o poder do mais forte. Afirma que
“os adversários não tendo a coragem para a luta frente a frente, não lhe opunham a mínima
resistência e declaravam-se hipocritamente satisfeitos”. 235 Essas declarações referiam-se ao
atentado sofrido pela família em fevereiro de 1892, sendo a carta datada de 29 de fevereiro de
1892. A publicação da mesma no jornal ocorre em data posterior, não constando no livro.
Uma nota de rodapé informa que na época da publicação ocorre o assassinato de Evaristo T.
do Amaral. 236
Como se pode deduzir da repercussão do crime no estado e, especialmente entre os
republicanos, a violência dos fatos deve ter contribuído para acirrar mais os ânimos,
motivando a reação de pegar em armas. As medidas que se seguiram por parte das autoridades
para caçar os culpados foram ainda mais surpreendentes. Em Porto Alegre, ocorreram prisões,
realizadas de forma arbitrária, outros foram mortos, como possíveis envolvidos na
conspiração.
A represália ao assassinato de Evaristo foi comandada, na região, por José Evaristo do
Amaral, filho da vítima, que, magoado pela dureza do golpe, agiu com extrema brutalidade.
Foi- lhe entregue uma escolta e, chegando a Cruz Alta, “encontrou poderoso e eficaz auxílio

233
Referia-se a Afonso Honório dos Santos e Ubaldino Machado, líderes federalistas em Palmeira das Missões.
234
MOURA, Euclydes B. de. O vandalismo no Rio Grande do Sul: antecedentes da revolução de 1893. Porto
Alegre: Martins Livreiro, 2000. p. 156
235
MOURA, Euclydes Moura. Op. cit. p. 157.
236
Trata-se de uma longa acusação, sob o título Os caudilhos da Palmeira apresentando a narrativa dos fatos
ocorridos em fevereiro de acordo com a visão republicana. Ao que se depreende da nota, seria publicada em
outubro , data em que ocorre o assassinato de Evaristo. Como os jornais A Federação desse período estão
indisponíveis, não foi possível verificar a data exata da publicação, que não é referida pelo autor.
105
por parte do chefe local José Gabriel da Silva Lima, que não teve, sequer, uma palavra de
moderação, antes estimulou aquele espírito desvairado”. 237
Escobar publica uma lista com o nome de 134 pessoas assassinadas barbaramente até
outubro de 1892.238 Não havia julgamentos para não descontentar os chefes locais. O número
de mortos é impossível precisar, mas podem ter chegado próximo de uma centena. Até
mesmo o jornal “A Federação” cita uma relação de cidadãos que “teriam sido mortos, uns em
ato de resistência, outros por suicídio”239 . A maior parte dessas vítimas eram pequenos
lavradores do Cadeado, humildes trabalhadores, obscuros peões de estância, que sob a mais
leve suspeita de terem direta ou indiretamente auxiliado o assassinato do coronel Evaristo
eram imediatamente presos e depois retirados da cadeia, desaparecendo para sempre. 240
Castúlio Amaral, na biografia do avô, registra a repressão que se instalou da seguinte forma:

José Evaristo, seu filho mais velho, reúne gente, organiza tropa e, secundado pelo bravo
Coronel Firmino de Paula, lança-se à caça dos assassinos de seu pai, só escapando aqueles que,
mais avisados, conseguiram atravessar o rio Uruguay, internando-se na Argentina e Paraguai,
de onde nunca mais voltaram, pois todos os outros, caçados um a um, foram sumariamente
justiçados.241

Como se verifica nas obras publicadas por contemporâneos dos fatos, o assassinato do
chefe político Evaristo Teixeira do Amaral contribuiu para a exacerbação dos ódios. As
análises posteriores também deixam claro que o clima de tensão e violência esteve vivo em
todo período que separa a data do crime até a eclosão da Revolução de 1893. Loiva Otero
Félix ressalta que “a luta entre castilhistas e maragatos tomou ali (Palmeira das Missões) um
caráter ma is intenso, mais violento do que no restante do estado, razão pela qual nunca foi
pacificado, apresentando uma polarização política constante”. 242
As lutas foram particularmente intensas, visto que os papéis nas disputas pelo poder
local ainda não estavam claramente definidos. De acordo com Félix, o período de 1889 a 1904
é caracterizado “por dissensões dentro do PRR, devido a disputas internas entre coronéis e
oposições maragatas”. 243
No breve período em que os federalistas estiveram no poder, ocorreram fatos brutais e
Palmeira das Missões também registra atos que marcam o imaginário de violência. Um dos

237
ESCOBAR, Wenceslau. Op. cit. p. 83. As declarações de Escobar foram contestadas judicialmente pela
família de Evaristo, conforme consta da biografia organizada pelo neto Castúlio Amaral.
238
Idem. p. 85-89.
239
Essas denúncias constam da obra de Escobar e retomada por outros autores que o tomam como referência.
240
Sobre o assunto ver ESCOBAR, Wenceslau. Op. cit. e CAVALARI Rossano V. Op. cit.
241
Biografia de Evaristo T. Do Amaral. Out./1964. p. 13.
242
FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit. p. 116.
243
Idem. p. 117.
106
acontecimentos mais terríveis que antecederam o episódio ocorreu com o republicano
Domingos Mancha, durante o período denominado por Castilhos de governicho. O capitão
Domingos Mancha 244 foi supliciado, sendo antes forçado a ver as cinco filhas serem
violentadas. “Segundo A Federação ‘bandidos federalistas’ entraram na casa do velho e
amarraram- no forçando-o a olhar suas cinco filhas serem violentadas; Mancha, então foi
castrado e, depois de esfaqueado e lanceado, recebeu o golpe de misericórdia em estilo
gaúcho: sua garganta foi cortada de uma orelha a outra”. 245
Escobar narra fato semelhante em Passo Fundo, realizado pelos republicanos contra o
septuagenário Francisco Xavier da Costa que “espancado e posto em quatro estacas, passou
pelo acerbo desgosto, requintado pela maldade de uma crueza feroz, de presenciar a violação
de suas filhas e noras”. 246
Constata-se, assim, que a violência não era uma especificidade de Palmeira, pois é
registrada também em grande número em Cruz Alta, Soledade e Passo Fundo, onde os saques
alimentavam a cobiça dos que comandavam e as atrocidades eram cometidas com freqüência
inusitada. Prestes Guimarães afirma que Passo Fundo, Soledade e Palmeira estavam fora da
lei no segundo semestre de 1892 e primeiro semestre de 1893 247 . Daí a adesão imediata ao
movimento.

3.2. A violência exteriorizada na Revolução.

A administração do município, durante o período da Revolução Federalista, passou a


ser exercida por Fernando Westphalen. Enfrenta as dificuldades próprias de momentos de
lutas armadas, voltando a administração para a manutenção da ordem.
Às vésperas da revolução, era líder político federalista, em Palmeira, o coronel
Ubaldino Machado 248 que reuniu mais de 600 homens, destacando-se nas lutas na região. O

244
O registro desse fato aparece de forma semelhante em outros autores que se ocupam do tema sem outros
dados, para ampliar o significado do fato. Na obra de Moura, temos indicações, na exposição de Evaristo do
Amaral Filho, de que Domingos Ferreira seria o mesmo Domingos Mancha. p. 162.
245
LOVE, Joseph. Op. cit. p. 55.
246
ESCOBAR, Wenceslau. Op. cit. p. 62.
247
GUIMARÃES, Prestes. Op. cit. p. 21 a 23. Transcreve extensa lista de vítimas de prisões arbitrárias e
extorsões.
248
SOARES, Mozart Pereira informa que Ubaldino era um daqueles ressentidos contra a destituição do poder
trazida com a proclamação da República. Poucas são as fontes para uma melhor análise do período. O que se
constata é que a proclamação da República não trouxe mudanças na estrutura de poder no município, visto que o
mandatário e líder político era Evaristo T. do Amaral que aderiu à república às vésperas da proclamação,
assegurando o controle dos mecanismos de poder.
107
Visconde de Pelotas presumia que Júlio de Castilhos impediria as eleições, pois já tinham sido
adiadas anteriormente, além de apresentar outros problemas eleitorais relacionados com
exclusão de listas de votantes e fraudes. Por essa razão, em fins de junho de 1892, expediu
ordens no sentido de organizar a resistência 249 .
Com o domínio do poder pelos republicanos, em Passo Fundo, Soledade e Palmeira,
ocorreram vários atentados. Em Soledade, foi maior o número de assassinatos e, em Palmeira,
os atentados contra a propriedade foram numerosos, entre eles, roubo de animais, saques,
além das disputas políticas acirradas. Prestes Guimarães apresenta uma lista de prisões
arbitrárias e extorsões ocorridas.
Ubaldino tinha regressado do Paraná e comandava uma coluna no município de
Palmeira. Juntou-se a Prestes Guimarães, que foi aclamado comandante das forças
revolucionárias serranas. Em Palmeira, havia ficado a tropa sob o comando de Manoel
Fagundes e Marcelino Bueno Galvão. Foram obrigados a retirar-se da Vila, seguindo o rumo
da “Fortaleza”, em virtude da chegada de uma força legalista vinda de Cruz Alta. Marcelino, à
frente de uma piquete, atacou a força legalista, sendo morto na ocasião. 250
Em fins de março de 1894, Prestes Guimarães despacha “em missão reservada, ao
estado Paraná ao então Major Leonel Maria da Rocha – bravo e distinto rio-grandense – filho
de Taquari”251 . Temos aqui o primeiro registro da participação daquele que vai se destacar nas
lutas regionais até o início do período de Vargas. Tal missão, como se constata em outros
registros, era manter contato com Gumercindo Saraiva, o grande líder dos maragatos. O
próprio Prestes Guimarães relata que, em junho, “soube pelo major Leonel Maria da Rocha,
que fora em comissão ao Paraná, desempenhando-a cabalmente, do regresso iminente do
legendário Gumercindo Saraiva e foi esperá- lo na fazenda do finado Capitão Joaquim
Fagundes dos Reis. A igual distância da cidade de Passo Fundo e da entrada do Mato
Castelhano”. 252 Escobar também refere-se ao fato e informa ainda que Prestes enviou o
mesmo major Leonel para levar- lhe recursos e prestar algum auxílio, enquanto ele “ansioso,
aguardava o valoroso caudilho”. 253

249
GUIMARÃES, Prestes. Op. cit. p. 15. Prestes Guimarães relata esses fatos e atribui a Cruz Alta uma
expressão bastante usada entre os federalistas de terra autoritária e ninho de pica-paus. p. 43
250
Idem. p. 42.
251
GUIMARÃES, Prestes. Op. cit. p. 44.
252
Idem. 50.
253
ESCOBAR, Wenceslau. Op. cit. p. 248
108
3.2.1. A chacina do Boi Preto

Um dos mais trágicos episódios da Revolução Federalista ocorreu no território de


Palmeira das Missões. A barbárie deixou marcas que foram relatadas pelos sobreviventes e
que permanecem na memória coletiva. Um dos entrevistados que morou no Capão da
Mortandade relata passagens da infância e rememora os acontecimentos contados pelos pais e
situações que vivenciou. “Ali houve aquela mortandade... e eu muitas vezes achei ossos ali...
Tinha um trilho que nós usava no mato e eu não ía sozinho. Eu tinha uma irmã e nós íamos
correndo... Prá nós parecia que tinha uma coisa atrás...” O pai e a mãe contavam a história
dos mortos no Boi Preto. “Foi de duzentos prá mais... os mortos... Contavam que o
comandante vendeu a tropa...Passaram a noite de festa... churrasco... Disseram que não
precisava de sentinelas, por isso que eles desconfiam... De madrugada, os ordenanças
encilharam os cavalos... os que tinham cargos mais elevados ainda fizeram um alerta...”254 A
idéia de que Ubaldino teria traído a tropa ressurge, freqüentemente, na memória coletiva. Os
que ocupavam melhor posição já tinham se retirado e não foram tomadas precauções,
mantendo sentinelas. Além disso, Ubaldino foi avisado por um bilhete de Prestes Guimarães
que Firmino Paula atacaria. A idéia mais aceita parece ser de que Ubaldino Machado foi, no
mínimo, displicente com a tropa.
Mozart Pereira Soares registra o fato, enriquecendo-o com o relato de descendentes
dos que sobreviveram e que tiveram uma proximidade maior do acontecimento. As obras que
tratam da Revolução de 1893 fazem referência ao fato, com pequenos aspectos discordantes,
entre eles, a imprecisão do número de mortos e data exata em que ocorreu. Soares refere o
fato como tendo ocorrido na noite de quatro para cinco de abril de 1894, Prestes Guimarães
registra a data de oito ou nove do mesmo mês, quando a tropa de Ubaldino, acampada no
local hoje denominado Capão da Mortandade, acerca de dez quilômetros do povoado de Boi
Preto, no distrito de Chapada, foi surpreendida por Firmino Paula.
Corria a notícia de que a paz seria assinada e talvez por essa razão não tivesse havido,
por parte dos maragatos, a guarda necessária, precavendo-se de possível ataque. Ubaldino fora
avisado por uma nota escrita por Prestes Guimarães, mas não deu a devida atenção ao aviso.
Muitos oficiais deixaram o acampamento em visita às famílias e os demais divertiam-se com
mulheres trazidas de Palmeira.
A tropa de Firmino Paula atacou por volta das três da manhã, estando o acampamento
totalmente sitiado. Soares registra o relato de um contemporâneo dos fatos

254
Entrevista de Vazulmiro Martins à autora, em 23/10/2001.
109
Ante a horrenda confusão que se estabeleceu, enquanto alguns caiam mortos ou feridos, outros
procuravam escapar subindo em árvores , outros ainda fugiam semi ocultos pelo mato e depois
pelo banhado de caraguatás abaixo do acampamento, enquanto mulheres gritavam e os animais
disparavam assustados. Ao clarear do dia, um dos sitiados aproximou-se da beira do capão e
agitou uma bandeira branca. O fogo então cessou. Os revolucionários foram sendo tirados em
pequenos grupos de dentro do mato e levados à presença do General. Este fazia uma rápida
triagem dos prisioneiros, antes de passá-los pelas armas. 255

A triagem consistia em perguntar a alguns, melhor trajados, se não queriam servir nas
tropas republicanas. Alguns se negavam, outros diziam até ser republicanos e que estavam
entre os maragatos, porque tinham sido presos. Firmino, após o massacre, telegrafou a Júlio
de Castilhos comunicando “ter morto 370 maragatos e aprisionado 3 carretas, 38 comblains,
222 lanças, munição, abundante armazenamento particular, além de quinhentos animais, parte
de sua propriedade”256 .
Prestes Guimarães registra também que, por felicidade, não se encontravam no local
parte dos oficiais revolucionários e suas colunas. Afirma que alguns morreram lutando, mas
“caíram prisioneiros 200 e tantos revolucionários, os quais, exceção de uns 50 dos mais
moços, foram todos paulatinamente degolados em lotes de 10 a 20, de distância em distância,
e deixando aos montões, insepultos, a beira do caminho”257 . Os corpos deveriam ficar
expostos para servir de exemplo.
Ângelo Dourado, na marcha rumo à Colônia Militar do Alto Uruguai, registra na
passagem por Palmeira: “vimos o que bem indica a que ponto chegou a ferocidade n’essa
gente dos Srs. Castilhos e José Gabriel: um monte de ossos humanos. Foram de pobres
homens que se escondiam no Capão do Boi Preto. (...) reuniram os ossos, naturalmente como
monumento da Ordem e Progresso, que escreveram como uma pungente ironia na bandeira
que impuseram ao Brasil.”258 Dourado, dentre as muitas e magoadas críticas que faz, registra
uma carta que apreenderam dirigida a Firmino Paula e assinada por um dos heroes que
assistira a matança do Boi Preto, na qual “mostrava qual o fim do patriotismo d’elles, dizia:
Dou-lhe os parabéns, nas invernadas já ha muitas mil mulas”. 259
Vários registros atestam que os prisioneiros não foram todos mortos no mesmo local e
sacrificados em grupos, ficando insepultos pelos campos, à beira da estrada da Palmeirinha,
por onde Firmino seguiu, de Boi Preto para Cruz Alta. A maioria dos autores registra que os
maragatos foram degolados, o que era uma prática comum neste período, porém, Soares

255
SOARES, Mozart P. Op. cit. p. 183.
256
Idem. p. 184. O autor informa que, na passagem pela fazenda das Brancas, de propriedade de Firmino Paula,
Ubaldino arrebanhou gado e cavalhada, que Firmino toma de volta depois do massacre do Boi Preto.
257
GUIMARÃES, Prestes A. Op. cit. p. 46
258
DOURADO, Ângelo. Op cit. p. 287.
259
Idem. p. 287.
110
insiste que, de acordo com os sobreviventes, os prisioneiros eram fuzilados depois de
amarrados. “A degola, quando acontecia, se destinava apenas aos que não morriam em pouco
tempo, em conseqüência do tiro”. Sérgio da Costa Franco também registra que, em 10 de
abril, o grosso da coluna rebelde de Ubaldino foi “virtualmente exterminada através de
sumário fuzilamento”. 260
É difícil a aceitação de tal versão, considerando ser a degola praticada como medida de
economia para poupar munição, que era escassa. Conforme Joseph Love “a degola era rápida,
silenciosa e barata”. 261
A revolução caminhava para o seu fim. Na região da Campanha, os revolucionários
sofreram inúmeros reveses. Poucos dias após a morte de Gumercindo Saraiva, ainda em
agosto de 1894, a coluna Serrana de Prestes Guimarães e a Missioneira de Dinarte Barcellos
separaram-se. Uns regressaram a Soledade e muitos oficiais emigraram para a Argentina.
Viviam um momento difícil. O comandante dos revolucionários de Cima da Serra relata a
comovente despedida dos que retornavam ao lar, sem recursos e dos que iam asilar-se em
terra estranha, também sem recursos. 262
A morte de Gumercindo significou para os revolucionários um duro golpe e o
desânimo tomou conta. Ângelo Dourado relata que, após a passagem por Cruz Alta,
buscavam o rumo da Colônia Alto Uruguai, optando pelo caminho que passava por Palmeira.
Os revolucionários viviam um momento crítico: “o fim de nossa marcha, buscando um ponto
onde nada temos que fazer”. 263 Depois de inúmeras dificuldades chegaram à Colônia Militar
do Alto Uruguai que foi tomada sem resistência, pois a maioria dos habitantes fugiram para o
mato. Descreve a miséria da Colônia e as dificuldades dos revolucionários para chegarem à
Argentina. “No dia 5 de setembro saímos do Brasil onde só pode viver quem tem armas para
lutar ou quem já se resignou a abdicar de si os predicados do homem livre”. 264
Em Palmeira, os revolucionários ainda tentam resistir, mantendo-se mobilizados até o
último momento da assinatura da paz. 265 Em meados de maio, Veríssimo transpôs o rio da
Várzea e com Pedro Bueno juntou-se a Leonel Rocha, “o heróico comandante dos
revolucionários da Palmeira”. Essa junção foi feita na “Fortaleza”, próximo à Vila de
Palmeira. As três forças unidas formaram um efetivo de 900 combatentes, porém sem
260
FRANCO, Sérgio da Costa. A guerra civil de 1893. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1993. p.80
261
LOVE, Joseph. Op. cit. p. 62.
262
GUIMARÃES, Prestes. p. 55-56.
263
DOURADO, Ângelo. Op. cit. p.287
264
Idem. p. 294.
265
Em 23 de agosto de 1895, lavra-se em Pelotas a ata final da pacificação do Rio Grande do Sul, depois de
fixadas pelo governo federal as condições aceitáveis, dentre as que eram exigidas por Joca Tavares. Entre elas, a
anistia aos rebeldes. Ver FRANCO, Sérgio da Costa. Op. cit. p. 89.
111
munição. Em Campo Novo, conseguiram algum recurso e, em 9 de junho, sitiaram Palmeira,
contando submeter pela fome os legalistas, que tinham uma guarnição de cerca de 200
homens. No entanto, uma força vinda de Cruz Alta obrigou os maragatos a recuar, acampando
a 12 quilômetros da vila, no caminho da Fortaleza, onde permaneceram até a assinatura da
paz. 266
Os revolucionários chegaram ao final do conflito sem terem conquistado os objetivos
da luta que eram a deposição de Castilhos e dos republicanos do poder, bem como a alteração
da Constituição de 14 de julho. O governo federal passou a intervir no movimento da
pacificação, devido às perdas econômicas e financeiras que a manutenção do conflito
representava. “A discussão pela imprensa e no Congresso da concessão da anistia aos
envolvidos em revoltas levava a juntar numa só questão anistia e a pacificação”. 267 Não cabe
aqui uma maior análise das condições de paz estabelecidas, mas a anistia restrita concedida
foi criticada pela imprensa da oposição.
Mesmo feita a paz, Prestes Guimarães, no final de sua obra, manifestava desconfiança.
268
“Será uma brilhante realidade a paz pactuada a 23 de agosto?” Os acontecimentos que se
sucederam mostraram que a dúvida se confirmava. As marcas deixadas pela violência do
confronto fizeram ressurgir novos levantes, principalmente porque não ocorreram mudanças
na estrutura de poder, e, pior, os republicanos enfeixaram cada ve z mais poderes, tanto em
nível estadual, como em nível municipal, obrigando os opositores ao exílio ou à resignação,
conforme veremos no próximo capítulo, na Região da Grande Palmeira.

3.3. Os caboclos vão àluta

Os relatos que vimos são, como já foi dito, a visão de participantes diretos dos
confrontos. São a expressão de sentimentos, a expressão do vivido, da forma como foi
assimilada, funcionando quase como catarse, não estando, portanto, isenta de mitificação.
Conforme Passerini, “a história não pode se lançar contra o mito mas (...) deve historicizar o
mito e seu impacto: descobrir suas origens, estudar suas trajetórias, analisar os sinais de seu
fim”. O lugar do mito é evidente na perspectiva da história do imaginário, podendo-se

266
GUIMARÃES. Prestes. Op. cit. p. 59. Este é um dos poucos registros do cerco a Palmeira. Na verdade trata-
se de uma tentativa desesperada, diante de uma situação que não oferecia alternativas.
267
MEDEIROS, Laudelino T. A pacificação da Revolução de 1893. Porto Alegre: La Salle, 1995. p. 32
268
GUIMARÃES, Prestes. Op. cit. p. 60
112
também mostrar como diferentes tipos de mitos se relacionam com contextos sócio-culturais e
institucionais, estudando as mudanças “na fronteira entre o imaginário e o real”. Pode
evidenciar o conhecimento de como gerações de seres humanos têm contribuído para criar
nossas próprias noções de realidade o que forneceria a compreensão de nossa própria cultura e
a do passado. 269
Dessa forma, o registro dos fatos, na perspectiva daqueles que participaram
diretamente dos mesmos, fornece informações que vão além da simples narrativa, mas
evidenciam sentimentos e conflitos que os documentos oficiais são incapazes de transmitir.
Mostram, sobretudo, o pensamento dominante, as construções ideológicas que motivaram
para a luta. Não podemos esquecer, nesse caso, o mito no regionalismo gaúcho, que plasmou
a figura do gaúcho forte, destemido, altaneiro, que “não foge à luta”, que enfrenta de peito
aberto as vicissitudes.
A historiografia tem buscado analisar as lutas dentro de perspectivas que contemplem
uma visão mais abrangente, buscando entendê- las dentro do contexto da formação das
estruturas socioeconômicas e das relações de poder local, regional e estadual. Essas obras
têm, de modo geral, atribuído peso significativo à formação de dois blocos de poder
antagônicos, porém, ambos pertencentes à classe dominante: latifundiários da Campanha, em
oposição ao grupo que empolgou o poder, vinculados aos grandes proprietários do Planalto. O
ideário positivista, que inspirou a ação dos republicanos, e interpretado pelo
castilhismo/borgismo conforme as conveniências, serviu, em muitos momentos, como
justificativa para o enfrentamento. Por fim, e não menos importante, emergem as questões
econômicas, relacionadas tanto com as mudanças estruturais no momento específico, vivido
pelo capitalismo, como com as medidas adotadas pelo governo e que afetam diretamente os
interesses dos segmentos envolvidos.
A seqüência de fatos narrados, anteriormente, nas obras de alguns personagens que
participaram dos mesmos, assume, em geral, a perspectiva de lutas motivadas pelo anseio de
liberdade contra um governo opressor, na busca dos ideais de justiça. É compreensível, pois,
que os discursos que estimulavam para o combate sejam impregnados de expressões
construtoras de valores mitificados nos heróis e os adversários sejam apontados com atributos
negativos. Joca Tavares, conclamando para a luta contra a administração do estado, assim se
referia: “Os inimigos da Pátria arvorados em governo legal implantaram nela o terror como

269
PASSERINI, Luiza. Mitobigrafia em história oral. Projeto História. São Paulo: v.10, dez/1993, p. 32.
113
meio de ação. (...) O Rio Grande, pátria de heróis, está convertido em terra de escravos, com
os pulsos algemados e a boca amordaçada...”270

Se havia motivações de ordem ideológica, por outro lado há consenso de que fatores
de outra ordem influíram na explosão do conflito. Sérgio da Costa Franco destaca que:

(...) segundo as justificativas da cúpula insurgente e as representações mentais dos lutadores


rebeldes, a insurreição era uma luta pela liberdade contra a opressão castilhista, pelos
princípios liberais contra o autoritarismo da Constituição de 14 de julho. Mas seria um
primarismo acolher tais conceitos na exegese histórica da Guerra Civil”. 271

Nesse estudo, interessa-nos desvelar as razões da intensa participação de Palmeira nos


confrontos, onde as facções locais eram social e economicamente distintas. Como vimos
anteriormente, desde a formação do município, as rivalidades e o confronto foram marcas
sempre presentes. Com a implantação da República, as disputas pelo controle do poder local
foram intensas, dando origem a episódios brutais de parte a parte. Nessa disputa pelo controle
político, enfrentavam-se grupos pertencentes à elite econômica, constituída pelos coronéis-
latifundiários, apoiados, uns e outros, por segmentos oriundos das classes intermediárias:
comerciantes e profissionais liberais.
É no contexto das lutas do início da República que emerge o poder do mato,
constituído por pequenos proprietários, coletores de erva- mate, posseiros, meeiros, enfim,
uma população cabocla com um modo de vida próprio, baseado no cultivo de pequenos
roçados e na extração da erva- mate nativa. Como já foi mostrado, essa população vai
engrossar as fileiras da oposição federalista, comandados pelo líder maragato Leonel Rocha.
Nos capítulos I e II, situamos a questão da terra com a devida importância, procurando
mostrar a relevância que a ocupação do solo adquiriu no estabelecimento das relações de
poder local. As questões fundiárias, que vinham se acumulando desde a Lei de Terras de
1850, adquiriram, no início da República, novos enfoques gerados pela le gislação federal e
estadual. Sintetizando, podemos destacar: a implementação do registro e transmissão de
propriedade pelo sistema Torrens, colocando na ilegalidade as propriedades que não fossem
medidas nos prazos estabelecidos; as fraudes e usurpações que eram constantes na
regularização das terras; a política de colonização que promoveu um avanço sobre as terras
públicas, reduzindo o espaço da economia de cooperação cabocla; o comércio das terras

270
Proclamação de Joca Tavares na Campanha. Apud. FRANCO, Sérgio da Costa. Júlio de Castilhos e sua
época. 4ª Ed., Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS. p. 133
271
FRANCO, Sérgio da Costa. Op. cit. p. 134.
114
através das companhias de colonização que dificultou ainda mais a regularização ou mesmo
aquisição pelos nacionais, enfim, toda série de medidas que contribuíram para a expropriação
das terras dos caboclos.
Todos esses fatores demonstram que a desestruturação do modo de vida das
populações da área da mata se manifesta na resistência cabocla ao poder constituído,
representado em nível local pelos coronéis que detinham, além do poder econômico, o
controle dos cargos e funções públicas. Daí a intensa participação, na Revolução de 1893, dos
caboclos da área denominada Fortaleza, que correspondia ao limite entre o campo e a mata,
onde hoje se localizam os municípios de Seberi, Boa Vista das Missões e Jaboticaba.

115
CAPÍTULO IV

O PODER DO MATO : REPRESENTAÇÃO E IMAGINÁRIO

Pretende-se, no presente capítulo, a reconstituição da história das formas de luta do


poder do mato, incluindo mobilização, apoios e motivações, ocorridas dentro de um contexto
adverso, perseguindo esse objetivo através da trajetória do líder maragato Leonel Rocha, que
representava, na região, as aspir ações da população cabocla.

4.1. Leonel Rocha – “o caudilho a pé”272

A reconstituição da trajetória do líder dos maragatos encontra a dificuldade própria das


situações em que se depara o historiador que busca o conhecimento da “história dos
vencidos”. A escassez das fontes, devido à busca do apagamento da memória por parte
daqueles que detinham o poder, e o fato de envolver a ação de grupos pouco afeitos ao uso da
escrita, demandam a necessidade da garimpagem de informações em múltiplas fo ntes e, a
partir delas, proceder o ordenamento, a montagem possível e as conclusões resultantes das
análises feitas. Os depoimentos orais adquirem importância, embora a distância temporal
torne as informações imprecisas, restando, sim, o levantamento das construções do imaginário
social, como importante fonte para entender como uma determinada sociedade viveu e se
constituiu num determinado momento. Assim, utilizando obras que fazem alguma referência
ao personagem, registros em processos judiciais, em jornais, correspondências oficiais e
particulares e as manifestações do imaginário, procurou-se compor um retrato da atuação de
Leonel Rocha, que liderou o movimento de resistência e luta ao poder constituído,
representado, na região, pelos coronéis republicanos, aliados e sustentáculo do
castilhismo/borgismo.

272
A expressão caudilho a pé, empregada por Mozart Pereira Soares, ao que parece, foi apropriada da
caracterização corrente e da memória popular . Teria sido usada, inicialmente, pelos adversários, com sentido
pejorativo e mais tarde adquire valor positivo. O autor afirma, em entrevista de 26/05/2002, que usa a expressão
como uma característica de distinção e por ser de uso corrente. Arthur Ferreira Filho refere-se ao caudilho
caipira, pelas características que o distinguem dos demais caudilhos, donos de terra e gado. Ver FERREIRA
FILHO, Arthur. Op. cit. p. 117; SOARES, Pereira Soares. Op. cit. p. 251.
Fonte: Álbum dos Bandoleiros. Revolução sul-riograndense: 1923. IHGRS.
Figura 3 – Foto de Leonel Rocha que possui lugar de destaque no Álbum dos
Bandoleiros. 273
Dentre o material que conseguimos reunir, um texto adquire importância por trazer as
palavras do próprio personagem. Trata-se de um artigo organizado pelo Padre João Alberto
Hickmann, publicado na Revista Estudos, em 1955, sob o título Bom Retiro do Sul. O artigo
destaca, no início, os homens ilustres do município e dentre eles ressalta a figura do caudilho

273
A designação bandoleiros usada, inicialmente, pelos legalistas com o sentido depreciativo, próprio da palavra,
foi, mais tarde, incorporada pelos federalistas com sentido de valoração positiva.
117
revolucionário Leonel Maria da Rocha, sobre o qual versará o referido ensaio. O autor
informa na introdução que procura relatar notícias sobre as campanhas de Leonel Rocha como
“ele pessoalmente as referiu em cartas a pessoa amiga de sua terra natal”. Destaca que seu
trabalho foi somente de coordenador da matéria, “citando quase sempre ipsis verbis o que o
caudilho escreveu despreocupadamente. Tendo Leonel apenas cursado aula primária o leitor
não queira reparar no estilo e fraseado”. 274
O nome da pessoa amiga não consta do texto e as buscas empreendidas para a
localização de um possível arquivo do Pe. Hickmann foram infrutíferas. 275 Dessa forma
registramos aqui algumas informações prestadas pelo autor sobre os dados biográficos e
destacamos algumas das narrativas de Leonel Rocha que contribuem para a reconstituição da
trajetória do chefe maragato. Na maior parte do texto, a narrativa está na primeira pessoa, a
partir das cartas referidas, o próprio Leonel conta suas façanhas.
Leonel Maria da Rocha nasceu em 13 de outubro de 1865, no Faxinal Silva Jorge,
distrito de Bom Retiro do Sul, município de Taquari. Seu pai tinha participado da Revolução
Farroupilha o que teria exercido influência no rumo de sua vida, pelas histórias que lhe eram
contadas pelo mesmo. Com 23 anos, transferiu residência para Palmeira e, em 1893, filiou-se
ao Partido Federalista, iniciando sua trajetória revolucionária.
Quando explode o movimento de 1893, resolveu reunir sua tropa de gado e mudar-se
para o estado do Paraná, mas, às vésperas de seguir viagem, foi avisado de planos para
eliminá- lo, juntamente com outros companheiros políticos. Decidiu, então, participar
ativamente nas lutas, apresentando-se ao chefe revolucionário local: Coronel Ubaldino
Demétrio Machado. Não parou mais, esteve envolvido em todos os movimento armados que
ocorreram até 1932.
Em entrevista ao Correio do Povo, em 1944, Leonel Rocha confirma os motivos
iniciais que o levaram à luta armada:

Eu era um homem de recursos. Residia em Palmeira, onde possuía duas léguas de campo
arrendadas. Tinha gado em quantidade: ovelhas, cavalos e outras criações. Sempre fui

274
HICKMANN, Pe. João Alberto. “Bom Retiro do Sul”. In. Revista Estudos. Revista de filosofia e cultura da
Associação de Professores Católicos do RS, Colégio Anchieta, Porto Alegre, jan/mar. 1955. p. 79-91.
275
Padre Hickmann faleceu na diocese de Santa Cruz do Sul, mas não foi possível localizar nenhum arquivo
com documentação deixada por ele, nem mesmo havia cópia de seus trabalhos. Conforme consta sobre o autor,
no texto em questão, “era um grande estudioso da História do Rio Grande do Sul. Modesto e simples,
pouquíssimo tem publicado. Entretanto, vai colhendo aqui e ali subsídios para a História”. A localização das
cartas poderia permitir outras análises. Chegamos a manter contato com algumas pessoas que o conheceram, mas
desconheciam seus estudos históricos e existência de algum arquivo. Sérgio da Costa Franco, em artigo
publicado no Correio do Povo de 03 de agosto de 1978, sob o título “O guerrilheiro Leonel Rocha” faz
referências ao ensaio do Pe. Hickmann, o que reforça a convicção de ser este um dos raros textos excritos sobre
o líder maragato.
118
federalista. Não tinha intenção de me envolver em lutas fratricidas. Mas a isso fui levado por
circunstâncias especiais, só o fazendo quando inimigos meus, conhecedores das minhas idéias,
tentaram matar-me em diversas ocasiões. Várias vezes fui avisado por pessoas amigas do
sinistro propósito. Foi por isso que tomei uma deliberação extrema: Entrei na carreira das
armas, firmemente disposto a defender o ideal de Silveira Martins, que era o meu próprio ideal.
E uma vez integrado no espírito revolucionário da época, mandei dizer aos meus adversários,
que ia dar o que fazer a todos eles.276

No mesmo ano de 1893, após tomar parte num combate em Santo Ângelo, Prestes
Guimarães que viera da Argentina, nomeia-o Major e seu ajudante de ordens. Seguindo para
Palmeira, acampam no Boi Preto, onde a tropa permanece. De acordo com suas palavras “o
general Prestes Guimarães resolveu mandar- me para o Estado do Paraná para fazer ligação
com o General Gomercindo Saraiva, que estava em Ponta Grossa”. 277 Faz um relato breve
sobre a viagem a cavalo e sobre os lugares pelos quais passou, tendo sido levado de Restinga
Seca a Ponta Grossa de trem, onde se encontrou com Gumercindo. Aí aguardou o resultado da
investida da esquadra de Custódio de Melo em Rio Grande, na qual não lograram êxito.
Gumercindo manda-o de volta para informar Prestes Guimarães. Não tece nenhum
comentário mais elucidativo do encontro com o líder maragato.
A narrativa do retorno é uma demonstração das peripécias que enfrentou em seus
longos anos de luta, em condições adversas. Escreve que, em Palmas, foram surpreendidos
pelas forças inimigas, porém “escapei milagrosamente; deixei o cavalo encilhado com bons
arreios, roupas na mala e passei pelos matos já noite, cruzei o rio Caldeiras com água pela
cintura, caminhei muito sem saber onde andava (...) fiquei com as bombachas em pedaços (...)
Caminhei toda noite e no outro dia já encontrei gente da força do Gal. Gomercindo”. 278 Ficou
aguardando contato com o General e no terceiro dia avistou-se novamente com ele, que,
satisfeito com seu desempenho, o promoveu a Tenente Coronel.
No retorno ao Rio Grande do Sul, encontrou-se-se com Prestes Guimarães e entregou-
lhe a correspondência de Saraiva. Continuou fazendo a conexão com Gumercindo, que se
encontrava no Paraná. Vencendo inúmeras dificuldades conseguiu desincumbir-se de sua
tarefa.
A morte de Gumercindo é considerada por Leonel como o “maior fracasso da
revolução de 1893. Oito mil homens, - era este o efetivo do exército, - se debandaram tão

276
Reportagem do jornal Correio do Povo sob o título: “Um homem que viveu lutando. Fez seis revoluções,
algumas no posto de general, e agora vive com os recursos de uma modesta aposentadoria – A vida caudilhesca
de Leonel Rocha”. Sadi Rafael Saadi informa que entrevistou o velho caudilho no município de José Bonifácio,
hoje Erechim. Provavelmente essa seja uma das suas últimas manifestações públicas, pois veio a falecer em
1947. Sua admiração por Gaspar Silveira Martins se manifesta no nome de um dos filhos: Silveira Martins da
Rocha. Correio do Povo de 09/05/1944. Porto Alegre.
277
HICKMANN, João. Op. cit. p. 81.
278
Idem. p. 82
119
somente por causa da morte do General Gomercindo. Os demais chefes revolucionários
perderam o tino e não se entenderam mais; foram emigrando para a Argentina. Eu voltei para
279
Palmeira, onde tinha compromisso.” Na entrevista que presta ao Correio do Povo, em
1944, expõe uma versão sobre o enterro de Gumercindo, que difere da versão corrente.
“Ainda guardo com nitidez os detalhes do combate em que pereceu o bravo revolucionário
Gomercindo Saraiva”. Relata o combate no Capão do Carovi, entre as tropas federalistas,
comandadas pelo General Dinarte Dorneles, e as tropas legalistas, em que Gumercindo foi
mortalmente ferido. Seu irmão Aparício, empenhado nas lutas corpo a corpo, custou atender
ao chamado e Gumercindo faleceu pouco tempo depois. Segundo seu relato

O corpo foi colocado numa carroça e conduzido por Aparício até uma fazenda situada no
município de São Borja, sendo ali enterrado debaixo de uma roseira. Por meio de um hábil
ardil Aparício Saraiva conseguiu enganar as forças governistas, que desejavam recolher o
cadáver de Gomercindo como prova de seu extermínio. Assim Aparício no local em que foi
sepultado um soldado de nacionalidade polonesa, que também fazia parte das forças
federalistas, colocou o arreamento, a espada e a capa pertencentes ao seu bravo irmão, o que
deu margem a que os legalistas, mais tarde, julgassem ser de Gomercindo o corpo que aí estava
enterrado. O cadáver do polaco foi retalhado na suposição de que fosse o do valoroso chefe
revolucionário.280

Afirma ainda, que seis anos depois a viúva de Gumercindo mandou buscar os restos
mortais, por intermédio de uma comissão do Estado Oriental, que ofereceu uma gratificação
de “seis contos de réis” ao dono da fazenda em que o corpo do líder maragato fora enterrado.
Como se constata, essas colocações contradizem a versão corrente de que o corpo de
Gumercindo foi violado e a cabeça enviada a Júlio de Castilhos. Seriam “sonhos ucrônicos”281
do caudilho ou versões difundidas para manter as tropas mobilizadas?
No retorno a Palmeira, conseguiu reunir um piquete com cerca de cem homens e ataca
a cidade, guarnecida com mais de quatrocentos homens. “Usei um truque estratégico. Antes
do referido ataque mandei tocar clarim à voz de avançar e todos nós gritávamos : Viva o
general Gomercindo Saraiva e o General Prestes Guimarães! Isto foi suficiente para
intimidar o inimigo que defendia a cidade”. 282
Conta sobre alguns dos ferimentos que sofreu, entre eles, nas proximidades do rio Ijuí,
“nesta ocasião eu fui ferido no rosto. A Providência me curava sem ser preciso remédio”. 283

279
HICKMANN, João A. p. 83
280
Entrevista de Leonel Rocha ao Correio Povo. O9/05/44. MCSHJC.
281
PORTELLI, Alessandro. Sonhos ucrônicos – Memórias e possíveis mundos dos trabalhadores. Projeto
História. v. 10, São Paulo: Dez. 1993. O autor trata de relatos que “não se referem à forma pela qual a história se
desenrolou, mas como ela poderia ter ocorrido. Seu campo não incide na realidade, mas na possibilidade”. p. 50.
282
HICKMANN, João Pe. Op. cit. p. 84
283
Com essa narrativa desfaz a idéia de que ele nunca tinha sido ferido. Idem. p. 84
120
Chegando em Palmeira, entrega o comando ao verdadeiro comandante, Coronel Pedro Bueno
de Quadros e emigra para a Argentina. Tinha, em Santo Tomé, o apoio de alguns amigos,
entre eles Paulino Centena e o Dr. Beltran, que foi quem extraiu a bala. Esteve durante quatro
meses na Argentina, quando foi encarregado por Prestes Guimarães, que estava preparando
nova invasão, para trazer correspondência aos Coronéis Veríssimo da Veiga, Pedro Bueno de
Quadros e Borges Vieira, de Soledade. O retorno a Palmeira, narrado pelo próprio Leonel, dá
uma idéia das condições adversas que enfretavam para sustentar a luta:

Comprei 32 armas de guerra e munições, subi o Rio Uruguai em canoas e fiz a invasão pelo
Pari. O inimigo soube que vinha vindo. Mandaram uma força, que me encontrou no Sertão e ali
brigamos umas quatro horas. Perdi dois soldados e saí ferido (pela 3°vez); no fim do combate
brigamos corpo a corpo; pegou-me fogo na roupa com um tiro; sinão fosse um rio perto, eu
morria queimado; atirei-me na água, apaguei o fogo da roupa e vim terminar o combate. O
inimigo correu, levando mortos e feridos. Nesta ocasião criei imundície no ferimento; não
havia remédio nem creolina; felizmente encontrei um pouco de mercúrio, foi com que me
curei. 284

Relata que, em Palmeira, as tropas maragatas estavam quase aniquiladas. Restava o


Coronel Pedro Bueno de Quadros, com quarenta homens e vinha corrido pela Serra e se
dirigia para a Argentina. Leonel fez junção com o grupo de Bueno, enfrentando “vários
combatezinhos, em que fomos felizes”. O maior desses combates foi com o transporte do
General Santos Filho. Com um piquete de vinte e cinco homens, conseguiu tomar as doze
carretas, armas e munição. Com isso melhoraram a situação difícil em que se encontravam, a
ponto de declarar: “ficamos ricos”. 285 A narrativa não faz referência às datas em que os fatos
ocorreram e desfazem o mito de que, na sua longa trajetória de lutas, nunca foi ferido em
combate.
Leonel Rocha ainda conta que sitiou Palmeira durante nove dias. Num reconhecimento
que fez topou com um piquete inimigo, deu voz de prisão, mas o soldado atirou e o feriu, o
que não o impediu de continuar a luta, ferindo na cabeça o seu agressor. Com a chegada de
reforço a Palmeira, tiveram de levantar o sítio, mas a revolução prosseguia com alguns
tiroteios, até assumir a presidência, segundo Leonel, “o grande Dr. Prudente de Moraes, que
conseguiu a pacificação”. Apresentou-se, então, ao “General Antônio Fontoura Mena Barreto.
Nesta ocasião eu já estava com uma coluna de mil e tantos homens. Tornei- me muito amigo
do Gal. Mena Barreto”. 286

284
HICKMANN, João Pe. Op. cit. p. 84
285
Idem. p. 85
286
Idem. ibidem.
121
Seu relato sobre a situação que se estabeleceu após a pacificação, não deixa dúvidas
quanto à permanência do clima de animosidade. “Sobrevieram perseguições que os obrigou a
revoltar-se contra as autoridades. Saíram-se mal desta revolta. Reuniram gente. As
autoridades assustadas mandaram fazer propostas que foram aceitas”. 287 No entanto, um
piquete de nove homens não quis saber do acordo, fazendo tropelias pela cidade, morrendo na
ocasião, o Tenente Coronel Valentim Duarte, das tropas legalistas, o que comprometeu a
gente de Leonel perante o General Firmino Paula. Conferenciaram durante três dias, “não
sendo aceitas as condições, por falta de confiança, Leonel Rocha emigrou para a Argentina.
Este exílio durou nove anos”. 288
Leonel afirma, que “o mesmo General Firmino de Paula, que me processou, mais
tarde, reconhecendo que eu tinha razão, mandou chamar- me na Argentina e ele mesmo foi
meu defensor”. 289
Não foram encontrados outros registros que permitissem um melhor esclarecimento
dos fatos que se seguiram à revolução, também não foi localizado o processo que julgou os
envolvidos. Contudo, os familiares entrevistados confirmam o exílio na Argentina, não
havendo precisão quanto ao período, pois, em 1902 participou de um levante em Palmeira. As
referências feitas por Prestes Guimarães e Wenceslau Escobar foram transcritas anteriormente
e se referem ao período de 1893/95, estando em consonância com as informações contidas na
monografia do Padre Hickmann.
O cruzamento de todos os registros que conseguimos reunir leva a supor que as
perseguições sofridas e a revolta que empreenderam contra as autoridades, como afirma,
ocorreram em 1902, quando morreu Valetim Modesto. Esse episódio obrigou os líderes a
emigrar e pelo qual foram processados, tendo Firmino Paula uma atitude, ao que parece,
complacente com os rebeldes, por ocasião do julgamento em 1907. Provavelmente, essa
atitude de Firmino esteja relacionada com suas desavenças com Serafim de Moura Reis, pela
disputa do poder local e regional, como veremos adiante. O exílio de nove anos de Leonel
teria ocorrido após o levante de 1902. Conforme registra Silvio Oliveira, após os
acontecimentos de setembro de 1902, iniciou um período de duras perseguições aos
federalistas, levando “a que Leonel Rocha e Affonso Honório dos Santos iniciassem uma
longa viagem em direção à Argentina, para curtir um prolongado asilo político”. 290

287
Idem. p. 86. Referência ao General legalista Antônio Adolfo da Fontoura Mena Barreto. O grande aliado de
Leonel Rocha, na Revolução de 1923, foi João Rodrigues Mena Barreto.
288
Idem. p. 86. Refere -se aqui ao levante ocorrido em 1902, que trataremos adiante.
289
Idem. p. 86
290
OLIVEIRA, Silvio. Vilinha da Palmeira. Bels. Porto Alegre: 1974. p. 37-38.
122
4.1.1. O Levante de 1902

Arthur Ferreira Filho faz um dos raros registros dos acontecimentos de 1902, 291 em
Palmeira das Missões, no qual se baseia Soares quando se refere ao movimento.Silvio
Oliveira apresenta uma crônica sob o titulo “A guerrinha da Vila Velha”, no qual acrescenta
outras informações, fruto de relatos colhidos entre descendentes de contemporâneos dos fatos
que se constituiram em memória coletiva na região.Trata-se de um acontecimento que bem
demonstra a permanência do clima de hostilidade e ressentimentos, fruto dos acontecimentos
95, onde o Massacre do Boi Preto e outros barbarismos permaneciam vivos e “neste
de 1893/
municí
pio mesmo havendo paz, os piquetes republicanos e maragatos continuavam a cortar
livremente os seus diversos quadrantes, muitas vezes em estado de beligerância, com as
naturais provocações de ambas as partes”.292
O perí
odo pós-revolucionário foi de extrema dificuldade.A situação de pobreza era
geral e os roubos às propriedades, no interior, eram freqüentes.Grupos armados “chefiados
por João Bezerra, Valentim Modesto e outros percorriam a serra do rio da Várzea, em
contínuas correrias, tolhendo a liberdade, ameaçando e amedrontando o pessoal residente
nessa zona”.293 A situação polí
tica consolida o domí
nio do PRR.Sem ter que enfrentar a
oposição, que estava totalmente desestruturada, com a maioria dos lí
deres emigrados, os
castilhistas podiam agir com total liberdade para impor sua hegemonia.294
No limiar do século XX, Palmeira das Missões apresentava-se como um núcleo
urbano com dificuldades de comunicação com os centros mais populosos, onde as notí
cias da
capital do estado chegavam, não apenas com grande atraso, mas também deturpadas,
conforme os interesses em j
ogo.Os habitantes raramente recebiam j
ornais, eram informados
pelo que se murmurava nas pequenas povoações ou nas “vendas”.Para Ferreira Filho, as
dificuldades de comunicação e a ignorância da real situação em que se encontrava a política
estadual teria favorecido o confronto.
As preocupações da I
ntendência, conforme registra Soares, estavam voltadas para a
publicação de editais visando implantar “pedágios nos rios Goyo-en, em Nonoai e no rio da

291
Arthur Ferreira Filho registra o fato em longo artigo publicado no Correio do Povo de 1960, sob o Título de
“Revolução da Palmeira”.Preferimos usar a expressão “Levante” por se tratar de um movimento de curta
duração e sem provocar alterações no contexto social e político.
292
OLIVEIRA, Silvio.Op.cit.p.35.
293
SOARES, Mozart Pereira.Op.cit.p.186-187.
294
Cabeda denuncia os abusos na qualificação dos eleitores, que na época era feita pelas Câmaras de Vereadores.
Cita alterações no livro de atas do Conselho Municipal de Palmeira pelo Conselheiro Antônio Ardenghy que
“apesar de constar que se deram providências para aqualificação, esta não se fez (. ..)”. Ver CABEDA, Rafael.
Op.cit.p.123.
123
Várzea, na estrada geral e Guarita, no Erval Seco”. Outra medida da municipalidade diz
respeito à instalação da iluminação pública e que constava de um pequeno número de
lampiões a querosene em frente à intendência e em torno da praça principal. Não havia praças
ajardinadas, nem ruas calçadas. 295
Nesse ambiente, aparentemente calmo, as notícias trazidas pelos compradores de gado
e por caixeiros viajantes intranqüilizavam a população com a ameaça de uma revolução
iminente. Conforme Ferreira Filho, esses negociantes tornavam-se boateiros pelo interesse em
realizar bons negócios. Os tropeiros alarmavam os criadores com a ameaça de novas
revoluções, para conseguir comprar o gado a preço mais baixo, e os mascates procuravam
convencer os comerciantes de que, em caso de revolução, as mercadorias, além de se
tornarem mais caras, seriam de difícil aquisição pelos riscos durante o transporte.
A circunstância de os boatos desempenharem um papel significativo no desenrolar dos
acontecimentos, conforme Dominique Julia, só se justifica porque encontrou ressonância,
porque se afirmou no “sistema de representações, profundamente enraizado na consciência
coletiva”. 296 A cada nova informação mal compreendida, que representava uma ameaça, se
estabelecia a percepção de que algo estava sendo tramado. A autora referida, citando o estudo
de Georges Lefebvre “O Grande Medo de 1789”, remete a algumas questões sobre como
funciona o rumor. Quais têm sido seus canais?E, principalmente, como o rumor se deforma
na propagação oral e como se dá a apropriação? A análise destaca a formação “de uma
297
mentalidade coletiva, na gênese das representações”, só assim pode-se entender as reações
em cadeia que uma informação pode gerar. O que motiva a ação popular é uma construção de
sentido, fundada na leitura do que foi visto ou percebido.
No caso em estudo, “a presença de uma memória popular do antagonismo” entre os
coronéis- latifundiários e os moradores da área da mata contribuiu para a potencialização do
confronto. O boato aparece como desencadeador de ações e propiciador de eventos políticos
que, no caso, contribuiu para a emergência dos antagonismos cristalizados na oposição entre
os coronéis, detentores do poder e os moradores das áreas de mata, excluídos da rede de
influência.
“Vivia, pois, uma grande parte da população camponesa, sob a angustiante ameaça de
uma revolução iminente” , nas palavras de Ferreira Filho. Alguns maragatos, sobreviventes da

295
Ver SOARES, Mozart Pereira. Op. cit. p. 192-193.
296
JULIA, Dominique. “A violência das multidões:É possível elucidar o desumano?In. Passados recompostos:
campos e canteiros da história. BOUTIER, Jean e JULIA, Dominique (Orgs.), Rio de Janeiro:Editora UFRJ:
Editora FGV, 1998. p. 224.
297
Idem. p. 222.
124
Revolução de 1893 “sentindo-se perseguidos injustamente, resolveram enfrentar à mão
armada o subintendente Serafim de Moura Reis Júnior, homem de temperamento agressivo e
intolerante”. 298
É o poder do mato levantando-se novamente, após um breve intervalo de 1895 a 1902,
período em que alguns líderes se encontravam emigrados na Argentina. Nota-se que o fato
ocorre num período de intranqüilidade nas áreas de mata, que passavam por um processo de
privatização, apossadas pelos grandes fazendeiros, sendo depois vendidas para os colonos
que, na época, voltavam-se para as matas do Alto Uruguai, como alternativa para a escassez
de áreas livres nas chamadas “colônias velhas”.
O regulamento nº. 313, de 04 de julho de 1900, estava em fase de execução e,
conforme foi analisado no capítulo anterior, a aplicação da legislação criava áreas de atrito,
por afetar a vida dos caboclos e ativar rivalidades entre os grandes proprietários, pela disputa
de maiores e melhores áreas. Não foram encontrados outros registros que expliquem com
maior clareza os motivos da rivalidade com Serafim de Moura Reis Júnior, levando a supor
que o reacender dos velhos ódios, que mobilizavam federalistas e republicanos, estivesse
relacionado com a volta dos líderes que estiveram emigrados, potencializados pelas
dificuldades que os pequenos proprietários e posseiros enfrentavam. Silvio Oliveira também
atribui peso aos boatos de que novos levantes estavam prestes a ocorrer, mas acrescenta que
fora assassinado “numa artéria central de Palmeira, por elementos tidos da situação, o cidadão
de alcunha Mamado, influente prócer do Partido Federalista”. Destaca que o fato causou mal-
estar geral, sendo acrescido de notícias de que se engendrava um golpe contra os maragatos e,
ainda, que Serafim Junior havia se deslocado para o distrito de Erval Seco, para aliciar
homens com o objetivo de concretizar a ameaça. A intensidade dos boatos levou alguns
federalistas a abandonar a sede e se reunirem aos companheiros acampados no Capão Alto, no
Potreiro Bonito. 299
Valentim Modesto, um chefete maragato, juntamente com João Bezerra e Albertino
Corrêa, mantinham grupos armados no Potreiro Bonito, a duas léguas da sede e serra do rio da
Várzea, onde realizavam tropelias e intranq üilizavam a população. De acordo com Pereira
Soares, tal procedimento já tinha exigido providências do intendente anterior, Olegário
Falcão, o que vem confirmar que o poder do mato manteve-se mobilizado, em maior ou
menor intensidade, durante o período de 1893 a 1923.

298
FERREIRA FILHO, Arthur. A Revolução da Palmeira. Artigo Correio do Povo, 1960. p. 14.
299
OLIVEIRA, Sílvio. Op. cit. p. 36.
125
Na Fortaleza, os Galvão começaram a reunir gente, unindo-se a Valentim Modesto.
Leonel Rocha juntou-se ao grupo, assim como o federalista Afonso Honório dos Santos,
advogado, que tinha o comando na sede. Reuniram cerca de meia centena de homens, para a
eventualidade de uma luta, pois havia informações de que, no povoado e no interior do
município, os companheiros sofriam perseguições de Serafim de Moura Reis Júnior.
Serafinzinho de Moura começou a reunir gente em Erval Seco, onde a família possuía
vastas propriedades. Procurou dar ao episódio proporções mais graves, conquistando, assim, o
apoio dos republicanos, que acreditaram que se tratava de um novo movimento revolucionário
e não uma atitude de desagravo as suas próprias arbitrariedades. Conseguiu reunir cerca de
trezentos homens, justificando medidas duras contra os federalistas.
Circularam notícias e boatos que aumentaram o clima de animosidade e apreensão,
levando os chefes federalistas a crerem que estava prestes a eclodir nova revolução. Afonso
Honório, que residia na vila, julgando-se inseguro, juntou-se aos companheiros no interior,
assim como Leonel Rocha, a quem foi entregue o comando por ser o mais experiente. Com
sua liderança e prestígio, conseguiu reunir forte contingente. Embora precariamente armado,
manteve-se em posição de confronto iminente.
Estes fatos ocorrem em setembro de 1902. Na sede, o coronel Augusto Sampaio,
simpatizante dos maragatos, procurava pacificar os ânimos exaltados. Afonso Honório,
retornando à sede, busca maiores informações, convencendo-se de que se tratava de uma
rebelião local e nela não estava disposto a participar. Não lhe interessava uma luta quase
pessoal e, por ser mais esclarecido e influente entre os federalistas, buscou acalmar os
correligionários, contando com o espírito conciliador do Delegado de Polícia, Fidêncio de
Melo e com o próprio Intendente Serafim de Moura Reis (pai), que procurou atuar com
equilíbrio, certo dos prejuízos que poderiam advir de uma rebelião armada.
Leonel Rocha e os dema is chefes revolucionários, acreditando que Serafinzinho, por
ser um homem rancoroso e confiante na fraqueza do adversário, dificilmente aceitaria depor
as armas e desmobilizar a tropa, resolveram, antes, dar uma demonstração de força. Os
rebeldes foram mobilizados, sendo que Leonel Rocha deveria manter-se com sua gente numa
posição de vanguarda, na proximidade da vila, aguardando o resultado das negociações
pacificadoras. No entanto, Valentim Modesto e Alberto Corrêa “não encaravam o caso no
plano estadual, mas tão somente do ponto de vista de seus rancores em relação ao
subintendente Moura”. 300

300
FERREIRA FILHO, Arthur. Artigo Correio do Povo, 1960.
126
Sílvio Oliveira faz referências a um incidente que teria desencadeado o enfrentamento
armado. “É que elementos da situação estiveram na casa de Affonso Honório dos Santos, na
cidade, desrespeitando sua esposa e seu lar”. Esse fato teria sepultado a esperada paz.
Pedrinho dos Santos e José Ferreira Brandão, à noite foram levar a notícia aos chefes
maragatos, constituindo-se na faísca que desencadeou o ataque. 301
Os rebeldes avançaram em direção à vila, sem considerar as instruções de não atacar,
desbaratando uma guarda a poucas quadras da mesma, ali postada para a defesa. Em seguida,
marcharam rumo à vila, onde ocorre um confronto violento e, sob todos os aspectos
lamentável e desnecessário, contribuindo para manter acesas as desavenças e ódios.
O piquete avançou até as proximidades da atual praça da Vila Velha, onde se
localizavam as construções mais importantes da época, casa do Intendente, do Vice, além da
Intendência e da cadeia, sendo recebidos por um contingente, numericamente superior e
fortemente armado que, num combate de extrema violência, derrotou completamente as tropas
rebeldes. Na ocasião, morreram Valentim Modesto, mais um filho e Alberto Corrêa. 302
Serafim de Moura Reis Júnior ficou gravemente ferido, tendo que amputar uma perna. A
tropa rebelde, completamente desorganizada, teve que se retirar.
Os chefes rebeldes dispersaram sua gente pelas florestas do rio da Várzea,
aproximaram-se da fronteira argentina, protegidos pela selva, esperaram que o tempo se
encarregasse de esfriar os ânimos exaltados.
A repercussão do fato chegou à capital e Borges de Medeiros enviou a Palmeira
Firmino Paula, Subchefe de Polícia, vindo de Cruz Alta, o que lhe valeu prestígio para um
avanço na sua intervenção posterior, na política do município. Em 26 de setembro, chegou a
Palmeira com vinte praças da Brigada Militar e grande número de civis armados. Não houve
qualquer enfrentamento, pois os rebeldes já estavam dispersos. Tomou uma atitude
pacificadora, convidando Afonso Honório, Leonel Rocha e seus companheiros a regressarem
à vila. No entanto, conhecedores da fama do velho comandante e receosos de novas
represálias, não atenderam ao apelo e emigraram para a Argentina.
Ferreira Filho registra que os revoltosos “voltaram mais tarde, sem que nada lhes
acontecesse” e que o inquérito policial não responsabilizou ninguém, anistiando todos os
envolvidos na luta. No entanto, notícia do Correio do Povo de 06 de janeiro de 1907 registra o

301
OLIVEIRA, Silvio. Op. cit. p. 36. O autor refere as dificuldades em precisar a data dos acontecimentos, mas
aponta a data de 05/09/1901 para o ataque final. Documentos do ABM, confirmam a data de 24/09/1902. Doc.
3357 de 22/12/1903. Carta de Serafim de Moura Reis a Borges de Medeiros. IHGRS.
302
Carta de Serafim de Moura Reis a Borges de Medeiros, faz referência ao fato quando afirma que pode manter
a ordem pública como “em 24 de setembro, quando os inimigos da República foram rechaçados e vencidos
ficando mortos na praça de Santa Cruz”. Doc. N°3357 de 22/12/1903. ABM
127
julgamento dos líderes do Levante de 1902, o que confirma terem os réus sido processados. O
júri foi realizado nos dias 19, 20 e 21 de janeiro de 1907, em Palmeira das Missões,
pertencente à Comarca de Santo Ângelo, foi presidido pelo Juiz de Cruz Alta, Dr. Augusto
Guarita. O Dr. Firmino Paula, subchefe de polícia, compareceu para manter a ordem e agir, se
necessário.
A notícia registra que chegara ao município para “defender os denunciados Affonso
Honório dos Santos, Leonel Maria da Rocha e outros implicados no célebre processo político
que perturbou a Palmeira durante o tempo em que exercia o cargo de intendente o coronel
Serafim de Moura Reis, o Dr. Roberto Cunha, medico e advogado, residente em Passo
Fundo”. O colunista destaca que o júri despertou a atenção por se tratar de um processo
importante e porque o defensor era um “orador de ilustração reconhecida”, havendo grande
movimentação na Vila, afluindo para a mesma grande número de pessoas vindas, até mesmo,
de municípios vizinhos. Informa que “os réus do célebre processo não se apresentaram e a
sessão se passou sem maior incidente”. Destaca que todos os réus foram absolvidos. 303
Ferreira Filho registra que 21 anos mais tarde, na Revolução de 1923, “Palmeira foi
atacada por considerável força revolucionária, à frente da qual, como chefes se destacavam,
precisamente os dois inimigos da luta municipal”, Leonel Rocha e Serafinzinho Moura, o que
é um equívoco, conforme esclarece Mozart Pereira Soares, pois há quatro Serafins que se
destacaram na história local. Tratava-se de Serafim de Moura Assis, que a família distinguia
com os apelidos de Finzinho ou Finzito. Este sim militaria em “dois campos opostos: em
1923, ao lado de Leonel Rocha, atacaria Palmeira, defendida por Vazulmiro Dutra;cerca de
dez anos mais tarde, em 1932, seria o comandante escolhido por Vazulmiro para levar o
célebre Pé-no-chão aos campos de batalha de São Paulo.”304 Quanto a Serafim de Moura Reis
Júnior, às vésperas da Revolução de 1923, sem condições de lutar, pois tinha sofrido a
amputação de uma perna em 1902, afastou-se do cenário das lutas, indo para Cruz Alta e
depois para a Argentina, onde veio a falecer em 1925. É importante destacar, no entanto, que
o Inquérito Policial que investigou os envolvidos na Revolução de 23 aponta Serafim de
Moura Reis Júnior como um dos líderes, informando sobre documentos enviados por ele, de
São Paulo, aos revolucionários. 305

303
A mesma notícia destaca que o Juiz nomeou ex-officio o advogado Dr. Roberto Cunha, para defender vários
réus, processados por crimes diversos. Ressalta que o ardente e talentoso orador conseguiu, em três dias,
defender 14 réus em 12 processos, tendo conseguido absolvição unânime de todos os seus constituintes.
304
SOARES, Mozart Pereira. Op. cit. p.196.
305
Processo 1588, de 23/04/1923. APRS. Aponta entre os principais líderes do “movimento sedicioso”: Leonel
Rocha, Serafim de Moura Reis Junior, Serafim de Moura Assis e Onofre da Silveira.
128
O Levante de 1902 insere-se no contexto das lutas coronelistas, pondo em confronto as
mesmas forças que se digladiam durante todo o período da República Velha, demonstrando
que o confronto poder do campo e poder do mato se mantém latente, emergindo em
momentos específicos. Não dispomos de muitos elementos para uma análise mais detalhada
dos fatos306 , mas a relação pode ser estabelecida, considerando alguns aspectos. Dentre eles,
destacamos a presença dos coronéis que aparecem relacionados aos acontecimentos de
1893/95 e 1923. A atuação de Borges de Medeiros foi imediata, no sentido de colocar em
ação “o velho guerreiro que ficara famoso na Revolução de 1893”, 307 Firmino Paula que vem
acompanhado do coronel Josino Eleuthério dos Santos, que também estivera envolvido nos
fatos que antecederam a Revolução de 93, em Palmeira, por ser genro de Evaristo Teixeira do
Amaral.
Quanto ao nome dos rebeldes envolvidos no conflito, são oriundos do espaço que
identificava o poder do mato: serra do rio da Várzea, Fortaleza, Potreiro Bonito, onde havia a
presença de áreas de ervais e mata. Félix destaca que a oposição maragata sempre teve no
município um reduto certo, articulando-se, freqüentemente, através das lideranças da sede e
do interior. 308 Por outro lado, a família Moura Reis era proprietária de vasta área na região do
Erval Seco, onde mantinha seus interesses econômicos, inclusive com engenho de erva-mate e
domínio de vastas áreas de ervais privatizados, afetando os interesses da economia cabocla. A
constituição dos grupos de parentela, para defender interesses próprios, era um procedimento
comum nas lutas entre as facções, as quais eram ampliadas pela cooptação de outros setores,
que se identificavam com as facções políticas, federalistas ou republicanos.
Afonso Honório dos Santos e Leonel Rocha mantiveram-se coerentes com suas
posições assumidas em 1893, o primeiro liderava a aglutinação de apoio na sede, e o segundo,
chefiava a constituição das tropas.
A luta apresenta um duplo aspecto: estava relacionada ao contexto das lutas
coronelistas pela disputa de prestígio e poder local e, por outro lado, tinha o caráter de luta
política de significado social forte, relacionada à privatização da terra, com a conseqüente
exclusão do segmento menos favorecido. De acordo com Félix, “a situação de luta local

306
FERREIRA FILHO, Arthur, destaca que a reconstituição só foi possível pelas informações publicadas na
época pelo jornal A Federação, Correio do Povo e informes de Vazulmiro Dutra. A tentativa em localizar o
processo judicial, ou mesmo o inquérito policial, revelou-se infrutífera, o que viria certamente, acrescentar
outros elementos para uma análise mais rica.
307
Idem.
308
FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit. p. 116
129
tomou maior relevo, pelo fato de que nem sempre o coronel tinha hegemonia sobre todo
município. Havia disputa entre os representantes do poder local também ao nível distrital”. 309
Assiste-se, no contexto das lutas, aquilo que Cintra denomina “de relação piramidal de
poder”, 310 e em que se observa Firmino Paula “pairando acima” da política local, podendo
intervir como representante oficial, por delegação expressa no cargo de subchefe de polícia, e
também pelo respeito ou ‘temor’que impusera nos embates de 1893, submetendo outros
coronéis que, por sua vez, dominavam outros setores.
Destaca-se, outrossim, o contexto em que está inserida a rebelião maragata, que ocorre
simultaneamente à implementação da nova Lei de Terras de 1899, do governo estadual,
regulamentada em 04 de julho de 1900, pelo decreto nº. 313, que atingia de várias formas o
interesse dos moradores das áreas florestais, que acabavam engrossando as fileiras das lutas
coronelistas, empreendidas pelos chefetes locais. Sobretudo, o decreto n° 607, de 27 de março
de 1902, que regulamentava a exploração e conservação dos ervais de domínio do Estado
atingiam os interesses dos caboclos das áreas dos ervais. Martini destaca que

Os federalistas que viviam no complexo da economia extrativa, sob forte competição do


produto argentino, perdendo mercado externo e interno, ameaçados pelas atribulações da
legislação florestal republicana, regulamentação da exploração da erva-mate, além das
verificações de legitimidade, regularização das terras e política fiscal restritiva do comércio na
fronteira, atacaram Palmeira das Missões, por volta de 22 de setembro. Ou seja, apenas seis
meses depois do decreto de 27/03/1902, número 607, reiterar as disposições sobre a exploração
e conservação dos ervais.311

Esse decreto estabelecia que a exploração dos ervais existentes em terras devolutas
não seria feita pelo estado, mas sim por particulares, mediante arrendamento em concorrência
pública, ficando proibida a qualquer outra pessoa explorar os ervais de domínio público. 312
Muitos dos caboclos itinerantes que viviam no complexo da economia ervateira não
postulavam o arrendamento, isso era feito por grandes proprietários que se instalaram e
ampliaram suas terras. Dentre eles, destaca-se a família Moura Reis.
Outras disposições do regulamento dificultavam a vida dos extratores de erva- mate,
como a proibição de fazer roças nas áreas dos erva is, conforme artigo 10º e a construção de
habitações permanentes nessas áreas, artigo 11°. Proibia a derrubada de árvores de qualquer
espécie, exceção feita àquelas necessárias à instalação da exploração, assim como havia a
proibição da poda da erva- mate, respeitando o prazo de 3 anos, entre uma poda e outra.

309
Ver FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit. p. 116.
310
CINTRA, Antônio Octávio. Op. cit. p. 85.
311
MARTINI, Maria Luiza. Op. cit. p. 323.
312
Artigos 3º e 5° do Regulamento para exploração e conservação dos ervais. Gazeta do Fôro, Ano 1. julho de
1902. MCSHJC.
130
Enfim, as disposições visavam à preservação dos ervais, que, no entanto, atingia às
necessidades imediatas dos extratores de erva- mate. A proibição do corte da madeira dentro
da faixa de servidão pública determinou a criação do imposto sobre o fornecimento de lenha a
313
estradas de ferro e o arrendamento de ervais por grandes ervateiros.
A regulamentação da atividade ervateira e as leis de terra favoreceram a emergência de
conflitos. “A Revolução da Palmeira realizou-se, nesse contexto, pelos focos armados
guerrilheiros, que não foram desarticulados depois de 1893”. 314 Os conflitos não eram uma
realidade apenas em Palmeira. Martini cita documentação da Intendência de Passo Fundo, em
que os posseiros queixavam-se de problemas com arrendatários dos ervais, havendo
divergências na interpretação do regulamento 313, de 04 de julho de 1900 e o regulamento de
1902, com referência à exploração dos ervais. O intendente de Passo Fundo coloca-se como
intermediário no esclarecimento das divergências. Em Palmeira, os posseiros não tinham a
quem recorrer, pois a exploração dos ervais e o exercício do poder estavam nas mãos das
mesmas pessoas.
As preocupações do Intendente palmeirense, Serafim de Moura Reis, com os rebeldes
continuaram após o levante. Correspondência enviada a Borges de Medeiros, em 18 de março
1903, informa que os maragatos que emigraram faziam intenso contrabando no sertão do
Uruguai, “através da barra do Pepery Guassu desembarcando no território argentino, seguindo
dali estrada até o Paraguay cujo caminho (...) foi aberto pelos maragatos, por onde recolhiam
elementos bélicos obtidos no estrangeiro, evadiam este estado e imigravam quando lhes
convinha...” Denunciava que através desse caminho maragato, por onde emigrara Leonel
Rocha, os revolucionários e os contrabandistas em geral, em vez de utilizarem o porto legal,
situado na Colônia Militar do Alto Uruguai, faziam o contrabando de mercadorias para o
comércio, pagas com produtos do município. 315
Constata-se, assim, a manutenção dos vínculos de comunicação dos maragatos
emigrados em Santo Thomé com os seus aliados no Brasil, estando “aquela zona Argentina
povoada por revolucionários brasileiros”, conforme denuncia o intendente. 316
A resistência dos caboclos continuou após a rebelião de 1902, e a correspondência do
intendente é esclarecedora da situação. Em longa carta enviada a Borges de Medeiros, 22 de
dezembro de 1903, por Serafim de Moura Reis, é possível detectar as contradições entre a

313
MARTINI, Maria Luiza. Op. cit p. 323.
314
MARTINI, Maria Lu iza. Op. cit. p. 323.
315
Ofício nº 52 de Serafim de Moura Reis para Borges de Medeiros. 18/03/1903. Apud. MARTINI, Maria Luiza.
Op. cit. p. 324
316
Idem. p. 325.
131
situação de paz que afirmava existir e a realidade do município. Comunica que a Guarda
Municipal encontra-se organizada, sendo desnecessária a permanência da Brigada Militar,
uma vez que o município se encontrava “em plena paz”. Justifica a solicitação, afirmando que
pode manter a ordem pública como em 24 de setembro, quando os rebeldes atacaram a sede e
Valentim Modesto foi morto. Informa que Afonso e Leonel continuam emigrados e que estão
processados. Queixa-se dos falsos republicanos e dos negociantes que “procuram com afinco
perturbar as obras da minha administração sem a mínima razão (...) Nenhum dos sete ou oito
negociantes estava presente à defesa da Villa na ocasião do assalto”. 317
A persistência do clima de tensão manifesta-se em outros documentos. Em 1904,
informa que o comandante da Brigada Militar solicitou a devolução das armas do estado, mas
que as mesmas foram distribuídas aos republicanos por ocasião do confronto de 1902. Solicita
que “permaneçam com os companheiros como garantia de alguma defesa”, solicita também
munição para os “prestigiosos companheiros”. 318 Em carta, do mês de maio do mesmo ano,
faz registros de violência em Nonoai onde “o maragatedo criminoso continua a viver
francamente naquele Distrito” , onde foi assassinado barbaramente o cabo que comandava a
força municipal. 319 Vê-se que o intendente, ao mesmo tempo que reafirma a existência de um
clima de completa paz, considera importante manter os companheiros armados.
A documentação mostra atritos no interior do partido e uma oposição sutil de alguns
setores, mas, sobretudo, desvenda um dos questionamentos colocados na proposta de pesquisa
sobre as bases de apoio e sustentação do grupo rebelde, que, de acordo com o intendente, viria
dos comerciantes. Estes faziam, aparentemente, um jogo duplo, diziam-se republicanos, mas
sigilosamente apoiavam os maragatos. Conforme o Intendente, os negociantes

conservão como seus bons fregueses vendendo a prazos a eles maragatos criminosos (...)
revelando-lhes sempre os nossos planos, como fez Antonio Ardenghi que mandou vir de Porto
Alegre uma arma de repetição com muita munição que entregou ao celebre Domingos Galvão e
consta ser presente delle, com a qual naturalmente nos tiroteou no dia do assalto, o que ficou
provado pelas investigações abertas pelo sub-chefe, que deu em resultado a pronuncia do
referido Domingos Galvão. 320

A correspondência do Intendente, além da contradição já apontada, permite desvelar


vários aspectos da política local, num período particularmente tenso, devido aos conflitos
ocorridos e às relações entre os chefes locais com as lideranças regionais.

317
ABM. Doc.nº 3357, de 22/12/1903.
318
Doc. Nº3358, de 03/01/1904. ABM, IHGRS.
319
Doc. Nº 3359, de 24/05/1904. ABM, IHGRS.
320
Idem.
132
1º- A continuação de focos de resistência dos maragatos, que representavam, nesse
caso, a resistência cabocla, que mesmo com líderes mortos ou exilados, continuava mantendo
o poder constituído em alerta.
2º- As disputas internas pelo poder entre os republicanos locais, onde se detectam
rivalidades e desconfianças recíprocas.
3º- O enfraquecimento do poder local em favor do fortalecimento da intervenção do
poder estadual, observada na disputa pela manutenção da Guarda Municipal, organizada pelo
intendente e a solicitação da retirada da Brigada Militar, pois sua permanência
“desmoralizava” o intendente em exercício, de acordo com suas palavras.
4º- Elucida as formas de apoio que o poder do mato recebia dos setores urbanos, neste
caso, dos comerciantes locais, que, de modo discreto, apoiavam a resistência maragata.
Todas as constatações parecem fundamentais para a análise do clima de belicosidade
que marcou o período. O primeiro aspecto que fica evidenciado é o de que o poder do mato
tinha sua base de sustentação entre os habitantes das áreas florestais, em razão das medidas
adotadas pelo governo, traduzidas em leis e regulamentos, que quase sempre contribuíam para
marginalizar os nacionais que ocupavam áreas sem os devidos registros de posse. Essa
questão já foi devidamente analisada no Capítulo II, assim, cabe aqui, somente o registro de
medidas adotadas no período e seus vínculos com as relações de poder em nível local,
regional e estadual.
O governo estadual criava aparatos específicos para reprimir os caboclos, tentando
evitar o envolvimento da Intendência com o conflito. Em 10 de março de 1904, criou uma
polícia florestal para fazer cumprir os códigos e enfrentar a resistência cabocla 321 . Kliemann
destaca que, a partir de 1907, há um aumento da corrente migratória para o Alto Uruguai o
que gerou, além da invasão de terras particulares, a intrusão em áreas do estado, da União ou
áreas indígenas. 322 Essa intrusão, em muitos casos, teve a participação do estado ao
determinar medidas de compensação a colonos nacionais e estrangeiros, que tiveram anuladas
as sentenças de legitimação, recebendo terras em outras regiões. As áreas da União foram,
muitas vezes, usadas para resolver problemas de indenização e, quando surgiam questões, o
governo estadual se omitia, e as pessoas eram obrigadas a buscar novas terras aparentemente
desocupadas.
Apesar da falta de uma política que integrasse os nacionais de modo efetivo à
ocupação do solo, os caboclos resistiram na floresta, mantendo seus vínculos comunitários e

321
MARTINI, Maria Luiza. Op. cit. p. .325.
322
Ver KLIEMANN, Luiza. Op. cit. p. 122.
133
reorganizando-se militarmente, sob o comando de Leonel Rocha, quando os setores
dominantes chegaram novamente ao rompimento em 1922.
Contudo, a questão conflitante do domínio das áreas de mata não pode ser vista
isoladamente e só adquire relevo, quando confrontada com o exercício da dominação política,
na qual as disputas pelo poder em nível local impulsionaram enfrentamentos entre o poder do
mato e o poder do campo.

4.2. Coronéi
s& coronéi
s

As lutas coronelistas estimularam ou arrefeceram os conflitos conforme os interesses


em jogo. Segundo Loiva Otero Félix, o ano de 1903 começou a apresentar sinais de crise
interna e luta pelo poder dentro do diretório do partido republicano, espaço de disputa dos
coronéis palmeirenses. 323 A correspondência do Intendente, enviada a Borges de Medeiros,
mostra os setores de atrito. Cartas de Serafim de Moura Reis a Firmino Paula e Borges de
Medeiros solicitam a saída do delegado, sob a acusação do exercício de arbitrariedades324 .
Noutra solicita a retirada da Brigada Militar, mas a resposta de Firmino é curta e direta,
dizendo que não pode atender. 325 Fica evidente na documentação a rivalidade entre o
Intendente e o subchefe de polícia. Serafim de Moura Reis dirige-se a Borges de Medeiros em
longa carta, datada de 22 de dezembro de 1903, já citada, fazendo uma exposição da situação
do município.
Constata-se que estava ocorrendo o esvaziamento do poder local. “Firmino era o
instrumento de Borges de Medeiros para diminuir a força política e o prestígio do coronel
Serafim de Moura Reis”. 326 Firmino se impunha como líder regional, enquanto declinava a
força política do intendente palmeirense. Nesse sentido, a correspondência trocada pelo
intendente com Borges de Medeiros mostra a preocupação com a presença da Brigada Militar,
pois essa representava um limite a sua atuação. Em longo arrazoado justifica a solicitação da
saída da Brigada Militar, pois sua “permanência desmoraliza o partido”. 327
A documentação traz à tona as disputas internas do Partido Republicano. Serafim de
Moura Reis queixa-se de seus correligionários “que procuram com afinco perturbar as obras

323
FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit. p.117.
324
Carta de Serafim de Moura Reis para Firmino de Paula. Solicita a demissão do delegado Inerio Dutra. Doc.
Nº 3356/1 de 03/11/1903. ABM./ IHGRS.
325
Idem . Solicita a retirada da B.M. Doc. nº 3356/2. ABM. IHGRS.
326
FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit. p. 118.
327
Doc. Nº 3357, de 22/12/1903. ABM. IHGRS
134
de minha administração, (...) como procederam com meus antecessores Olegário Falcão e
Fernando W estphalen”. 328
A realização das eleições, em 1904, traz outro ingrediente às já tensas relações
políticas no município. Em 24 de maio de 1904, Serafim informa a Borges de Medeiros que
está de “relações cortadas com Firmino Paula”. Expõe as rivalidades com os correligionários
Olegário Falcão e Coronel Josino, chegando mesmo a sugerir: “Vossa Excelência como tem
329
tino político há de evitar o pleito na eleição municipal que trará desgastes para todos”.
Essa época, conforme Félix, é um momento de “cristalização do poder estadual,
perfeitamente ajustado às bases locais”. 330 Traduzia-se na ação dos subchefes de polícia como
elementos ‘pontes’, fazendo a ligação entre o poder dos coronéis, filtrados pelos subchefes, e
o poder do governo. Assim, em linhas gerais, “vemos os coronéis cooptados pelo governo e
integrados ao partido, em relativa harmonia com o poder estadual, embora com a diminuição
da autonomia municipal”. 331 Contudo, destaca que há variantes no grau de adesão, como é o
caso de Palmeira, onde a luta coronelista sempre foi maior.
As disputas políticas de 1904 tornam visíveis a rivalidade política no seio do partido
republicano, exigindo do governo estadual uma maior atuação no sentido de fazer valer sua
autoridade. Serafim de Moura Reis indicara para seu sucessor o Coronel Josino Eleuthério dos
Santos, e esse procedimento estava em discordância com o candidato do governo estadual que
era Júlio Pereira dos Santos. 332
Félix afirma que o encaminhamento político do borgismo no sentido de buscar a
cooptação dos coronéis serranos foi, em geral, mais fácil quando era menor o número de
coronéis, com o predomínio de apenas um coronel no município. “No caso de Palmeira deu-se
o contrário. Ali a luta coronelista sempre foi maior. A extensão territorial do município e a
diversificação da produção econômica sobretudo erva- mate/pecuária (...) facilitaram a
proliferação de lideranças distritais que disputavam entre si o prestígio ao nível municipal”. 333
No caso das eleições de 1904, fica clara a atuação do governo estadual, no sentido do
uso da coerção, como forma de superar o enfrentamento entre poder local e poder estadual,
considerando a impossibilidade de resolver o problema através da cooptação. Assim, o
Intendente denuncia a exclusão de eleitores, fraudes eleitorais, títulos em branco, telegramas
328
Idem.
329
Doc. nº3359 de 24/05/1904. ABM. IHGRS.
330
FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit. p. 108.
331
Idem. p. 109.
332
SOARES, Mozart Pereira. Op. cit. p. 197. Informa que Júlio de Castilhos, antes de sua morte, induzira “ a
vinda a Palmeira de seu amigo e correligionário em quem depositava a melhor confiança e a quem almejava ver
governando o tumultuado município”
333
FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit. p. 119.
135
que estão sendo impedidos de envio, enfim, solicita medidas de ordem para que votem apenas
os eleitores cadastrados no último alistamento estadual. 334
A eleição transcorre num clima tenso, com a evidente atuação de Firmino Paula,
garantindo a eleição de Júlio Pereira dos Santos. “Com tal resultado ficou provado à força, o
predomínio do general Firmino sobre os coronéis locais” como também “a legitimação do
PRR sem um lastro de aceitação maior, o que nos explica por que Palmeira teve sempre, ao
longo da República Velha, um oposição política mais tenaz”. 335
Eleito Júlio Pereira dos Santos, o município passa por um período de aparente calma,
estando os coronéis sob controle e o poder do mato sem condições de mobilização devido à
ausência das lideranças que estavam exiladas desde o Levante de 1902. Não se encontram
registros da época em que Leonel Rocha e Afonso Honório retornam da Argentina, mas sua
atuação ressurge nas eleições de 1915.
A administração de Júlio Pereira dos Santos, de acordo com Mozart Pereira Soares, foi
“operosa”, destacando-se a construção de pontes, melhoria de estradas, saneamento das
finanças municipais. Isso possibilitou investimentos em obras públicas, como o
estabelecimento de linhas telegráficas, entre outras medidas. Seu governo se estende até 1911,
quando veio a falecer, no final do 2º mandato, sendo sucedido por Vicente Machado da Silva,
presidente do Conselho Municipal, completando o mandato e sendo reeleito para o período de
1912-1916, contando com o apoio de Firmino Paula, que nesse tempo era decisivo.
Realizou um governo modesto e, aparentemente pacato, embora a correspondência a
Borges de Medeiros registre já, em 1913, que as animosidades continuam presentes entre os
coronéis locais. Josino Eleuthério dos Santos informa que “a política deste município está em
completa anarchia há muito tempo e actualmente em absoluto abandono”. Registra que o
partido está “completamente desorganizado (...) a administração municipal, nula pela
incompetência, polícia judiciária infame pela sua conduta...” No entanto, todos continuam
fiéis a Borges de Medeiros, achando necessária sua interferência. 336
No ano de 1915, acentuam-se as divergências, o clima pré-eleitoral começa a mostrar
rachas entre os republicanos e observa-se o enfraquecimento do prestígio do General Firmino
na região e a absoluta obediência a Borges de Medeiros. Um dos emissários do grupo
dissidente afirma “General Firmino aqui não tem partido, o partido é de Vossa excelência”. 337

334
Doc. nº 3363 de 04/08/1904. Carta de Serafim de Moura Reis a Borges de Medeiros. ABM/IHGRS.
335
FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit. p. 121.
336
Carta de Josino Eleuthério dos Santos a Borges de Medeiros. Doc. nº 3372 de 28/09/1913. ABM/IHGRS
337
Carta de Valentim Aragon para Borges de Medeiros. Doc. nº 3337 de 18/04/1915. ABM/IHGRS
136
A sucessão de Vicente Machado apresenta-se como um dos pleitos mais disputados,
diferenciando-se dos anteriores, tanto pela atuação intensa dos dissidentes, como pelo
crescimento da oposição, chegando os federalistas a apresentar um candidato, Urbano
Bellegard de Meneses, professor em Campo Novo, que gozava de amplo prestígio. Isso
demonstra uma nova forma de atuação dos maragatos, liderados por Leonel Rocha e Afonso
Honório.
Os republicanos, que continuavam com sua velha disputa interna, apresentaram dois
candidatos: o Major Mario Mello, apoiado por Firmino Paula e uma ala renovadora do partido
apresentou como candidato Frederico Westphalen. Nessa época, o município contava com a
publicação do jornal “A Palmeira”, que se apresentava como um órgão sem filiação partidária,
mas, no entanto, fazia combate à liderança de Firmino Paula e isso permite, a partir de alguns
exemplares enviados a Borges de Medeiros, dimensionar o grau de rivalidade entre os grupos
envolvidos.
A facção que apoiava o escolhido de Firmino Paula, oficialmente afastado, porém
atuando nos bastidores, recebeu o apelido de “Casco Velho” e a ala que se apresentava como
renovadora foi denominada “Bloquinho”. 338 A disputa foi intensa desde o período de
composição das chapas, conforme revela a correspondência enviada a Borges de Medeiros, a
ponto de ser necessário um reforço na segurança, com a presença do Subchefe de Polícia
Cavalheiro do Amaral e, durante o pleito, a vinda do próprio Chefe de Polícia Coronel Carlos
Pacheco. Mesmo com todas as precauções tomadas, graves irregularidades aconteceram.
Mozart P. Soares registra que:

Durante uma breve ausência do Presidente da mesa, Major Alfredo Westphalen, ocorrida na
segunda noite da votação, acrescentaram-se fraudulentamente duzentas cédulas em favor do
candidato do firminismo, Mario Melo. Após violenta discussão, ficou estabelecido que se
prosseguiria na votação e posteriormente se ingressaria com recurso cabível. 339

A documentação sobre essas eleições é farta e as fraudes são confirmadas nas cartas
do Intendente Vicente Machado e do próprio subchefe chefe de polícia Carlos Pacheco de
Castro. Outro destaque é a votação do candidato federalista, Urbano B. Menezes, que apesar
das fraudes recebeu 804 votos, contra 828 votos de Mário Melo e 1102 de Frederico
Westphalen. Os federalistas elegeram três conselheiros, que poderiam se aliar aos dissidentes
e obter a maioria.

338
Do “Bloquinho” faziam parte os nomes de vários cidadãos que se destacam na política local no período
posterior, entre eles: Frederico Westphalen, Ramão Luciano de Souza (Coronel Bicaco), Serafim de Moura Reis
Júnior, Alfredo e Cândido Westphalen, Zózimo de Oliveira, Jayme Borges, Francisco Ferreira Martins.
339
SOARES, Mozart Pereira. Op. cit. p. 203.
137
Diante da grave situação política, o governo resolveu intervir no município nomeando
para Intendente o Chefe de Polícia, coronel Carlos Pacheco de Castro. Frederico Westphalen
perdia o cargo de Intendente, mas era nomeado Chefe da Comissão de Terras do
Município 340 , evitando-se, assim, reações de descontentamento. Com a intervenção, também
os federalistas seriam mantidos sob controle.
Em 1918, procederam-se eleições para o Conselho Municipal, buscando normalizar
politicamente o município, cabendo a Antonio Azambuja Villanova governar até terminar o
agitado quatriênio.
Cabe destacar que essas disputas pelo poder inscrevem-se no quadro das lutas
coronelistas, motivadas pela “atomização política” dentro do partido, porque, como já foi dito,
não havia o predomínio de um único coronel, mas de alguns coronéis, representantes
máximos do poder no seu distrito, a lutar pelo mando político na sede ou no município todo,
através da intendência ou da participação no Conselho Municipal. 341
As eleições para o período de 1920-1924, novamente dão uma idéia das disputas
internas, agravadas pela atuação do Partido Federalista, que crescia em importância, desde
1916, constituindo-se numa nova força, que não podia ser subestimada. Villanova tinha se
apresentado como candidato, mas a executiva do partido, como se tratava de reeleição, temia
que ele não atingisse os 2/3 dos votos e indica Hildebrando Westphalen. 342 Considerando o
crescimento do Partido Federalista e as divisões internas, Westphalen coloca sua candidatura
nas mãos de Borges de Medeiros, que aceita a renúncia e indica Adolfo Teixeira do Amaral.
As eleições de agosto de 1920 confirmam a vitória do indicado. Os federalistas elegem dois
dos sete membros do Conselho, Hildebrando é eleito Presidente e Vazulmiro Dutra, aparece
aqui, no início de sua carreira. O Conselho é empossado em 20/10/1920 tendo que enfrentar o
período convulsionado pelos fatos relacionados com a Revolução de 1923. Sintetizamos a
situação de conflito nas relações de poder, nas palavras de Félix:

O fundamental é termos presente a força do coronelismo em Palmeira, produto do atraso geral


em que vivia o município somado a uma grande extensão territorial que dificultava medidas
efetivas de superá-lo. Tal atraso histórico permitiu que se desenvolvessem em redutos isolados
identificados em geral com os distritos longe da sede focos de poder dos coronéis que, ao se
reunirem na sede, disputavam o poder. Por outro lado, temos a evidência de um poder estadual
forte, consciente da necessidade de manter um dos maiores municípios do estado (em extensão
territorial) sob controle do PRR, quando exatamente proliferavam lá não só o domínio dos
potentados locais, mas também o da oposição maragata, sede do líder federalista Leonel Rocha,

340
Carta de Frederico Westphalen a Borges de Medeiros agradece o cargo concedido. Doc. Nº 3397 de
25/12/1916.
341
FÉLIX, Loiva Otero, Op. cit. p. 125
342
Carta da Comissão Executiva do PRR de Palmeira das Missões para Borges de Medeiros. Doc.3424 de
12/03/1920. ABM/IHGRS.
138
possuidor de forte contingente eleitoral entre os marginalizados do poder oficial, os pequenos
lavradores, chacareiros e ervateiros.343

O período intermediário entre as duas grandes conflagrações que marcaram a


República Velha, 1893 e 1923, teve em Palmeira, além do levante de 1902, uma permanente
instabilidade que, quando não se manifestava em lutas armadas, era pródiga em disputas
políticas pelo controle do poder local que se dava dentro do Partido Republicano, onde as
dissidências foram constantes. A oposição federalista esteve ativa em todo período, ora
levantando-se como poder do mato em momentos específicos de mobilização armada, ora
unindo-se à dissidência republicana nos embates eleitorais.

Fonte: Álbum dos Bandoleiros. Op. cit. IHGRS


Figura 4 – Leonel Rocha, ao centro, na galeria dos bandoleiros.

343
FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit. p. 126-127.
139
4.3. Palmeira na Revolução de 1923

As lutas coronelistas, como vimos, se manifestaram em animosidades e rixas políticas,


durante todo período da República Velha, mantendo acesos os ódios que explodem em novo
confronto armado em 1923. A oposição não conseguiu se organizar, para fazer frente ao
grupo no poder, estando seus líderes exilados durante o período que se seguiu ao confronto de
1902. A partir de 1915, constata-se uma tentativa de articulação dos federalistas pelas vias
legais, participando das eleições. A ata do Conselho Municipal de 17 de julho 1916, que
estudou e aprovou a lei eleitoral registra a presença de Leonel Rocha, 344 entre outros
federalistas e, nas eleições posteriores, conseguiram eleger alguns membros, que embora em
minoria, criaram um clima de apreensão, podendo sempre aliar-se às dissidências do PRR.
A violência na Revolução de 1893 e no levante de 1902 deixou profundos
ressentimentos, que associados aos novos problemas políticos na disputa das eleições locais,
acirraram os ânimos, contribuindo para que Palmeira estivesse entre os primeiros municípios
a se levantar em armas, contra a posse de Borges de Medeiros, alegando irregularidades e
exigindo a reformulação da Constituição Estadual.
Contudo, seria simplificar os fatos admitir que esse fator seria o fundamento da
participação nas lutas e, em Palmeira, alguns documentos são particularmente elucidativos da
influência de outros fatores, especialmente se levarmos em conta a composição do grupo
oposicionista, que no município, se diferenciava do resto do estado.
Os historiadores que se debruçaram sobre o estudo da Revolução de 1923 costumam
apontá-la como uma luta no interior da classe dominante. 345 Pereira Soares afirma ser a
participação de Palmeira “geográfica e socialmente excêntrica ao sentido dessa luta entre
Fazendeiros e o Poder em mãos de Borges de Medeiros”. 346 Podemos destacar, nesse sentido,
dois aspectos que a diferenciam do restante do estado. O primeiro diz respeito ao chefe
revolucionário, que em Palmeira não foi um fazendeiro poderoso, mas um caudilho a pé”, que
conforme Arthur Ferreira Filho, “não possuía o penacho dos senhores a cavalo”. E o segundo
está na composição das tropas e nas motivações da luta. 347
Como foi analisado no II capítulo, os excluídos da posse da terra estavam prontos a
pegar em armas para derrubar um governo que consideravam a causa de seus infortúnios. A
ausência de documentação no Arquivo Borges de Medeiros, no período de 1921 a 1924,

344
Ata do Conselho Municipal de Palmeira das Missões. Doc. nº 3392, de 20/07/1916. ABM./ IHGRS.
345
Ver: ANTONACCI, Maria Antonieta . Op cit; PESAVENTO, Sandra J. Op. cit; PINTO, Celi Regina. Op. cit.
346
SOARES, Mozart Pereira. Op. cit. p. 208
347
FERREIRA FILHO, Arthur. Op. cit. p. 119.
140
limita a possibilidade de análises do ponto de vista do poder, no entanto, foi possível,a partir
de outros documentos, estabelecer algumas constatações, vinculando luta armada e posse da
terra.
As tropas rebeldes, que são identificadas aqui como poder do mato, eram oriundas da
região de Fortaleza, rio da Várzea, Potreiro Bonito, onde Leonel Rocha reunia o contingente
das tropas revolucionárias. A aplicação dos regulamentos, que tinham em vista legalizar a
situação da propriedade, como vimos, marginalizou os caboclos que viviam do extrativismo
ervateiro e, nesse momento, especialmente, a implementação da Lei de Terras de 1922, em
que os nacionais foram preteridos em favor dos novos grupos migratórios que chegavam à
região para ocupar as extensas áreas de mata.
A atuação da Comissão de Terras e Colonização, através de seu Chefe, Frederico
Westphalen, ao aplicar a regulamentação do governo positivista, atingia os interesses dos
posseiros que não tinham regularizado suas terras. Nesse aspecto, o processo judicial nº 389,
de 14 de agosto de 1923, é particularmente elucidativo da existência de um clima de
enfrentamento entre caboclos e o Chefe da Comissão de Terras. Os fatos constantes do
processo ocorreram no final do ano de 1922 e demonstram que, antes de ser deflagrada a
Revolução no estado, Palmeira já se encontrava em clima de luta armada.
Trata-se de um processo-crime cuja denúncia é apresentada pela Justiça Pública contra
Frederico Westphalen, Vicentino Pereira Soares, os praças que constituiam a escolta e os
acusados que entram em confronto com a mesma, totalizando 13 pessoas.
O fato delituoso conforme a denúncia ocorreu em 18 de novembro 1922 348 . Consta que
uma escolta composta por praças da Brigada Militar e alguns civis, comandados por
Vicentino Pereira Soares e da qual fa ziam parte, dentre outros nomes, Frederico Westphalen,
tentou desarmar Felício Bueno e seu filho menor que carregavam armas proibidas. Felício
teria reagido, alvejando a escolta e pondo-se em fuga. Pouco depois, volta a atacar o grupo,
travando-se ligeiro tiroteio do qual resultaram ferimentos em Elpídio, um dos praças, e em
Pedro Domingos Camargo Filho.
Seguem-se alguns depoimentos dos envolvidos e testemunhas. Entre os envolvidos
apenas depuseram Frederico Westphalen e Vicentino Pereira Soares, subdelegado e
subintendente e mais sete testemunhas. Não constam depoimentos dos demais envolvidos,
alguns dos quais com participação ativa entre o poder do mato, como Felício Bueno e Pedro
Domingos Camargo.

348
Processo nº 389, Maço: 18, Est. 60. A data da constituição do processo é de 14/08/1923, sendo encerrado em
1925. APRS.
141
O depoimento de Frederico Westphalen é particularmente elucidativo do vínculo entre
a participação na Revolução de 1923 pelos grupos armados da área da mata e a questão da
terra. Afirma o depoente que:

Pedro Domingos e Felício Bueno, vêm perturbando o sosego do 8° districto, desrespeitando o


respectivo sub-intendente e sub-delegado, bem como ordens e recomendações da respectiva
Commissão de Terras, invadindo colonias e comettendo depredações, entre as quaes, pode
citar o caso de terem destruído, a machado a morada de Komproski, colono, cujas terras
invadiram, aconselhados, segundo consta, pelo seu advogado, Dr. Antônio Pinheiro; que em
vista destes constantes desmandos e tendo ambos aquelles indivíduos o habito de transitarem,
às vezes, com grupos, sempre armados de winschester, pelas estradas do districto, acontecendo
até que recentemente, ambos, acompanhados de mais tres, todos de winchester, deram uma
descarga provocante em frente à casa do sub-intendente e sub-delegado, este dirigiu officio ao
depoente, que se achava em Palmeira, onde é chefe da Commissão de Terras, e
communicando-lhe o facto e solicitando sua intervenção, junto ao Intendente Municipal, no
sentido de conseguir umas praças da Brigada Militar. (grifo nosso)349

Diante dos fatos delituosos que estavam acontecendo e diante da ameaça de desordens,
designou quatro praças no intuito de que a presença das mesmas coibisse aqueles desmandos
e fosse um sinal de autoridade. Quanto ao episódio que motivou a averigüação, declara que,
em companhia do subdelegado e acompanhados da escolta, percorreram o 8º distrito “a fim de
demonstrarem que a autoridade estava aparelhada para se fazer respeitar”. Avistaram Felício,
que, com atitudes provocativas, arremeteu contra uma praça, a qual “arrebentando o estribo,
foi cuspida ao chão, donde alvejou o fugitivo”. 350 O enfrentamento não parou por aí. Quando
regressavam para a sede do distrito, foram atacados por Felício, Pedro Domingos e mais
alguns homens, ficando feridos um soldado e o filho de Pedro Domingos. Informa ainda que
tinha notícias de que Pedro Domingos e Felício Bueno estavam reunindo a capangada nas
imediações de suas casas e premeditavam atacar o depoente, o subdelegado e a escolta.
Os depoimentos seguintes são bastante semelhantes no conteúdo. Confirmam a versão
do fato conforme apresentada por Frederico Westphalen, acrescentam as informações de que
Felício Bueno e Pedro Domingos reúnem gente, “fazem correrias”, e, entre outros fatos,
dissolveram o puchirão de Antonia Jesus, atacaram a propriedade dos colonos polacos, bem
como realizaram a descarga de winchester nas proximidades da subintendência.
Vicentino Pereira Soares, subdelegado e subintendente na localidade de Fortaleza,
além de confirmar os registros anteriores, acrescenta algumas informações que demonstram
não se tratar o episódio de um fato isolado, mas a continuidade de uma série de manifestações
com o mesmo propósito: opor-se às medidas adotadas pela Comissão de Terras, manifestando

349
Processo-crime nº 389/1923. Maço 11, Est. 60. APRS, Porto Alegre. A data da abertura do processo é
14/08/1923, sendo encerrado em 1925.
350
Idem. Processo nº 389/1923. APRS.
142
a revolta contra as autoridades constituídas. Narra Vicentino alguns episódios esclarecedores,
entre eles, o assassinato de um irmão de Pedro Domingos, João Domingos Camargo. O
assassino foi logo libertado através de um habeas corpus. O acusado trabalhava para o
agrimensor Prieto, que fazia medições na região, e que, diante do fato, Felício e Pedro
Domingos reuniram gente para atacar Thomé de tal e o agrimensor, o que só não aconteceu
porque os visados foram informados a tempo de se protegerem.
Esclarece, quanto à dissolução do puchirão de D. Antonia, que esse se realizava nos
matos do Juiz Distrital Jesus Mendes Castanho. Quanto aos ataques às propriedades, afirma
que participavam os acusados, juntamente com Januário Bispo de Almeida, que invadiam “a
propriedade do colono Thomaz Koproski e outros, obrigando os colonos a arrancarem suas
próprias casas”. Destruíam cercas de arame e madeira, sob o pretexto de que as referidas
terras lhes pertenciam e que tinham sido vendidas pela Comissão de Terras para os ditos
colonos.
A luta partidária foi um dos fatores de acirramento das animosidades. O sub-delegado
declara que, por ocasião da propaganda política da eleição presidencial do estado, Pedro
Domingos e Felício Bueno, agrupados, corriam o distrito ostensivamente armados de
winchester, ameaçando os eleitores e declarando que, “fosse como fosse, derrubariam o Dr.
Borges de Medeiros”.
José Gonçalo Outeiro, que se encontrava em um automóvel que vinha de Iraí, destaca
ter recebido as informações por parte dos soldados e que, diante dos fatos, dirigira-se ao cabo
repreendendo-o “como é que mandava a força tirotear o povo”, o qual respondeu que cumpria
ordens de Vicentino. Informa que o menor, ferido no ombro, foi deixado na casa de Serafim
de Moura Reis Júnior.
Fidêncio de Souza Mello Filho, segundo declara, viajava de Iraí para Palmeira,
juntamente com José Gonçalo Outeiro. Informa que chamou a atenção do Guarda Florestal,
Gentil Vargas, que “não devia andar, assim, cabalando, acompanhado de força militar” e
ainda, que fez ver ao cabo que, sendo praça da Brigada Militar, “não devia estar recebendo
ordens absurdas, tiroteando o povo de tal maneira, ao que, aquelle cabo respondeu que estava
cumprindo ordens superiores”. Narra o episódio de acordo com o que ouviu de Felício Bueno,
afirmando que o tiroteio foi iniciado pela escolta. Fidêncio Mello residia em Porto Alegre. 351

351
Fidêncio Melo Filho, à época do Levante de 1902, era delegado no município. Foi dos primeiros a engajar-se
no movimento de 1923. Partic ipa ativamente da revolução, lutando ao lado de Leonel Rocha e, posteriormente,
exila-se na Argentina junto com o mesmo. Ferreira Filho registra que era um dos chefes revolucionários mais
belicosos. Ver FERREIRA FILHO, Arthur. Op. cit. 1973. p. 38.
143
Uma das testemunhas inqueridas é Jesus Mendes Castanho, Juiz Distrital, que não
esteve envolvido diretamente no confronto, mas expõe o fato conforme teve informações,
repetindo todas as acusações dirigidas a Pedro Domingos e Felício Bueno. Seu depoimento
apresenta um dado importante para o objetivo desta pesquisa, na medida em que cita nomes
de outros envolvidos nos episódios e que se constituem elementos de relevância na
organização do grupo que denominamos poder do mato. Informa sobre o acontecimento
ocorrido na sede da vila, no dia 09 de novembro, em que o grupo de Felício tiroteou nas
imediações da subintendência, estando entre eles, Leonel Rocha, Serafim de Moura Assis,
José Gonçalo Outeiro, Domingos Galvão, Dario Felício Bueno e muitos outros. Diz que o
grupo chegou a sua casa, antes do episódio, e que, após pequena palestra se retirou, tendo
ouvido, pouco tempo depois, uma forte descarga a umas quatro quadras mais ou menos. Não
explicita o assunto tratado e destaca que somente Felício e Dario estavam armados de
winchester, acusando os mesmos de realizarem constantes correrias e que “por qualquer
coisinha, reunem seus capangas”.
Com referência ao puchirão, citado pelos demais depoentes e que foi dissolvido pelo
grupo de Felício, informa que era realizado em terras de Manoel Alexandre de Almeida,
“sendo que parte destas terras este prometeu dar, em pagamento, ao depoente, de dinheiros
que adiantou para a respectiva medição, aconteceu que Pedro Felício Bueno, a mão armada,
dizendo-se dono da respectiva terra, dissolveu, com outros sequazes, o referido puchirão”.
Os dados constantes do processo possibilitam estabelecer alguns nexos com o
movimento revolucionário de 1923, entre eles destacamos algumas constatações:
1º- Trata-se de um episódio envolvendo representantes do poder local – Frederico
Westphalen e Vicentino Pereira Soares – em confronto com alguns chefetes da zona da mata,
entre eles, Felício Bueno, Pedro Domingos, Domingos Galvão, configurando, assim, um
enfrentamento entre poder do campo e poder do mato.
2º- É evidente o vínculo com Leonel Rocha e Serafim de Moura Assis , constatado,
através do depoimento do Juiz Distrital, quando afirma que, em 09 de novembro, aqueles,
juntamente com um grupo de moradores da região de Fortaleza, deram uma demonstração de
disposição para a luta, realizando uma descarga armada nas proximidades da subintendência.
3º- Fica demonstrado o vínculo de luta pela terra, quando os envolvidos são acusados
de atacarem as propriedades rurais de colonos, derrubarem cercas e benfeitorias, dissolve rem
um puchirão, alegando a posse das terras para si. Mais que tudo, o poder do mato enfrenta o
Chefe da Comissão de Terras, que representava o poder oficial.

144
4°- A data do processo é de 1924, o que deixa margem para algumas indagações, pois
o fato delituoso ocorreu em 18 de novembro de 1922 e a primeira peça do processo é de 14 de
agosto de 1923, durante o desenrolar da Revolução, quando os envolvidos se encontravam em
plena luta. O processo, concluído em 1925, informa que os envolvidos não puderam ser
cientificados por não terem sido localizados, “alguns ausentes, outros viajando e Fidêncio
Mello, emigrado em Corrientes com Leonel Rocha”.
5°- Pedro Domingos Camargo Filho, ferido na escaramuça, foi deixado na casa de
Serafim de Moura Reis Júnior que, nessa época, fazia parte do grupo dos dissidentes. Isso
vem confirmar as ligações do grupo com os federalistas.
Em suma, de posse das informações do processo, é possível constatar que os caboclos
da região de Fortaleza, influenciados por motivações alheias ao levante estadual de 1923, mas
descontentes com as medidas da política agrária, postas em prática por Frederico Westphalen,
se levantaram em armas chefiados por Leonel Rocha, antes mesmo da deflagração do conflito
em nível estadual.
Pelos elementos constantes no processo, constata-se que José Gonçalo Outeiro e
Fidêncio Mello, que “passavam na localidade, vindos de Irai”, são as únicas testemunhas que
manifestam críticas à atuação policial. Seus nomes aparecem vinculados aos maragatos. O
primeiro faz parte do grupo que acompanha Felício e Pedro Domingos, quando estes tiroteiam
em frente à subintendência, o segundo , após a Revolução, consta estar exilado com Leonel
Rocha. Sua atuação já aparece em 24 de janeiro de 1923, quando, juntamente com João
Rodrigues Mena Barreto, Pedro Lopes de Oliveira e Serafim Assis, todos republicanos
dissidentes, aliados aos federalistas Leonel Rocha e Salustiano de Pádua, liderados pelo
deputado Arthur Caetano da Silva, declararam-se em rebelião contra o governo do estado. 352
Conforme Ferreira Filho, nem sempre a luta era iniciada pelos federalistas, mas pelos
dissidentes, “levados à luta pelo impulso de mágoas antigas ou recentes, a maioria das quais
nascidas nas disputas pelo poder municipal”. 353
Os acontecimentos descritos que constam do processo se inserem no contexto das lutas
que antecederam a Revolução de 1923. O clima na região, em novembro de 1922, já era de
mobilização armada, tendo Leonel Rocha reunido tropas no interior do município, Potreiro
Bonito, serra do rio da Várzea e território de Nonoai. Serafim de Moura Assis arregimentou
sua gente de Erval Seco e os Galvão, Pedro Domingos e outros reuniam as tropas da
Fortaleza. O movimento, na sede, contava com a adesão de prestigiosos republicanos, como

352
FERREIRA FILHO, Arthur. A Revolução de 1923. Porto Alegre, Imprensa Oficial do Estado, 1973. p. 28.
353
Idem. p. 34
145
Josino Eleuthério dos Santos, genro de Evaristo Teixeira do Amaral, além dos republicanos
ligados a Serafim de Moura Reis. Afonso Honório dos Santos e outros federalistas, no início,
procuraram manter-se aparentemente afastados das lutas, mas acabam revelando suas
simpatias. 354 Várias pessoas abandonaram Palmeira, temendo perseguições, como o
comerciante Adrião Gonçalves, mas seus filhos Galileu e João participam ativamente. 355
A preocupação com o clima de beligerância tomava conta de todos. O Intendente
Adolpho Teixeira do Amaral e o Coronel Ramão Luciano de Souza, conhecido como Coronel
Bicaco, buscaram acalmar os ânimos, escrevendo cartas a Vicentino Pereira Soares e
Frederico Westphalen, “para que se mantenham na atitude de sempre, não provocando
conflicto, não atacando e tendo mesmo a possível tolerância com os elementos adversos”. 356
A carta é datada de 20 de novembro de 1922, portanto, apenas dois dias após o episódio na
região de Fortaleza. Os missivistas informam terem recebido propostas da parte de Domingos
Galvão e de Serafim Lütz, impossíveis de serem aceitas. O primeiro é um dos chefes do poder
do mato, na região de Fortaleza, e o segundo, genro de Serafim de Moura Reis. Adolpho
Teixeira do Amaral era Intendente, licencia-se do cargo, assumindo Frederico Westphalen.
No dia 23 de novembro, num episódio em frente à residência de Serafim Júnior, ocorre
a morte de Belizário Simões, que, conforme Soares, seria a primeira vítima da Revolução de
23.357 No final de dezembro de 1922, Leonel Rocha já havia reunido um contingente regular e
acampou no Passo Grande. O Delegado Homero Pereira dos Santos, juntamente com um
destacamento da Brigada Militar de cerca de quarenta homens, tentou dissolver o contingente.
Não obtendo êxito, solicitou novas instruções ao governo do estado. Os legalistas se
organizavam sob o comando de Vazulmiro Dutra, que formou o Terceiro Corpo Provisório. 358
Nota-se, outrossim, que antes mesmo da Comissão de Poderes da Assembléia se
pronunciar sobre o resultado do pleito que confirmou a eleição de Borges de Medeiros, já

354
SOARES, Mozart Pereira. Op. cit. p. 211.
355
Entrevista Waldemar Gonçalves Sobrinho, em 10/03/2002. Informa que seu pai João Gonçalves participou da
Revolução de 1923, junto às tropas de Felipe Portinho.
356
Carta de Adolpho Teixeira do Amaral e Ramão Luciano de Souza. Apud .SOARES, Mozart Pereira. Op. cit.
p. 211.
357
Serafim de Moura Reis Júnior, sabendo que a revolução se articulava, resolveu transferir-se para Cruz Alta,
pois não tinha condições de enfrentar uma nova luta, visto ter perdido uma perna no Levante de 1902.Seu primo,
Serafim de Moura Assis (Finzito), foi encarregado de organizar a saída com segurança, reunindo um piquete
com 30 a 40 homens, que o acompanhassem a Cruz Alta, de onde poderia atingir a Argentina, se necessário.
Essa gente chegou a Palmeira ao anoitecer de 23 de novembro de 1922, poucos dias após o confronto narrado no
processo. Quando o último cavaleiro penetrava o portão da residência de Serafim, foi atingido por uma rajada de
fuzil da Brigada Militar, tombando morto, junto da montaria. Era Belizário Simões, que seria a primeira vítima
da revolução. SOARES, Mozart Pereira. Op. cit. p. 209.
358
Idem. p. 213.
146
ocorriam escaramuças na região de Fortaleza, conforme relato de Arthur Ferreira Filho. Sem
precisar a data em que o fato ocorreu, informa que:

No Rincão da Fortaleza, Palmeira das Missões, o Cel. Serafim Assis é derrotado em ligeiro
combate pelo capitão legalista Vicente Pereira Soares, sendo este o primeiro sangue derramado
na luta que se iniciava. E também no mesmo município, o chefe dissidente Cel. Josino dos
Santos, antigo companheiro e amigo pessoal de Júlio de Castilhos e Pinheiro Machado, seguido
de Fidêncio Mello e outros, levantava-se contra a situação estadual desatendendo ao apelo da
Loja Maçônica local para que desistisse de semelhante atitude”.359

De acordo com Mozart Pereira Soares, o fato teria ocorrido em princípio de janeiro de
1923, havendo alguns feridos e “tendo sido este o primeiro combate em Palmeira, na
Revolução que se iniciava”. 360 Afirma que “o primeiro combate que aconteceu na Revolução
de 23 não foi, como dizem, em Carazinho, comandado pelo deputado Artur Caetano, mas foi
o encontro entre as tropas do governo do Rio Grande do Sul, os borgistas, contra o Leonel
Rocha, no Passo Grande. Foi o primeiro combate e o Governo era representado pelo meu avô,
Capitão Vicentino Pereira Soares. Artur Ferreira Filho nota esse fato. E quem disse isso foi
um homem que conheceu no local os fatos que escreveu”. 361
Em 24 de janeiro, quando o deputado Arthur Caetano dirige-se ao Presidente da
República em telegrama dizendo-se “à frente de 4.000 revolucionários dispostos a só largar as
armas, quando Borges de Medeiros deixasse o poder”, Leonel Rocha tenta apoderar-se de
Palmeira. 362
Parece haver consenso, entre os estudiosos da Revolução de 1923, de que a oposição
no Rio Grande do Sul pretendia com o movimento armado criar condições para a intervenção
federal no estado, pondo fim ao mandato de Borges de Medeiros. De acordo com Maria
Antonieta Antonacci, Artur Bernardes “enfrentando forte oposição no âmbito parlamentar e
militar, não se sentia suficientemente forte para agir no RS. Numa atitude de expectativa e
reserva, aguardou melhor oportunidade para intervir, deixando o movimento armado rio-
grandense tomar vulto”. 363
Os revolucionários, contando com poucos recursos, procuraram deixar o Rio Grande
convulsionado, adotando a tática de guerrilhas, com lutas dispersas, nunca empenhando a
totalidade de suas forças. Para enfrentar os revoltosos, as tropas governistas tiveram que se
fragmentar para atender aos vários pontos ameaçados.

359
FERREIRA FILHO, Arthur. Op. cit. 1973. p. 34.
360
SOARES, Mozart Pereira. Op. cit. p. 213.
361
Idem. Entrevista concedida a autora em 14/01/2002.
362
FERREIRA FILHO, Arthur. Op. cit. 1973. p. 36
363
ANTONACCI, Maria Antonieta. RS: as oposições & a Revolução de 1923. Porto Alegre, Mercado Aberto,
1981. p. 99.
147
O município de Palmeira, dispondo de vasta área florestal, constituiu-se num espaço
privilegiado para ação intensa dos maragatos na região, durante o convulsionado ano de 1923.
Os líderes revolucionários que agiam na região norte do estado, entre eles, Fidêncio Mello,
Mena Barreto e Serafim Assis, dividiam suas tropas em vários grupos e “em caso de
necessidade agregavam-se a Leonel Rocha, caudilho maragato de real prestígio entre os
caboclos palmeirenses, que engrossavam suas fileiras com adesões diárias”. 364
A tática de guerrilha exigia dos governistas uma ação constante em várias frentes. Daí
a criação dos Corpos Provisórios, “compostos por civis e distribuídos em várias brigadas,
perfazendo totais de mil e quinhentos a dois mil combatentes. Para a composição dos Corpos
Provisórios, o governo lançou mão do voluntário a maneador, homem incorporado à força e
365
de mercenários uruguaios”.

Fonte: História ilustrada do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Já Editores. 1998. p. 230
Figura 5 – Mapa dos combates da Revolução de 1923.

364
FERREIRA FILHO, Arthur. Op. cit. 1973. p. .38.
365
ANTONACCI, Maria A. Op. cit. p. 100.
148
As tropas revolucionárias foram acrescidas de um reforço vindo de Santa Catarina,
com Felipe Portinho, que trouxe um pequeno contingente e uniu-se a Salustiano de Pádua. O
jornal A Federação faz duras críticas a essas tropas, afirmando serem remanescentes da
Guerra do Contestado:

Da sua tropa, os moradores dos municípios por elle percorridos espalharam-se em panico,
rôtos, famintos, verdadeiras presas do pavor; os esclarecidos patriotas educados na escola
cívica do monge João M aria, e que vieram com Portinho do Contestado, são os únicos que
ainda o acompanham. Vêr-se livre desses, ser-lhe-á difficil, aliás. Esse pessoal que não se
contenta com pouca cousa: veiu para roubar, saquear e satisfazer todos os seus baixos instintos.
Não será sem chamar a ordem o seu ‘general’ que os desentocou que elles hão de regressar
para os desvãos do Contestado, mais ou menos com as mãos abanando, como vieram. (grifo
nosso)366

Durante todo o período da revolução, Leonel manteve-se nas matas do município,


fazendo ataques freqüentes, num típico movimento de guerrilha. O ataque de maiores
proporções aconteceu em 04 de junho de 1923, quando ele, auxiliado por Mena Barreto e
Serafim de Moura Assis, e contando, ainda, com o republicano dissidente, Josino Eleuthério
dos Santos, tentaram tomar a Vila de Palmeira. O ataque era esperado há muito, e Vazulmiro
tratou de fortificar a Vila e tomar uma posição defensiva, concentrou tropas nas principais
entradas da cidade, pôs trincheiras e barreiras na entrada das ruas que davam para o Quartel e
a Intendência. “Algumas ruas públicas foram minadas com latas de querosene carregadas de
367
explosivos, que detonariam acionadas por um dispositivo elétrico”. O problema maior para
os grupos em confronto era a escassez de munição, daí usarem estratégias de efeito
psicológico para impressionar o inimigo.
O ataque a Palmeira, de acordo com Leonel Rocha, é atribuído a uma decisão de
Fidêncio Mello Filho que, “com seus 40 homens, seguiu pela estrada de Potreiro Bonito,
enquanto Leonel Rocha, acampado em Lageado Macaco, distante duas e meia léguas da
cidade, seguiria pela estrada de Santa Bárbara com elementos de Fortaleza, Passo Grande e
Iraí”. Quando Fidêncio tomava posição, num valo próximo duma olaria à espera das forças de
Leonel, foi surpreendido pelo inimigo, atacou sozinho a cidade, mas foi rechaçado. Leonel,
em companhia do Cel. Mena Barreto, Serafim de Moura Assis e o coronel Pompílio Pithan
“atacaram a cidade para salvar o coronel Fidêncio e depois se retiraram em ordem”. 368

366
Artigo do jornal A Federação: O exército libertário: as suas ‘façanhas e os seus triumphos’. 02/04/1923, p. 1.
MCSHJC.
367
Ver SOARES, Mozart Pereira. Op. cit. p. 215-220. O autor faz uma descrição detalhada do episódio, valendo-
se do relato de pessoas que participaram dos fatos.
368
HICKMANN, João Pe. Op. cit. p. 87.
149
Leonel parece não dar ao episódio a importância que o fato adquire nos registros
oficiais, talvez por representar uma amarga derrota. Na memória coletiva, o episódio adquire
especial relevância em razão de terem ficado mortos, na periferia da vila, três maragatos e que
foram sepultados em cova rasa por algumas pessoas que ficaram sensibilizadas. Um deles que
morrera praticamente dentro do povoado foi arrastado à cincha do cavalo por João Anselmo,
integrante do 3º Corpo Provisório.
No local, mais tarde, foi construído um túmulo pelo pedreiro Gabriel Silva, que foi
Tenente do Terceiro, para cumprir uma promessa. Os ossos foram transferidos para o
cemitério municipal, mas no local, ainda algumas pessoas acendem velas e colocam flores. O
episódio influenciou na denominação da área, que hoje é conhecida como Maragatinhos,
assim como o córrego próximo.
Vários combates marcaram a Revolução na região e, em todos, Leonel Rocha teve
uma participação destacada: Fazendinha, Estância Velha, São Bento, entre outros. Relata
assim, o assalto ao trem de passageiros que vinha de Cruz Alta, interceptado nas imediações
de Pinheiro Marcado: “parando o coboio pedi ao chefe do trem para passar uma vistoria.
Encarreguei desta tarefa o valoroso Cel. Fidêncio Melo Filho e o Cel. Eduardo Dumoncel”369 .
Vinham no trem cinco oficiais, um cabo e uma praça, sendo um o Tenente Pedro Farias,
ajudante de ordens do Gal. Firmino de Paula. “Tratei-os como filhos, ficando os ditos
prisioneiros em liberdade no acampamento, sob a guarda de meu assistente, Cel. Pompílio
Pithan, com tôdas as regalias”. 370
O último combate que Leonel Rocha teve em 1923 foi na retirada de São Bento, no
município de Carazinho. As forças borgistas de Passo Fundo, Cruz Alta e Palmeira tentaram
cercá- lo. Leonel retirou-se apressadamente, confiando a retaguarda ao Coronel Aníbal
Geraldo Pereira, também natural de Bom Retiro do Sul, que desempenhou sua missão com
altivez371 .
O movimento revolucionário, à medida que se alastrava, obteve a simpatia de alguns
membros do Governo Federal, a ponto de comparecerem a “uma festa realizada no Clube dos
Diários, em benefício dos rebeldes feridos em combate, Estácio Coimbra, vice-presidente da
República, o Gen. Setembrino de Carvalho, Ministro da Guerra e o Almirante Alexandrino de

369
Eduardo Dumoncel era irmão do Coronel Victor Dumoncel Filho, ambos ocupando posições políticas de
destaque, porém em campos contrários: o primeiro era maragato e o segundo, chimango. Victor Dumoncel
desempenhou importante papel na política regional, rivalizando com Vazulmiro Dutra, na disputa pelo controle
do poder regional, dentro dos quadros do Partido Republicano.
370
HICKMANN, João Pe. Op. cit. p. 86.
371
Idem. p. 88.
150
Alencar, Ministro da Marinha”. 372 Entretanto, Arthur Bernardes abstinha-se de qualquer
pronunciamento.
O Governador de Santa Catarina, Hercílio Luz, favorecia abertamente os rebeldes,
permitindo que ali se organizassem e permanecessem acampados e armados, estando as
fronteiras entre os dois estados, sempre franqueadas. Isso permitiu uma aproximação com a
população cabocla da região oeste de Santa Catarina. O jornal “A Federação” denunciava a
presença de remanescentes do Contestado entre as tropas de Felipe Portinho, registrando essa
aproximação de maneira irônica:

Destroçado no Capão Bonito, o homem só teve uma preocupação: acertar com a porta por onde
entrara. Supersticioso como qualquer libertário educado por João Maria, o da Virge de
Bascelona, Portinho entendeu que é de mao agouro entrar por um lugar e sahir por outro. Dahi
o seu esforço, em voltar pelos caminhos já percorridos, até poder se abrigar nos salvadores
mattos da fronteira com Santa Catarina. 373

Na região de Erechim, foi instalada a administração revolucionária, sendo nomeado


governador provisório Temístocles Ochôa. Aí as tropas de Portinho mantinham seu reduto,
podendo facilmente evadir-se para o estado de Santa Catarina. Nos primeiros dias de
setembro, teve que enfrentar combates vigorosos contra as brigadas de Firmino Paula e Paim
Filho, obrigando o General a cruzar o rio Uruguai para o vizinho estado.
Portinho não mais voltou à região norte, onde restaram apenas as colunas de Leonel
Rocha e mais alguns grupos dispersos, Mena Barreto e Jango Bento. Aproveitando o
momento em que a tropa de Firmino se encontrava na perseguição a Portinho, Leonel Rocha
ataca o Sobrado de Dumoncel, próximo a Santa Bárbara, onde havia farto depósito de
munição e outros materiais, mas que representava também o ataque a um dos símbolos do
poder dos coronéis. 374 Foi um ato de ousadia que surpreendeu os republicanos, conforme
Vazulmiro Dutra: “jamais se poderia crêr que os insidiosos inimigos da ordem e da Republica
(...) matutos, sempre ariscos a se mostrarem em lugares distanciados dos mattos pudessem
tentar uma sortida contra Santa Bárbara”. 375
Leonel Rocha achava-se acampado no Passo Grande, quando foi assinado o armistício.
Dissolveu, então, suas tropas, ocultando o armamento prestável, como era comum.

372
FERREIRA FILHO, Arthur. Op. cit. 1973. p. 41
373
Jornal A Federação, 02/04/1923. MCSHJC.
374
Idem. p. 44. Trata-se do sobrado do Coronel Victor Dumoncel, um dos líderes republicanos mais destacado
na região.
375
Ordem do dia 18/09/1923 – Vazulmiro Dutra. AVaD/IHGRS. Faz críticas à atuação dos maragatos, informa
que houve 18 mortos, além do roubo de armas e munição.
151
Fonte: Álbum dos Bandoleiros. IHGRS.
Figura: 6 – Coronel Adalberto Machado, General Leonel Rocha e Eduardo
Victor Dumoncel.

4.3.1. O olhar do poder

O Inquérito que apurou a Revolução de 1923 é um demonstrativo da atuação de


Leonel Rocha na região, como também dos demais envolvidos na deflagração do movimento,
na região do Planalto. As investigações constam dos processos nº 1588, de 23 de abril de

152
1923, sendo de suma importância para elucidação dos fatos que deram início ao movimento
revolucionário. A investigação policial, iniciada por determinação de Borges de Medeiros,
conforme cons ta da parte inicial do processo, trata o movimento como uma “conspiração” ,
promovida pelo Deputado Estadual Arthur Caetano da Silva, João Rodrigues Menna Barreto,
Salustiano de Pádua e outros, nos municípios de Passo Fundo, Palmeira das Missões e Boa
Vista do Erechim.
Constata-se que, em abril de 1923, em pleno período de lutas armadas em várias partes
do estado, o governo procurava tratar o assunto como um caso policial, um simples
movimento sedicioso contra os resultados da reeleição de Borges de Medeiros. Constam do
processo inúmeros documentos sobre danos ocorridos ao patrimônio, mortes, requisição de
mercadorias, entre outros.
Na denúncia inicial consta que, a 12 de janeiro do fluente ano (1923), João Rodrigues
Menna Barreto, Adão Issler, Otaviano Issler, Salustiano de Pádua, Pedro Lopes de Oliveira,
vulgo Lolico, e o deputado federalista Arthur Caetano da Silva e chefes assisistas, no
município de Passo Fundo, “começaram a reunir partidários despeitados pela estrondosa
victória conquistada na manifestação libérrima das urnas, no ultimo pleito para sucessão
presidencial do Estado”. O objetivo inicial era evitar a posse de Borges de Medeiros, mas que
tendo o mesmo sido reconhecido e empossado como presidente eleito do estado, “aquelles
chefetes, assumiram então, atitude francamente sediciosa, reunindo perto de dois mil homens,
quase todos armados de mausers, winchesters, comblains, lanças, rewolveres, espadas e
facões...”
Em Carazinho, mudaram o nome para Assisópolis e Menna Barreto foi aclamado
chefe, que juntamente com Salustiano Pádua e Arthur Caetano, constituiam a junta
revolucionária, sendo acusados de várias violências como saques, na forma de requisições,
conforme documentos inclusos. Informa que as forças legais, comandadas por Firmino Paula,
obrigaram os sediciosos a se dispersarem em grupos, tomando a direção de Quatro Irmãos, no
município de Erechim e daí para Nonoai, município de Palmeira. Concomitantemente,
idêntico movimento sedicioso se manifestava neste último municípío e no de Boa Vista do
Erechim, promovido diretamente por Leonel Rocha, Serafim de Moura Reis Júnior, Serafim
de Moura Assis, Hortencio Silveira, João do Amaral, João José de Lima e Pedro Domingos,
em Palmeira e por Leopoldino Silva e outros em Erechim. Em Palmeira, chegaram a investir
contra a Vila, “com perto de mil e tantos homens, sitiando-a”. Assim como em Passo Fundo,
foram repelidos, sendo que, com a aproximação de um reforço levado pelo próprio General
Firmino Paula, se puseram em desordenada fuga.
153
Segue a denúncia com informações de que nos três municípios, Passo Fundo, Palmeira
e Erechim, os sediciosos cometeram “violências vandalicas conforme detalhadamente referem
as testemunhas idôneas que são arroladas”. Anexa documentos diversos, especialmente,
requisições dos chefes revolucionários e determina a prisão dos envolvidos. Seguem-se os
depoimentos das testemunhas, todos fazendo acusações de abusos cometidos pelos
revolucionários, como confisco de bens (cavalos, reses, armas), e pressões para que
participassem do movimento. 376
Em anexo, consta o processo da Subchefatura de Polícia, da 2ª Região, com o
Relatório Policial sobre o movimento sedicioso de janeiro do mesmo ano, no município de
Palmeira. A parte inicial do relatório, assinado pelo Subchefe de Polícia, José N. de Miranda
Neto e datado de 3 de abril de 1923, esclarece que “atendendo instruções recebidas do
Governo do Estado, me transportei para esta Villa de Palmeira, com o fim de proceder a
indagações sobre o movimento sedicioso, havido neste município, em janeiro próximo
passado”. Os acontecimentos são tratados como se fossem um fato isolado e já superado.
Informa que procurou ouvir as pessoas de mais respeitabilidade do município,
escolhendo-as dentre os partidários de ambas as facções políticas. Procurou também ouvir
alguns indivíduos que estiveram envolvidos no movimento sedicioso e que, depois dos seus
primeiros fracassos, se apresentaram às autoridades policiais procurando garantias. Os
depoimentos das testemunhas levam o subchefe de polícia a concluir que :

(...) em 12 de janeiro proximo passado, teve início neste município um movimento subversivo
da ordem publica, chefiado por Leonel Rocha, Serafim de Moura Assis, Serafim de Moura
Reis Junior e Hortencio Onofre da Silveira, movimento este que tinha por objetivo procurar
impedir, por meios violentos, a posse do Dr. Borges de Medeiros, no cargo de Presidente do
Estado, para o qual fôra eleito e reconhecido pela Assembléia do Estado. Este movimento, não
resta a menor dúvida, se prende ao plano de uma sedição preconcebida, de há muito, em alguns
municípios da Região Serrana e que tinha como chefe principal e ostensivo, em Passo Fundo, o
Dr. Arthur Caetano da Silva, deputado à Assembléia do Estado e como objetivo principal o
mesmo acima declarado.377

Seguem-se os depoimentos das dezenove testemunhas 378 que, em linhas gerais,


confirmam a ocorrência do movimento revolucionário com o objetivo de impedir a posse de

376
Os depoimentos são em número de quarenta, tomados em Passo Fundo e datados de 23/03/1923. Processo Nº
1588 de 23/04/1923, p.10 a 66, relativos ao movimento em Passo Fundo. Maço: 105, Est. 42. APRS
377
Denúncia constante do processo citado. p. 2
378
Os depoentes são João Antônio de Vargas, Rufilo Corrêa da Silva, Onofre Bento Rodrigues, Edemar de
Souza, Ramão Luciano de Souza, Frederico Guilherme Hofmeister, Manoel Pereira de Almeida, Benevenuto
Dalla Borba, Antonio Pereira Neto, Basílio Ferreira Brizolla, Marcolino Ribeiro Martins, José Simão Felix,
Jayme Borges Gonçalves, Frederico Westphalen, João Maria Baptista, Josino Gonçalves Duarte, Rufino Ribas
Feijó, João Tacilhos Corneauer e Alcides Gomes de Souza. Processo Nº 1588 de 23/04/1923. APRS.
154
Borges de Medeiros. Os chefes do movimento são os nomes arrolados acima e que foram
efetivamente indiciados no inquérito, no entanto, muitos outros nomes foram citados, dentre
eles: Pompílio Pithan, Pedro Arão, Domingos Galvão, João Amaral, João Rodrigues de
Almeida, Pedro Lemes de Carvalho, Felício Bueno e José Gonçalo Outeiro. Os três últimos
foram apontados por Frederico Westphalen e estiveram envolvidos no episódio de 18 de
novembro de 1922, na Fortaleza.
A análise dos depoimentos leva a algumas conclusões:
1º- Vários depoimentos afirmam ter o movimento iniciado, no município, em 12 de
janeiro, quando os revolucionários já tinham gente reunida “na Fortaleza” e no “Passo
Grande” e atacavam os automóveis em trânsito para as Águas do Mel, Iraí. Ramão Luciano de
Souza, o Coronel Bicaco, destaca que “o movimento teve início antes da eleição para
Presidente do Es tado, pois desde o dia 18 de novembro do ano passado que os assisistas
tinham gente reunida e começaram a atacar os nossos eleitores na Fortaleza, tendo um piquete
comandado por Pedro Domingos, tiroteado o Dr. Frederico Westphalen, que, com outros
companhe iros, andava em excursão política na Fortaleza”. Faz outras declarações que
confirmam que a mobilização já vinha ocorrendo desde o final do ano anterior, dentre elas,
informa que, por ocasião da vinda do Chefe de Polícia ao município, “Leonel e os outros
chefes assisistas prometeram dissolver sua gente, o que entretanto não fizeram”. Declarou
ainda que, desde 22 de janeiro, atacavam automóveis na estrada de Fortaleza, impedindo o
trânsito regular entre essa vila e o povoado do Mel.
Frederico Westphalen também afirma que o movimento começou antes das eleições
“pois em 17 de novembro os assisistas começaram a reunir gente, tendo impedido o trânsito
de automóveis entre esta vila e o Mel, desarmando passageiros e agredindo as forças da
polícia”. Faz referências ao episódio em que esteve envolvido, juntamente com Vicentino
Pereira Soares, “no qual foi agredido a tiros por um piquete de revolucionários”. Destaca que
depois da eleição dissolveram “essa gente”, mas começaram a se reunir em 12 de janeiro e
tornaram a impedir o trânsito na estrada do Mel.
2º- Foram indiciados no inquérito os revolucionários apontados como chefes do
movimento sedicioso no município, na seguinte ordem: 1- Leonel Maria da Rocha; 2- Serafim
de Moura Assis; 3- Serafim de Moura Reis Junior; 4- Hortêncio Onofre da Silveira,
considerados incursos nos artigos 118 e 112 do Código Penal.
3º- Os depoentes afirmaram que houve depredações, saques, havendo, ainda, grupos
revolucionários pelos distritos, que furtavam e faziam emboscadas aos republicanos, o que

155
tornava muito perigoso transitar pelo interior. A maioria dizia-se prejudicada, citando outras
pessoas em idênticas condições.
4º- A maior parte dos depoimentos registra que “o fim que os revolucionários tinham
em vista era evitar a posse de Borges de Medeiros”. Alguns poucos dizem desconhecer os
motivos do movimento, entre esses estão os federalistas inqueridos.
5º- Alguns depoimentos de federalistas informam que eles foram induzidos a
participar do movimento sob a alegação de que o mesmo consistia em fazer um protesto
contra a eleição e posse do Dr. Borges. Outros dizem terem sido obrigados a participar, mas
assim que puderam, afastaram-se da luta.
6º- Confirma-se pelos depoimentos a participação de Serafim de Moura Reis Junior,
apontado como um dos líderes, o que comprova a informação de Arthur Ferreira Filho de que
os inimigos de 1902 estavam lado a lado em 1923. Não participou diretamente das lutas, mas,
de acordo com o que consta do processo, comunicava-se com os correligionários, por linha
telegráfica, a partir de São Paulo. No depoimento de Marcolino Martins, constata-se haver
uma combinação por meio de chaves telegráficas, entre Serafim de Moura Reis Júnior, que se
encontrava em São Paulo, e os chefes revolucionários. Declara que “está absolutamente alheio
a tais combinações, não tendo sido consultado a respeito e se tivesse sido não aceitaria o
papel que lhe quizeram dar (...) principalmente a pedido de Serafim de Moura Reis Junior,
que foi aqui um dos maiores perseguidores dos federalistas”.
Outro adepto da candidatura do Dr. Assis Brasil, Basílio Ferreira Brizolla, declara, a
respeito de uma carta dirigida ao depoente por Serafim de Moura Reis Junior, de Itararé,
município de São Paulo, e apreendida pela polícia que “nunca teve com Serafim Junior
qualquer troca de correspondência ou qualquer combinação sobre o movimento
revolucionário deste ou de outro município”. Mais adiante declara, no entanto, que trocou
telegramas com o mesmo. Um deles veio de Santa Maria, antes da eleição de novembro em
que pedia ao depoente para trabalhar pela candidatura Assis Brasil e outro, de Florianópolis,
pedia notícias ao qual ele respondeu que estava tudo em paz. Declara, ainda, ter enviado outro
telegrama, juntamente com o gerente do Banco da Província, para que Serafim Junior
solucionasse o pagamento de uma letra de dois contos de réis, da qual era avalista.
O depoimento de Josino Gonçalves informa que esteve nas forças revolucionárias “por
ter sido reunido à força” e que todos obedeciam a ordens e recebiam instruções por cartas e
telegramas de Serafim de Moura Reis Júnior, que se achava ausente.
O relatório informa, ao final, sobre as investigações feitas pelo ex-delegado de polícia
Homero Pereira dos Santos, “a respeito de umas cartas apreendidas pela polícia e contendo
156
combinações sobre o movimento sedicioso, as quais foram enviadas de São Paulo, por um de
seus chefes, para Leonel Rocha, Serafim de Moura Assis, Leopoldino Cesar e outros”. De
acordo com os depoimentos, os envolvidos 379 no recebimento de tais cartas, protestam sua
inocência. O relator declara que “tomando informações sobre os mesmos soube que são
pessoas respeitáveis e que não tomaram parte alguma no movimento sedicioso e que nem
sobre eles pesa a menor parcela de suspeição de se entregarem à espionagem”. Parece que
Serafim de Moura Reis Junior, estando ausente desde antes das eleições, enviou tais cartas,
supondo que os federalistas citados estivessem participando do movimento revolucionário,
por serem partidários da candidatura Assis Brasil.
As lutas continuavam, visto que o Subchefe de Polícia informava não ser possível
proceder aos corpos de delito e às exumações nos distritos rurais onde ocorreram os atos
delituosos, pois ainda não estava de todo restabelecida a segurança do município. “Pelos
sertões de quase todos os seus distritos grupos sediciosos da pior espécie, continuam a
perambular, furtando, depredando e armando emboscadas para assassínios de viajantes”.
Assim, embora a realização das investigações insistisse em tratar o assunto como um
fato isolado, o movimento revolucionário prosseguia no estado, só sendo pacificado no final
daquele mesmo ano.

4.3.2. A pacificação

O Partido Republicano Rio-grandense reuniu-se em Congresso, a 5 de outubro de


1923, pela primeira vez desde a proclamação da República e reafirmou o apoio a Borges de
Medeiros. A situação militar, no movimento revolucionário, era francamente favorável ao
Governo, enquanto os rebeldes viviam momentos difíceis, com escassos recursos bélicos. Os
generais maragatos estavam dispersos: Portinho passara para o município catarinense de São
Joaquim; Leonel Rocha internara-se nas florestas de Palmeira; Honório Lemes, no Caverá;
Estácio Azambuja, rumara para o Uruguai, e apenas Zeca Neto tinha realizado uma façanha
recente, a ocupação momentânea de Cruz Alta.
Os revolucionários aguardavam, desde o início, a intervenção do Governo Federal,
para depor Borges de Medeiros, o que teria cessado o confronto armado, evitando mortes e
prejuízos. Arthur Bernardes designou o Ministro da Guerra, General Setembrino de

379
Entre os envolvidos no recebimento das cartas são citados Protásio Vargas, Basílio Pereira Brizola, Marcolino
Pereira Martins e João dos Santos Siqueira.
157
Carvalho 380 , para entrar em contato com os líderes rio-grandenses e promover a paz. Chegou a
Porto Alegre em 1º de novembro e, de seus primeiros encontros com Borges de Medeiros,
resultou um armistício, que vigorou a partir de 7 de novembro. Em contato com Assis Brasil e
Maciel Júnior, iniciaram as negociações, para que pudessem encontrar um meio termo entre
as aspirações dos revolucionários e os interesses do governo. Nessa perspectiva, as propostas
de paz caminharam no sentido de buscar a conciliação entre as frações da classe dominante,
em luta. 381
Conforme Antonacci, a mudança de rumo veio com a conscientização de Assis Brasil,
que entendeu “a necessidade de superarem as questões no interior da classe dominante
gaúcha, para poderem fazer frente aos da classe como um todo”. 382 A saída de Borges de
Medeiros, razão da luta armada, era uma questão fora de cogitações, tanto por parte dos
republicanos, como por parte do Governo Federal. Maciel Júnior apontava para uma
perspectiva mais viável, defendendo uma supressão progressiva do domínio do PRR,
propondo o “avanço paulatino, que consolidaria os alicerces de uma nova era”. 383
Assis Brasil desistiu da renúncia de Borges de Medeiros e concentrou seus esforços no
adiamento das eleições federais para a Câmara e o Senado, previstas para 1924, na eleição do
vice presidente e em garantias federais para a efetivação das novas eleições. Mas não foi fácil
às oposições chegarem ao consenso, que só foi alcançado mediante a manutenção na ênfase
nos procedimentos eleitorais, passando, assim, “da luta das armas para a luta das urnas”,
conforme proclamação de Assis Brasil. A 14 de dezembro de 1923, no castelo de Pedras
Altas, foi assinada a “Ata de Pacificação”, não sem antes ter ocorrido intensa luta interna, em
ambas as facções. De acordo com Antonacci,

O Pacto de Pedras Altas, fruto da habilidade e da visão política de Assis Brasil, canalizou a luta
armada das oposições para um acordo com os republicanos borgistas. Se taticamente as
oposições conseguiram o que pretendiam ao iniciar o movimento revolucionário (intervenção
federal e convocação de eleições livres), no terreno dos princípios também obtiveram
significativa vitória. Os assisistas atingiram seus objetivos políticos, principalmente (...) a
proibição de reeleição do presidente e dos intendentes, e eleição do vice-presidente. O
princípio da reeleição do presidente e dos intendentes, articulado com a nomeção do vice-

380
Setembrino de Carvalho era gaúcho e tinha um curioso relacionamento com o PRR. Participou da Assembléia
Constituinte nomeado por Castilhos, atuara como interventor no Ceará, em 1914, atendendo a Pinheiro
Machado. Mas não era amigo de Borges de Medeiros e só veio ao estado, quando esse estava decidido a
estabelecer negociações de paz. Instalado em Pedras Altas, transmitia as informações a Borges, em Porto Alegre,
pressionando ambas as partes a terminarem a guerra. Ver: LOVE, Joseph. Op. cit. p. 223.
381
Ver: ANTONACCI, Maria Antonieta. Op. cit. p. 105-107.
382
ANTONACCI, Maria antonieta. Op. cit.. p. 107.
383
João Francisco Maciel Junior, descendente de tradicional família pelotense, exerceu as funções de deputado
federal de 1915 a 1917; de 1921 a 1926 e em 1930; revolucionário de 1923 e de 1930. Foi Ministro da Justiça de
1932 a 1934, durante o governo provisório de Getúlio Vargas. “Integrara-se ao movimento pró-Assis, chegando
a se unir às forças rebeldes do Cel. Portinho. Participou intensamente das negociações para o Pacto de Pedras
Altas”. ANTONACCI, Maria Antonieta. Op. cit. p. 105.
158
presidente, era o sustentáculo do ponto nuclear do projeto do PRR: a continuidade
administrativa. 384

Os federalistas não foram bem sucedidos quanto à deposição de Borges de Medeiros,


no entanto, conseguiram limitar sua autoridade. Este, relutantemente, aceitou a mudança na
Constituição, proibindo os mandatos consecutivos e sacrificou a medida positivista que
permitia ao governador indicar o seu vice. A garantia de eleições, que possibilitassem à
oposição conquistar cadeiras na Assembléia e no Congresso, permitiu a assinatura do Acordo
em meados de dezembro, encerrando uma guerra de onze meses. Embora o acordo não
agradasse a todos os libertadores, Love afirma que “a paz significou uma situação diferente
daquele relacionamento vencedor-vencido de 1895, quando não, um acordo entre iguais”. 385

Fonte: Álbum dos Bandoleiros. IHRGS


Figura 7: Conferência de Bagé. Quadro histórico da reunião efetuada no Salão do
Hotel do Comércio, em 14 de novembro de 1923. Da esquerda para a direita: Gen. Setembrino de
Carvalho, Gen. Zeca Neto, Dr. Ângelo Pinheiro, Gen. Honório Lemes, Gen. Felipe Portinho, Gen. Leonel
Rocha, Gen. João Rodrigues Menna Barreto, Cel. Chiquinote Pereira, Gen. Estácio Azambuja, Dr. Assis Brasil;
de pé: Cel. Lafayette Cruz.

384
ANTONACCI, Maria Antonieta. Op. cit. p. 110.
385
LOVE, Joseph. Op. cit. p. 223.
159
Os revolucionários palmeirenses renderam-se à solução conciliatória negociada pelos
líderes federalistas, ocorrendo uma aproximação de Leonel Rocha com Antunes Maciel, o que
se depreende de correspondência posterior trocada entre ambos. Maciel Júnior dirige-se a
Leonel designando-o como “a figura honrada e valorosa do meu velho amigo”386 no período
em que este se encontrava emigrado na Argentina, em 1929. Na ocasião, envia-lhe dinheiro e
o exorta a aderir ao movimento liberal.
O documento mais importante para elucidar a posição de Leonel Rocha quanto às
negociações de paz é uma carta enviada a Setembrino de Carvalho na qual expõe os motivos
que o levaram à luta e que se constituem na condição para a deposição das armas. Declara em
sua carta:

Tomei das armas por amor do nosso berço, que prêso ao jugo da prepotência borgista, clamma,
anciando por Liberdade e Justiça; - bens e direitos que há vinte e cinco annos lhe são vedados
gozar. Creia V. Excia. que esta lucta, tarde ou cedo, deveria irromper, provocada pela situação
cruel e opressora que a tyrania do Dr. Borges nos queria impor.
Republica, e muito menos Democracia, bem vêdes, não existem de facto no nosso Rio Grande.
Criou-se aqui uma autocracia, a qual enfecha nas mãos de um só homem todos os poderes,
tornando-o o mais absoluto dos Senhores. Não podia portanto a terra classica da Liberdade,
terra tradicional nas pugnas dos Direitos do Homem dobrar a cerviz e acceitar impassivel
semelhante estado de cousas.
(...) Pois bem, antes de tomar qualquer deliberação, consultei o animo dos que me auxiliam
nesta nobre cruzada e, em todos, officiais e soldados, notei a mesma disposição, em todos os
mesmos sentimentos e desejos, anciando por um mesmo e unico fim; - a deposição do Dr.
Borges e conseqentemente a effectualidade de uma eleição, realizada pela lei eleitoral
federal. 387

Suas palavras denotam clareza quanto ao motivo da luta, afirmando que não reconhece
a eleição de Borges de Medeiros, tendo em vista que usurpou o cargo de Presidente do Estado
e praticou toda sorte de fraudes, a ponto de ir até a pratica de assassinatos em mesas eleitorais.
É incisivo quanto às condições de paz: “se as causas desta lucta são a deposição do despota e
consequentemente a realização de uma nova e verdadeira eleição, - só cessando essa causa
poderá desaparecer o effeito”(grifo nosso). 388 Afirma que seu pensamento consubstancia o
pensamento dos seus comandados. No entanto, ao final, faz uma ressalva “se esta não for a
deliberação tomada pelos chefes das outras divisões (...) não serei eu, certamente, a notta

386
Carta de Antunes Maciel Júnior para Leonel Rocha, de 07/09/29. CPDOC/FGV. Cópia no NHP/UPF.
387
Carta de Leonel Maria da Rocha, na condição de General em chefe da Divisão da Palmeira, no Exército
Libertador Sul Rio -grandense, a Setembrino de Carvalho, Ministro da Guerra e encarregado das negociações
para o acordo de paz. 12/10/1923, CPDOC- FGV. p. 1 e 2. Cópia no NHP/UPF.
388
Idem. p. 3
160
dissonante, o obice á hamonia da familia rio-grandense submetendo- me ao que a maioria
389
resolver”.

Fonte: Álbum dos Bandoleiros – IHGRS.


Figura 8: Foto histórica das personalidades presentes às negociações do Acordo de Pedras Altas. Da
esquerda para a direita: Gen. João Rodrigues Menna Barreto; Cel. Estácio Azambuja; Gen. Zeca Neto; Gen.
Honório Lemes; Dr. Assis Brasil; Gen. Setembrino de Carvalho, Ministro da Guerra; Dr. Ângelo Pinheiro
Machado; Gen. Leonel Maria da Rocha; Gen. Felipe Portinho e Cel. Chiconete Pereira.

Ele, como outros líderes, não aceitou facilmente depor as armas, visto que o objetivo
que os movia não seria atendido de imediato. Contudo, submeteu-se, conforme afirmou, à
decisão tomada pela maioria, assinando, juntamente com os demais generais do Exército
Libertador, o acordo negociado.
No entanto, a Paz de Pedras Altas atendia aos interesses da classe dominante, mas não
resolveu os motivos subjacentes, que nem mesmo eram explicitados pelos federalistas que
compunham o poder do mato na área do município de Palmeira. A luta armada não cessa na
região, e Leonel Rocha aparece, ora atuando em confrontos de terra e disputas locais, ora
aproximando-se do movimento tenentista no período de 1924 a 1927.

389
Idem.

161
4.3.3. A pazinconclusa

Após o Acordo de Pedras Altas, no Rio Grande do Sul, ocorre uma nova composição
de forças. Com a revisão da Constituição Castilhista, o controle exclusivo do PRR entrou em
declínio, e novos setores da classe dominante gaúcha passaram a ter possibilidades nas
instâncias de decisão, com maior significado a partir de 1928, no governo de Getúlio Vargas,
escolhido através de acordos com a oposição, para substituir Borges de Medeiros na
presidência do estado. Conforme Antonacci:

A reconciliação da classe dominante rio-grandense começou em 1923, com o Pacto de Pedras


Altas, e completou-se em 1929, com a formação da Frente Única, tendo em vista o lançamento
da candidatura de Getúlio Vargas para a presidência nacional. No decorrer deste espaço de
tempo, avanços e recuos marcaram este difícil reencontro político, registrando-se conflitos e
lutas armadas no velho estilo.390

Os estudos sobre o período posterior à Revolução de 1923 são escassos, destacando-se


a obra de José Fernando Kieling Política oposicionista no Rio Grande do Sul que abarca
justamente o período de 1924-30. Destaca que, após 1923, apresenta-se uma conjuntura
histórica em que se configuram novas estratégias na “luta política, ultrapassando as fronteiras
desse recanto meridional para conectar-se a outros movimentos semelhantes no país”. 391
Interpreta a conjuntura do período de 1924-30, procurando fugir do economismo ou do
politicismo, mas relacionando os fatos políticos com as condições econômicas e sociais então
vigentes. Mesmo atribuindo peso significativo às formas institucionais na definição das
orientações políticas, entende que o nível político “sempre é e deve ser relacionado com a
dinâmica e os conflitos sociais”. 392 E assim, também, atribui peso relativo às ideologias.
Da mesma forma, entende que a economia não pode ser considerada como fator
decisivo nos processos sociais. “Ela será o papel e o lápis sem os quais não se escreve, mas
não o discurso propriamente dito”. Assim, considera os fatores sociais como determinantes,
expressando-se na vida política em que se dá a negociação dos setores sociais. Reconhece as
dificuldades da apreensão das diferenc iações sociais, devido ao tipo de fontes disponíveis,
“onde a presença da classe dominante peenche todos os espaços, excluindo os demais grupos
sociais”. 393 Dessa forma, sua análise não avançou muito além do nível político-partidário.

390
ANTONACCI, Maria Antonieta. Op. cit. p. 111.
391
KIELING, José Fernando. Política oposicionista no Rio Grande do Sul (1924 - 1930). Dissertação de
Mestrado em História. USP. São Paulo: 1984. p. 3.
392
KIELING, José Fernando. Op. cit. p. 6.
393
Idem. p. 7.
162
A obra de Kieling adquire importância para o estudo dessa fase, considerando que há
um vazio historiográfico sobre esse período e, mais ainda, sobre o papel da oposição.
Utilizando, preponderantemente, o jornal Correio do Sul, de Bagé, sua análise volta-se para a
região da Campanha, procurando identificar como o momento histórico foi apreendido pela
imprensa local.
Coloca-se de acordo com a maioria dos historiadores, quando afirma que o período
posterior à Revolução de 1923 apresenta-se na história e registrado na historiografia como um
período de aglutinação, em que oposição e situação procuram superar os conflitos intra-
oligárquicos. Porém, afirma que essa explicação se aplica a uma ala do Partido Libertador,
mas não a todos os libertadores. Assis Brasil mantém sua liderança na s forças de oposição e,
em janeiro de 1924, é fundada a Aliança Libertadora com vistas às eleições federais. Mas
Borges de Medeiros e a direção do PRR reestruturam rapidamente suas fileiras, usam todos os
meios possíveis, como o aparelhamento da Brigada Militar e dos Corpos Provisórios. Em
poucos meses, a AL estava enfraquecida.
Quando se inicia a reação tenentista em 1924, a primeira atitude dos libertadores foi a
de se organizarem para auxiliar Arthur Bernardes 394 . Sobre tal fato, o Correio do Povo noticia
que os ex-chefes revolucionários telegrafaram ao Presidente da República “reafirmando
solidariedade e oferecendo seus serviços”. 395 Informa que os serviços foram aceitos pela
União e que Felipe Portinho, Leonel Rocha, Salustiano Pádua e Quim Cesar “já tem em
diversos pontos da região serrana, deste Estado, alliciado elementos, que estão sendo
encaminhados para aqueles ex-chefes revolucionários para o Estado do Paraná, onde estão
também em formação batalhões patrióticos por elementos de Santa Catarina”. 396 O governo
estadual também entra em ação, através do Chefe de Polícia, envia telegrama circular
recomendando às autoridades policiais de todo o estado que não ponham oposição à
organização de forças. Honório Lemes organiza um Corpo Patriótico, mas recebe de
Setembrino de Carvalho solicitação para sustar tal ação. A atitude dos generais libertadores é
no mínimo inusitada e se presta a interpretações. O que pretendiam com o apoio a Bernardes?
Porque mudaram de lado tão rapidamente? Para Kieling, os generais revolucionários
apostaram na revolução paulista de duas formas:

reorganizaram suas milícias para auxiliar Bernardes e, em conseqüência, teriam apoio para
reabrir a luta contra Borges. Ou aproveitaram o motivo para reorganizar as milícias e reacender

394
KIELING, José Fernando. Op. cit. p. 57
395
Correio do Povo, Porto Alegre, 26/07/1924. p. 3.
396
Idem.
163
imediatamente as lutas de 1923. Isso fica bastante claro quando, em seguida, manifestaram-se
vinculações com Prestes e Izidoro Lopes.397

Reacendem-se as disputas. Borges de Medeiros determina prisões, divulga o plano


revolucionário, e Honório Lemes é obrigado a emigrar para o Uruguai. Os generais
revolucionários apostaram na luta, ao que parece, buscando novamente o apoio de Artur
Bernardes para reabrir a ofensiva contra Borges.
Quando ocorre o levante das guarnições federais de São Luiz, São Borja, Uruguaiana e
Santo Ângelo a situação da AL se transforma. “Até então, estava ela manietada pelo
compromisso tácito com o governo federal, restringindo-se a atacar – inutilmente – o
398
borgismo e a pedir – inutilmente – favores à presidência da República”. A partir de então,
conforme Kieling, aproxima-se de outros movimentos revolucionários, ultrapassando as
exíguas fronteiras das oligarquias e tornando-se vulnerável à influência de setores mais
populares, embora identificando esses setores com as camadas urbanas. Assim, o movimento
transpõe os limites de articulação oligárquica. Alguns generais revolucionários, como
Honório Lemes e Zeca Neto, estabelecem ligações com Prestes, que distribui comunicado em
Santo Ângelo já contando com o apoio desses generais na zona da fronteira, além do apoio de
revolucionários de Palmeira, Nova Würtenberg, Ijuí e outras localidades.
O que se observa nas ações seguintes, é que a AL vai incorporando-se ao movimento
tenentista, absorvendo-o e passando a tratá- lo como uma questão sua. O manifesto dos
revolucionários aborda questões nacionais, incorporando a visão tenentista. O governo
republicano encontra justificativa para a reestruturação do sistema policial, sob a justificativa
do recrudecimento da luta em várias cidades. Os republicanos firma m seu domínio e os
revolucionários emigram para os países vizinhos, como é o caso de Leonel Rocha, aqueles
que permaneceram ficaram sob o controle do governo borgista.
A ligação da AL com o movimento tenentista reflete um rompimento do Acordo de
Pedras Altas, e suas conseqüências extrapolam os limites do estado, rompendo com o governo
federal. A partir de então terá a oposição não só do governo borgista, mas também do governo
federal, vivendo uma nova dimensão aliada à oposição nacional.
A partir de 1925, as ligações tornam-se mais evidentes. Embora fiquem claras
diferenciam-se em duas correntes. Assis Brasil, reconhecido como chefe civil da revolução
brasileira, defende a atuação através das vias parlamentares, mas a ala mais radical,

397
KIELING, José Fernando. Op. cit. p. 58.
398
Idem, ibidem.
164
comandada por Luiz Carlos Prestes, defende a força das armas para derrubar o regime. Estes
procuram manter um intenso movimento de guerrilha, que, no entanto, ocorre de maneira
difusa. Os chefes revolucionários não conseguem articular o movimento. Além da coluna que
se desloca pelo sertão brasileiro, ocorrem levantes em várias partes do Brasil. No Rio Grande
do Sul, além da ação de Leonel Rocha, “atuando na faixa de fronteira com o Uruguai”, 399
Honório Lemes e Zeca Neto combatiam na fronteira-oeste. Lemes foi preso, quando combatia
Flores da Cunha.
De acordo com Kieling, a ameaça oposicionista mais séria, nesse período, foi o golpe
previsto para 14 de novembro de 1926, véspera da posse de Washington Luiz, em que coube
a Zeca Neto o papel principal. A revolta articulada por Isidoro Dias Lopes previa o levante
das guarnições de Santa Maria e da fronteira, bem como os exércitos recrutados entre os
exilados no Uruguai e Argentina. No entanto, o plano foi descoberto, provocando “uma
assincronia de ataques que levou os planos ao fracasso”. 400 As guarnições de Bagé, São
Gabriel e Santa Maria precipitaram-se e lançaram-se a campo, sem o apoio dos demais
contingentes, a não ser o de Zeca Neto. Sob seu comando, instituiu-se um pequeno exército,
contando com um grupo militar de Santa Maria, sob a chefia dos irmãos Etchegoyen, e de São
Gabriel, sob as ordens do Sargento Walter Correa da Silva, tendo que enfrentar as milícias
estaduais comandadas pessoalmente por Oswaldo Aranha. Zeca Neto venceu a batalha em
Seyval, mas teve grandes desfalques, ficando “debilitado para outros possíveis combates, não
lhe restou outra alternativa senão perambular quase dois meses pela campanha e voltar para o
Uruguai”. 401 Esse insucesso parece ter afetado todo o movimento e a entrada de Prestes, na
Bolívia, e de Zeca Neto, no Uruguai, ocorrem quase simultaneamente, em fins de 1926 e
início de 1927.
A partir desse momento, conforme interpreta Kieling, ocorre uma mudança na ação
dos libertadores. A ação não será mais através das armas, mas visa buscar modificações na
política brasileira pela via parlamentar. No entanto, de acordo com suas palavras:

(...) esta fase não significa retorno a posições anteriores. Ela se constrói a partir da luta
realizada e num contexto novo, o contexto nacional, em que a AL não mais trata com o PRR a
nível de província. Este, parece-nos é o mérito do tenentismo: chamar atenção para os
problemas nacionais(...)
Parece-nos que ao conseguir lançar este marco novo os tenentes não estavam driblando a
realidade. No entender desses revolucionários a solução para os problemas que afetavam as
camadas populares tinha de ser buscada numa conjuntura mais ampla que as brigas locais pelo
controle do poder; deveria ser procurada num contexto nacional. Os focos dessa luta,

399
KIELING, José Fernando. Op. cit. p. 66.
400
Idem. p. 67.
401
Idem, ibidem.
165
inicialmente representação e justiça, atacavam pontos fundamentais das relações de poder
cristalizados , no decorrer da República Velha, na política dos governadores. Era necessário,
pois, quebrar essa política para poder aflorar a questão nacional. 402

O autor ressalva que a forma de abordar os problemas pode apresentar ou não uma
perspectiva revolucionária, mas o mais significativo é que o movimento atraiu “velhos
partidos oligárquicos, assentados em vetustas tradições de mandonismo local, inserindo-os na
403
problemática nacional”.
O estudo realizado por Kieling permitiu esclarecer alguns pontos nebulosos nas lutas
locais, constatando-se, também nesse período, algumas especificidades regionais, na inserção
dessas lutas no contexto maior. A despeito de Leonel Rocha ser um dos signatários do Acordo
de Pedras Altas, poucas mudanças parecem ter ocorrido em sua vida caudilhesca, após o
término da revolução, pois Leonel “não pertencia à classe dos que recolhem os frutos das
vitórias”. 404 Não desmobilizou totalmente suas tropas, entrando num outro ciclo de lutas,
agora distanciado dos interesses dos coronéis federalistas da Campanha. O prestígio que
adquirira nas lutas de que participara, tornaram- no um líder natural em outros movimentos de
contestação. Na esteira da Coluna Prestes, associa as lutas, na região, aos interesses dos
caboclos nas áreas de colonização. Em 1924, é encontrado em lutas nitidamente relacionadas
à questão da terra, associando-se aos caboclos que lutavam contra a demarcação da Fazenda
Sarandi, conforme se constata na documentação da Diretoria de Terras. 405 Vinculando-se às
lutas da Coluna Prestes, realiza combates na região, em que, não por acaso, ataca áreas de
colonização onde atuavam companhias particulares como a Colônia Xingu, a Colônia de
Tesouras, ao mesmo tempo em que estabelece vínculos com o movimento tenentista.
A atuação do caudilho, no movimento revolucionário de 1924, tem merecido poucos
registros na historiografia. O manifesto da AL, em apoio ao tenentismo, é assinado, inclusive,
por Leonel Rocha. 406 Nelson Werneck Sodré registra que, “enquanto as forças que haviam se
retirado de São Paulo combatiam no Paraná, irrompeu na região missioneira do Rio Grande
do Sul, tendo como centro de gravidade Santo Ângelo, o levante comandado por Luís Carlos
Prestes, com adesão de forças irregulares, na região serrana, comandadas por Leonel
Rocha”. 407 O próprio Leonel Rocha faz referências claras de sua adesão ao mesmo,
informando que “levantou forças em Palmeira para fazer junção com Luis Carlos Prestes, que

402
KIELING, José Fernando. Op. cit. p. 68.
403
Idem. Ibidem.
404
FERREIRA FILHO, Arthur. Op. cit. p. 119.
405
Doc. nº 538, Cx. 22, AHRS.
406
KIELING, José Fernado. Op. cit. p. 64.
407
SODRÉ, Nelson Werneck. A Coluna Prestes.Circulo do Livro, São Paulo: 1982. p. 30.
166
estava em São Luiz. Entretanto esta junção não foi possível em vista de estar tomada a picada
de Porto Feliz, em Santa Catarina”. 408
Em virtude desse fracasso, emigrou novamente para a Argentina, onde também se
encontrava Isidoro Dias Lopes, que ali preparou a invasão do estado, em Libres, para
recomeçar a luta. Leonel, engajou-se na nova tentativa, atravessou Porto Feliz, atingindo
Barracão, Colônia Chopin e Guarapuava, chegando ao Contestado. A tropa que o
acompanhava era pequena. “Perseguido pela polícia argentina, seus planos foram em parte
prejudicados, pois, a sua intenção era fazer junção com as tropas de Felipe Portinho, em
Tubarão”. 409 Afirma que foi cercado por doze mil homens e que conseguiu escapar
milagrosamente, indo refugiar-se mais uma vez na Argentina. De acordo com seu filho
Cláudio Rocha, pretendia juntar-se à Coluna Prestes, mas isso não chegou a acontecer. “Meu
pai nunca se encontrou com Prestes, apenas trocavam correspondêcia e rompeu com ele
quando ele se declarou comunista”. Diz que o pai fazia a ligação, no Contestado, levando
recados para os outros líderes que estavam lá. 410
Na região de Palmeira, o movimento contou, de um lado, com o apoio de Leonel
Rocha que se solidarizou com Luís Carlos Prestes e, por outro, “com a perseguição de
Vazulmiro, que deixou Clevelândia e, através de picadas de Xanxarê e Nonoai, impediu que
Leonel desempenhasse o papel que premeditara”. Vazulmiro passa a fazer parte do
destacamento sob o comando do Coronel Eneas Pompílio Pires, e em 1º de junho de 1925, o
Terceiro inicia em Santa Bárbara 411 a longa marcha de perseguição à Coluna Prestes. 412
Diários de Campanha registram essa marcha através dos estados de Santa Catarina, Paraná,
Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. 413
A passagem da coluna ficou marcada no imaginário, porque foi travado, na região, o
combate da Ramada, que é considerado como dos mais sangrentos que a Coluna teve que
enfrentar. Luís Carlos Prestes, em entrevista a Sodré, refere-se ao combate “no lugar chamado
Ramada, no dia 3 de janeiro de 1925”, sem fazer observações quanto ao fato de que se
constituiu numa das maiores perdas da Coluna. Conforme Anita Leocádia Prestes, “o combate
da Ramada foi um dos mais sangrentos de toda saga da Coluna Prestes, os revolucionários

408
Entrevista de Leonel Rocha ao Correio do Povo. 09/05/1944.
409
Idem.
410
ROCHA, Cláudio. Filho de Leonel Rocha que nasceu na Argentina em 1928. Entrevistado em 21/10/2001.
411
Santa Bárbara por sua localização entre Pameira e Cruz Alta e devido ao entroncamento rodo-ferroviário,
adquire importância militar, pois “situava-se no denominado círculo de ferro, que fechava as possíveis saídas da
famosa Coluna Prestes. Ver: PRESTES, Lauro Filho. Crônicas II– de Santa Bárbara do Sul. Santa Bárbara do
Sul; Gráfica e Editora Minuano Ltda. s/d. p. 20. Crônica de 25/03/99.
412
SOARES, Mozart Pereira. Op. cit. p. 228.
413
Diários de Campanha; de 23/05/1925 a 20/09/1925. AVaD/IHGRS.
167
tiveram ciqüenta mortos e cem feridos”. Apesar disso, os rebeldes saíram vitoriosos, pois
repeliram o ataque inimigo, obrigando-o a bater em retirada. A autora afirma que Juarez
Távora, referindo-se ao famoso episódio, declara que essa vitória tática “abriu à coluna
revolucionária estrada livre para as fronteiras de Santa Catarina”. 414
As tropas legalistas, comandadas pelo Capitão Carlos de Oliveira Duro, tendo na
vanguarda o 18º Corpo Auxiliar, sob o comando de Victor Dumoncel, atacou a Coluna no
clarear do dia, mantendo o ataque por longas horas, havendo grande número de baixas de
parte a parte, embora maior entre os rebeldes. Contudo, a Coluna conseguiu passar pela
Ramada, em direção ao Uruguai. “Nesse trajeto foram deixando os feridos transportados
mediante precários recursos, em padiolas improvisadas com ramagens e cobertores, pelas
fazendas e propriedades que quisessem recebê- los. Dia 7 a Coluna se encontrava em marcha
para a Colônia Militar do Uruguai”. 415
São muitas as referências que remetem a uma nova ordem de conflitos no município,
sobretudo com a afirmação de Vazulmiro Dutra como líder inconteste nos rumos da política
local. Os demais coronéis estão desarticulados ou cooptados à nova ordem.
É nesse contexto, que ocorrem outros episódios marcantes e ainda pouco
desvendados, como o assassinato do Padre Manuel Gonzalez e seu coroinha 416 e a Chacina de
Nonoai417 , entre outros. Esses episódios são o testemunho de que as lutas locais tinham outras
motivações, além daquelas que movimentam as lutas estaduais. São fatos que mobilizam uma
carga de emotividade que dificulta uma aná lise com o devido distanciamento. O local onde
foram mortos o padre e o coroinha tornou-se ponto de romaria, pois constam relatos de que
“apesar dos corpos terem permanecido por quatro dias no meio do mato, nenhum animal os
tocou. Tampouco os cadáveres exalavam odor. Remexidos, verteu sangue de seus ferimentos.
A história correu de boca em boca. Para o povo não havia mais dúvida Manuel e Adílio eram
santos”. 418
O assassinato do padre Manuel Gomes Gonzales e do coroinha Adílio Daronch
ocorreu em maio de 1924, perto de Três Passos, município de Palmeira das Missões. Padre

414
PRESTES, Anita Leocádia. Uma epopéia brasileira: Coluna Prestes. São Paulo. Moderna, 1995. p. 52.
415
SOARES, Mozart Pereira. Op. cit. p. 226.
416
O assassinato do Padre Manoel Gonzales e do coroinha Adílio Danroch tem merecido atenção devido ao
processo de beatificação, em andamento, e romarias no local do crime e em Nonoai, na capela onde estão
enterrados.
417
A Chacina de Nonoai ocorreu em 04 de junho de 1927, por ocasião de um baile, em que foram mortas 13
pessoas e 25 tiveram ferimentos. O fato apresenta confronto entre maragatos e chimangos, denúncia de racismo e
desentendimentos entre as autoridades policiais. Ver: SOARES, Mozart Pereira. Op. cit. e FÉLIX, Loiva Otero.
Op. cit.
418
Jornal Zero Hora, 08/07/1997. “Alto Uruguai venera dois mártires”. Sobre o assunto o jornal de 16/05/1999
publicou a reportagem: “Alto Uruguai – fiéis buscam um milagre”.
168
Gonzáles atendia a paróquia de Nonoai e, muitas vezes, também a de Palmeira que,
freqüentemente, ficava sem sacerdotes. 419 Segundo o Padre Arlindo Rubert, que pesquisou
sobre o fato, o crime estaria relacionado com as lutas entre maragatos e chimangos destacando
que o “terror se espalhara pela região, quando facções adversas ganharam os campos de
Palmeira e o sertão do Uruguai”. O sepultamento de maragatos em Nonoai e os sermões em
que condenava as injustiças teriam sido os supostos motivos que o levaram à morte. O
julgamento só ocorreu na década de 1940, tendo os acusados sido absolvidos, pois o crime já
estaria prescrito. 420
Tal acontecimento insere-se no contexto das relações de poder, entre os vários
segmentos sociais em que os setores da Igreja não podem ser esquecidos. Esse fato, os
registros no Livro Tombo e a correspondência encontrada no Arquivo Borges de Medeiros
evidenciam situações de tensão e conflito que estão a merecer uma análise mais aprofundada,
mas isso foge do objetivo deste estudo.
Observa-se, em Palmeira, após a Revolução de 1923, um quadro ainda bastante tenso e
a região é agitada por movimentos, ora relacionados com o contexto nacional, ora relacionado
com questões de cunho local. Leonel Rocha refere-se, em suas cartas, a perseguições
políticas. Em 1924, sua casa foi queimada e destruído seu sítio. Conforme o relato de seu filho
Silveira, o pai tinha “uma chácara que foi atacada pelos chimangos. Espalharam tudo o que
havia, feijão milho... e aí queimaram tudo. Daí emigrou para a Argentina.”421
No mesmo ano, participou do combate na Colônia Xingu onde, em companhia do
Tenente Coronel Erasmo Cordeiro, prendeu o chefe Maizinho e sua tropa. 422 Também faz
referências de ataque ao Pari, hoje Tenente Portela, em que estando Leonel Rocha sesteando,
foi atacado por mais de mil homens do governo. Não teve tempo de organizar a retirada, que

419
O Livro Tombo da paróquia não tem nenhum registro no período de 1922 a 1925. Em 1922, consta “nos
últimos meses deste ano começou a revolução – a obra nefasta que reduziu esta população a miséria e arruinou a
vida religiosa”. O próximo registro só ocorre em 1925. O pároco anterior fora embora devido a problemas com
políticos e o padre Gonzales foi assassinado, após sua passagem por Palmeira.
420
Ver RUBERT, Arlindo Pe. O herói do Alto Uruguai – Padre Manuel Gonzalez. Passo Fundo: Editora
Berthier. 1986.
421
Silveira Martins Rocha, em entrevista concedida a autora em 21/10/2001
422
HICKMANN, João. Op. cit. p. 88. Consta que Leonel Rocha fez transportar o filho de Maizinho, gravemente
ferido, para Palmeira, a fim de que tivese tratamento médico, mas apesar dos cuidados faleceu poucos dias
depois. “Ao levantar o falecido da cama, Leonel encontrou debaixo do travesseiro duas carteiras contendo vinte
e cinco contos e que entregou a Maizinho.” Associando os depoimentos é possível concluir que Maizinho é o
apelido de Oscar Luiz Meissinger, chefe da Colônia Xingu.Também faz referências a ataques a Santa Bárbara
“onde o inimigo estava entrincheirado no sobradinho do Cel. Vitor Dumoncel Filho”. O ataque resultou num
fracasso, segundo ele, indicando o ano de 1924 , como data em que o fato teria ocorrido. No arquivo AVaD,
consta registro de ataque ocorrido em 1923.
169
fez para a costa do Uruguai, onde continuou a luta noite adentro. 423 O fato constou da
investigação do movimento de 1924 e o chefe ao qual se refere é Oscar Luiz Meissinger, que
comandava a colonização particular Xingu, de propriedade de Hermann Meyer. Sobre esse
fato foram localizados poucos registros. Carlos Dhein, representante de Meyer e
contemporâneo dos fatos, assim o registrou:

O senhor Luiz Meisinger, que na última revolução do ano passado sofreu muito, foi
novamente assaltado. Sua casa foi queimada pelos agressores. Ele mesmo não ficou ferido, mas
seu filho foi ferido por três tiros, destes um tiro no pescoço e nas mãos. Leonel Rocha soltou os
presos que agora estão em Palmeira. Mesmo uma quantia de dinheiro de vários contos de réis
foi queimada. 424

No dia 21 de novembro, registra o fato com maiores detalhes a partir das informações
que tinha conseguido colher. O ataque, ao que parece já era esperado, pois Luiz Meisinger
com sua família e outros colonos foram esconder objetos na mata, quando a colônia foi
atacada, ficando seu filho Kurt Meissinger gravemente ferido. Relata que um grupo de
Taquarussu, juntamente, com Leonel Rocha penetrou por dois lados diferentes na Colônia.
“Leonel Rocha chamou todos os colonos, pôs o senhor Simon como Intendente provisório e
enviou um escrito ao Meissinger garantindo sua vida e livre retirada com o seu pessoal se ele
entregasse as armas. Rocha levaria a família para Neu-Würtenberg através de um auto”. De
acordo com o relato, a proposta foi aceita, e Leonel manteve sua palavra. Relata, também, que
outros colonos foram saqueados e que o fogo destruiu a biblioteca de Meissinger, com mais
de 1.300 livros. 425

Nesse mesmo ano Leonel Rocha esteve em Sarandi, acompanhado pelo subchefe de
polícia Miguel Schmilewski. Relata que, no hotel, durante a noite, estiveram em perigo de
vida, sendo salvos por interferência do Padre Eugênio, vigário de Sarandi. 426 Embora tal fato
tenha merecido apenas um breve registro em suas cartas, a documentação encontrada, como
veremos adiante, demonstra tratar-se de um episódio relevante que mereceu das autoridades
uma atuação cautelosa.

423
HICKMANN, Pe. João alberto. Op. cit. p. 88. Na ocasião foi morto o capitão Estigarribia e o Tenente
Antônio Alves Pinheiro. Na costa do Uruguai teve um morto e vários feridos. O fato parece estar relacionado à
participação no movimento da Coluna Prestes.
424
RENNER, Darci [et. al..]. Xingu – Cem Anos. Constatina : Editora Artes Gráficas Ltda. 1997. p. 79. Trata-se
da transcrição do diário Carlos Dhein, representante de Hermann Meyer. A data do registro é 18/11/1924.
425
Idem. p. 80
426
Idem. p. 88.
170
Todas essas passagens referentes a Leonel Rocha, no ano de 1924, inscrevem-se no
quadro das lutas relacionadas com a passagem da Coluna Prestes, ao menos é assim que
foram vistas pelas autoridades, conforme o Inquérito que apurou o “Movimento Sedicioso”,
como foi designado na imprensa da época. 427 O jornal Correio do Povo noticia as audiências
que então se procediam, em Porto Alegre, relativas ao processo dos implicados na Revolução
de 1924, e alguns dos depoimentos colhidos são reveladores dos acontecimentos no estado e
da participação de Leonel Rocha nos episódios.
Os depoimentos registrados sobre o movimento sedicioso, que envolveu Leonel Rocha,
não se relacionam diretamente com a marcha da Coluna, mas com questões locais de luta
agrária que encontraram condições de vir à tona, diante do clima de instabilidade e
contestação que a passagem da Coluna propiciou. Alguns dos depoimentos que constaram no
processo dos implicados na Revolução de 1924 esclarecem a atuação do líder maragato, que
juntamente com outros chefes locais, nitidamente identificados com o poder do mato,
pegaram novamente em armas, numa luta que já não se pode atribuir à contestação ao
governo do PRR.
Frederico Westphalen, então intendente municipal, faz um depoimento esclarecedor:

Em fins de outubro de 1924, no município de Palmeira, Leonel Rocha, em combinação com o


Batalhão Ferroviário, estacionado em Santo Ângelo, começou a reunir gente, afim de dar início
a um movimento revolucionário; que, a frente de 200 homens, na séde da colonisação
particular Xingu, deu início a esse movimento, travando combate com a força organizada e
commandada por Oscar Luiz Meissinger.
Nesse combate foi ferido um filho de Meissiger, sendo, também, queimada a casa. Em seguida,
as forças rebeldes atacaram a colonização particular “Sarandy” e, após rápida escaramuça,
della se apossaram, partindo para “Tesouras”.428

Informa, ainda, que depois dos ataques, os rebedes foram perseguidos pelas forças
legais e emigraram para a Argentina. Atribui a chefia a Leonel Rocha que tinha como
principais auxiliares, Othylio Rosa, José Gonçalves Outeiro, José Pedroso, Felício Bueno e
Antonio Fagundes. 429 O depoimento de Frederico Westphalen confirma terem sido mortos em

427
O jornal Correio do Povo em várias edições subseqüentes, nos meses de janeiro e fevereiro de 1926, faz
referências ao processo dos implicados na Revolução de 1924, sob o título “Movimento sedicioso”. Transcreve
parte dos depoimentos colhidos no estado em sucessivas audiências presididas pelo Juiz Federal Dr. Luiz José de
Sampaio e acompanhadas pelo Dr. Fernando Maximiliano, Procurador da República; Dr. Souza Lobo, curador
dos réus ausentes; Doutores Pereira da Cunha, Waldemar do Couto e Silva, Oscar Argollo, Dario de Bittencourt,
Olivério de Deus Vieira Filho e Carlos Machado, advogados dos réus.
428
Depoimento de Frederico Westphalen, no processo dos implicados na Revolução de 1924. Correio do Povo,
26/01/1926. p. 8.
429
Correio do Povo, 26/01/1926, p. 8. Movimento Sedicioso – O processo dos implicados na Revolução de
1924. No depoimento do Dr. Frederico Westphalen são apontados outros grupos que faziam parte da força de
Leonel Rocha, sendo chefiados por: João do Prado, Severino Pires, Erasmo Cordeiro, Alberto Grott, Pedro
171
“Sarandy”, no dia 13 de novembro, Alfredo Baldissareschi, Francisco Valduco e feridos
Domingos Pascoal, Luciano Lemes e Roque Santos.
Confirma os questionamentos formulados de que a força, sob o comando de Leonel
Rocha, requisitou, na Colônia Quatro Irmãos, mercadorias e dinheiro e que só sabe por ouvir
dizer que Favorino Pinto, com 40 homens, no dia 13 de dezembro, invadiu a colônia referida,
requisitando mercadorias e dinheiro. Em Tesouras, além da requisição de mercadorias, os
ataques provocaram a morte dos indivíduos João Telmo, Manoel Canhado e Antonio Manoel
Barros, sendo feridos Arlindo Siqueira e Lulu dos Santos. Foi perguntado sobre o fuzilamento
de 14 homens pelos rebeldes, tendo confirmado ter recebido informações sobre o fato.
A investigação busca esclarecer o papel de Assis Brasil, tendo o Procurador da
República perguntado se sabe se o líder oposicionista “concitou os seus correligionários antes
430
de 29 de outubro a tomarem parte no movimento revolucionário?” O intendente diz não
afirmar, mas supõe que sim. O curador dos réus ausentes faz algumas perguntas sobre a
atuação do intendente, que informa que não pegou em armas contra os revolucionários.
O processo sobre o “Movimento Sedicioso” continua sendo divulgado pelo Correio do
Povo nos dias subseqüentes, investigando o movimento nas várias regiões do estado.
Destacamos o depoimento de Paulino de Souza Barbosa, funcionário estadual, residente em
Palmeira. Declarou saber que:

em Tesouras, Leonel Rocha, á frente de 400 homens, atacou aquella colonia, que, depois de
uma resistencia de 3 horas e meia, foram o depoente e mais trinta homens, que defendiam a
colonia, obrigados a baterem em retirada, morrendo, nessa ocasião, Manoel Candido, João
Telmo de Oliveira e Manoel de Tal; que esse grupo revolucionário, a que se referiu, depois de
ocupar a colonia, entregou-se ao saque e assassinou o colono J. Edelwein. 431

O depoimento confirmou a participação dos indivíduos citados por Frederico


Westphalen, acrescentando alguns nomes e confirmando Leonel Rocha no comando dos
grupos, afirmando que se constituíam em chefetes das forças do mesmo: Othilio Rosa,
Aparício Machado, Pedro Lucio e Alberto Grett, e quanto aos demais “só sabe por ouvir
432
dizer”.
Confirma que os revolucionários espalharam boletins “nos quais declaravam que
pretendiam, com a revolução, depor o governo federal e alterar a Constituição da

Lucio e Adriano Michelon, além de outros que foram juntar-se a Leonel na Argentina: Favorino Pinto, Aparício
Machado e Severo Machado.
430
Idem.
431
Depoimento de Paulino de Souza Barbosa, no processo dos implicados na Revolução de 1924. Correio do
Povo, 29/01/1926. p. 4.
432
Idem. Correio do Povo, 29/01/1926.
172
Republica”. 433 Tinha conhecimento dos mesmos, apenas por ter ouvido notícias a respeito. Os
boletins, segundo constava, eram assinados pelos chefes revolucionários: Isidoro Dias Lopes,
João Francisco 434 , Zeca Netto, Honorio Lemes, Leonel Rocha, Migue l Costa, Bernardo
Padilha, Olinto Mesquita e Felipe Portinho.
Segundo o depoente, depois da ocupação de Tesouras, os revolucionários requisitaram
mercadorias das casas comerciais, cavalos, produtos e roupas dos colonos. Confirmou ter
chefiado o movimento de resistência às forças de Leonel Rocha, em Tesouras, que era sede do
Distrito, onde exercia a função de escrivão no cartório de registro civil. 435
O resultado das averiguações constantes do processo foi publicado em 1929, sob a
seguinte manchete: “O Supremo Tribunal, por seis votos contra cinco, pronunciou os cabeças
da revolução rio-grandense de 24”. 436 O artigo, como outros publicados no dia seguinte, faz
críticas a Washington Luís e defende a anistia. Informa que, em virtude da decisão do
Supremo Tribunal Federal, foram postos em liberdade vários oficiais revolucionários. Diante
da condenação dos cabeças do movimento, vários artigos defendem a “necessidade da
anistia”, citando artigo do Jornal do Comércio e destacando que “quase toda a imprensa
carioca ataca fortemente o governo por esse acto”. Afirma que, no Rio Grande do Sul, há uma
“ampla pacificação dos espíritos”, pois quase ninguém se lembra de Honório Lemes a não ser
para “evocar o legendário batalhador”. A decisão do Supremo Tribunal Federal é criticada por
chegar em hora imprópria, porque todos estão se unindo em torno de Getúlio Vargas. Finaliza,
ressaltando que “não é fora de tempo a condenação de uma política que, se infelizmente não
acabou, de todo, felizmente, já vae acabando”. 437
Como se pode constatar nos depoimentos, os locais de atuação de Leonel Rocha, no
movimento de 1924, coincidem com áreas onde atuavam companhias de colonização
particular. Relativamente à Colônia Xingu438 e Colônia de Tesouras 439 não nos foi possível

433
Correio do Povo de 29/01/1926.
434
Trata-se de João Francisco Pereira de Souza, chimango de 1893, que, conforme Caggiani, aparece como um
dos articuladores do movimento de 1924, no Rio Grande do Sul, acompanhando seus genros, que em São Paulo
participavam do movimento tenentista. Em 24 de setembro envia carta a Leonel Rocha, através do Comandante
Cunha Filho, a fim de acertar encontro. “V. Excia., é uma das primeiras figuras, guiarem a juventude liberal no
caminho da honra marchando com a bandeira da nossa revolução (...) se vossas falanges gloriosas de 22 –
Senhor General – nos ajudarem agora a conquistar aquilo que a perfídia de Bernardes, Medeiros e Setembrinos
vos roubou, violando e burlando o Pacto de Pedras Altas, podeis estar seguro de que é fácil, e muito fácil vingar-
vos, desafrontar o Rio Grande liberal e salvar a República das garras dos abutres!” Ver CAGGIANI, Ivo. João
Francisco: a hiena do Cati. 2ª. Ed. Porto Alegre: Martins Livre iro Editor, 1997. p. 168.
435
O Correio do Povo segue destacando os depoimentos, nas várias regiões do estado, nas seguintes
datas:30/01/1926; 02/02/1926; 09/02/1926; 27/02/1926; 05/03/1926.
436
Correio do Povo, 29/01/1929. A caminho da annistia. p. 3.
437
Correio do Povo, 30/01/1929. Há vários artigos sobre o assunto, confirmando o clima de conciliação.
438
A Colônia Xingu, assim denominada pelo empresário Hermann Meyer, que veio ao Brasil para uma excursão
ao Xingu, na Amazônia, “da qual participaram alguns teutos-riograndenses que seriam futuros sócios seus no
173
aprofundar a investigação dos fatos, por não terem sido localizados documentos. Já com
referência à Colônia Sarandi, localizamos correspondência da Diretoria de Terras, que
permitiram uma melhor análise e compreensão dos fatos, conforme tratamos a seguir.

4.4. Caboclos e coloniza dores na Fazenda Sarandi440

Em 28 de setembro de 1924, Carlos Torres Gonçalves, que se encontrava em Passo


Fundo, envia telegrama ao Secretário de Obras Públicas, Dr. Ildefonso Pinto, o qual comunica
ter sido informado pelo Dr. Vergueiro, juntamente com o encarregado da Colônia Sarandi,
Armínio Silva, de “graves ameaças” à perturbação da ordem.

Cerca de noventa homens armados sob direcção de Leonel Rocha, ameaçam atacar
turma medição fazenda e em seguida povoado Sarandy, séde da colonia. Município
não dispõe força e sexto Corpo Provisório está em pé de marcha para Paraná, com
effectivo completo. Agrimensor Luiz Magalhães, empregado da Colonia Sarandy, está
entrincheirado com 25 homens mal armados, em attitude defensiva.441

Informa, ainda, que o Subchefe de Polícia encontra-se em Erechim e, de acordo com


Dr. Vergueiro, se o grupo atacante não for reprimido, poderão ocorrer violências contra a
população da colônia. Informa que está tentando fazer chegar convite para um encontro, em
nome do Governo do Estado a Leonel Rocha, por intermédio de Frederico Westphalen.
A preocupação de Torres Gonçalves se manifesta no telegrama enviado a Leonel
Rocha, transmitido através de Frederico Westphalen, na mesma data. Manifesta a disposição
de encontrar-se com o mesmo nos seguintes termos:

comércio de terras do Rio Grande do Sul”. Conforme já referimos, Meyer foi um dos maiores empresários
estrangeiros que atuou na colonização do Planalto. A Colônia Xingu foi adquirida em 1897, através de seu
procurador Carlos Dhein. A posse foi adquirida de Maria Rita do Espírito Santo e possuía uma área de cerca de
1,8 mil hectares. Foi a primeira de uma série de outras. Ver ZARTH, Paulo Afonso. Op. cit. p. 86-87.
439
A Colônia de Tesouras foi fundada em 1915, com uma área de 3.700 hectares. Foi colonizada por Miguel
Matt, em 1915, adquirindo as terras de José e Antônio Sampaio. O intermediário-vendedor foi Pedro Sefrin, mais
tarde morto em escaramuças revolucionárias. Tesouras em 1920 tinha 300 habitantes, conforme “Relatório
apresentado ao Dr. A. A. Borges de Medeiros pela Secretaria do Estado dos Negócios das Obras Públicas, em
1920”. STEFFEN, Roque Jacob, Inês Maria L. e Nelson S. Histórico do Município de Chapada. Gráfica e
Editora da UPF, 1984.
440
Não é nosso objetivo o aprofundamento do estudo sobre a Fazenda Sarandi, a qual situava-se na área do
município de Passo Fundo. Sobre o tema ver RÜCKERT, Aldomar. Op. cit. e VENCATO, Almedoro. Op. cit.
No entanto, a abordagem dos episódios aqui tratados se faz necessária para acompanhar a trajetória de Leonel
Rocha, seu vínculo com os caboclos de ambas as margens do rio da Várzea e o encaminhamento da sua luta em
favor dos “despossuídos”.
441
Telegrama de Carlos Torres Gonçalves ao Secretário de Obras Públicas, em 28/09/1924. Pasta. nº 538, Doc.
nº1, Cx. 22. AHRS.
174
Informado que grupo armado ameaça turmas de medição terras Sarandy, appelo vosso
patriotismo intervirdes junto ao mesmo acalmando animos. Em nome Governo do
Estado vos convido nos encontrarmos aqui em Passo Fundo, em Santa Bárbara ou na
Villa Palmeira, afim transmitir-vos de viva voz medidas de proteção. Aguardo
resposta sobre ponto onde preferis nos encontrarmos.442

Na incerteza sobre o meio de encontrar mais facilmente Leonel Rocha, faz seguir
também um enviado de Passo Fundo para Sarandi com o mesmo convite. O tom amistoso da
carta e a atenção dada ao fato revelam a situação tensa que existia e o cuidado em evitar que
as ameaças se concretizassem, buscando, na liderança que Leonel Rocha exercia, um ponto de
conciliação. Dirige-se ao “Cidadão Coronel Leonel Rocha”, tendo o cuidado de informar no
início que se encontrava nesta cidade

com a incumbência do governo do Estado de examinar calmamente a situação dos ocupantes


das terras da Colonia Sarandy, para onde devo seguir, estando aguardando a cessação das
chuvas, afim de providenciar com eqüidade sobre os mesmos, quando sou surpreêndido pelo
aviso de que numeroso grupo armado ameaça atacar as turmas de medição da companhia
colonizadora das terras e a sede da mesma colonia.
Informado de vosso ascendente sobre pessoas desse grupo, appelo para o vosso patriotismo, no
sentido de intervirdes junto a ellas, para acalmar os animos superexcitados.443

Tem o cuidado de informar que está autorizado pelo governo para convidá- lo para um
encontro, insistindo que o local e data podem ser escolhidos por Leonel, “afim de transmittir-
vos de viva voz as medidas de protecção aos moradores de Sarandy que o governo tem
resolvido, e, por vosso intermédio, ouvir os descontentes com a companhia colonizadora”. 444
Na mesma data, envia outra correspondência, por via férrea, ao Secretário de Obras
Públicas, Dr. Ildefonso Pinto, confirmando os telegramas anteriores e informando sobre a
situação da colônia. Os dados são surpreendentes e mostram que o conflito já vinha de meses
anteriores.

População colonia Sarandy monta cerca de quatro mil pessoas ou setecentas famílias. Os
chefes de cerca de trinta dessas famílias, homens de maos precedentes, todos muito
conhecidos, participantes da ultima revolução, foram os que atacaram em 25 de julho as
turmas de midição, assassinando o agrimensor João Pedro Flores e um peão e ferindo outro
peão. A companhia colonizadora expulsou em seguida essas trinta famílias das terras. Outras
famílias moradoras, cerca de mais oitenta, retiraram-se na mesma ocasião, algumas por serem
seus chefes solidários com autores do attentado, e a maioria em virtude da intranquilidade da
colonia.

442
Idem. Anexo nº 2. Torres Gonçalves informa o teor do telegrama enviado a Leonel Rocha, através de
Frederico Westphalen .
443
Carta de Carlos Torres Gonçalves, Diretor de Terras e Colonização para Leonel Rocha. Passo Fundo
29/09/1924. Pasta .nº. 538, Doc. nº. 2. Cx: 22, AHRS.
444
Idem.
175
A não ser as trinta famílias dos autores do attentado ás turmas, a companhia colonizadora
manifesta-se disposta a receber novamente nas suas terras as demais que sahiram. 445

Diante da situação tensa, aponta como alternativa oferecer a essas famílias lotes em
uma região mais afastada, na colônia Santa Rosa, onde o governo mantém um serviço de
proteção aos nacionais, dando- lhes transporte gratuito e facilitando o pagamento dos lotes em
serviço, assim como o pagamento de indenização pelas benfeitorias que perderem em Sarandi.
Informa que os chefes envolvidos no atentado estão sendo processados em Passo
Fundo e, para melhor esclarecimento, anexa o relatório do Delegado de Polícia, Juvenal
Xavier. O relatório registra o episódio do dia 26 de julho do mesmo ano, quando o agrimensor
João Pedro Flores saía do seu acampamento de trabalho na Serra do Sarandi, juntamente com
seus peões, para proceder à demarcação de colônias, que fazia por conta do agrimensor Luiz
Magalhães, contratante do serviço, quando a turma foi “assaltada e barbara e traiçoeiramente
por um grupo de malfeitores occultos nos mattos de ambos os lados do trilho por onde se
dirigia a turma”. 446 Foi morto, na osasião, o agrimensor João Pedro Flores, o peão José Pedro
dos Santos, saindo ferido Alipio Xavier Simões. Este, juntamente com outros peões que
compunham o grupo, presta declarações reconhecendo e informando os agressores. Entre os
nomes mais citados encontra-se Primo Savoldi, Pedro Americo, Angelo Giordani, Severino
Peres e vários outros. Relata que quando os companheiros retornaram ao local para buscar os
corpos para sepultar foram novamente atacados pelo grupo que se mantinha nas imediações,
ficando os corpos insepultos por vários dias. Denuncia que os assaltantes levaram o
instrumento de trabalho do agrimensor e algumas armas. O delegado informa não ter, ainda,
enviado o relatório devido ao acúmulo de serviço e às dificuldades para a investigação, dada a
distância do local.
Verifica-se, na correspondência enviada por Torres Gonçalves, nos dias seguintes, a
preocupação em manter o Secretário de Obras Públicas informado de todas as ações que está
desenvolvendo. Segundo ele, o encontro com Leonel Rocha, em Sarandi, seria arriscado, por
ser o local das agitações, presumindo que Palmeira seria o ponto mais indicado para o
encontro. 447 Em correspondência posterior, informa que o encontro ocorreu em Palmeira e
que “Leonel Rocha declarou concordar com as medidas propostas”. 448 Solicita ao secretário
autorização para a transferência das famílias para Santa Rosa ou Erechim, pois a permanência

445
Carta de Carlos Torres Gonçalves ao Dr. Ildefonso Pinto. Pasta 538, Doc. nº. 3, Cx. 22. AHRS.
446
Relatório do Delegado de Polícia de Passo Fundo, Juvenal Xavier. Pasta 538, Anexo ao Doc. nº. 3. Cx.22.
AHRS.
447
Torres Gonçalves para Secretário das Obras Públicas, Ildefonso Soares Pinto de 30/09/1924. Doc. nº. 4. Idem.
448
Telegrama de Torres Gonçalves para o Secretário de Obras Públicas de 05/10/1924. Doc. nº. 4. Idem.
176
das mesmas é uma ameaça à manutenção da ordem. O número de famílias não seria trinta,
mas quinze e a Companhia Sarandi estaria disposta a ficar com as benfeitorias, indenizando os
449
moradores, segundo a avaliação feita pela Comissão de Passo Fundo. Em anexo, constam
instruções ao Chefe da Comissão de Terras de Passo Fundo, sobre as providências a serem
tomadas para avaliação e transferência das famílias.
Coloca-se, assim, o governo, através da Comissão de Terras, como intermediário entre
os caboclos e a Companhia, criando condições favoráveis para a transferência das famílias
que tivessem de ser afastadas, providenciando transporte e facilidades para a aquisição de
novas terras, “no sentido de ampliar os períodos de pagamento e facilitar este mediante a
prestação de serviço em trabalhos de viação”. Tais facilidades seriam exclusivamente para as
famílias em questão. 450
O episódio, revestido de muita violência, demonstra a gravidade das ações que
acompanhavam os processos de apropriação de terras, ditas devolutas, na região Norte do
estado. A correspondência de Torres Gonçalves mostra que o governo tinha conhecimento do
clima de hostilidade que havia contra a Companhia Colonizadora Sarandi e procurou agir com
presteza, desativando um foco de tensão, que poderia se agravar diante da participação de
Leonel Rocha, quando as cinzas da Revolução de 1923, ainda não tinham se apagado de todo.
Torres Gonçalves afirma em uma das cartas que:

As pessoas com quem tenho falado, attribuem a situação de Sarandy antes a moveis politicos
do que a descontentamento de moradores. Assim poderá ser, na verdade, se for exacto, como
vou procurar verificar no local, que a grande maioria dos ocupantes das terras, não só
permanece em attitude pacifica, como considera-se victima das violencias e perturbações
constantes dos amotinados, todos alli estabelecidos durante a ultima revolução, e cuja volta
451
para as terras lhes repugna, a ponto de muitos declararem-se dispostos a não consentir nisso.

Tem-se aí a visão do poder. A percepção do ponto de vista dos moradores consta em


uma carta enviada a Leonel Rocha, por Primo Savoldi, 452 um dos principais acusados,
indicando que se encontrava no local denominado Potreiro Bonito, um dos redutos onde se

449
Torres Gonçalves para Ildefonso Soares Pinto, Secretário das Obras Públicas de 05/10/1924. Idem.
450
Carta de Carlos Torres Gonçalves para o Chefe da Comissão de Terras de Passo Fundo, de 05/10/1924. Idem.
451
Idem. Doc. Nº 4.
452
Savoldi foi o primeiro professor do ensino primário do povoado de Sarandi. Por ter se desentendido com os
integrantes da Companhia Colonizadora Gomes, Silva & Cia., tornou-se persona non grata e, premido pelas
conseqüências socio-políticas da época ingressou no Partido Libertador, passando a liderar os maragatos da
região de Sarandi. Tomou parte de vários episódios que fazem a história de Sarandi, sendo acusado de co-autor
dos assassinatos do agrimensor João Pedro e do chefe da medição das terras da Colônia Sarandi. Foi processado,
junto com outros companheiros, e absolvido por 7 a 0. Foi o primeiro júri da Comarca de Carazinho, tendo
atuado como Promotora Pública a Drª. Sofia Galanternick, como Juiz de Direito Jorge Fonseca Pires e o
advogado de Passo Fundo Celso Fiori. Embora o crime tenha ocorrido em 28/06/1924, os indiciados somente
foram julgados em 1941. Desiludido com os acontecimentos retirou-se para Iraí, onde faleceu. Ver VENCATO,
Almedoro. Sarandi, um recanto histórico do RS. Sarandi: Gráfica Editora “A Região” Ltda. 1994. p. 86.
177
concentravam os caboclos da zona da mata. Escreve que “um boato ou notícia exacta (...)
infundio um jubilo de alegria nos corações de diversos habitantes que foram escurraçados do
Sarandy” . A notícia seria a chegada de Torres Gonçalves a Palmeira para conferenciar com
Leonel Rocha sobre as “horrendas passagens de tristeza que passou os habitantes da terra
protestada do Sarandy”. Demonstra, na linguagem simples com que se expressa, que a
presença desse representante do Governo do Estado, pode vir a solucionar seus problemas.

(...) assim é que si exacto for esta notícia confiamos pela segunda vez que esta autoridade
do Governo do Estado, e que lançará um olhar benigno sobre centenares de famílias
laboriosas escurraçadas de suas casas pelos infames usurpadores do direito desse pessoal,
dissemos infames uxurpadores do direito porque a actual Companhia Colonizadora veio
destruir o direito deste grande número de habitantes, desalojar moradores de suas casas e
vender o referido lote há outros compradores que nem se sabe de onde vem e que está
residindo em outros municípios, queimar centenares de casas com mantimentos, expulsar
fóra do solo nactivo centos de familias, espostos aos rigores do tempo soffrendo as mais
rudes provas que a humanidade possa resistir, creanças chorando e morrendo de fome, sem
poder socorrel-a sendo tomados todos os mantimentos que há estes pertenciam, suor
uxurpado (pela maldicta Companhia) dos laboriosos agricultores que a um anno
derramaram o suor para agora aproveital-o em mantimentos para si e para os filhos... 453

A linguagem confusa não impede que se constate uma grande revolta contra a
Companhia: “estamos na época que está sendo violado o direito do laborioso trabalhador”. 454
Afirma que muitos tiveram que abandonar o solo nativo e ir para o estrangeiro. Esclarece a
passagem de Leonel Rocha por Sarandi, quando relata que o Subchefe de Polícia aí esteve,
cientificando-se dos fatos. Na ocasião, colheu muitos depoimentos, só não se apresentando
mais queixosos, porque se viram sem garantias de vida, visto que o pessoal, sob as ordens do
Capitão Luiz Magalhães, estava pronto a bombardear o hotel em que se achava hospedado o
Subchefe, o próprio Leonel Rocha e demais companheiros. Savoldi destaca que “isto é
contado por muitas pessoas da séde, que estiveram toda a noite com as armas na mão,
prompto para tal desordens e si o pessoal atacou a medição é porque se viram violados os seus
direitos”. 455
Faz referências em sua carta a 400 habitantes que foram expulsos de suas casas e
muitas delas queimadas, havendo entre eles posseiros que residiam no local há mais de 30
anos, “e agora vir uma companhia e tratar de espulsal-os a todos sem ao meno s dar a
preferência aos habitantes das terras. É verdade que estamos atravessando uma época que o

453
Carta de Primo Savoldi a Leonel Rocha, de 30/09/1924. Doc. Nº 11, Pasta 538, Cx. 22. AHRS.
454
“Isso remete às discussões thompsonianas sobre a economia moral da multidão, pelas quais as comunidades
têm determinadas concepções do que é moralmente justo ou injusto – concepções que não necessariamente
coincidem com as dos membros da elite ou com as dos historiadores – e reagem quando sentem seus direitos
violados”, conforme apontado por Benito B. Schmidt na argüição deste trabalho.
455
Carta de Primo Savoldi a Leonel Rocha, 30/09/1924. Doc. Nº 11, Pasta 538, Cx. 22. AHRS.
178
homem que procura o seu direito é considerado como bandido”. 456 Afirma depositar confiança
em Leonel Rocha, a quem trata com deferência, confiando que, se fosse firmado um acordo,
não seria prejudicial aos antigos moradores.
Constata-se, na documentação exposta, que o episódio está diretamente ligado a
conflitos fundiários, sendo trazido para a análise por demonstrar com clareza o vínculo de
Leonel Rocha com os deserdados da terra, comprovando que sua luta não era apenas contra o
governo, mas contra uma ordem social avalizada e mantida por esse mesmo governo.
Sobre a atuação de Torres Gonçalves é de se observar o extremo cuidado com que
atuou no sentido de oferecer condições para que o conflito fosse resolvido. A atitude está em
consonância com sua postura ideológica que tinha como uma de suas metas a proteção aos
nacionais. “A colonização privada, em que pese os resultados elogiáveis em nível da pequena
produção policultora, aparentemente não é tida como o procedimento em melhor consonância
com os princípios positivistas do governo estadual, esses seriam, basicamente, de caráter
social para com os imigrantes e para os caboclos – os nacionais”. 457
Para melhor clareza sobre o rumo dos acontecimentos, posteriormente aos episódios
que constam da documentação exposta, recorremos a obra de Almedoro Vencato, que
escrevendo sobre a história de Sarandi afirma que “o desentendimento com os componentes
da firma Gomes, Silva & Cia. deu-se porque se dizia que as terras pertenciam ao governo, de
vez que o mapa elaborado... fora alterado, propositadamente, ocorrendo uma grande
controvérsia entre os caboclos e a companhia”. O professor Primo Savoldi, que se havia
indisposto com o pessoal da Companhia Colonizadora, passou a liderar os que se opunham à
medição de terras da Colônia Sarandi, organizando, então, dois grupos de caboclos maragatos
que se dispunham a impedir a tarefa dos agrimensores e, sendo necessário, eliminá- los. 458 Os
caboclos não admitiam que os colonizadores medissem as terras, principalmente, as que
margeavam o rio da Várzea, onde se concentrava maior número daqueles que vieram de
Palmeira das Missões.
Sarandi era um reduto de muitos habitantes caboclos e ali se processava uma
colonização com colonos italianos, decididos a tomar posse das terras que tinham adquirido
da companhia colonizadora. Estabeleceu-se o conflito, porque os caboclos não aceitavam que
os colonizadores medissem as suas terras. Conforme Vencato:

456
Idem. Ibidem.
457
RÜCKERT, Aldomar. Op. cit. p. 127.
458
VENCATO, Almedoro. Op. cit. p. 86.
179
Sarandi passa a ser alvo da atenção dos maragatos, pois, além de ser reduto de muitos
habitantes caboclos (intrusos da Fazenda dos Castelhanos), aqui se processava uma
colonização de elementos alienígenas que, para os caboclos, eram gringos, tidos (estes sim)
como intrusos, indesejáveis, perturbadores do sossego e paz daquele meio que viviam os
primitivos habitantes: criadores de gado, caçadores, mateiros, coletores de pinhão, fugitivos
da justiça, negros libertos e outros tantos habitantes de arribação.
(...) Estes logo se aliaram, em grande número, aos grupos revolucionários maragatos,
formando os famosos piquetes que atacavam, de surpresa, a população local, atemorizando os
pacatos colonizadores. Os chefes da Cia. Colonizadora, naturalmente, aderem às forças
governamentais, buscando-lhes apoio e proteção. Assim, estabelece-se entre as duas forças o
confronto.459

Vários episódios violentos ocorreram e foram relatados por Vencato que afirma que, à
medida que mais colonos iam chegando, a companhia colonizadora foi sendo pressionada a
prosseguir na medição das terras. No período revolucionário de 1923 a 1925, ocorreram
mortes e vinditas políticas, sendo o período caracterizado pelo temor da ação das facções em
luta. De acordo com Vencato, a companhia colonizadora contava com o apoio do Intendente
Nicolau de Campos Vergueiro, que defendia a propriedade da firma aos castelhanos Julio
Mailhos, Mouriño & Lapido. Já os moradores da zona da mata diziam que a área pertencia ao
Governo do Estado e, por isso, opunham-se à medição. A tentativa de oferecer lotes em outras
regiões não atingiu seu intento e a violência chegou a registrar mortes, como as que foram
registradas anteriormente, voltando-se contra os que realizavam a tarefa da medição.
Apesar da intervenção do Governo Estadual a questão não foi totalmente resolvida
com a saída de algumas famílias e, em 12 de novembro de 1924, Leonel Rocha, juntamente
com Primo Savoldi e Ângelo Giordani invadiram a Vila de Sarandi à frente de um piquete de
450 homens. Ocorreram mortes e o maior saque das invasões à vila. “Mas o que os invasores
queriam era a vida de Armínio da Silva, chefe da Cia. Colonizadora. Gritavam ofensas ao
mesmo, buscando-o por todas as casas e possíveis esconderijos, caracterizando, através dessas
manifestações, o desagrado dos caboclos contra a demarcação das terras”. 460
Os acontecimentos posteriores foram marcados pela reação dos chimangos.

Começou, então, a vindita dos chimangos: Carlos Sbaraini e outros companheiros foram
encarregados pela Cia. Colonizadora para efetuar a eliminação dos ranchos de caboclos e seus
ocupantes a ferro e fogo, pagando-se certya quantia pelo destruído: o despejo era feito a tiros e
os que não fugiam eram apagados.Os que não conseguiam fugir pra as matas eram mortos e
jogados no rio da Várzea. Há algo decididamente fantástico: destas empreitadas, era costume
trazer as orelhas dos caboclos , atadas aos tentos dos arreios. O trabalho era recompensado pelo
número de pares de orelhas contados, junto à sede da Cia. Colonizadora, quando do retorno do
grupo.461

459
VENCATO, Almedoro. Op. cit. p. 90. Segundo informações do autor, seu relato é fruto de registros locais e
relatos orais dos contemporâneos dos fatos.
460
Idem. p. 100.
461
Idem. p. 101.
180
Diante da crueza das perseguições, os posseiros caboclos da margem direita do rio da
Várzea foram expulsos, indo localizar-se na margem esquerda, já no município de Palmeira
das Missões, enquanto outros transferiram-se para Tene nte Portela ou para o estado vizinho.
No entanto, a colonização privada avançava e a mercantilização da terra torna-se uma
realidade, conduzindo à expropriação dos nacionais das áreas que ocupavam, ao invés de
serem incorporados ao processo de colonização. Conforme Rückert:

O não-engajamento parcial dos camponeses nacionais aos projetos de colonização produz um


amplo raio de tensões e conflitos nas terras ocupadas por caboclos. A colonização das terras de
matas da Fazenda Sarandy é um caso exemplar no que diz respeito à expropriação e
marginalização dos camponeses caboclos, via de regra chamados de intrusos, uma vez que nela
se dá a implantação da colonização particular a partir de 1917 pelos uruguaios Lapido,
Mouriño e Mailhos.462

Os acontecimentos de 1924 permitem conclusões sobre a inspiração das lutas


empreendidas por Leonel Rocha, ao atacar os redutos de onde, mais claramente, se
evidenciava o caráter excludente da posse da terra para os caboclos. De acordo com Sodré, a
Coluna enfrentou, em momentos diversos, as forças regulares do Exército, mas, “no conjunto,
as que de fato e continuamente a combateram foram as forças irregulares, a tropa do
latifúndio (...) com a ajuda ou aliança das polícias militares estaduais”. 463 Por aquilo que a
Coluna representava como fator de contestação ao coronelismo, “atraiu a simpatia dos
desafortunados e dos perseguidos”. 464 Os familiares ressaltam o afastamento de Leonel Rocha
de Luís Carlos Prestes, quando este aderiu às idéias socialistas. No entanto, sua luta o
identifica com os depossuídos e as palavras de Arthur Ferreira Filho parecem adequar-se ao
personagem: “talvez, mesmo sem o saber, já lutasse como instrumento de seus próprios
adeptos, por uma vaga transformação que viesse melhorar a sorte dos roceiros e trabalhadores
da enxada”. 465
Segundo Hickmann, Leonel Rocha “timbra em ressaltar” em suas cartas que só lutava
pela Liberdade e Justiça. Não exercia vingança e sempre poupava a vida de seus adversários
vencidos. Assim, enquanto o ideal de liberdade e justiça não fosse alcançado, Leonel Rocha
continuava na luta. Em 1926, encontrava-se na Argentina e, juntamente com alguns velhos
aliados, planejavam novas investidas. Escreve Leonel:

462
RÜCKERT, Aldomar. Op. cit. p. 128.
463
SODRÉ, Nelson Werneck. Op. cit. p. 40.
464
Idem. p. 46.
465
FERREIRA FILHO, Arthur. Op. cit p. 118.
181
Esta revolução de 1926, fiz no Contestado de Santa Catarina. Foi a mais braba de todas.
Estava eu nesta ocasião imigrado na Argentina; quem estava preparando a revolução na
Argentina era o General Zeca Neto, depois passou para o General Isidoro. Fui quatro vezes
conferenciar com eles, primeiro em Casseiros, depois em Passo dos Libres. Acertamos bem os
planos e o General disse: revolução bem preparada como esta, não houve; falhando a metade,
ainda temos demais. Finalmente falhou tudo.466

Ferreira Filho refere que, em 1926, Leonel Rocha, apoiando o movimento iniciado em
Santa Maria, pelos irmãos Etchegoyen, tenentes do Exército, levantou-se no município de
Palmeira à frente de um pequeno grupo rebelde. Vazulmiro Dutra é chamado a combatê- lo,
mas não houve necessidade de entrar em campanha. O caudilho revolucionário abandonou
rapidamente a cena, rumando para leste, onde foi derrotado pelo coronel Joaquim Acauã, no
Morro Agudo, município de Bom Jesus. 467
Leonel recebeu ordens de fazer a invasão de Porto Feliz, hoje Mondaí, em Santa
Catarina, onde surpreendeu a todos os habitantes, enquanto dormiam. Entrando na Colônia
recém criada de Porto Novo, hoje Itapiranga, prendeu os colonos, que mais tarde foram postos
em liberdade. 468 De Porto Feliz, Rocha seguiu para Barracão, depois tomou o rumo de Palmas
e, em Pato Branco, foi atacado por uma força do Exército. Segue na sua trajetória atacando
vários locais: Colônia Chopim, Guarapuava, Marechal Malé, Campos Novos, São Joaquim,
Lajes, Tijuca, Bom Jesus. Tomam armamentos e também enfrentam grandes perdas.
“Costeando a Serra do Rio Canoas foram atacados por uma força do Exército de mais de mil
homens. A metade da gente de Rocha ficou extraviada nesta ocasião”. 469 Após o encontro em
Urubiçu, ficou só com quinze homens. Retornou ao Rio Grande do Sul, passando por
Erechim, atravessou o rio Uruguai e internou-se, novament e na Argentina, onde se encontrava
sua família desde 1925.
Tendo que empreender a volta em condições adversas, durante vários dias, faz
prodígios de habilidade, movendo-se com extrema dificuldade, para livrar-se dos numerosos
destacamentos que, em ambas as margens do rio Uruguai, aguardavam a passagem do
caudilho.
Esse novo surto de rebeldia foi desastroso para os velhos caudilhos, que já não
encontraram o mesmo ambiente de luta e muitos dos velhos companheiros não os

466
HICKMANN, João. Op. cit. p. 89.
467
FERREIRA FILHO, Arthur. Op. cit. 1986. p. 80.
468
Idem. p. 89. Estes fatos lhe valeram, na região, uma fama negativa. Os mesmos estão descritos no livro de
Maria F. Rhode Pioniergeistder Väter Erbe, história dos primeiros 25 anos de Porto Novo. Tipografia do Centro
– Porto Alegre, conforme consta em Hickmann.
469
HICKMANN, João. Op. cit. p. 89.
182
acompanhavam mais. Zeca Neto sem conseguir controlar seus comandados, após algumas
escaramuças, foi derrotado e obrigado a regressar à república vizinha. 470
Leonel Rocha lançou-se nessa aventura com poucos homens e, conforme Ferreira
Filho, destinada previamente ao fracasso. “Não se podendo sustentar em seu campo predileto
de ação, as matas de Palmeira, transpõe o rio Uruguai e sobe pela margem catarinense, numa
caminhada sem objetivo (...) Estava em campo limpo, fora de seus hábitos e em zona estranha
a todos os componentes de sua coluna”. 471
Pouco se sabe da vida de Leonel Rocha nos anos subseqüentes ao episódio de 1926.
Seu filho informa que viviam em Bompland, na Argentina, onde o pai tinha uma chácara, que
ficava a uns dez quilômetros da cidade, para onde ia todo dia, a cavalo. Dedicava-se à
agricultura e à extração de erva- mate.
Em 1930, de acordo com Hickmann, o Dr. Osvaldo Aranha mandou buscar Leonel
Rocha na Argentina, incumbindo-o do comando da Brigada Militar em Palmeira. No entanto,
não chegou a participar efetivamente da movimentação, pois, enquanto aguardava o
armamento, a revolução terminou. Faz referência à ajuda financeira que recebeu : “o general
Flores da Cunha mandou- lhe três contos de réis para fazer a mudança da Argentina para
Palmeira”. 472 Leonel teria retornado ao Brasil, nessa ocasião, embora a família tivesse
permanecido em Bompland. Conforme o filho, Silveira Rocha, voltam ao Brasil em 1932, “foi
chamado pelo Getúlio”. 473 O filho Cláudio conta que o pai “tinha uma caminhãozinho, no
qual trazia algumas coisas, mas teve que deixar na aduana... não pode trazer nada, veio só
com a roupa do corpo”. 474
Como estava agora do lado governista, “o general Flores da Cunha fez levar Leonel
Rocha para Porto Alegre para protegê- lo contra seus inimigos”. 475 Conforme o próprio
caudilho, “essa foi a primeira vez em minha vida que viajei com leito, em carro de primeira
classe”. 476 Nessa luta teve autorização para formar uma Brigada e foi guarnecer Porto União,
onde conseguiu debelar uma revolta. De suas tropas, foram enviadas três companhias para o
litoral de São Paulo, atendendo pedido do Interventor Manoel Ribas, do Paraná. Bateram-se
num combate onde tiveram um morto e doze feridos.

470
Ver FERREIRA FILHO. 1986. Op. cit. p. 104.
471
FERREIRA FILHO, Arthur. Op. cit. p. 119.
472
HICKMANN, João. Op. cit. p. 90.
473
Entrevista com Silveira Martins Rocha, concedida à autora em 21/10/2001.
474
Entrevista com Cláudio Silveira Martins, concedida à autora em 21/10/2001.
475
HICKMAMM, João. Op. cit. p. 90
476
Entrevista de Leonel Rocha ao Correio do Povo. 09/05/1944.
183
Cessava aí o passado de lutas, em que combateu em condições quase sempre adversas,
defendendo, conforme proclamava, “Liberdade e Justiça”. Após a Revolução de 1932, Flores
da Cunha nomeou-o chefe dos guardas florestais em Erechim, cargo no qual foi aposentado,
em 1938, quando o Rio Grande do Sul era governado por Cordeiro de Farias. 477 De certa
forma, isso vem confirmar as palavras de Arthur Ferreira Filho de que Leonel Rocha “Não
pertencia à classe dos que recolhem os frutos das vitórias revolucionárias”. 478 Aceitou um
emprego modesto e viveu seus últimos anos de modo discreto, sem perder o vínculo com os
caboclos que chefiara. Conforme afirma sua filha Nelci “sempre vinham caboclos de
Palmeira, tinha um fogo-de-chão no galpão, onde ficavam conversando... vinham trazer
notícias de política”. 479
Hickmann encerra a biografia, registrando o falecimento do líder maragato em 20 de
dezembro de 1947, aos 82 anos, na cidade de Erechim. Dentre os velhos companheiros de
luta, o Coronel Fidêncio Melo, que teve com ele destacada atuação na Revolução de 1923, se
manteve próximo até sua morte. O enterro simples teve a presença de políticos e repercutiu
em todo estado, sendo homenageado na Câmara de Vereadores de Erechim e na Assembléia
do Estado, por proposta do então deputado, Leonel Brizola. 480

4.5. Por que lutou Leonel Rocha?

A atuação de Leonel Rocha nos conflitos que conflagraram o Rio Grande do Sul, no
período da República Velha e parte do período Getulista, desperta atitudes contraditórias,
conforme a posição política de seus contemporâneos. No entanto, há consenso quando se trata
de reconhecer nele a valentia, a coerência de suas posições e o reconhecimento de sua
capacidade de arregimentação e comando. Sempre foi considerado um adversário de respeito
pelos opositores e um líder que impunha confiança em seus comandados.

477
Recebia na função o salário de um conto de réis, tendo sido aposentado com os mesmos vencimentos.
478
FERREIRA FILHO, Arthur. Op. cit. p. 119.
479
Entrevista com Nelci Rocha, concedida à autora em 21/10/2001.
480
O Correio do Povo publicou a notícia, conforme consta no Jornal a Voz da Serra, destacando as homenagens
póstumas e votos de pesar recebidos pela família. Leonel Brizola, que atribui a escolha de seu nome ao líder
maragato, envia telegrama a familia: “Ligados por profundos laços de admiração, como também indestrutíveis
tradições de família, à figura heróica e digna de vosso saudoso pai, General Leonel Rocha, foi com profundo
pesar recebi notícia seu falecimento (...)”. Publicado no jornal A Voz da Serra, de Erechim, em 08/01/1948, sob o
título “Repercute ainda o falecimento do General Leonel Rocha”. Noticia também a homenagem da Câmara de
vereadores local, por indicação do vereador Aldo Afonso de Castro.
184
No final da República Velha, Leonel encontrava-se emigrado na Argentina e pelo que
demonstram algumas cartas, vivendo em condições precárias. Vivia-se um momento em que
se instalava uma nova composição de forças e, velhos adversários aliavam-se em torno de
Getúlio Vargas. Nesse contexto, o líder maragato foi insistentemente assediado para que
compusesse as novas hostes libertadoras. Cartas de Antunes Maciel481 , então Deputado
Estadual, conclamava o seu “velho amigo que manifestasse a sua solidariedade ao
movimento liberal que empolga o paiz, como bom Libertador que é, filiado e disciplinado. Os
demais generais libertadores o Portinho, Netto, Honorio já se solidarizaram, não devendo,
portanto o Leonel, ficar para trás”. 482 Faz referências a outra carta enviada anteriormente no
mesmo sentido, como também tinha solicitado ao amigo Fidêncio Mello para que interferisse.
Informa que solicitara a Getúlio Vargas, na condição de Presidente do Estado, “que se
interessasse pela sua volta ao estado, expedindo determinações sobre a sua tranqüilidade e
segurança, em Palmeira, ou onde lhe convier ficar. Elle o fez, mandando que o Secretario do
Interior se dirigisse a Valzomiro Dutra, com recomendações especiaes”. 483 Comunica o envio
de oitocentos mil réis pelo Banco Pelotense e insiste para que retorne, ressaltando que “o meu
velho amigo deverá escolher o ponto que melhor lhe sirva, dentro do Rio Grande e para ahi
virá, terminando o cyclo de privações e agruras que tem experimentado com sua família, em
terra estranha”. Fala com entusiasmo da Campanha Liberal e das esperanças que se abrem,
que o movimento cresce de Sul a Norte, insistindo em que para tornar o bloco rio-grandense
mais compacto desejava ver “nas suas vanguardas a figura honrada e valorosa do meu velho
amigo”. 484
As palavras e as medidas tomadas para que a adesão de Leonel Rocha ao movimento
se efetivasse demonstram o prestígio do líder maragato e a importância de seu engajamento à
causa Liberal e, surpreendentemente, o envolvimento de Vazulmiro Dutra, no sentido de fazer
cumprir as determinações de Getúlio Vargas reforça essa convicção.
Leonel responde à primeira carta, de 22 de agosto de 1929, confirma o recebimento
dos oitocentos mil réis e informa que “veio de Palmeira o Delegado de Polícia major João

481
Trata-se de Francisco Antunes Maciel Júnior que foi deputado federal de 1915 a 1917, de 1921 a 1926 e em
1930, inicialmente pelo Partido Federalista e a partir de 1924 na legenda da Aliança Libertadora. Revolucionário
de 1923 e 1930 e Ministro da Justiça de 1932 a 1934, durante o Governo Provisório de Getúlio Vargas. Na
Revolução de 1923 chegou a participar diretamente do confronto, fazendo parte do grupo de Felipe Portinho. As
cartas foram enviadas a Leonel Rocha a Bompland, Misiones, na Argentina, 22/08/1929 e 07/09/1929.
AAM/CPDOC- FGV. Cópia do documento no NHP/UPF.
482
Carta de Antunes Maciel para Leonel Rocha. 07/09/1929. AAM/CPDOC/FGV. Cópia do documento no
NHP/UPF.
483
Idem.
484
Idem.
185
Alberto Corrêa, mandado pelo Intendente Cel. Vazolmiro Dutra com o fim de me levarem,
trouxe carta do Cel. e me disse que tinha autorização do Intendente e do chefe de terras
Frederico Westphalen para eu ir que me davam capital para mim negociar, querem me
ajudar”. 485 Em linguagem simples expõe as informações trazidas pelo Delegado, que
confirmam a interferência de Getúlio Vargas, as dificuldades econômicas em que se
encontrava e a disposição em ajudá- lo. Diante de sua alegação de não poder aceitar por ter
contas a pagar, o Delegado “insistiu para eu ir junto para trazer o dinheiro necessário para
liquidar todos os meus negócios aqui e para as depesas de viagem e que chegando lá eu tinha
dinheiro de sobra para negociar”. 486
A atitude do caudilho é de precaução e dúvida: “tenho andado bastante impressionado
com tantas amabilidades desses homens que queimarão minha caza e mandarão assassinar
minha família oficial”. Diz que o fato não aconteceu, porque aqueles que foram encarregados
de tal ação declararam não ter coragem de cumprir tais ordens e que depois da Revolução de
23, passou a maior parte do tempo dormindo nos matos, pois a casa estava constantemente
“rondada pelos assacinos delles e agora dizem que querem me tirar dos sacrifícios para que eu
tenha uma boa vida. O que diz meu amigo, será verdade?”487 Homem precavido, após ter
enfrentado tantos revezes, informa ter enviado ao Diário de Notícias e para Palmeira, uma
comunicação para que fosse publicada. Também autorizava Antunes Maciel a fazer uma
declaração em seu nome.
Como se constata, tinha conquistado uma posição de respeito e a simpatia de muitos
homens ilustres de seu tempo, porém, do ponto de vista econômico, tinha perdido tudo. É
certo que não era um homem de posses como os coronéis seus aliados ou os adversários, mas
situava-se numa posição intermediária entre os caboclos despossuídos e os latifundiários,
conforme afirma em entrevista já citada e em depoimento transcrito pelo Pe. Hickmann e já
referido. Isso o colocava em posição de ascendência entre os que nada tinham. As lutas de que
participou deixaram- no pobre, confirmando as palavras de Arthur Ferreira Filho: “não
488
pertencia à classe dos que colhem os frutos das vitórias revolucionárias”.
Em 1932, encontrava-se em Palmeira, procurando ainda atuar de alguma forma contra
situações de injustiça. Em cartas enviadas a Flores da Cunha e Raul Pilla faz denúncias da
situação política de Palmeira e repudia a indicação de Luiz Magalhães para Delegado de
Polícia: “O indigitado candidato não poderia corresponder melhor aos anseios da situação

485
Carta de Leonel Rocha para Antunes Maciel. 06/09/1929. AAM/CPDOC/.FGV. Cópia no NHP-UPF
486
Carta de Leonel Rocha a Antunes Maciel. 06/09/29. AAM/CPDOC/FGV. Cópia NHP/UPF.
487
Idem.
488
FERREIRA FILHO, Arthur. Op. cit. p. 119.
186
local, dado o seu rubro passado de sanguinário truc idador de vítimas inermes no distrito de
Sarandy, Município de Passo Fundo”. Luiz Magalhães era o agrimensor que coordenava as
contratações para medição dos lotes da Fazenda Sarandi, estando envolvido nos episódios que
expusemos anteriormente. Faz duras críticas ao “famigerado indivíduo” , acusando-o de
“lampeão em miniatura”. 489 Indica o dr. Miguel Chimieleski para comprovação do que estava
afirmando. Esse era subchefe de polícia e presidira o inquérito instaurado para a apuração dos
delitos ocorridos, relacionados aos episódios da Fazenda Sarandi, em 1924.
O fato que está ocorrendo é o afastamento do prefeito, por motivo de licença, em seu
lugar assumindo o Delegado João Alberto, o que abre a vaga para a indicação de Luiz
Magalhães para esta função. Faz sérias acusações ao grupo que governa o município e destaca
que “poucas vezes o quadro local tem estado tão sombrio como agora”. Na carta a Raul Pilla,
deixa uma série de indagações:

Porque tanta demora na solução de um caso que viria beneficiar o conceito do próprio Partido
Republicano local que, justiça lhe seja feita, não apoia de modo algum os desmandos desse
grupo de homens desfibrados, sem ideal e sem patriotismo, que só disvirtuam os princípios que
dizem professar, tirando das posições que ocupam os mais escandalosos proventos materiais?
Qual será a causa que insiste em negligenciar tão ás claras uma situação por demais conhecida
em todo o Estado, repudiada mesmo por quase todos os elementos situasionistas de outros
municípios?
Qual será a incógnita desse problema tão difícil de resolver? (...)
Onde estará o nó dessa meada tão difícil de desembaraçar?
São perguntas que estão nos labios dessa gente simples que habita o interior deste município, e
ás quaes deichamos de responder para não comprometermos o que ahi ouvimos do digno
General Interventor.490

Sugere, como se depreende do texto, que Flores da Cunha tinha conhecimento da


situação de Palmeira. 491 Esse clima de descontentamento, provavelmente, tenha influído para
que Leonel assumisse as funções do cargo de guarda florestal em Erechim. Convinha para o
governo , pois temia que novamente se levantasse em protesto e convinha para o caudilho,
que nesta época contava com 67 anos.
Por todos os fatos que foram expostos, Leonel Rocha aparece na memória coletiva
com construções que o diferenciam dos demais comandantes revolucionários e a questão que
se impõe, na discussão dessa figura histórica é a mesma que perpassa o imaginário social :
“Por que lutou Leonel Rocha”? A pergunta se constituiu em título de uma composição
apresentada na 3º edição do Carijo da Canção Gaúcha, festival de música nativista que ocorre

489
Provavelmente uma referência ao relato de Vencato sobre morticínios, em que os executores levavam os
pares de orelhas para comprovar a matança dos caboclos, já referida anteriormente. Ver VENCATO, Almedoro.
Op. cit. p. 101.
490
Carta de Leonel Rocha para Raul Pilla, 14/04/1932. AFC/UFRGS. Cópia do documento no NHP/UPF.
491
As desavenças entre Flores da Cunha e Vazulmiro Dutra são conhecidas e registradas em sua biografia. Ver:
FERREIRA FILHO, Arthur. Op. cit e FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit.
187
anualmente no município. Os versos retratam a figura do “caudilho a pé” e reforçam as
representações sobre sua figura, de que, embora vencedor no campo de batalha, não teve
recompensas pelos seus feitos, continuando a ser identificado com os despossuídos.

Não era representante das elites cavaleiras


em lutas pelo poder na comandância campeira.
Não era dos coronéis, que armavam revoluções,
quando as águas se encrespavam, ameaçando as posições.492
Os registros biográficos sobre Leonel Rocha são escassos e pouco acrescentam, para o
conhecimento sobre os motivos que impulsionaram sua vida de luta. Os registros encontrados
afirmam que lutava pela “Liberdade e Justiça”, idéia proclamada, segundo tudo indica, por ele
mesmo em suas cartas, que serviram de embasamento para a monografia elaborada pelo Padre
Hickmann. Essa idéia aparece em outros textos encontrados em obras de cunho municipal,
sendo, portanto, pouco esclarecedora uma vez que os conceitos de liberdade e justiça são
amplos, envolvendo juízos de valor. Como federalista que era, circunscreveu sua luta como
reação a um governo opressor, personificado, primeiramente, em Júlio de Castilhos e depois,
em Borges de Medeiros. No entanto, mesmo pacificada a Revolução de 23, assinado o Acordo
de Pedras Altas e tendo ele participado do evento, não depõe as armas, como era de se
esperar. Isso não pode ser atribuído a uma simples questão de ressentimentos pessoais, visto
que os alvos de sua luta agora são outros.
O levantamento da trajetória de luta do caudilho traz à luz elementos que confirmam
sua atuação permanente nas manifestações de luta e resistência ao castilhismo/borgismo,
representado em nível regional pelos coronéis perrepistas. Numa região em que o poder
coronelístico se impunha e, em que a posse da terra era garantia de prestígio socioeconômico
e político, com a conseqüente exclusão de muitos, sua atuação adquire contornos de
contestação ao poder constituído.
Os episódios em que esteve envolvido, no ano de 1924 são esclarecedores dos
vínculos que o aproximavam dos excluídos do processo de regularização da posse da terra.
Não se tratava mais da luta entre frações da classe dominante, mas episódios relacionados ao
controle da terra. Embora os dados colhidos sobre esses episódios ainda necessitem de maior
aprofundamento, são tangenciais para a compreensão da força que o movia, como também
daqueles que o seguiam.
A reconstituição foi feita a partir de fragmentos que pontilharam várias obras do
período, assim como fontes primárias, que a princípio pareciam escassas, mas que adquiriram

492
MENEZES, Moisés. “Por que lutou Leonel Rocha? Letra da música apresentada no 3º Carijo da Canção
Gaúcha. Anexo Nº 2.
188
consistência no transcorrer da pesquisa. Dois textos foram particularmente importantes para o
encaminhamento inicial do trabalho: o ensaio produzido pelo padre João Hickmann e a
biografia elaborada por Arthur Ferreira Filho, em sua obra Revoluções e Caudilhos, que
apesar de breve 493 forneceu alguns dos principais pressupostos para a análise da ação desse
personagem.
O texto enxuto fornece um rico material para análise. É a visão de quem o conheceu,
que embora estando em campo oposto, revela algumas das facetas do caudilho, que não seria
possível perceber no relato formal dos entreveros dos quais participou. Mesclando uma
atitude de respeito e sutil ironia fornece informações da personalidade do homem que
conseguiu manter em sobressalto aqueles que controlavam o poder.
Ferreira Filho insiste nas características que distinguiam o líder maragato dos seus
oponentes ou mesmo de seus aliados.

Todos os outros caudilhos foram fazendeiros ou, pelo menos, tropeiros. Isto quer dizer, homens
a cavalo, homens de esporas, ligados às atividades pastoris.(...) Leonel Rocha representou outra
categoria social. Era um pequeno agricultou, muito pobre, que trabalhava de enxada em terras
que nem lhe pertenciam. Não se achava integrado, nem por si, nem por sua ascendência, à
aristocracia rural do Rio Grande.494

Aponta algumas de suas características físicas e de caráter: “corpulento,forte,


denunciava nos olhos azuis o traço de sangue açoariano que lhe corria nas veias. Era de
natural bondoso, de aspecto pacífico, quase humilde”. Apresentava “excelentes qualidades de
guerra: discreto, corajoso e astuto”. 495
O mesmo autor afirma que era “pobre, semi-analfabeto e matuto”. Essas indicações
devem ser consideradas tendo em vista a situação da época. Era pobre em relação aos grandes
latifundiários dos quais era aliado ou adversário. Conforme ele mesmo afirma, era um homem
com algumas posses, com terra arrendada, porém possuia boa quantidade de reses. Depois que
ingressou nas lutas perdeu tudo o que tinha. Ferreira Filho destaca que:

Se os fazendeiros o desprezavam, os roceiros viam nele um espelho de seus próprios


sentimentos, um depositário de suas insatisfações, de seus preconceitos e de suas vagas
esperanças. E só por isso se explica o fato desse homem sem a mínima influência nas camadas
dominantes, sem dinheiro, sem talento oratório, quase analfabeto, reunir sob seu comando, na
Revolução de 23, quase mil combatentes que, nem todos, sabiam porque lutavam. 496

493
A biografia consta em três páginas, 117 a 119, e, conforme o autor “não se trata propriamente de biografias.
São apenas flagrantes onde se procurou destacar os aspectos que melhor caracterizam as personalidades aqui
representadas”. Nota da 3ª edição.
494
FERREIRA FILHO, Arthur. Op. cit. 1986. p. 117.
495
Idem. p. 47.
496
Idem. p. 118.
189
O autor insiste na condição de semi-analfabeto ou quase analfabeto, no entanto, cartas
de próprio punho de Leonel demonstram que, para os padrões da época, tinha um
conhecimento razoável, uma vez que as escolas eram raras e os professores, sendo escolhidos
pela sua filiação partidária, apresentavam, muitas vezes, conhecimentos precários. O matuto,
conforme afirma, conquistou o respeito de alguns dos homens mais ilustres de seu tempo, os
quais procuraram em momentos específicos atraí- lo para a sua causa, como vimos no período
que antecedeu a Revolução de 30.
É ainda Ferreira Filho que que nos dá indicações das razões de sua luta “dizia-se um
perseguido pelo crime de lutar pela liberdade de sua terra e dos oprimidos, contra a força
opressora dos poderosos”. Os fatos levantados confirmam que sua luta não foi apenas contra
um governo, embora esse governo personificasse a opressão que ele combatia. Isso fica
evidente nos episódios de 1924 cuja ação se volta mais diretame nte na defesa dos interesses
dos caboclos expropriados, no caso da Fazenda Sarandi e Xingu. É o poder do mato se
levantando novamente. A continuidade da sua luta parece deixar claro a motivação que o
sustentava e que Ferreira Filho expressa com notável perspicácia: “Talvez, mesmo sem o
saber, já lutasse como instrumento de seus próprios adeptos, por uma vaga transformação que
viesse melhorar a sorte dos roceiros e trabalhadores da enxada”. 497

4.5.1. O imaginário

Leonel Rocha passou grande parte de sua vida emigrado na Argentina, ou oculto nas
florestas de ambas as margens do rio Uruguai, tendo conquistado o respeito e a estima dos
inumeráveis caboclos, pequenos cultivadores ou mesmo foragidos que habitavam essas áreas.
Sua aproximação com os caboclos e com seu modo de vida contribuiu para a construção de
um imaginário que o identificava com esse segmento do qual se tornou líder e depositário de
suas aspirações. As representações historiográficas de caudilho a pé e caudilho caipira
reforçaram essa construção.
No imaginário coletivo, circula a idéia de que Leonel nunca teria sido ferido em
combate, o que, no entanto, não é verdadeira. O texto de Hickmann vem desfazer essa idéia.
Há referências a quatro ferimentos dos quais se curou de forma surpreendente. Conforme
afirmava, “a Providência” o curava, como já foi exposto.
Seu vínculo com os caboclos se evidencia através de alguns registros. Carregava
sempre, para se proteger, uma oração de Santa Catarina, muito presente na religiosidade desse

497
FERREIRA FILHO, Arthur. Op. cit. 1986. p. 119.
190
grupo. Acreditam que a oração de Santa Catarina é garantia de proteção, e isso vem de uma
construção simbólica: carregar a oração, funciona como um patuá. Deve ter o nome da pessoa
e serve como proteção dela e não de outra. Muitos não sabiam ler, mas levavam- na como
forma de “fechar o corpo”. Os familiares preservam uma oração que pertencia ao caudilho,
constando a indicação: Esta oração pertence a Leonel Rocha. Trata-se de uma súplica
representativa do contexto vivido, pedindo para conservar a vida, a saúde e a felicidade,
acentuando “meu corpo não será prezo e nem ferido, meu sangue não será derramado nas
mãos inimigas”. 498
Essa mesma oração, com algumas variações, também foi encontrada entre os monges
do Contestado e entre os Monges Barbudos, 499 assim como outras manifestações da
religiosidade cabocla. Na obra de Prestes Guimarães, há registro de um fato em que o
sargento Firmo teve a “boca e os dentes esbandalhados por uma bala, no combate dos “Três
Passos”, e de que esse mesmo sargento, na véspera, não quisera beijar a bandeira do Monge
que umas mulheres levaram ao acampamento, dizendo em tom zombeteiro: - ‘Não beijo: pode
500
quebrar- me os dentes!”
O caudilho aproximava-se da cultura cabocla e nunca rompeu os vínculos que o
aproximavam dos seus antigos seguidores. Os filhos lembram que, já morando em Erechim,
recebia a visita de caboclos de Palmeira e o pai se reunia com eles num galpão onde, ao redor
de um fogo de chão, ficavam contando histórias.
Leonel Rocha tinha assumido, diante de seus seguidores, um lugar de proeminência e
responsabilidade, criando vínculos que impediam o recuo, conforme declara:

Homem do Povo sou, e foi esse Povo que me aclamou seu chefe, no município onde resido,
que obrigou-me, concitou-me a tomar armas a seu lado, para salvaguardar seus direitos, pelo
despotismo conspurcados. Sobre meus hombros, desde que aceitei essa prebenda, pezam
responsabilidades bem grandes que, certo sabereis avaliar. 501

Fora das fontes oficiais, não há registros de que tenha cometido atrocidades. No
Inquérito policial que investigou a Revolução de 23 e no Inquérito sobre o Movimento de 24,
acusam-no de violação da propriedade, saques, requisições de mantimentos, armas, animais,
isto é, crimes contra a propriedade. Nicanor Letti, num artigo sobre a degola no estado, afirma

498
Ver Anexo nº 3. Oração de Santa Catarina. Original em mãos dos familiares.
499
Ver: KUJAWA, Henrique Aniceto. O Movimento dos Monges Barbudos. Dissertação de Mestrado em
História. UPF. Passo Fundo: 2000.
500
GUIMARÃES, Prestes. Op. cit. p. 55.
501
Carta de Leonel Rocha ao Ministro da Guerra Setembrino de Carvalho, 02/101923. CPDOC/FGV- Cópia no
NHP/UPF.
191
que “Leonel Rocha que foi um ‘caudilho a pé’ , não pampeano e que teve como companheiros
os ‘mateiros’ do Alto Uruguai, pelo que consegui investigar não permitia a degola”. 502
Algumas vezes transparece a identificação que se atribuia aos grupos de bandoleiros,
conforme narra um entrevistado: “O Leonel Rocha era um chefe revolucionário. Ele morava
no Capão Alto e aí tinha esse povo, vamo dizê essa bandidagem de Fortaleza, essa indiada
valente, era tudo dele... tudo era maragato. Era o Pedro Domingues, tinha os Camargo, o
503
Felicião...”
Também há relatos das perseguições: “apoiavam Leonel Rocha porque tinha muita
gente contra os chimangos, contra o Borges... Esse maragatedo era muito perseguido, quando
eles (chimangos) estavam no governo... que sempre estiveram, né...O Getúlio que desbancou
ele... os borgistas com essa Frente que criou, né...”. 504
O Correio do Povo de 9 de maio de 1944 publicou uma entrevista que se constitui
num dos poucos registros em que o próprio Leonel Rocha se manifesta sobre o seu passado
de lutas.

Sempre fui defensor da teoria de que “da vida nada se leva”. Hoje estou velho e cansado.
Parece até irrisório que eu não tenha mais energias para enfrentar o inimigo – si eu o tivesse –
com o mesmo entusiasmo e a mesma energia de outros tempos. Sinto-me gasto, mas vivo com
a recordação acesa da minha existência cheia de perigos. (...) Si hoje nada possuo resta-me a
satisfação de haver travado relações com homens de pura bravura e que o Rio Grande já
consagrou, como Silveira Martins, Gomercindo Saraiva, seu irmão Aparício, que posso afirmar
ter sido o homem mais valente que conheci.505

Na entrevista afirma não ter “queixas de nenhum inimigo, (...) sou de opinião que os
homens que defendem, nobremente seus ideais no campo da luta, mostram-se desejosos de se
abraçarem e de se conhecerem mais intimamente em tempos de paz”. 506 Enfim, nas palavras
do caudilho é possível constatar um espírito de sentimentos nobres e uma atitude de
desprendimento diante das perdas materiais que a vida de lutas lhe reservo u.
O levantamento dos dados demonstrou uma atuação constante, no ciclo revolucionário
com uma dimensão maior do que se supunha, abrindo outras perspectivas de pesquisa,
visando peencher lacunas que se impõem. Nesse aspecto, destacam-se as lutas do ano de
1924, que embora relacionadas ao tenentismo, apresentam, nitidamente, aspectos vinculados
com a questão agrária.

502
LETTI, Nicanor. A degola no Rio Grande do Sul. Correio do Povo. 06/12/1975.
503
Entrevista de Januário Lima, concedida à autora, em 11/09/2001.
504
Idem.
505
Entrevista de Leonel Rocha ao Correio do Povo, 09/05/1944.
506
Idem.
192
A pesquisa evidenciou um chefe revolucionário de muita bravura e movido pelo
idealismo. Aproximou-se dos homens mais destacados de sua época, sem perder o vínculo
com os mais humildes. As características que lhe foram atribuídas, “de muito pobre e quase
analfabeto” não se confirmaram. Tornou-se pobre no decorrer das lutas e seu preparo
intelectual era superior ao que era comum na época.
A foto que consta da entrevista publicada no Correio do Povo de 09 de maio de 1944 é
demonstrativa da posição de respeitabilidade e aceitação, de que gozava. (Figura nº 9) O
embarque do General para Bagé, em 1923, é acompanhado pela sociedade de Cruz Alta, com
a presença de pessoas que, pelo vestuário elegante, demonstram pertencer às camadas mais
favorecidas, comprovando uma receptividade social tal, que permitia até mesmo a presença de
mulheres. A homenagem com flores faz desse momento, certamente, um acontecimento raro,
nos duros tempos de revolução.
Isso não condiz com o que foi passado pela historiografia, conforme a visão dos
vencedores, identificado-o com os despossuídos. Assumiu a bandeira dessa categoria , mas
apresentava características que lhe davam notoriedade e prestígio, mantendo vínculos com
outras camadas sociais.

Fonte: Correio do Povo de 09/05/44.


Figura 9. Foto do General Leonel Rocha no embarque para Bagé, 1923.

193
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na intrincada teia de relações de poder que se estabeleceram na história da ocupação


do espaço de Palmeira das Missões, emerge a figuração poder do campo & poder do mato,
em torno dos quais se aglutinaram os interesses em jogo, na luta pelas vantagens materiais e
simbólicas, que poderiam advir da adesão a um ou a outro grupo. O poder simbólico,
conforme Bourdieu “só se exerce se for reconhecido (...), se define numa determinada relação
– e por meio desta – entre os que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos”. 507
Refletindo sobre essas idéias, procuramos destacar algumas das constatações
percebidas ao longo da realização da pesquisa em que, as lutas armadas e enfrentamentos
ocorridos na região, se constituíram no elo aglutinador servindo como pano de fundo para o
estudo das relações de poder que permearam a sociedade em estudo.
O peso do coronelismo, na estrutura da sociedade local, gerou múltiplas formas de
adesão e resistência, esta traduzida ao final na luta armada, como forma de expressar a
insatisfação dos setores dominados. A terra, distribuída de forma desigual, atribuía poder a
quem a possuía, razão pela qual gera reações por parte dos segmentos excluídos da posse da
mesma.
A construção do espaço regional possibilitou a formação de grupos antagônicos,
relacionados com a posse da terra. Na área de campo, domínio da pecuária, considerada
atividade que conferia status na concepção da época, define-se a proeminência dos coronéis-
latifundiários. Associando poder econômico e, em decorrência poder político, constituem o
grupo que “se autopercebe e que é reconhecido como membros da boa sociedade”. 508
Na área da mata, na qual o extrativismo seminômade da erva-mate, em grande parte
nos ervais públicos, não favoreceu o apossamento de grandes glebas, constituiu-se uma
população cabocla, estigmatizada com atributos de atraso, falta de capacidade produtiva,
violência, entre outros.
Se aplicarmos a análise proposta por Elias e Scotson, estabelece-se a relação
estabelecidos–outsiders, que revela propriedades gerais de toda relação de poder.
Superioridade social e moral, autopercepção e reconhecimento, pertencimento e exclusão são

507
BOURDIEU, Pierre. Op. cit. p. 14.
508
NEIBURG, Federico. In. ELIAS, Norbert & SCOTSON, John. Op. cit. p. 7.
194
elementos dessa dimensão da vida social, que o par estabelecidos-outsiders ilumina
exemplarmente.”509
Na área de abrangência do presente estudo, a figuração se aplica ao poder do mato e
ao poder do campo. Este controla o poder, mas enfrenta a reação daquele, que reage diante da
condição que lhe é imposta. O desenvolvimento do tema dentro de uma proposta de história
regional possibilitou a observação mais detalhada das relações de poder entre os grupos
antagônicos, que se aplicam também a um universo maior de análise do coronelismo.
Permitiu, ainda, a visualização das disputas dentro da rede de relações coronelistas, na
tentativa de manter os privilégios e vantagens.
A posse da terra representou um componente significativo, no estabelecimento das
relações de poder e, conseqüentemente, influiu na organização de uma sociedade que atribuia
valor à mesma. Como se percebeu, a questão da terra está na origem de muitos conflitos,
devido à agregação de outros fatores. A posse podia determinar a condição que o indivíduo
ocupava na sociedade. Conforme Bourdieu :

A posição de um determinado agente no espaço social pode assim ser definida pela posição que
ele ocupa nos diferentes campos, quer dizer, na distribuição dos poderes que actuam em cada
um deles, seja, sobretudo, o capital económico – nas suas diferentes espécies - , o capital
cultural e o capital social e também o capital simbólico, geralmente chamado prestígio,
reputação, fama, etc. que é a forma percebida e reconhecida como legítima das diferentes
espécies de capital. 510

O autor se refere às diferentes espécies de poder ou de capital, que ocorrem nos


diferentes campos, importante para entendermos o poder que Leonel Rocha exercia. Tratava-
se de um poder simbólico devido ao prestígio que possuía entre os caboclos da zona da mata e
mesmo entre os adversários.
Os dados levantados na pesquisa documental possibilitaram a confirmação das
hipóteses levantadas, pois as lutas em Palmeira, embora relacionadas ao contexto estadual,
apresentam especificidades na composição dos grupos que se enfrentavam. Os maragatos da
região da Grande Palmeira, embora aliados dos estancieiros da Campanha, não pertenciam ao
mesmo grupo social. Eram pequenos proprietários que lutavam para garantir a posse de áreas
que ocupavam sem título de propriedade. Nesse sentido, os acontecimentos que ocorreram no
distrito de Fortaleza, no final de 1922, já mostram a mobilização do poder do mato e estão
estreitamente ligados com o deflagrar da Revolução de 1923. Isso vem confirmar que a

509
NEIBURG, Federico. In ELIAS, NORBERT & SCOTSON, John. Op. cit. p. 8.
510
BOURDIEU, Pierre. Op. cit. p. 134.
195
participação dos revolucionários palmeirenses, no conflito, é acrescida de outras motivações,
além das que impulsionaram os federalistas no restante do estado.
Leonel Rocha afirmava que sua luta era contra a reeleição de Borges de Medeiros e
também pela justiça e pela liberdade. Qual o significado que atribuía a essas palavras? A que
justiça se refere? Que liberdade buscava?
Sua atuação, nos acontecimentos de 1924 é, particularmente, importante para a
comprovação das hipóteses que propusemos no início da pesquisa. A luta contra o governo de
Borges de Medeiros tinha cessado com a assinatura do Acordo de Pedras Altas e uma nova
composição de forças políticas se articulava no estado, no entanto, Leonel Rocha atuava
intensamente em lutas na região. Conforme seu próprio relato, participou dos ataques às
colônias Sarandi, Xingu e Tesouras, todas pertencentes a companhias de colonização, cujos
proprietários compravam áreas para loteá- las e vendê-las aos colonos. A documentação
encontrada sobre a Colônia Sarandi mostrou que a área já era ocupada e que os caboclos
contavam com a ajuda de Leonel Rocha para a luta contra a demarcação dos lotes.
Os ataques às colônias Xingu e Tesouras incluem-se no Movimento Sedicioso,
relacionado à Coluna Prestes, conforme se constatou no julgamento procedido em nível
federal. No entanto, a ligação de Leonel Rocha com Luís Carlos Prestes é imprecisa e os
ataques às colônias se constituem em protesto contra as companhias de colonização, que
expropriavam os caboclos ocupantes das áreas antes da medição dos lotes.
A instalação das companhias, as especificidades da colonização nessas áreas e os
respectivos conflitos que originaram se constituem numa lacuna que está a merecer maior
aprofundamento. 511 A importância desses fatos e sua relação com o tema desse estudo
cresceram no desenrolar da pesquisa, ficando, em aberto, para futuras averiguações.
As mudanças que se processaram na política rio- grandense após a Revolução de 23
conduziram a um clima de pacificação, alterando as relações de poder nos municípios. A
“redefinição do papel dos municípios na organização política brasileira abriu caminho para
uma quebra gradual da dominação coronelista sobre as populações locais”. 512 O mandonismo
local adquire outra face.

511
Conforme apontado por Benito Schmidt, outra possibilidade de análise do tema e desdobramento para futuras
pesquisas estaria vinculada ao aprofundamento do estudo das relações das autoridades, elites e dominados para
os quais uma boa indicação seriam as reflexões de THOMPSON, E. P. Em sua obra Senhores e
caçadores,Thompson analisa os conflitos gerados pela Lei Negra que, na Inglaterra, impedia que os camponeses
caçassem nas florestas reais, o que ajudaria a entender os confrontos em torno da exploração dos ervais nativos
nas matas de Palmeira.
512
COLUSSI, Eliane Lúcia. Op. cit. p. 27.
196
No município de Palmeira das Missões, o enfraquecimento do coronelismo demorou a
ser percebido. O que se verifica é a dominação dos coronéis- latifundiários, agora sem a
oposição do poder do mato, uma vez que os resultados da Revolução de 23 e derrotas
posteriores levaram- no à desmobilização. Leonel Rocha emigrou para a Argentina e, em
1929, diante da constituição do grupo de apoio a Getúlio Vargas, é assediado para aliar-se à
nova composição de forças, o que acaba se concretizando. Apóia a Revolução de 1930 e
participa da mobilização, mas só retorna ao Brasil em definitivo, em 1932, aceitando um
emprego público de guarda florestal no município de Erechim.
A pesquisa realizada procurou responder a uma das lacunas mais instigantes da
história local, relacionada ao papel desempenhado por Leonel Rocha como representante dos
pequenos e médios lavoureiros e ervateiros, na condução dos confrontos, bem como
identificar os motivos que inspiravam sua ação, visto que, conforme aponta Arthur Ferreira
Filho, não se assemelhava aos outros caudilhos oposicionistas, que entraram na luta por
“ressentimentos” ou porque “aspiravam a altas posições”, caso saíssem vencedores dos
confrontos. 513
O autor insiste na condição de pobreza e de que era quase analfabeto. No entanto,
algumas cartas do personagem e entrevista publicada no Correio do Povo, em 1944,
demonstram que possuía razoável conhecimento para os padrões da época. Além disso,
informa que antes de iniciar a trajetória de lutas, possuía alguns bens. Não se assemelhava aos
grandes proprietários na posse da terra, mas se encontrava numa posição intermediária entre
os latifundiários e os caboclos que liderava. Isso também se constata entre os chefes dos
grupos que constituíam sua tropa, líderes dos grupos de parentela e vizinhança que ocupavam
redutos da região das matas. A participação nas lutas, as perseguições de que foi vítima e os
constantes exílios tornaram- no muito pobre, a ponto de precisar de ajuda financeira para
retornar ao Brasil. No entanto, essa ajuda lhe veio dos novos donos do poder, que articulavam
novas formas de atuação e buscavam a cooptação do experiente caudilho.
A busca de informações, através de todas as fontes que nos foram possíveis, permitiu
traçar um quadro razoável da trajetória do caudilho, embora pontilhada de lacunas e
imprecisões. Trata-se de uma tentativa inicial de lançar uma nova visão sobre o passado,
trazendo para o debate singularidades ainda pouco estudadas, pois como expõe Benito
Schmidt “o biógrafo deve fazer também ‘o caminho de volta’ em suas pesquisas, ou seja, a
partir dos cacos recompor o mosaico de uma vida”. Refere-se nesse sentido, à “inserção dos

513
FERREIRA FILHO, Arthur. Op. cit. p. 119.
197
diversos fragmentos recuperados pelo historiador em redes sociais e discursivas mais
amplas”. 514
O final de sua trajetória não coincide, certamente, com a glória atribuída aos heróis.
Talvez por não ter ocupado cargos públicos de destaque e não ter amealhado fortuna ficou
deliberadamente ausente nos registros historiográficos e a reconstituição da atuação desse
personagem se transformou numa tarefa desafiadora. A partir de fragmentos partimos para a
investigação de fontes documentais que permitissem traçar um quadro razoável dos
acontecimentos. Acreditamos que os dados levantados, embora apresentando lacunas e
insuficientemente analisados, contribuíram para avançar na construção da história regional,
trazendo para o debate sujeitos históricos, ainda, pouco estudados ou esquecidos.

514
Schmidt, Benito. Op. cit. p.51
198
BIBLIOGRAFIA

ANTONACCI, Maria Antonieta. RS: As oposições & Revolução de 1923. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1981.

AXT, Gunter. Gênese do estado burocrático-burguês no Rio Grande do Sul ( 1889-1929).


USP, São Paulo: Tese de Doutorado em História. 2001.

BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social. Enciclopédia Einaudi. Porto: Imprensa Nacional.


Casa da Moeda. 1986. Vol.5.

BESCHOREN, Maximiliano. Impressões de viagem na província do Rio Grande do Sul.


(1875–1887). Porto Alegre: Martins Livreiro, 1989.

BINDÉ, Wilmar Campos. Campo Novo: apontamentos para sua história. Santo Ângelo, 1986.

BLOEMER, Neusa Maria Sens. Brava gente brasileira: migrantes italianos e caboclos nos
campos de Lages. Florianópolis: Cidade Futura, 2000.

BLONDEL, Jean. As condições da vida política no estado da Paraíba. Rio de Janeiro:


Fundação Getúlio Vargas, 1957.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.

BOUTIER, Jean e JULIA, Dominique. Passados recompostos: campos e canteiros da


história. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: Editora FGV, 1998.

CABEDA, Rafael. Os crimes da ditadura: a história contada pelo dragão. Porto Alegre:
Procuadoria-Geral de Justiça, Memorial, 2002.

CAGGIANNI, Ivo. João Francisco: a hiena do Cati. 2ª ed. , Porto Alegre: Martins Livreiro
Editor, 1997.

CAVALARI, Rossano Viero. O ninho dos pica-paus: Cruz Alta na Revolução Federalista de
1893. Porto Alegre: Martins Livreiro, 2001.

CARNEIRO, Newton Luís Garcia. A identidade inacabada: o regionalismo político no Rio


Grande do Sul. Porto Alegre: Edipucrs, 2000.

CARVALHO, José Murilo e SILVA, Eduardo. “Entre a enxada e o voto”. Revista Acervo,
Rio de Janeiro: v.2, n.1. p. 23-28, jan/jun. 1987.

CASTRO, Iná Elias de. “Política e território: evidências da prática regionalista no Brasil”.
Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: v.32, n.3, 1989.
CINTRA, Antônio Octávio. “A política tradicional brasileira: uma interpretação das relações
entre o centro e a periferia”. Cadernos do Departamento de Ciência Política. Belo Horizonte:
n.1, mar/1974.

COLUSSI, Eliane Lúcia. Estado Novo e municipalismo gaúcho. Passo Fundo : Ediupf, 1996.

COSTA, Alfredo R. da. O Rio Grande do Sul. Vol. II. Porto Alegre: Ed. Barcellos, Bertaso e
Cia. 1922.

COSTA, Rogério Haesbaert da. RS: Latifúndio e identidade regional, Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1988.

DACANAL, José Hildebrando; GONZAGA, Sergius (Orgs.) RS: cultura e ideologia. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 1980.

DACANAL, José Hildebrando; GONZAGA, Sergius (Orgs.). RS: economia e política. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 1979.

DACANAL , José Hildebrando; GONZAGA, Sergius (Orgs.). RS: imigração e colonização.


Porto Alegre: Mercado Aberto, 1996.

DIEHL, Astor Antônio. A cultura historiográfica nos anos 80: mudança estrutural na matriz
historiográfica brasileira – IV. Porto Alegre: Evangraf, 1993.

DOURADO, Ângelo. Voluntários do Martírio: narrativa da revolução de 1893. Ed. Fac-


similada de 1896. Porto Alegre: Martins Livreiro – Editor, 1977

EIFLER, Ellen Walkiria. Bom Retiro do Sul: sua história... sua vida. Porto Alegre: FEPLAM,
1992.

ELIAS, Norbert & SCOTSON, John. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de Janeiro: Zahar
Ed., 2000.

ELMIR, Cláudio Pereira. Olhares sobre si e o outro: as várias faces do coronelismo. Cadernos
de Estudos. Porto Alegre, Curso de Pós-Graduação em História/UFRGS, n. 8, p.24-49.
Dez./1993.

ESCOBAR, Wenceslau. Apontamentos para a história da revolução rio-grandense de 1893.


Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1983.

FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São


Paulo: Globo, 1995.

FASCÍCULOS ZERO HORA, História ilustrada do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Já
Editores. 1998.

FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. Editora Universidade/


UFRGS. Porto Alegre: 1996.

200
FÉLIX, Loiva Otero. História e memória: a problemática da pesquisa. Passo Fundo: Ediupf,
1998.

FÉLIX, Loiva Otero e ELMIR, Cláudio. (Orgs.). Mitos e heróis: construção de imaginários.
Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1998.

FERREIRA FILHO, Artur. História geral do Rio Grande do Sul.Porto Alegre: Globo, 1978.

FERREIRA FILHO, Arthur. Revolução de 1923. Porto Alegre: Imprensa oficial do Estado,
1973.

FERREIRA FILHO, Artur. Revoluções e caudilhos. 3ª. Ed. Porto Alegre: Martins Livreiro –
Editor. 1986.

FRANCO, Sérgio da Costa. A guerra civil de 1893. Porto Alegre:Ed. Universidade/UFRGS,


1993.

FRANCO, Sérgio da Costa. Júlio de Castilhos e sua época. 4ª ed. Porto Alegre: Ed.
Universidade/UFRGS, 1996.

FREITAS, Décio. O homem que inventou a ditadura no Brasil. Porto Alegre: Sulina, 1999.

GINZBURG, Carlo. Olhos de madeira: nove reflexões sobre a distância. São Paulo:
Companhia das Letras, 2001.

GIRON, Loraine S. A imigração italiana no RS; fatores determinantes. In. DACANAL, José
H. e GONZAGA, Sergius. RS: Imigração e colonização. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1980.

GOUVÊA, Maria de Fátima da Silva. O ressurgimento da história política no campo de


história cultural. Niterói, UFF, 1994.

GUIMARÃES, Prestes Antônio Ferreira. A revolução federalista em Cima da Serra. Porto


Alegre. Martins Livr. – Ed. 1987.

KLIEMANN, Luiza H. Schmitz. RS: terra e poder: história da questão agrária. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1986.

JANOTTI, Maria de Lourdes. Coronelismo, uma política de compromisso. São Paulo:


Brasiliense, 1981.

JULLIARD, Jacques. A política. In. LE GOFF, Jacques e NORA, Pierre(org.) História: novas
abordagens. Rio de Janeiro. Francisco Alves, 1983.

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto – o município e o regime representativo no


Brasil. São Paulo: Alfa Ômega, 1978.

LE GOFF, Jacques e NORA, Pierre. História: novos problemas. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1988.

201
LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho. São Paulo: Perspectiva, 1975.

MACHADO, Roberto. In. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Ed.
Graal, 1979.

MARTINI, Maria Luiza F. Sobre o caboclo camponês. Um gaúcho a pé. Dissertação de


Mestrado em Sociologia. Programa de Pós-Graduação em Sociologia/UFRGS, Porto Alegre:
1993.

MARCON, Telmo. Memória e cultura: modos de vida dos caboclos do Goio-En (SC). Tese
Doutorado em História. PUC/SP. São Paulo: 1999.

MEDEIROS, Laudelino. A pacificação da Revolução de 1893. Porto Alegre: Impressão La


Salle, 1995.

MOURA, Euclydes B. de. O vandalismo no Rio Grande do Sul: antecedentes da revolução de


1893. Porto Alegre: Martins Livreiro, 2000.

NORA, Nilse Cortese Dalla. Quem chega, quem sai. A Política de distribuição de terras em
Jaboticaba. Dissertação de Mestrado em História. UPF. Passo Fundo: 2002.

NORA, Pierre. Entre memória e história. A problemática dos lugares. Revista Projeto
História. Vol. 10. São Paulo: dez. 1993.

OLIVEN, Ruben George. A parte e o todo: A diversidade cultural no Brasil-Nação.


Petrópolis: Vozes, 1992.

OLIVEIRA, Silvio. A Vilinha da Palmeira. Bells, 1974.

PALACIN, Luís G. Coronelismo no extremo norte de Goiás: o padre João e as três


revoluções de Boa Vista. São Paulo: Edições Loyola, 1990.

PERES, Sebastião. Coronéis & colonos. Das crises internas do poder coronelístico à
emergência dos colonos como sujeitos autônomos. Dissertação de Mestrado em
História/PUCRS, Porto Alegre: 1994.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. República Velha Gaúcha: Estado autoritário e economia. In.
DACANAL, José H. e GONZAGA, Sergius ( Orgs.). Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979.

PESAVENTO, Sandra J. República Velha Gaúcha: charqueadas, frigoríficos e criadores.


Porto Alegre: Movimento IEL/RS, 1980.

PINTO, Celi Regina. Positivismo: um projeto político alternativo – 1889-1930. Porto Alegre:
L&PM, 1986.

PORTELLI, Alessandro. Sonhos ucrônicos. Memórias e possíveis mundos dos trabalhadores.


Projeto História. v. 10. São Paulo. dez./1993. p.41-58.

PRESTES, Anita Leocádia. Uma epopéia brasileira: Coluna Prestes. São Paulo: Moderna,
1995.

202
PRESTES, Lauro Filho. Crônicas II - de Santa Bárbara do Sul. Santa Bárbara do Sul:
Gráfica e Editora Minuano Ltda. s/d

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O coronelismo numa interpretação sociológica. In:
FAUSTO, Bóris ( Org.). História geral da civilização brasileira. São Paulo: DIFEL, 1985.

RECKZIEGEL, Ana Luiza. “História regional: dimensões teórico conceituais”. In. História :
Debates e tendências. Passo Fundo, v.1, n. 1 Ediupf. 1999, p. 15-22.

RENNER, Darci [et. al.]. Xingu – Cem Anos. Constatina : Editora Artes Gráficas Ltda. 1997.

REVERBEL, Carlos. Maragatos e pica-paus. Guerra Civil e degola no Rio Grande. Porto
Alegre: L&PM, 1985.

ROCHE, Jean. A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora Globo.
1969.

RÜCHERT, Aldomar. A trajetória da terra: ocupação e colonização do centro norte do Rio


Grande do Sul: 1827/1831. Passo Fundo: Ediupf, 1997.

SCHMIDT, Benito Bisso. A pós- modernidade e o conhecimento histórico: considerações


sobre a volta da biografia. In. Cadernos de Estudo. UFRGS. Porto Alegre: v. 10, dez. 1994, p.
31 - 56.

SILVA, Lucia Silva e. Uruguaiana e os coronéis. Porto Alegre: L.S.S. Evangraf, 2001.

SILVA, Vera Alice Cardoso. “Regionalismo: o enfoque metodológico e a concepção


histórica”. In. SILVA, Marcos A. da (Coord.) República em migalhas. História regional e
local. São Paulo: Marco Zero, 1990, p. 43-50.

SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. “Região e História: questão de método”. In. SILVA, Marcos
A. da (Coord.). República em migalhas. História regional e local. São Paulo: Marco Zero,
1990, p. 17-42.

SOARES, Mozart Pereira. Santo Antônio da Palmeira. Porto Alegre. Bels, 1974.

SODRÉ, Nelson Werneck. A Coluna Prestes. São Paulo: Círculo do Livro S.A. 1968.

STEFFEN, Roque Jacob [et.al.]. Histórico do Município de Chapada. Passo Fundo: Gráfica e
Editora UPF. 1984.

VENCATO, Almedoro. Sarandi, um recanto histórico do Rio Grande do Sul. Sarandi:


Gráfica Editora A Região. 1994.

ZARTH, Paulo Afonso. História agrária do Planalto Gaúcho: 1850-1920. Ijuí. Editora
UNIJUÍ, 1997.

ZARTH, Paulo Afonso [et. al. ]. Os caminhos da exclusão social. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 1998.

203
FONTES

- Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul – Porto Alegre – RS.


- Arquivo Histórico de Cruz Alta – Cruz Alta – RS.
- Arquivo Histórico de Passo Fundo – Passo Fundo – RS.
- Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul – Porto Alegre – RS.
- Biblioteca da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto Alegre – RS.
- Bibioteca da Universidade de Passo Fundo. Passo Fundo – RS.
- Biblioteca Pública de Porto Alegre – Porto Alegre – RS.
- Centro Cultural Mozart Pereira Soares – Palmeira das Missões – RS.
- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatítica. Agência de Palmeira das Missões – RS.
- Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Porto Alegre – RS.
- Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa – Porto Alegre – RS.
- Núcleo de História Política – Universidade de Passo Fundo – Passo Fundo – RS.
- Paróquia de Palmeira das Missões. Livro Tombo – Palmeira das Missões – RS.
ENTREVISTAS

- Cláudio Martins da Rocha – Filho de Leonel Rocha, nasceu na Argentina no ano de


1928, durante o exílio de seu pai. A entrevista contou com a participação de seus
irmãos: Silveira, Nelci, Lúcia e Luza, filhos de Leonel Rocha, além do neto Leonel
Estevão Smick da Rocha. Data da entrevista: 21/10/2001, Erechim.
- Januário de Lima e Balbina de Lima – Nascidos em 1920, residiram em Erval Seco,
nas proxidades de Fortaleza. Data da entrevista: 11/09/2001, Palmeira das Missões.
- Ivany de Lima Lorenzoni – Neta de Leonel Rocha. Data da entrevista: 08/09/2001,
Palmeira das Missões
- Luziano Martins da Rocha – Filho de Leonel Rocha, nascido em 1915. Entrevista:
21/10/2001, Erechim.
- Mozart Pereira Soares – Pesquisador e escritor da história do município com diversas
obras obras publicadas, entre elas, Santo Antônio da Palmeira. Entrevistas:
14/01/2002, Porto Alegre; 26/05/2002, Palmeira das Missões.
- Neiva Araújo da Rocha – Viúva de um neto de Leonel Rocha. Entrevista: 09/09/2001,
Palmeira das Missões.
- Silveira Martins da Rocha – Filho de Leonel Rocha, nascido em 1920. Seu nome é
uma homenagem a Gaspar Silveira Martins. Entrevista: 21/10/2001, Erechim.
- Vazulmiro Martins – Nasceu em 1930. Entrevista: 23/10/2001, Palmeira das Missões.
Viveu sua infância e mocidade nas proximidades onde ocorreu o massacre do Boi
Preto.
- Waldemar Gonçalves Sobrinho. Filho e sobrinho de participantes da Revolução de
1923. Entrevista: 10/03/ 2002, Palmeira das Missões.

205
ANEXOS
ANEXO Nº 1
ABAIXO ASSINADO DOS MORADORES DE CAMPO NOVO AO IMPERADOR
D. PEDRO II

“Ante o Augusto Throno de V. M. I. sobem submissos os abaixo assignado


habitantes e moradores do novo Município de Santo Antônio da Palmeira da Comarca de
Santo Angelo e da Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul, a prezença de V.M.I. solicitar
remédio aos seos males que os oprimem, como agricultores e fabricantes da herva matte pelas
razoes que passão a expor.
SENHOR
V.M.I. serviu-se por seu beneplácito e magnanima vontade fazer graça pela
lei de 20 de maio de 1861 ao povo fabricante da herva matte, as terras devolutas existentes
naquelle anno de 1861 entre os Rios Turvo, Uruguay i Várzea esta graça que tão liberal
V.M.I., fez com que se conservassem os habitantes em paz passifica, com esse direito até o
anno de 1877, em que foi nomeado Juis commissario para este termo. Acontecendo que este
Juis Commissario que se acha investido do poder para medir e demarcar os terrenos de posse,
nem respeito tem da lei de 1861, já medindo posses tão criminosas, por seos princípios e
contra a disposição da lei Nº 601 de 18 de setembro de 1850, art. 1º, que prohibiu a acquisição
de terras devolutas, já mais podião ser medidas posses de taes ordens, em vista da citada lei e
a concessão feita por V.M.I. e estende suas medições em terras concedidas em commum e que
se achavão no anno de 1861 em mattas virgens, abrangendo os terrenos que então ficarão
pertencendo em commum ao povo, existente dentro do perimetro dos três citados Rios.
Tem os habitantes, que se tem visto prejudicado e que para bem cultivar o
herval na serra geral, fasem suas pequenas moradas pelo favor da propria lei de 1861, levado
a presença do juis Commissario por servidão a citada lei de 20 de maio; qual tem sido a
resposta do Juis Commissario existente Tiburcio Alvares de Siqueira Fortes? tem sido que a
lei de 20 de Maio de 1861, foi revogada? Já não regula mais e que por isso segue a medição e
que é um engano do governo!!! Não contente assim, Senhor, em tomar do povo os ervais que
existião em mattas altas no anno de 1861, ainda manda medir por seu agrimensor
Maximiliano Beschoren, uma sua posse, cuja foi principiada, no anno de 1863 por José
Joaquim Cordeiro cuja posse foi vendida ao Juis Commissario Fortes, cuja medição foi feita
sem assistencia do Juis Commissario ad-hoc, e sim do dito juis Fortes; si é possível assim

207
seproceder nas terras por V.M.I. concedidas em comum aos fabricantes da herva matte, então
se verá os pobres subditos na dura necessidade de mendigar o pão para suas famílias no Paíz
estranho, a Patria que os viu nasçer, por que único terreno que na valeroza Provincia de Sào
Pedro do rio Grande do Sul foi concedido para habitação do pobre do povo empregados no
fabrico da herva matte! Esses mesmo são tomados.
SENHOR
Se este povo vive no emprego do fabrico da herva matte, vesse tão opremido
e obrigado por semelhantes medições mal cabida, em huns terreno que lhes foi concedido por
uma graça Imperial é tropelado espulso do pequeno torrão para se estender o domínio do rico
e poderozos do lugar! Tanto que o juis commissario propala que não concente que se derrube
uma só arvore existente dentro do perimetro dos tres rios Turvo, Uruguay e Varge e que fará
gemer ao fabricante que assim praticar contrazel-os a barra do tribunal como um criminoso!
V.M.I. como Pai de um povo pobre e laborioso os abrigou com a lei de vinte
de Maio, por serto não deixará que este povo, que abrigastes de baixo de vossas sabias
energicas leis dando um torrão onde possão obter o recurço necessario para suas pobres e
miseras famílias, fiquem espulsos e seu domecilio como está acontecendo, uns abandonando
suas habitações, outroschamados aos tribunais e outros amiaçados de tudo sofrer.
SENHOR
Os abaixo assignados correm presurosos aos pes de V.M.I. como uma fonte
pura de onde esperão dinamar o remedio para o mal que os aflige para que seja suspenço as
medições dentro dos limites dos três citados Rios Turvo, Uruguay e Varge e que alli no
perimetro seja conservado o direito da Lei de 20 de Maio de 1861 e para que não seja mais
medidas posses que se acubertão com pagar a multa por não ter registro sendo que jamais
poderia obter por seu feito depois dalei que prohibio acquisição de posse.
Os abaixo assignados conscio do zelo e amor que V.M.I. dedica ao seu
povo, descanção serto que seus reclamos será attendiados”.

Palmeira 24 de maio de 1879.


Seguem as assinaturas, em número de 73. São reconhecidas em 30/05/1879
pelo tabelião Claudino Antonio Ferreira da Rocha.

208
ANEXO nº 2 – Por que lutou Leonel Rocha?

Por que lutou Leonel Rocha?

Gênero Musical: Milonga


Letra: Moisés Menezes
Música: Juliano Javoski
Intérprete: Nelton Brasil

Não era representante


das elites cavaleiras,
em lutas pelo poder
na comandância campeira.
Não era dos coronéis
que armavam revoluções,
quando as águas se encrespavam
ameaçando as posições.

Leonel era roceiro


forjado ao cabo da enxada,
não tinha domingos largos
de churrasco e carreirada.
Os braços desbravadores
aravam, semeavam a terra
só largando dessas lides,
se os grandes faziam guerra.

Plantava em terras alheias


guerreava quando queria,
por que lutou Leonel Rocha?
Se o poder não seduzia.
Talvez em meio a caudilhos
falsos mitos libertários.
Leonel já rezasse
pelo seu próprio rosário.

Hoje faltam lideranças


que aos anseios de vencer,
esgrimem verdades claras
sem ambições de poder.
Por que lutou Leonel Rocha?
Desigual entre os iguais
quem sabe por ser ventena,
quem sabe por ter ideais.

209
ANEXO Nº 3 Oração de Santa Catarina

210

Anda mungkin juga menyukai