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O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

EM UNIDADE DE CONSERVAÇÃO:
a “naturalização” do social

Cristina Teixeira

Introdução servação, isto é, o problema de como executar a


conservação da biodiversidade, objetivo principal
O desenvolvimento sustentável foi institu- da conservação, mantendo a ocupação humana
cionalizado como solução para a resolução de em seu interior. Atualmente, a resposta dos diver-
“problemas” causados pela ocupação humana em sos agentes envolvidos com a gestão de áreas pro-
unidades de conservação (UC), um dos aspectos tegidas refere-se à promoção do desenvolvimento
polêmicos na administração de áreas protegidas. sustentável. Isto pode ser observado no Sistema
A proposta de delimitação de áreas prote- Nacional de Unidades de Conservação (SNUC),
gidas sem ocupação humana, presente na criação instituído em 2000.
O SNUC é o resultado de uma década de de-
dos primeiros parques nacionais, foi gradativa-
bates e enfrentamento de interesses que envolve-
mente modificada pela inexorável presença da so-
ram ambientalistas, cientistas, organizações não-gover-
ciedade no espaço que se pretendia proteger. A
namentais (ONGs), representantes de populações
aceitação da ocupação humana em áreas protegi-
tradicionais, organizações ambientalistas interna-
das ocorreu via a regulamentação e o controle do
cionais, organizações privadas, entre outros. Du-
uso dos recursos naturais. No entanto, a ineficiên-
rante este período, a ocupação humana em unida-
cia dessa solução manteve sem resposta uma
des de conservação foi bastante discutida. A
questão essencial para as atuais unidades de con- saída encontrada seguiu diretrizes internacionais
sobre unidades de conservação, adotando a pro-
Artigo recebido em novembro/2004 posição de uso sustentável dos recursos naturais
Aprovado em agosto/2005 (Lei 9.985/2000, Art. 2º. II).

RBCS Vol. 20 nº. 59 outubro/2005


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Partindo da idéia de uso sustentável, o A ocupação humana em UC:


SNUC estabelece como um de seus objetivos da exclusão ao desenvolvimento
“promover o desenvolvimento sustentável a partir sustentável
dos recursos naturais” (Idem, Art. 4º. IV). Assim,
incorpora a noção de desenvolvimento sustentá- Os objetivos estéticos e científicos que justi-
vel da II Conferência das Nações Unidas sobre o ficaram a criação das primeiras áreas protegidas –
Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), co- os parques nacionais, a partir do final do século
nhecida como Rio-92. XIX – eram considerados incompatíveis com a
Mas, antes mesmo do SNUC, a idéia de uso ocupação humana em seus limites (Brito, 2000).
sustentável dos recursos naturais já se manifesta- A partir dos anos de 1970, essa perspectiva
va em certas categorias de unidade de conserva- foi sendo substituída pela possibilidade de manu-
ção no Brasil, desde os anos de 1980. Além disso, tenção da ocupação humana em áreas protegidas
principalmente após a Rio-92, uma série de proje- mediante o controle do uso dos recursos naturais.
tos de conservação e desenvolvimento passaram Isso pode ser observado na mudança das diretri-
a ser executados em unidades de conservação na zes de organismos internacionais, particularmente
esteira do desenvolvimento sustentável, envolven- da União Internacional pela Conservação da Na-
do ONGs ambientalistas. tureza (UICN), referência internacional das diretri-
Embora tenha sido adotada como uma saída zes das áreas protegidas (Idem). Na década se-
consensual para solucionar problemas relativos à guinte, a UICN condicionou a ocupação ao uso
ocupação humana em unidades de conservação, sustentável dos recursos naturais, garantindo as-
a utilização generalizada da noção de desenvolvi- sim a prioridade da conservação (Diegues, 2000).
mento sustentável requer cautela. Instituída como A Unesco elaborou, em 1971, o programa
solução para o dilema entre desenvolvimento so- Man and Biosphere (MAB), cujo objetivo era en-
cioeconômico e conservação ambiental, apresen- contrar uma relação de equilíbrio entre desenvol-
ta problemas relacionados ao próprio conceito de vimento econômico e conservação ambiental. Este
sustentabilidade e às dificuldades da sua execu- programa definiu, em 1976, o conceito de Reserva
ção (ecológica, social e econômica) no sistema da Biosfera como forma de alcançar a “otimização
capitalista. da relação homem-natureza”. Tais reservas seriam
A análise de propostas de desenvolvimento “exemplos de gestão harmoniosa de diferentes
culturas [...] sítios de experimentação do desenvol-
visando à conservação em unidades de conserva-
vimento sustentado e [...] centros de monitoramen-
ção pode contribuir para a identificação de elemen-
to, pesquisa e educação ambiental” (Brito, 2000, p.
tos que questionem a funcionalidade, as contradi-
29). Por meio do zoneamento,1 seriam preservadas
ções e os limites do desenvolvimento sustentável,
áreas sem ocupação humana, cercadas por “zo-
envolvendo, em última instância, a reflexão sobre a
nas-tampão”, que poderiam ser habitadas.
relação entre a sociedade e o ambiente. Este artigo
Essas propostas respondiam aos efeitos per-
apresenta o caso da Área de Proteção Ambiental versos da exclusão de populações que viviam nos
(APA) de Guaraqueçaba, localizada no litoral norte parques, uma vez que o seu deslocamento e as
do Paraná, onde o uso e o desenvolvimento susten- restrições de uso de recursos naturais em áreas
táveis foram propostos por sua administração (ór- protegidas demonstraram ser uma ameaça à re-
gãos governamentais ambientais em parceira com produção de populações consideradas tradicio-
ONGs ambientalistas) no sentido de solucionar os nais, geralmente já castigadas pela pobreza
conflitos entre a conservação e o uso dos recursos (Idem). Além disso, observou-se que nem sempre
naturais realizado pela pequena agricultura local. as práticas produtivas dessas populações eram in-
Em Guaraqueçaba, a solução encontrada funda- compatíveis com os objetivos da conservação
mentou-se numa perspectiva de articulação entre a (Diegues, 2000).
sociedade e o ambiente, caracterizada pela “natura- Paralelamente, os debates relativos às causas
lização” da sociedade. sociais da crise ambiental e à contradição entre
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crescimento econômico e conservação ambiental para resolver problemas e conflitos relativos à


desenvolviam-se em conferências internacionais, ocupação humana em unidades de conservação.
cujos temas diziam respeito aos limites do cresci- Na conferência Rio-92, oficializou-se a noção de
mento econômico, aos impactos da pobreza na desenvolvimento sustentável, definida no Relató-
degradação dos recursos naturais e às possibilida- rio Brundtland, em 1987, como paradigma para o
des do ecodesenvolvimento (Nobre, 2002). desenvolvimento socioeconômico aliado à conser-
O Brasil incorporou as reflexões sobre ocupa- vação dos recursos naturais. O Estado brasileiro e
ção humana em UC, seguindo o programa Man outros países signatários da Agenda 21 Global2 as-
and Biosphere, a partir dos anos de 1980. Diante sumiram o compromisso de adotá-la como orien-
da cobrança de organismos internacionais para tação para suas políticas de desenvolvimento.
uma postura mais efetiva do país voltada à conser- Ao mesmo tempo, sob a ótica da promoção
vação ambiental, o Brasil elaborou, pois, sua pri- do desenvolvimento sustentável e seguindo ainda
meira proposta de criação de um Sistema Nacional as diretrizes internacionais, um número significati-
de Unidades de Conservação, com categorias nas vo de ONGs ambientalistas em parceria ou não
quais o uso sustentável era permitido (Brito, 2000). com órgãos governamentais envolveu-se na ques-
Nesse mesmo período, a proteção ambiental tão relativa ao desenvolvimento socioeconômico.
passou a ser enfocada a partir do que denomina- Essas instituições propuseram e/ou realizaram ações
mos ecologismo social ou socioambientalismo, ou voltadas para o aumento de renda ou a melhoria
seja, diversos movimentos sociais começaram a da qualidade de vida de populações em unidades
considerar a questão ambiental uma de suas cau- de conservação, cujo uso dos recursos naturais
sas (Diegues, 1998; Leis e Viola, 1996). Assim, de- era considerado incompatível com a conservação
sencadearam-se propostas para o extrativismo e a (Teixeira, 2004).
agricultura – atividades que permitiam a reprodu- O atual SNUC incorporou o desenvolvimento
ção de populações tradicionais –, mantendo seu sustentável, e as áreas em questão passaram a ser
acesso aos recursos naturais e sua participação no denominadas Unidades de Uso Sustentável,3 das
planejamento e na gestão das unidades de con- quais fazem parte a Resex e a APA. Essas unidades
servação. A Reserva Extrativista (Resex), criada objetivam “compatibilizar a conservação da nature-
em 1990, constituiu-se dentro desse contexto e, za com o uso sustentável de parcela dos seus recur-
atualmente, é a principal categoria utilizada para sos naturais” (Art. 7º § 2º), mediante plano de ma-
conservação em áreas ocupadas por populações nejo elaborado por uma equipe técnico-científica.
tradicionais. Posteriormente à proteção da diversidade
A constatação da compatibilidade entre o biológica, dos recursos genéticos, das espécies
uso dos recursos naturais e a conservação ambien- ameaçadas e da diversidade dos ecossistemas, o
tal foi reafirmada em estudos sobre essas popula- SNUC estabelece ainda outras regulamentações
ções realizados pelo Núcleo de Pesquisas sobre que procuram compatibilizar a conservação à
População Humana em Áreas Úmidas Brasileiras ocupação humana – proteção de recursos naturais
(NUPAUB) da Universidade de São Paulo a partir necessários à subsistência de populações tradicio-
de 1987. Esses estudos foram importantes não só nais, promovendo-as social e economicamente;
para analisar as especificidades da relação entre desenvolvimento e adaptação de métodos e téc-
sociedades tradicionais e meio ambiente, como tam- nicas de uso sustentável dos recursos naturais; ga-
bém para identificar os problemas socioeconômi- rantia da participação na criação; implantação e
cos decorrentes da delimitação de áreas protegi- gestão das unidades de conservação como, por
das. Dentre eles, destacam-se os conflitos entre exemplo, a formação de conselho consultivo ou
população local e órgãos de conservação, resul- deliberativo nas Unidades de Conservação de Uso
tantes das restrições às práticas tradicionais de uso Sustentável; divulgação de informações à popula-
dos recursos naturais necessários à reprodução so- ção local e a outras partes interessadas; incentivo
cioeconômica dessas populações. à criação e à administração das unidades por par-
Na década de 1990, o desenvolvimento sus- te das populações locais na perspectiva de “co-
tentável passou a ser utilizado como referência gestão”, entre outras medidas (Lei nº 9.985/2000).
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A adoção das determinações do SNUC ocor- como já argumentaram alguns setores do movi-
re sob a dinâmica de gestão de unidades de con- mento ambiental (Castells, 2000), que esse tipo de
servação já existentes no país. Algumas delas se- desenvolvimento se oponha à “lógica” do mode-
quer elaboraram seus zoneamentos e planos de lo de crescimento econômico capitalista, uma vez
gestão; outras, em menor número, além de já se que ele não vai contra as causas estruturais da in-
utilizarem desses instrumentos, contam também com sustentabilidade, tornando-se, pois, funcional ao
projetos de ação de desenvolvimento e de conser- sistema (Becker, 1999; Leff, 2000; Leis, 1999; Lelé,
vação em andamento. Este é o caso da APA de 1991; Foladori, 1999; Middleton e O’Keefe, 2001).
Guaraqueçaba, administrada pelo órgão governa- Antes mesmo da Rio-92, Lelé (1991) afirmava
mental ambiental federal, responsável pela criação que os “desenvolvimentistas” e o movimento am-
e gestão de unidades de conservação, do Instituto bientalista deixaram de lado suas diferenças no
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Natu- sentido de convergirem ambos para uma propos-
rais Renováveis (Ibama) em parceria com uma ta de desenvolvimento sustentável. Assim, passa-
ONG ambientalista paranaense, à qual se atribui ram a enfrentar juntos os problemas relativos aos
uma influência significativa sobre sua gestão. limites ambientais do crescimento econômico e as
A partir de 2000, a referida gestão incorporou questões sociais, basicamente pobreza e desigual-
a noção de desenvolvimento sustentável, não só dade. Uniram-se sob o imperativo de uma possibi-
por determinação do SNUC, mas outras condições lidade, qual seja, a realização da sustentabilidade
objetivas exigiram a adoção de projetos de desen- ambiental, mantendo a continuidade do sistema
volvimento sustentável para a pequena agricultura. produtivo e das relações sociais que o sustentam.
Antes de analisar o caso da APA de Guara- Segundo Leis (1999, p. 159), o conceito de
queçaba, algumas observações sobre a noção desenvolvimento sustentável faria parte de um
de desenvolvimento sustentável serão discutidas processo de “adoção oportunista e instrumental
de maneira breve para que se reflita tanto sobre [...]”, por parte dos estados e das empresas, de no-
as possibilidades de realização, como sobre a pró- vos valores trazidos pelo ambientalismo, com o
pria noção de desenvolvimento sustentável. objetivo de garantir a continuidade do sistema
produtivo. Assim, a racionalidade econômica do-
minante diluiu o potencial transformador das ori-
gens do movimento ambiental, confundindo e
Os problemas advindos da noção de dispersando suas ações (Leff, 2000).
desenvolvimento sustentável O “capitalismo verde” tem como tese a fun-
cionalidade desse tipo de desenvolvimento, pois
A noção de desenvolvimento sustentável utili- apesar da sustentabilidade “seriam preservados
zada para subsidiar ações conservacionistas origi- não apenas os recursos naturais, mas também e
nou-se de uma discussão mais geral relacionada ao acima de tudo, infelizmente, as relações de pro-
confronto entre a necessidade de crescimento eco- dução existentes” (Vargas, 1999, p. 230). Para Fo-
nômico e a necessidade de conservação dos recur- ladori (1999), tais relações estabelecem os limites
sos naturais. Ademais, foi legitimada por estabelecer do desenvolvimento sustentável.
um pretenso consenso entre essas duas dimensões, As causas sociais da insustentabilidade pas-
originalmente consideradas opostas (Castells, 2000; saram a ser abordadas, e a sustentabilidade social
Foladori e Tommasino, 2000; Nobre, 2002). Tal con- foi incluída como parte imprescindível do desen-
senso tem como princípio geral atender às necessi- volvimento sustentável (Lelé, 1991). Porém, isso
dades do presente, sem comprometer as possibilida- não significou o reconhecimento das relações so-
des de as gerações futuras sanarem suas próprias ciais como responsáveis pela insustentabilidade
necessidades. ecológica. Segundo Foladori e Tommasino (2000),
Um primeiro grupo de críticas ao desenvol- a pobreza foi considerada uma de suas causas, o
vimento sustentável concentra suas discussões em que acarretaria a necessidade de se agir sobre
torno de quais seriam a funcionalidade e os limi- a pobreza, ou seja, encontrar a sustentabilidade
tes desse desenvolvimento. Não se pode afirmar, social para promover a sustentabilidade ecológi-
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ca. A solução para o desenvolvimento sustentá- tritas à esfera local só poderão resolver problemas
vel, nessa perspectiva, estava centrada no conhe- circunscritos a uma determinada área, mas as cau-
cimento científico e no desenvolvimento de técni- sas da insustentabilidade estão localizadas na esca-
cas de produção adequadas à conservação dos la da macroeconomia e da macropolítica.
recursos naturais. Os métodos de produção deve- À localidade alia-se a participação social. Se-
riam ser menos agressivos ao meio natural e po- gundo Lelé (1991), ao legitimar o conceito de de-
deriam levar à melhoria da qualidade de vida, ou senvolvimento sustentável, questões como justiça
ao desenvolvimento, minimizando os impactos e eqüidade sociais, que estavam presentes no con-
antrópicos sobre o meio ambiente. Esta perspec- ceito de ecodesenvolvimento, foram abandonadas
tiva foi chamada de sustentabilidade limitada: e substituídas pela participação social, mais espe-
cificamente pela participação local. Partindo da
[...] restringindo seu papel de ponte para a análi- sustentabilidade como referencial indiscutível, e
se da sustentabilidade ecológica [...] o que interes- da solução técnica como saída para a recuperação
sa são as relações técnicas entre os pobres e o uso e a utilização dos recursos naturais (Foladori e
dos recursos naturais. As relações sociais, que se Tommasino, 2001), observa-se que a participação
referem a como determinadas relações entre os local ficaria restrita a decidir sobre rol de possibi-
seres humanos geram pobreza, desemprego, fome lidades técnicas possíveis para promover a susten-
etc., não estão em discussão, senão somente suas tabilidade ecológica. O saber local, por exemplo,
conseqüências técnicas na contaminação e depre- é visto como possibilidade de obtenção de mais
dação do meio (Idem, pp. 46-47). informações sobre como lidar com os recursos na-
turais, contribuindo para a elaboração de soluções
Nesse primeiro grupo de críticas encontram-se, técnicas no uso dos recursos naturais.
ainda, análises que se referem à operacionalização do O segundo grupo de críticas concentra-se na
desenvolvimento sustentável. Para isso, a escala da apropriação do conceito de sustentabilidade ecoló-
“localidade” foi a saída encontrada, uma vez que as gica para adjetivar o desenvolvimento socioeconô-
escalas de “humanidade”, “planeta terra” e “econo- mico, ou ainda, para se referir à sustentabilidade
mia global” são aparentemente inoperantes, ou ope- social ou econômica. A noção de sustentabilidade
rantes somente no nível Estados Nacionais. Becker originada na ecologia para analisar os sistemas na-
considera que a sustentabilidade configura uma turais (sustentabilidade ecológica), deve ser deslo-
nova racionalidade do sistema capitalista e reconfi- cada para a análise das organizações sociais (sus-
gura o desenvolvimento a partir da localidade ou da tentabilidade social). Deve-se estabelecer uma
região. Ela seria, segundo este autor, um dos contraposição à tendência encontrada nas noções
de sustentabilidade que utilizam como referência
[...] instrumentos pós-modernos que, ao mesmo “equilíbrio” e “estabilidade”:
tempo em que viabilizam a dominação em esca-
la mundial, abrem a possibilidade, embora dentro A noção de sustentabilidade ou de durabilidade
de limites muito objetivos e concretos, e muito se origina de teorizações e práticas ecológicas
mais por necessidade do próprio sistema capita- que tentam analisar a evolução temporal de re-
lista, para as histórias locais, as tradições do lugar, cursos naturais, tomando por base a sua persis-
enfim, para os desejos, necessidades e fantasias tência, manutenção ou capacidade de retorno a
fragmentadas (1999, p. 64). um presumido estado de equilíbrio, após algum
tipo de perturbação. A noção de equilíbrio é tema
polêmico e controverso, mesmo no domínio eco-
Ao analisarem a ação de ONGs em projetos
lógico, já que os sistemas naturais, incluídos ne-
“locais” na Europa, Middleton e O’Keefe (2001) afir- les os chamados recursos renováveis, estão sujei-
maram que há dois equívocos na atuação baseada tos a elevada variabilidade, expressa em distintas
na localidade. O primeiro refere-se aos limites do escalas temporais e espaciais (Raynaut, Lana e
“empoderamento” (empowerment) local, já que os Zanoni, 2000, p. 74).
mecanismos de opressão estão nas relações sociais,
cujas causas não são alcançadas. O segundo diz Segundo Raynaut (1997, p. 370), a utilização
respeito aos limites da atuação, isto é, as ações res- dessa noção pode levar à interpretação de uma
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história que não comporta outro movimento que A sustentabilidade na APA de


não “a reprodução incomensurável de um equilí- Guaraqueçaba
brio impossível” da natureza e da sociedade. Esta
história deve ser entendida como o resultado de Propostas de desenvolvimento para popula-
uma relação dialética entre reprodução e mudan- ção em unidades de conservação só se realizam a
ça, uma vez que cada sistema comporta a repro- partir de um objetivo principal, qual seja, a con-
dução e, ao mesmo tempo, se transforma, seja em servação da biodiversidade. Em Guaraqueçaba
função de suas próprias contradições, seja em fun- isto não foi diferente.
ção de fatores externos. Há alguns estudos locais que enfocaram a
Há uma relação de interdependência e auto- questão da sustentabilidade a partir da idéia dos
nomia entre esses dois sistemas. Ainda que qual- limites do desenvolvimento sustentável. Particu-
quer organização social exija materialidade para larmente foram enfatizados a insustentabilidade
existir (corpo, terra, água etc.), o sentido elabora- de sistemas produtivos e a sustentabilidade, pon-
do socialmente, referente às ações humanas sobre te para atingir a conservação (Rodrigues, 2002;
o meio natural, torna-se autônomo em relação às Tommasino, 2002).
determinações do meio físico-químico e biológico, Neste artigo, pretendo discutir uma outra di-
podendo ser transmitido para outras gerações e ou- mensão do desenvolvimento sustentável, que in-
tras sociedades diferentes daquelas (Zanoni e Ray- teressa particularmente às ciências sociais: a “na-
naut, 1994). turalização” da sociedade nas propostas e nas
Mesmo no campo das ciências biológicas a ações para a promoção da sustentabilidade em
perspectiva do equilíbrio estável e preditivo foi uma unidade de conservação que se fundamen-
substituída por outras que constatam a existência tam em soluções técnicas. Isto será analisado a
de equilíbrio dinâmico nos sistemas biológicos. Se- partir do processo de proteção ambiental na APA
gundo Miranda (2003), novos conceitos têm sido de Guaraqueçaba, a partir dos anos de 1990,
aceitos para a análise desses sistemas, como, por quando, então, o uso e o desenvolvimento sus-
exemplo, os conceitos de resiliência e de co-evolu- tentáveis tornaram-se referência das propostas de
ção. O primeiro considera mais de uma possibilida- desenvolvimento da agricultura local.
de de equilíbrio e a extinção do sistema; o segundo
considera a interatividade de ajustamentos das espé-
cies em um determinado sistema, em que as es- A proteção ambiental na APA de Guaraqueçaba
pécies evoluem conjuntamente, e a evolução de cada
uma é interdependente da evolução da outra. Distante 167 km de Curitiba, a APA de Guara-
Esses dois grupos de crítica levantam, ainda, queçaba possui uma extensão de 3.143 km (Ipardes,
a discussão sobre o sujeito da sustentabilidade. 2001), dos quais 81,83% é ocupado pelo município
Geralmente, a humanidade e o meio ambiente de Guaraqueçaba, todo ele incluído na APA.4 Possui
são definidos como os beneficiários do desenvol- 8.288 habitantes, sendo que a maior parte – 68,85% –
vimento sustentável. Porém, a humanidade não vive na zona rural. A população distribui-se em vin-
pode ser considerada “em bloco”, uma vez que só te localidades ao longo dos vales dos rios. A peque-
existe na forma de organização social. Nesta, de- na agricultura corresponde à maior parte das ativi-
senvolvem-se as relações sociais que interferem dades produtivas locais, relativas à produção de
nas relações que os grupos sociais estabelecem banana e mandioca (Rodrigues, 2002).
de maneiras diversas com o meio natural, a partir de Para além da importância dada às suas ca-
interesses e possibilidades específicos a cada um racterísticas ambientais, Guaraqueçaba é conside-
deles (Foladori, 1999; Raynaut, 1994). Logo, redu- rada um importante patrimônio cultural, represen-
zir o sujeito da sustentabilidade à humanidade é tado por pescadores e agricultores que guardam
retirar da sociedade suas características estruturais remanescentes da cultura “tradicional” caiçara, in-
por meio das quais devemos pensar sua relação clusive nas práticas de uso dos recursos naturais
com o meio natural. Isso fundamentaria, em últi- (Ipardes, 2001).
ma instância, qualquer proposta de desenvolvi- A proteção ambiental na região de Guara-
mento integrado à sustentabilidade ecológica. queçaba iniciou-se nos anos de 1980, com a cria-
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ção de unidades de conservação e com a chega- responsável pela criação dessas unidades, possuía
da de órgãos governamentais para execução das uma atuação bastante reduzida na região. O con-
ações de controle de uso dos recursos naturais. As trole de uso dos recursos naturais (licenciamento
características ambientais da região aliadas ao de- e fiscalização) ficou basicamente a cargo do órgão
senvolvimento do movimento ambiental no Brasil estadual do Paraná com atribuições ambientais.
e no mundo atraíram a atenção de organismos in- Este órgão atuou no sentido de aplicar a legislação
ternacionais, dos governos estadual e federal e de já existente, como o Código Florestal e a Lei de
ONGs ambientalistas. O meio natural, considera- Uso do Solo estadual.
do um ambiente conservado, encontrava-se em vias Nesse momento, não havia ainda uma arti-
de degradação, por causa da exploração da ma- culação entre ações para a conservação e ações
deira, do palmito e da pesca (Teixeira, 2004). de desenvolvimento para a sociedade local; trata-
A responsabilidade desse quadro foi atribuída va-se de ações paralelas. As poucas iniciativas de
à dinâmica social que ora se desencadeava na re- desenvolvimento que lá chegaram estavam rela-
gião, decorrente da nova ocupação iniciada nas cionadas aos projetos estaduais para desenvolvi-
décadas anteriores. Segundo Miguel (1997), no mento da agricultura familiar e da pesca e obtive-
continente, os neolatifundiários – grupos de em- ram resultados restritos e ineficientes (Miguel,
presas madeireiras e grupos industriais e comer- 1997; Rodrigues, 2002).
ciais – instalaram grandes propriedades destinadas A referida instituição estadual, que possuía
à exploração dos recursos naturais ou à especula- também a atribuição de órgão de terras, centrava
ção, em geral realizada mediante a grilagem de ter- seus esforços no impedimento tanto da ocupação
ras, a partir da década de 1960. Além da intensifi- de Guaraqueçaba pelos neolatifundiários, como de
cação da exploração de recursos naturais (madeira ações que beneficiassem a exploração dos recur-
e palmito), agricultores e pescadores foram expro- sos naturais (construção de estrada, desmatamen-
priados, o que acentuou a pobreza da população to e loteamentos). Estes foram considerados os
local. Paralelamente, a superexploração dos recur- principais responsáveis pela degradação ambien-
sos pesqueiros por meio da pesca predatória e ile- tal em Guaraqueçaba, não somente por suas ati-
gal realizada no estuário acarretou a redução dos vidades produtivas diretas (madeira, palmito, bú-
recursos que abasteciam as comunidades de pesca- falo), como também pelos efeitos da grilagem
dores (Fundação SOS pró-Mata Atlântica, 1986). (Teixeira, 2004). Ao expropriar os pequenos agri-
A proteção ambiental em Guaraqueçaba ins- cultores, a ocupação provocava o êxodo rural e o
tituiu a conservação do meio natural em um espa- deslocamento da pequena agricultura para terras
ço caracterizado por sérios problemas econômi- menos férteis e mais “frágeis”, agravando os pro-
cos e sociais5 e insatisfatoriamente atingido por blemas ambientais e sociais da região (Miguel,
políticas e programas de desenvolvimento esta- 1997). A pequena agricultura não era considerada
duais e federais (Miguel, 1997). Ela se tornou mais responsável direta pela degradação, ainda que a
um obstáculo para a maior parte da sociedade lo- legislação fosse, sobre ela, aplicada. Refletindo
cal, na medida em que restringiu o uso dos recur- a postura do governo do estado (1982-1985) de
sos naturais necessários à produção e à comple- defesa da pequena agricultura familiar e envol-
mentação das atividades produtivas da população vendo-se com a questão fundiária local, os técni-
(Miguel, 1997; Miguel e Zanoni, 1998). cos do órgão ambiental atuantes em Guaraqueça-
A história desse processo teve períodos dis- ba conseguiram articular as causas social e
tintos, nos quais se apresentaram diferentes agen- ambiental (Teixeira, 2004).
tes e concepções sobre a proteção ambiental e Nos anos de 1990, o órgão ambiental federal
sobre o desenvolvimento da sociedade local (Tei- (Ibama), em parceria com ONGs, intensificou
xeira, 2004). suas ações em Guaraqueçaba, procurando efeti-
No período que corresponde à década de var a implantação da APA (novo zoneamento, pla-
1980, a proteção caracterizou-se por ações no sen- no de gestão, organização dos grupos de trabalho
tido de implantar unidades de conservação na re- etc.). Ao mesmo tempo, o órgão ambiental esta-
gião (construção da sede, zoneamento, entre ou- dual afastava-se da gestão da APA, desligando-se
tros). O órgão ambiental federal (Sema, Ibama), em 2000.
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Reafirmou-se a importância de Guaraqueçaba americana The Nature Conservancy (TNC) e


como área de proteção. Foi criada a Reserva da apoio do Ibama. Diante da constatação da pobre-
Biosfera Vale do Ribeira – Serra da Graciosa (1992), za local, propôs como solução para os impactos
que abrangeu todas as unidades de conservação da da ocupação humana sobre o meio natural: “de-
região. Os conflitos fundiários praticamente cessa- senvolver, aprimorar e implantar modelos de uso
ram e os neolatifundiários “abandonaram” a região. sustentado dos recursos naturais disponíveis, de
A legislação ambiental tornou-se mais restritiva a forma a consolidar a conservação e a melhor qua-
partir do Decreto Mata Atlântica (1991, 1993), acir- lidade de vida da população local” (SPVS, 1995a).
rando os conflitos entre os pequenos agricultores e Aqui se observa a incorporação das diretrizes in-
as restrições impostas pelos órgãos ambientais. A ternacionais para unidades de conservação, que
“ótica ambientalista” predominava sobre a “ótica so- estabeleciam o uso sustentável como saída para a
cial”, e as propostas de articulação entre conserva- ocupação humana.
ção e desenvolvimento, calcadas na perspectiva da O Plano de Gerenciamento constituiu-se de
sustentabilidade alcançaram a pequena agricultura duas fases: a elaboração do Diagnóstico da Situa-
familiar. ção Físico-Biológica e Sócio-Econômica da Região
Dando continuidade ao período anterior, a e a elaboração do Plano Integrado de Conserva-
partir de 2000 até o ano de 2003,6 novos elemen- ção para a Região de Guaraqueçaba, concluído
tos passaram a fazer parte da conservação e do em 1992.
desenvolvimento local, acentuando algumas ten- O Diagnóstico partiu do princípio segundo o
dências anteriores e introduzindo outras – a reser- qual cada região possui uma “vocação” que deve
va particular para seqüestro de carbono, o Pólo ser pesquisada para a delimitação do potencial
de Agroecologia e as novas exigências colocadas regional e posterior aproveitamento racional dos
pelo SNUC para implantação da APA, dentre elas, recursos (SPVS, 1992). Concluiu-se que a região
a participação da população local na sua gestão. de Guaraqueçaba era predisposta a ser uma área
de conservação, o que foi reforçado pela criação
da Reserva da Biosfera. Essa reserva deveria ser
A sustentabilidade do uso dos recursos naturais: gerenciada com base no “modelo de desenvolvi-
solução técnica para a ocupação humana mento conservacionista” (Idem, p. 182), ou seja,
“sempre que possível, deveria haver a conserva-
A partir dos anos de 1990, o Ibama passou a ção de sistemas tradicionais de uso da terra, pro-
receber recursos financeiros do Programa Nacio- pondo-se assim um tipo de relação harmoniosa
nal do Meio Ambiente (PNMA) para executar a entre as populações nativas/tradicionais e o meio
implantação de unidades de conservação, incluin- natural” (Idem, ibidem).
do os planos de gestão. Como o Ibama não pos- Contudo, o Plano Integrado afirmava que “a
suía quadro técnico que pudesse realizar a im- grande maioria das atividades antrópicas desen-
plantação da APA de Guaraqueçaba, compôs volvidas na região eram, senão incompatíveis,
parcerias, seguindo a orientação geral deste ór- conflitantes com os objetivos de conservação de
gão. Tais parcerias foram firmadas, sobretudo, um dos últimos remanescentes da Floresta Atlân-
com uma ONG ambientalista paranaense, a Socie- tica e do complexo estuarino” (Idem, p. 19). Di-
dade de Pesquisa em Vida Silvestre e Educação versamente dos anos de 1980, quando se atribuiu
Ambiental (SPVS), que ficou responsável pela ela- responsabilidade diferenciada aos grupos sociais
boração de diagnósticos e propostas voltadas à sobre a degradação ambiental, o Plano Integrado
conservação na APA. Ao atrair recursos de ONGs atribuiu a mesma responsabilidade a toda socie-
e empresas nacionais e internacionais e ao estru- dade local. Nesse caso, a pequena agricultura pas-
turar um amplo quadro técnico, essa entidade tor- sou a ser, também, uma ameaça àquela “vocação”
nou-se, também, o órgão executor das propostas. de Guaraqueçaba. Não havia um grupo social
Inicialmente, em 1991, a ONG parceira ela- mais ou menos responsável pela degradação ou pela
borou o Plano de Gerenciamento para a Região conservação, mas práticas de uso mais ou menos
de Guaraqueçaba, com recursos da ONG norte- responsáveis pela degradação ou pela conserva-
O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL EM UNIDADE DE CONSERVAÇÃO 59

ção. Nesse sentido, as ações junto à população implantação de tecnologias visando à conserva-
deveriam desenvolver a racionalização do uso ção, na articulação institucional para planejamen-
dos recursos naturais, e a população deveria “re- to e execução das ações, além de desenvolver
ceber preparação adequada para esse convívio ações comunitárias e de educação ambiental
em novas bases com a natureza” (Idem, p. 12), o (SPVS, 1995a e b). Tais projetos atendiam, tam-
que justificou o empenho no desenvolvimento da bém, aos objetivos estabelecidos nos Planos Ope-
educação ambiental. racionais Anuais (POA) do Ibama (educação am-
É importante observar que a SPVS é uma biental, diagnóstico cultural, desenvolvimento
ONG voltada à conservação ambiental7 que se de- comunitário e conservação do estuário).
parou com a necessidade de considerar a socie- Outros projetos ainda foram realizados, en-
dade local como parte deste processo. Os finan- volvendo parcerias e recursos de programas na-
ciadores de seus projetos e seus parceiros exigiam cionais, como o PROBIO, ou internacionais (TNC,
a avaliação dos múltiplos aspectos envolvidos na Philipp Moris, WWF), em que se previam a orga-
gestão da conservação, particularmente dos as- nização comunitária para a execução de soluções
pectos socioeconômicos e culturais da população técnicas, a ostreicultura, a recuperação florestal, a
local. O Diagnóstico e o Plano de Gestão assim o proteção de espécies em extinção, a sistematiza-
fizeram. Eles abrangeram em sua pesquisa a his- ção de informação, entre outras ações.
tória da ocupação de Guaraqueçaba, a pobreza Vale dizer que a ação voltada à população
local, a legislação ambiental inadequada e a falta mais significativa e aceita pela SPVS era a educa-
de regularização fundiária, mas, ao trazer a popu- ção ambiental. Elaborado por biólogos (SPVS,
lação para o processo de proteção na APA, os as- 1995b), o projeto educacional refletia os objetivos
pectos sociais foram diluídos dentro do contexto definidos desde o início, ou seja, a preparação da
prioritário da conservação do meio natural. O de- população para aceitar as bases de constituição da
senvolvimento socioeconômico, a melhoria da APA. Em contrapartida, a auto-organização das co-
qualidade de vida e a regularização fundiária são munidades era vista com reservas, uma vez que a
mudanças que deveriam ocorrer para o sucesso elaboração da solução técnica, a partir do conheci-
da conservação, de acordo com as observações mento científico, não requeria participação da po-
relativas à sustentabilidade limitada. No entanto, pulação, que, assim deveria se adequar às soluções
deixou-se de dar atenção à pobreza e/ou à exclu- propostas (Teixeira, 2004). No entanto, por exigên-
são social em si, essas questões passaram a ser re- cias contratuais, foram executados projetos relati-
feridas em função da conservação ambiental. As vos a estudos e organização de populações tradi-
soluções restringiram-se, dessa forma, à apropria- cionais localizadas nas ilhas, mas os resultados e as
ção de técnicas de uso dos recursos naturais. discussões sobre o papel da população local na
Na medida em que as características que de- proteção ambiental se realizaram de maneira não
finem a especificidade da sociedade não foram articulada às principais ações de conservação. Em
consideradas devidamente, submeteu-se o que era virtude da própria constituição e dos objetivos da
singular ao rol de soluções técnicas para a conser- ONG em questão, havia dificuldade em aceitar a
vação ambiental. Não houve uma concepção sociedade (cultura, interesses de grupos sociais)
construída sobre a inter-relação que se estabelece como agente, e não somente como subordinada,
entre sociedade e natureza, na perspectiva da in- da conservação. Essa visão estendia-se ao trabalho
terdependência e da autonomia desses sistemas. de cientistas sociais, e suas propostas no quadro
Ou seja, ao não ser considerada em sua especifi- técnico não eram muito aceitas (Idem).
cidade, a sociedade tornou-se “naturalizada”. Considerando em particular a pequena agri-
A partir do Plano Integrado, a SPVS elabo- cultura, as ações propostas pelo Plano Integrado
rou o Programa Guaraqueçaba, o qual fez parte envolviam desde a revisão da legislação, especial-
do convênio estabelecido entre o Ibama e a SPVS mente o Decreto Mata Atlântica, até pesquisas so-
em 1994, para a co-gestão da APA de Guaraque- bre os sistemas de produção. O único projeto vol-
çaba (Convênio 14/94).8 Ele foi constituído por tado exclusivamente à pequena agricultura foi o
projetos distintos que atuavam na pesquisa e na projeto “Viabilidade Agropecuária”, que, posteriro-
60 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 20 Nº. 59

mente, recebeu uma outra denominação: “Difusão vação foi considerada, pela primeira vez, mais um
de tecnologias na região de Guaraqueçaba”. Em obstáculo ao desenvolvimento local: “Foi imposta
relação às práticas agrícolas tradicionais, a posição à população e empresários locais [receberam] ao
do Plano Integrado foi taxativa: “o desmatamento longo dos últimos 10 anos o estigma das precárias
e a intensificação do solo, como elementos predo- condições socioeconômicas às quais a população
minantes dos modelos tradicionais de desenvolvi- local [estava] submetida” (Paraná, Sema, 1995, p.
mento são absolutamente rejeitados como formas 50).
de atividade econômica” (SPVS, 1992, p. 12). A Observa-se, contudo, que esse documento
saída proposta, realizada em convênio com outras não representou um consenso em torno da con-
ONGs, foi a difusão de alternativas tecnológicas servação em Guaraqueçaba, mas uma sobreposi-
para a produção orgânica e agroflorestal, com o ção de interesses das instituições envolvidas. O
objetivo de melhorar a produtividade da banana e “objetivo superior” do Plano de Gestão era “con-
a renda monetária dos agricultores. O projeto foi servar a diversidade de ambientes, de espécies,
desenvolvido junto aos agricultores da Associação de processos naturais e do patrimônio cultural, vi-
dos Moradores e Pequenos Produtores Rurais de sando o desenvolvimento econômico ambiental-
Batuva, que possuíam melhores condições de pro- mente sustentado das comunidades humanas lo-
dução e comercialização de produtos agrícolas cais e a melhoria da qualidade de vida” (Idem, p.
(SPVS, 1995b), além de uma organização comuni- 59). O “objetivo da gestão” retoma sutilmente o
tária mais estruturada. O principal resultado foi a sentimento de justiça social dos anos de 1980: a
certificação da banana orgânica. “gestão ambiental integrada” deveria estimular
Estabelecidos os referenciais para pensar “atividades econômicas ambientalmente sustentá-
ações de conservação para Guaraqueçaba, defini- veis e socialmente justas” (Idem, ibidem). Para
dos pela SPVS em parceria com o Ibama, o pró- isso, propôs um Programa de Desenvolvimento
ximo passo do Ibama foi a elaboração de um Pla- Sustentável, seguindo as diretrizes internacionais
no de Gestão9 para a APA, em conjunto com a e nacionais sobre o tema.
Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) do Esta foi a primeira vez que um programa
Paraná, em 1994. Com a participação de 26 insti- para Guaraqueçaba utilizou a noção de desenvol-
tuições governamentais e não-governamentais, vimento sustentável que não se restringia ao uso
realizou-se uma Oficina de Planejamento de Pro- sustentável, mas incluía dimensões como a susten-
jetos, na qual se procurou articular o desenvolvi- tabilidade econômica e social e a participação so-
mento socioeconômico à conservação através do cial, como consta na Agenda 21 Global.
uso sustentável dos recursos naturais. O Programa de Desenvolvimento Sustentável
No Plano de Gestão foi dada maior atenção previa regularização fundiária, modificações e
às questões sociais do que àquelas presentes no complementações na legislação, estímulo aos ni-
Plano Integrado, o que se justifica pela participa- chos de mercado (selo, atestado verde, indústria
ção de órgãos estaduais de desenvolvimento e do caseira), práticas de manejo agrícola integradas,
órgão estadual ambiental. Vale lembrar que o de- linha de crédito para os pequenos produtores e
bate em torno da relação entre desenvolvimento incentivo à pesquisa para o desenvolvimento de
e conservação estava fortalecido tanto na esfera tecnologias compatíveis com a proteção. De certa
nacional como internacional, e na Rio-92 a noção forma, a pequena agricultura não foi tratada como
de desenvolvimento sustentável foi oficializada, uma prática incompatível, mas como uma ativida-
refletindo-se nas diretrizes para a implantação de de produtiva que requeria condições estruturais
unidades de conservação sob a perspectiva de para o seu desenvolvimento, ainda que subordi-
uso sustentável dos recursos naturais. nado à conservação.
A idéia de que a pobreza da população lo- O sentido de desenvolvimento pode ser ob-
cal era anterior à proteção ambiental, por ausência servado também na proposição do ecoturismo e
de programas de desenvolvimento e pelo isola- nas demais propostas para a viabilização de alter-
mento da região de Guaraqueçaba, foi enfatica- nativas de trabalho, a manutenção da população
mente introduzida no Plano de Gestão. A conser- tradicional, a qualificação de serviços sociais e in-
O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL EM UNIDADE DE CONSERVAÇÃO 61

fra-estrutura, para as quais se poderiam usar os pectiva que não a da “naturalização” da socieda-
recursos advindos do ICMS ecológico. de; as condições para a sua superação residiriam
Contudo, o Plano de Gestão, incluindo o para além da idéia de uso sustentável dos recur-
Programa de Desenvolvimento Sustentável, não sos naturais.
foi executado por falta de recursos humanos e fi- Restritas aos agentes da conservação, as
nanceiros das instituições que deveriam arcar com ações que foram desenvolvidas junto à pequena
a sua execução, inclusive dos órgãos estaduais agricultura se mantiveram na esfera das soluções
voltados ao desenvolvimento. Assim, as ações de técnicas para a produção, ainda que fizessem re-
desenvolvimento permanecem até hoje restritas ferência ao aumento da renda e da qualidade de
ao Ibama/SPVS. vida dos agricultores envolvidos. Não houve uma
A única ação prevista e realizada pelo Plano articulação efetiva com análises antropológicas ou
de Gestão foi o Zoneamento da APA de Guara- sociológicas sobre sociedade local, o que levou a
queçaba, a cargo do Instituto de Pesquisa e De- um segundo plano a preocupação com os efeitos
senvolvimento do Paraná (Ipardes), no período (ambientais e sociais) perversos da conservação,
de 1994 a 1997, com recursos do Ibama. Demons- os quais variam de práticas clandestinas de uso
trando maior atenção à sociedade local, o zonea- dos recursos naturais ao aumento da situação de
mento possui um capítulo sobre a população tra- pobreza de alguns agricultores. Como exemplo, a
dicional local elaborado a partir de dois estudos pesquisa realizada por Francisco (2002) descreve
anteriormente realizados para o projeto de co- as conseqüências da introdução da produção de
gestão Ibama/SPVS. Seu resultado foi considerado banana orgânica para nichos de mercado sobre
por essas instituições, muito amplo e pouco dire- uma comunidade de Guaraqueçaba. Romperam-
tivo, uma vez que não definia os usos possíveis se laços e práticas de sociabilidade que garantiam
das diferentes “zonas” da APA (Teixeira, 2004). a sobrevivência daqueles agricultores, cujas con-
Publicado em 2001, o zoneamento não foi ainda dições de produção foram consideradas insufi-
normatizado. cientes para a inclusão na produção orgânica.
Para substituir o Plano de Gestão de 1995, A partir de 2000, novos elementos foram in-
em 1999 o governo do Paraná e o Ibama, em par- troduzidos na condução da gestão da APA de Gua-
ceria com a SPVS, elaboraram o programa Guara- raqueçaba e, definitivamente, o desenvolvimento
queçaba pra frente, Guaraqueçaba sempre: pro- sustentável passou a ser considerado a solução
grama de desenvolvimento sustentável para a para a ocupação humana nessa unidade de con-
Área de Proteção Ambiental de Guaraqueçaba. servação. Reiterando, isso ocorreu sob a perspec-
Retirando as referências à justiça social, este pro- tiva da “naturalização” da sociedade.
grama redefiniu os papéis das instituições atuan- No mesmo ano, independentemente do Iba-
tes, cabendo ao Ibama/SPVS o controle da gestão ma, a SPVS adquiriu propriedades em Guaraque-
e das pesquisas e a produção de técnicas adaptadas çaba, formando uma reserva particular para o de-
aos objetivos da conservação (Paraná/Sema/IAP, senvolvimento do projeto de seqüestro de carbono.
1999). Este programa também não foi ainda Ao lado das ações de controle, o plano de ação
executado. elaborado pelas ONGs TNC e SPVS exigia que
Dado o fracasso dessas duas propostas de esta última se responsabilizasse por programas de
ação conjunta (órgãos ambientais e de desenvolvi- desenvolvimento sustentável visando à integração
mento), não houve distribuição de funções entre das comunidades do entorno das reservas ao pro-
os órgãos ambientais e demais instituições volta- jeto de seqüestro de carbono, além da eliminação
das ao desenvolvimento socioeconômico da re- das atividades produtivas e extrativas incompa-
gião. Paralelamente, as raras iniciativas de desen- tíveis com os objetivos do projeto (TNC/SPVS,
volvimento da pequena agricultura por parte do 2000).
governo do estado que chegaram a Guaraqueçaba A SPVS não desenvolveu projeto próprio de
obtiveram resultados pífios (Rodrigues, 2002). desenvolvimento sustentável, mas incrementou as
A distribuição de funções e as ações articu- ações do Pólo de Agroecologia do Litoral do Para-
ladas não garantiriam, por si só, uma outra pers- ná, desenvolvido pela Emater e pela Secretaria de
62 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 20 Nº. 59

Estado de Agricultura e Abastecimento, em parce- A partir das novas propostas e dos progra-
ria com ONGs e outros segmentos da sociedade, a mas implantados em Guaraqueçaba nos últimos
partir de 2000. Seus principais objetivos são: “via- anos, e a partir das experiências realizadas ante-
bilizar a agricultura familiar através do desenvolvi- riormente com a pequena agricultura, a noção de
mento de tecnologias adaptadas para a região, desenvolvimento sustentável foi definitivamente
buscando a integração das atividades agrícolas, apropriada pelos agentes responsáveis pela gestão
conservação do meio ambiente e desenvolvimen- da APA. O desenvolvimento sustentável aqui em-
to social” (Emater, 2003). Observa-se que nesse pregado é o mesmo legitimado na Rio-92, e se en-
projeto a agricultura familiar, e portanto a socieda- quadra na perspectiva da sustentabilidade limitada
de, aparece em primeiro plano se comparada às ou sustentabilidade ponte (Foladori e Tommasino,
idéias de conservação ambiental. 2000), ponte para a conservação ambiental e pon-
Considera-se que a SPVS impulsionou as te para assegurar o sucesso do projeto de seqües-
ações do Pólo, com recursos captados por ela tro de carbono. Tanto este projeto como o próprio
mesma (Bona, 2003 apud Chang, 2004) e introdu- SNUC, ao incorporarem o desenvolvimento sus-
ziu a técnica do Diagnóstico Rural Participativo tentável, extrapolando a idéia de uso sustentável,
(DRP), cujo objetivo é “saber como essas pessoas proporcionaram uma nova situação à gestão da
se relacionam com a floresta e somar ao nosso co- APA (Teixeira, 2004), ainda que não problemati-
nhecimento técnico-científico, já que é mais fácil zassem a noção de desenvolvimento sustentável.
os agricultores adotarem técnicas que estejam Na APA de Guaraqueçaba, os novos rumos
próximas à sua realidade” (O Estado de S. Paulo, podem modificar a relação entre a conservação e
2002). Em uma comunidade agrícola, a SPVS pro- a sociedade local, situando a população como um
pôs associar a banana ao manejo comunitário do elemento não só a ser controlado, mas também a
ser reconhecido e considerado em sua especifici-
palmito, como já havia sido sugerido por estudos
dade e na sua inter-relação com o ambiente, além
não vinculados ao Ibama/SPVS no início dos anos
de ter garantidos seus direitos de decisão sobre o
de 1990 (Miguel e Zanoni, 1998). Segundo Chang
futuro. Contudo, essa mudança ainda está subju-
(2004), a SPVS estaria redefinindo a sua identida-
gada à “vocação” de Guaraqueçaba, para a qual a
de institucional ao incluir tais dimensões em suas
população deve ser preparada. O que surgirá com
ações conservacionistas. Esta redefinição pode ser
a participação da sociedade local neste processo,
explicada a partir da necessidade de adequação
está em construção.
das ações às exigências de seus parceiros e à so-
ciedade local (Teixeira, 2004). Sob o ângulo da
“naturalização” da sociedade evidenciou-se, por Considerações finais
exemplo, que o sucesso do “desenvolvimento lo-
cal” e da conservação depende de condições ma- Para alcançar a conservação ambiental na
teriais e organizacionais de produção, o que a APA de Guaraqueçaba, além do controle da fisca-
maior parte da pequena agricultura em Guaraque- lização e do licenciamento, a solução encontrada
çaba não possui, como mostram os estudos de para a pequena agricultura local, por suas instân-
Miguel (1997) e Rodrigues (2002). cias co-gestoras, partiu da perspectiva da “natura-
Em 2002, as determinações do SNUC come- lização” da sociedade e se restringiu à implanta-
çaram a ser implementadas na APA de Guaraque- ção de técnicas produtivas adequadas aos objetivos
çaba, dentre elas, aquelas cuja orientação era a da conservação. Assim, os problemas decorren-
promoção do desenvolvimento sustentável. A tes das práticas de uso dos recursos naturais da
grande transformação ficou por conta da criação população local sobre a conservação foram re-
do Conselho Deliberativo que vem sendo realiza- duzidos aos efeitos negativos das primeiras so-
do pelo Ibama/SPVS. Esse conselho inclui os re- bre a segunda.
presentantes das comunidades por bacias hidro- Diante de diretrizes internacionais no con-
gráficas, as instituições presentes na APA, assim texto do debate sobre a sustentabilidade e seguin-
como ONGs e universidades (Idem). do princípios conservacionistas e exigências im-
O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL EM UNIDADE DE CONSERVAÇÃO 63

postas por parcerias e financiamentos, o desen- sustentável fundamentados na “naturalização” da


volvimento sustentável foi apresentado como ob- sociedade. Ao propor soluções técnicas, deve-se
jetivo para a APA de Guaraqueçaba, ainda que su- observar primeiramente se a sociedade que recebe
bordinado à sua “vocação” de conservação da as propostas é considerada como tal. A implanta-
APA. Além das exigências contratuais, as reações ção de novas técnicas para produção ou de progra-
da própria população à conservação e aos proje- mas de geração de renda muitas vezes encontra-
tos de uso sustentável ou de geração de renda in- ram seus limites quando efetivamente executados,
dicavam que uma nova postura seria necessária uma vez que as condições sociais foram secunda-
para lidar com a ocupação humana nesta unida- rizadas ou negligenciadas nas soluções propostas.
de de conservação, abrindo outras perspectivas Ademais, os efeitos das transformações nas
para realizar o desenvolvimento local. técnicas de produção sobre a sociedade geralmen-
A pequena agricultura em Guaraqueçaba te não são levados em consideração, inclusive em
não alterou estruturalmente sua precária condição se tratando de sustentabilidade social, pré-requisi-
de reprodução e, conseqüentemente, não alterou to para o pretendido desenvolvimento sustentável.
práticas consideradas contrárias aos objetivos da O caso da agricultura orgânica em ecossistemas
conservação. Os poucos resultados positivos de como o encontrado em Guaraqueçaba, por exem-
programas de desenvolvimento para a pequena plo, suscitam questões como: Qual o acréscimo de
agricultura foram localizados e restritos. Mas isto força de trabalho é necessário para produzir arroz
vem se expandindo com as ações do Pólo de orgânico? Quantas faltas na escola serão necessá-
Agroecologia, nas quais os órgãos de desenvolvi- rias para que o filho do agricultor possa retirar com
mento do estado estão presentes de forma mais as mãos as ervas daninhas da cultura do arroz?
efetiva e articulada à conservação. Que mudanças ocorrem nas relações sociais de
A visibilidade da conservação é o meio na- uma comunidade com a introdução de técnicas de
tural. A ocupação humana é considerada um pro- produção que dispensam o mutirão? Enfim, qual o
blema e não parte – inter-relacionada – da prote- custo social das ações propostas em nome da sus-
ção ambiental. As questões mais estruturais, que tentabilidade ecológica?
efetivamente constroem uma visão da sociedade Se considerarmos a abordagem interdisciplinar
local – a partir de características que definem uma do meio ambiente, caberia às ciências sociais a res-
sociedade e, conseqüentemente, suas relações ponsabilidade de pensar essas questões, ajudando
com o meio natural – e não somente da popula- inclusive em programas e propostas de desenvolvi-
ção local, ainda não são fundamentais nos proje- mento sustentável em unidades de conservação. De
tos que pretendem alterar técnicas de uso dos re- certa forma, deve-se resistir à sedução e conseqüen-
cursos naturais. te apropriação de conceitos e modelos de sustenta-
Identificar a “naturalização” do social como bilidade oriundos de outras áreas de conhecimento
característica do desenvolvimento sustentável na mais vinculadas à conservação. Os modelos devem
APA de Guaraqueçaba, o que talvez possa ser ex- ser enfrentados na construção interdisciplinar do co-
trapolado para outras unidades de conservação, nhecimento, e as ciências sociais devem manter a
contribuiu para a reflexão sobre a relação entre de- “identidade” do conceito de sociedade. Assim, o de-
senvolvimento econômico e conservação ambiental senvolvimento pode sair da esfera técnica, ou seja,
e sobre desenvolvimento sustentável como solução da procura de melhores técnicas adaptadas à con-
para ocupação humana em unidades de conserva- servação, para um debate mais amplo que envolve,
ção, o que implica, em última instância, refletir so- em última instância, a discussão sempre recorrente
bre a inter-relação entre a sociedade e seu ambien- sobre a relação sociedade e natureza.
te. Além disso, e relacionado a esses fatores,
podemos pensar o papel do profissional das ciên-
cias sociais nas discussões e nas ações de desenvol- Notas
vimento articuladas à conservação ambiental.
Para esses profissionais interessa saber quais 1 No zoneamento, a área protegida é dividida em zo-
as conseqüências de projetos de desenvolvimento nas, de acordo com critérios “ambientais”, para as
64 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 20 Nº. 59

quais são definidas as formas de ocupação humana (velho) paradigma de desenvolvimento


possíveis. regional”, in D. F. Becker (org.), Desen-
volvimento sustentável: necessidade ou
2 A Agenda 21 Global é um programa de ação que
define diretrizes para o desenvolvimento “conci-
possibilidade, 2 ed., Santa Cruz do Sul,
liando métodos de proteção ambiental, justiça so-
Edunisc.
cial e eficiência econômica” (http://www.agenda CASTELLS, M. (2000), A era da informação: eco-
21.org.br/intro.htm). nomia, sociedade e cultura (vol. 2: O
3 As Unidades de Proteção Integral– Estação Ecoló-
poder da identidade). São Paulo, Paz e
gica e Parque Nacional – admitem apenas o uso in-
Terra.
direto dos recursos naturais, como pesquisa e edu- CHANG, M. (2004), Seqüestro de carbono florestal
cação ambiental (Lei nº 9.985/2000, Art. 7º § 1º). no Brasil: dimensões políticas, socioeco-
4 Além dessa Área de Proteção Ambiental, a região nômicas e ambientais. Tese de doutora-
possui um Parque Nacional, uma Estação Ecológi- do em Meio Ambiente e Desenvolvi-
ca e duas Reservas Particulares do Patrimônio Na- mento da Universidade Federal do
tural (RPPN). Paraná, Curitiba.

5 Atualmente, mesmo os ganhos elevados de arreca- DIEGUES, A. C. (1998), O mito da natureza into-
dação graças ao recebimento do ICMS ecológico, o cada. 2 ed. São Paulo, Hucitec.
município possui um dos dez piores IDH – Índice _________. (2000), “Etnoconservação da natureza:
de Desenvolvimento Humano do estado do Para- enfoques alternativos”, in _________
ná. (org.), Etnoconservação: novos rumos
6 Ano em que terminou o levantamento de dados para a proteção da natureza nos trópi-
que subsidiou a elaboração deste artigo. cos. São Paulo/Hucitec/NUPAUB-USP.

7 Formada inicialmente por zoólogos e um veteriná- EMATER – Agricultura orgânica/agroecológica.


rio, seu nome define seus objetivos iniciais (pes- (2003), “Seminário interno de troca de
quisa em vida silvestre), o que, posteriormente, se experiências”. Disponível em
expande para a pesquisa e as soluções técnicas http://www.emater.or.gov/agrorg/Semi-
para a conservação ambiental. nar/Pg35.html (acesso em 20 dez.).

8 Além dos recursos do PNMA e da FNMA – Fundo FRANCISCO, E. C. (2003), Agricultura familiar
Nacional do Meio Ambiente, esses projetos consta- em área de proteção ambiental: estraté-
ram com um pool de financiadores: O Boticário, gias de reprodução de um modo de
Unibanco, MacArthur Foundation, e USDA Forest vida. Dissertação de mestrado. Curitiba,
Service. Universidade Federal do Paraná.

9 Elaborar um plano de gestão com a participação FOLADORI, G. (1999), Los límites del desarrollo
das demais instituições envolvidas na unidade de sustentable. Montevidéu, Ediciones de
conservação (prefeitura, secretarias de estado etc.) la Banda Oriental – Revista Trabajo e
é uma exigência a ser cumprida para implantação Capital.
da APA. FOLADORI, G. & TOMMASINO, H. (2000), “El
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O DESENVOLVIMENTO SUS- SUSTAINABLE DEVELOPMENT LE DÉVELOPPEMENT DURA-


TENTÁVEL EM UNIDADE DE IN CONSERVATION UNITS: BLE DANS LES ZONES PROTÉ-
CONSERVAÇÃO: A “NATURA- NATURAZATION OF GÉES: LA “NATURALISATION”
LIZAÇÃO” DO SOCIAL THE SOCIETY DE LA SOCIÉTÉ

Cristina Teixeira Cristina Teixeira Cristina Teixeira

Palavras-chave Key-words Mots-clés


Desenvolvimento sustentável; Sustainable development; Développement durable; Société
Sociedade e ambiente; Unidade Society and environment; et environnement, Zones proté-
de conservação. Conservation units. gées.

A noção de desenvolvimento sus- The notion of sustainable devel- La notion de développement dura-
tentável é utilizada por órgãos opment is employed by govern- ble est utilisée par des organismes
governamentais e organizações mental and Non-Governmental gouvernementaux et des organisa-
não-governamentais (ONGs) para Organizations (NGOs) to solve tions non gouvernementales pour
solucionar problemas relativos à problems related to human occu- résoudre des problèmes liés à l’oc-
ocupação humana em unidades pation in conservation units. In cupation humaine dans les zones
de conservação. Nesses espaços, these areas there are problems protégées. Dans ces espaces, les
os problemas relativos à articula- between development and conser- problèmes relatifs à l’articulation en-
ção entre desenvolvimento e vation. It arouses debates around tre le développement et la conser-
conservação podem ser obser- the notion of sustainable devel- vation peuvent être observés par
vados, levando à reflexão sobre opment. This paper analyses the l’examen de la pertinence de la
a pertinência da própria noção development proposals – which notion de développement durable.
de desenvolvimento sustentável. includes conservation – to the Cet article analyse les propositions
Este artigo analisa as propostas Environmental Protection Area of de développement alliées à la con-
de desenvolvimento – aliadas à Guaraqueçaba, located in the servation dans le cadre de l’Aire de
conservação – para a Área de north of the state of Paraná, work- Protection Environnementale (APA)
Proteção Ambiental de Guaraque- ing on some elements that concern de Guaraqueçaba, située sur la côte
çaba, localizada no litoral norte do social scientists. Among these ele- Nord de l’État de Paraná (Brésil). Il
Paraná, identificando alguns ele- ments, we take notice that in the identifie quelques éléments qui in-
mentos que interessam particular- proposals to solve environmental téressent particulièrement les spé-
mente ao cientista social. Entre problems caused by local agri- cialistes en sciences sociales, parmi
eles, a “naturalização” da sociedade culture, there is a process of nat- lesquels la «naturalisation» de la so-
presente na proposição de solu- uralization of the society. ciété, présente dans la proposition
ções para os “impactos” ambien- de solutions pour les impacts envi-
tais causados pela pequena agri- ronnementaux causés par l’agricul-
cultura local. ture locale.

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