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CHARRÉU, L.

(2007) Imagem global e cultura visual: sobre o que se pode aprender no espaço
mediático. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do
Conhecimento. pp.1-12. Évora: Universidade de Évora.

“Quando dia nasce, o ar está repleto de inúmeras imagens às quais o olho serve de íman”.
Leonardo da Vinci

“Sem um entendimento do contexto, da fonte de todas as pressões e mudanças, não é possível sermos
claros ou coerentes quanto às mudanças que experimentamos”.
Andy Hargreaves

A invenção da imprensa, a sua rápida expansão por todo o mundo ocidental, a partir do século
XV, acompanhada logo a seguir pelos processos de produção e reprodução de imagens
artisticamente manufacturadas, utilizando, em particular, as técnicas da gravura e da
xilogravura, sobre chapas de metal e de madeira, permitiram o início de um fenómeno (1) que
foi crescendo exponencialmente, não só na quantidade de imagens produzidas, como também
na facilidade de produção,
para a qual, inegavelmente, veio a contribuir a invenção dos processos fotográficos
fotoquímicos, em meados do século XIX.
Da produção artesanal à uma reprodução química, e desta ao registo digital instantâneo, as
imagens virão a reconfigurar decisivamente os modos de percepção do mundo e têm vindo a
constituir-­‐se como documentos irrefutáveis na construção da realidade histórica e nas
redefinições das identidades pessoais e colectivas.
Desde logo se sentiu a necessidade de classificação, organização e ordenação de imagens
que passaram a integrar um imparável processo de generalização e difusão. Um pouco à
semelhança de processos taxonómicos utilizados nos campos da botânica e da zoologia, com
espécies e sub-­‐espécies de plantas e de seres vivos a necessitarem de uma catalogação, para
melhor serem estudados e compreendidos, as imagens e o seu poder expressivo, simbólico e
evocador, foram igualmente fruto de propostas de catalogação, de arrumo e de
esquematização interpretativa sob as ciências da iconografia e da iconologia (2).
Uma hipotética genealogia para esta extraordinária diversidade de aplicação do termo
“imagem” (3) pode ser mais ou menos esboçada se não tivermos a presunção de procurar
uma definição universal, mas se, ao invés, como propõe Mitchell (1987: 9), considerarmos as
imagens num modo que nos permita ver as diferenças entre umas e outras, tendo em conta as
fronteiras, ainda que por vezes ténues, entre os diferentes discursos institucionais de onde
emergem.

Figura 1: Adaptado de W.T.J. Mitchell, 1987:10

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Propõe-­‐se uma árvore como a da figura 1 (ela própria uma “imagem”). Assim, será o
discurso intelectual de diversas disciplinas que validará o tipo de imagens que integrará
cada ramo da árvore proposta. As imagens mentais pertencerão indubitavelmente à
psicologia e à epistemologia, enquanto as imagens ópticas pertencerão à física, as
imagens gráficas bi e tridimensionais pertencerão à história da arte e disciplinas afins
(estudos de arte, crítica de arte etc.), já o imaginário verbal pertencerá à crítica literária e
as imagens perceptivas pertencerão a uma região de fronteira onde confluem a
fisiologia, a psicologia, a neurologia e a história da arte, entre outras, constituindo esta
organização, e as possibilidades de permeabilização de fronteiras entre disciplinas, um
bom exemplo de “unicidade do conhecimento”, passível de ser traduzida em projectos de
investigação localizados e nas possibilidades críticas de uma nova e prometedora área
transdisciplinar, designada como Cultura Visual, que tentaremos definir mais adiante.
O icónico, com valor estético acrescentado (como uma pintura, por exemplo) ou
simplesmente com valor documental (uma fotografia de jornal), passou a contaminar
uma boa parte dos discursos académicos das chamadas ciências sociais. Durante o
século XX a história da arte autonomizou-­‐se da história e afirmou-­‐se plenamente, como
ciência independente nas ciências humanas, paralelamente surge e ganha pujança a
utilização de fotografias e de vídeos como “documentos” e “dados” em áreas do saber
que necessitam de “unir conhecimento”, como a antropologia visual, a sociologia visual,
a semiologia e outras ciências e domínios afins.
No século que deixamos, iniciou-­‐se uma nova era de estudos híbridos ou mestiços, em
que imagem e texto já não podem deixar de se relacionar, ou até mesmo de se
confrontar. Estes estudos, é justo dizê-­‐lo, a maioria das vezes não são bem digeridos
pelo meio universitário, ainda fundado numa concepção dos saberes (em muitas
instituições) acérrima e limitadamente unidisciplinar. Preconceito aliás bem identificado
por Castellary (1997) e por Levin (1993) ao afirmarem que apesar da cultura da
modernidade, a chamada cultura do quotidiano (ou “baixa cultura”) ser
predominantemente visual, não é menos certo que a chamada “alta cultura” continua a
ser predominantemente textual, estabelecendo-­‐se uma espécie de sistema hierárquico
segundo o qual a análise da imagem é secundarizada em relação ao que a crítica
literária, a filosofia ou a história podem providenciar para um presumível fortalecimento e
crescimento do pensamento e da cultura. Nesta linha de raciocínio, a história da imagem,
artística ou documental, tende a utilizar-­‐ se funcionalmente como ilustração de outras
disciplinas (4). Segundo Castellary (1997: 2-­‐3), “continua a existir em não poucas mentes
académicas, um desprezo não confessado pelas ciências da imagem. Existe (...) um
receio intelectualista do campo do audiovisual, acusando-se os seus especialistas de
carecer de suficiente base epistemológica e passado científico”.
Por outro lado, é um ponto assente entre os investigadores desta área que a experiência
visual, ou a literacia visual, não pode ser explicável baseando-­‐se unicamente no modelo
da textualidade (Mitchell, 1994:16).

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No último quarto de século, autores como McLuhan (Cfr. Nota1), Kherkove (1997) e
Baudrillard (1981 e 1983) directa ou indirectamente, colocam as imagens como
elementos axiais do seu discurso crítico. Este período espantoso onde, segundo
Baudrillard, (citado por Connor, 1989:51) alcançamos um tal estádio de desenvolvimento
social e económico em que “já não é possível separar o terreno económico ou produtivo
do terreno da cultura ou da ideologia, dado que os artefactos, as imagens, as
representações culturais, incluindo os sentimentos e as estruturas psíquicas, passaram a
fazer parte do mundo do económico”.
Esta mesma contemporaneidade que, no ocidente, tem assistido a uma deslocação
histórica de uma sociedade baseada na produção de coisas para uma sociedade
baseada na produção de informação, exige novos enfoques e novas estratégias de
abordagem por parte do mundo académico e que toma devidamente estas problemáticas
como objecto de estudo. A “passagem de uma sociedade metalúrgica para a uma
sociedade semiúrgica” (Baudrillard, 1981:185) exigirá, doravante, novas metodologias
interdisciplinares que consigam abranger a complexidade subjacente aos processos, aos
produtos, às estratégias e intencionalidades estéticas, comunicacionais e sociais.
O advento, na nossa era, da chamada imagem global, só foi possível tendo em conta a
generalização e relativa democratização (quanto ao seu acesso) de quatro tecnologias
que vieram a determinar visualidades e que, na verdade, são bastante diferentes entre
si: a fotografia, o cinema, televisão e a Internet.
Todavia, importa também aclarar determinados conceitos ligados ao visual, sem os quais
jamais poderemos definir um campo epistemológico coerente. Na realidade, a visão não
é o mesmo que visualidade. Enquanto a visão é tudo aquilo que é perceptível pela
capacidade fisiológica do olho humano, a visualidade tem a ver com as formas
diversificadas como a visão pode ser construída, considerando que “o que” é visto e
“como é” visto é culturalmente construído (Rose, 2001: 6). Por outras palavras
visualidade implica “ver em contexto”, e sob determinada formas de controlo mais ou
menos implícito, ele próprio pouco visível, na maioria das vezes. Na realidade, “nunca
estamos a olhar para uma coisa, estamos entre a olhar para uma relação entre as coisas
e nós próprios” (Berger, 1972:9).
A visualidade quando colocada em situações muito concretas, como as que advém de
comunicação pura, ou da apreciação estética, produz visões específicas de diferença
social ao mesmo tempo que, segundo Haraway, (1991:188) afirmam uma hipotética
universalidade. As imagens de diferenças sociais funcionam não apenas por aquilo que
mostram, mas também pelo tipo de olhar que “convidam”. O indigente ou o sem-­‐abrigo
captado na imagem de rua não é maquilhado e a sua imagem nos canais televisivos
tanto pode ser a mais dura e facínora, como a mais ingénua e humilde, dependendo
apenas daquilo que a linha editorial da brodacast pretende comunicar e das capacidades
técnicas expressivas dos profissionais da imagem.

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Algumas instituições mobilizam certas formas de visualidade para observar e “ordenar” o
mundo, e não são poucas as situações em que aquela que é dominante impede a
validade de outras, em particular das que expressam as diferenças sociais (sejam elas
de género, etnia, classe, etc.). Por exemplo, na forma como a pintura ocidental
representou o nu feminino, não foi apenas a representação da feminilidade que esteve
nos milhares de obras bi e tridimensionais guardadas nos museus e acervos de todo o
mundo, foi também a construção da masculinidade, e uma certa maneira masculina de
ver o corpo da mulher, fazendo parte da vasta construção cultural das diferenças de
género que se foi refinando ao longo do tempo.
Para compreender a visualidade é então preciso investigar a proveniência das imagens,
bem como as funções sociais que pretendem circunscrever, verificando, como propõem
Fyfe & Law (1988:1) os princípios de inclusão e de exclusão, detectando os “papéis” que
foram disponibilizados, de modo a compreender a forma e os canais onde essas
intencionalidades foram distribuídas, procurando descodificar, por fim, as hierarquias e
as diferenças que as imagens corporizam. Isto, tendo em conta que podemos, com
muitos autores propõem, considerar a imagem determinante para o estabelecimento de
diferenças entre as sociedades pré-­‐moderna e moderna e entre a moderna e a
pós-­‐moderna. As sociedades modernas, de cujas práticas culturais ainda continuamos
herdeiros e “praticantes”, as formas de conhecimento dependiam de uma forma de ver
culturalmente construída que equiparava e confundia o observável com o próprio
conhecimento. (Mirzoeff, 1999:1-­‐33). Mas nas sociedades da pós-­‐modernidade, a
natureza do conhecimento tende a mudar e as visualidades humanas estão hoje de tal
modo pressionadas por interesses implícitos que urge encontrar uma resposta capaz de
lhes fazer frente. Acreditamos que esta resposta terá tanto mais sucesso quanto se
basear na educação e na cultura.
Não deixa de ser curioso verificar que esta temática da opacidade, da não total
transparência das imagens ou da sua truculência comunicativa, pareceu já ter colhido a
atenção dos filósofos gregos há mais de dois milénios como é testemunho premonitório o
Sofista de Platão: “Aparecer e parecer, mas não ser, dizer algo, porém não a verdade,
todas estas coisas são repletas de dificuldades, não somente no passado e no tempo
actual, mas sempre...” (Cordero, 1993:36).
Se a pintura pagã ou a pintura religiosa, utilizadas durante séculos como tecnologia vital
para determinados grupos sociais, se inseriram numa prática laudatória, de afirmação do
poder do possuidor, submetida a primeira a práticas de visualidade mais íntimas e a
segunda a práticas mais sociais, já as tecnologias de “produção”, “reprodução” e
“divulgação” de imagens, de algumas das tecnologias acima apontadas, reconfigurarão
decisivamente as práticas de visualidade tradicionais, dando origem ao aparecimento de
novas formas de ver que pensamos encontrarem-­‐se ainda algumas delas por estudar,
em muitos dos seus aspectos. Da miríade de imagens que são concebidas actualmente,
não é a facilidade de produção e captação que as determina e classifica como globais,
mas sim a enorme facilidade de divulgação, a uma escala planetária, e a partir de
aparatos

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tecnológicos ao alcance do mais comum dos cidadãos (telemóvel, camcorder, máquina
fotográfica digital etc.). Este factor é absolutamente novo na história da sociedade
ocidental. Enquanto até há bem poucos anos era necessário uma lenta e longa
aprendizagem e preparação técnica para se registarem imagens (sob a forma da pintura
ou de técnicas a ela associadas) as novas tecnologias e a aparente democratização do
seu acesso, permitem hoje a qualquer cidadão anónimo iniciado, recolher as imagens
que quiser sob praticamente tudo. Este é um facto novo na história a humanidade. Pode
igualmente partilhá-­‐las livremente em tempo real, não se vislumbrando ainda, salvo
algumas excepções (5), as implicações totais de tal “capacidade”, quer que respeita ao
quadro de relações sociais, quer no que efectivamente significam para o quadro
intra-­‐pessoal do indivíduo.
Por imagem global entendemos todo e qualquer artefacto visual, animado ou estático,
com mais-­‐valia estética (obra de arte), ou meramente de natureza informacional, mas
que tem todavia uma característica que a distingue de todo o potente imaginário que
circula nos meios de difusão de massas.
Enquanto muitas imagens podem tornar-­‐se globalizadas por questões circunstanciais (ou
porque servem de ilustração a uma situação inicialmente não prevista para o espaço
mediático, ou porque -­‐ para se colherem dividendos económicos! -­‐ foram colocadas em
circulação nos meios de difusão de massas, (como são exemplo as fotos não
autorizadas colhidas dos papparazi e normalmente ligadas a escândalos do mundo da
alta sociedade) a imagem global, ao invés, é intencionalmente concebida a pensar no
campo alargado de observação que definimos como espaço mediático e que
normalmente circunscreve os suportes tradicionais em papel (jornais, revistas, cartazes,
painéis publicitários outdoors, livros, BD etc.) e os digitais (internet, televisão, telemóvel
etc.). Estes últimos estão em vertiginosa ascensão, como aliás se pode constatar
facilmente. Por outro, lado são também os canais por onde circulam uma boa parte dos
artefactos que servem de alimento à Cultura Visual.
Portanto, imagem globalizada e imagem global não são exactamente a mesma coisa no
enquadramento conceptual que aqui se procura articular. Se uma é globalizada à força,
atirada para o espaço mediático, por vezes inadvertidamente, ou com a intenção dolosa
de causar danos a alguém, ou à sua imagem pública, já a imagem global é técnica e
intencionalmente concebida, por vezes até ao mais ínfimo pormenor, para produzir
determinados efeitos em cenários de observação mundial (em particular a internet e o
cinema e a televisão). Por isso, esta imagem global é tudo, menos “inocente”, e as
características do meio em que circula determinará a sua escala, Será enorme se for
concebida para um outdoor publicitário, ou terá uma definição média em JPEG se for
concebida digitalmente para descarregar rapidamente nos computadores pessoais dos
internautas (que até a maioria do software mais comum aconselha).
A imagem global terá ainda mais aparato de pensarmos no cinema, em particular nos
incríveis efeitos especiais que conferem reconhecidamente uma

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extraordinária capacidade atractiva às produções de Hollywood e à indústria
cinematográfica norte-­‐americana. Quando falamos de cinema deveremos ter em conta
que nos referimos a uma ampla tecnologia multidimensional que engloba factos que vêm
“antes”, “depois” ou “por fora” do filme (Duarte, 2002:98). Isto significa que a consciência
dos contextos de produção, circulação e observação dos filmes são fundamentais para
percebermos os efeitos que podem ter sobre as pessoas.
O cinema é um instrumento preciso, por exemplo, para ensinar o respeito pelos valores,
crenças e visões de mundo que orientam as práticas dos diferentes grupos sociais que
integram as sociedades complexas e em constante fluxo e mudança (Duarte, 2002:90).
Todavia ainda é muito pouco utilizado no interior da escola, por um lado, por se
considerar demasiado lúdico para os excelsos propósitos de uma escola que persiste em
não olhar para fora dos seus muros, por outro, por não ter encontrado ainda no seio
académico uma afirmação e generalização que o torne incontornável para o ensino da
educação visual, tal como é, por exemplo, qualquer técnica estática de expressão visual.
O cinema precisa de um distanciamento antropológico para podemos prever o “depois” e
o “por fora”, necessita, enfim daquilo que Metz (1980) define como “análise descritiva”,
onde é preciso cruzar os diferentes sistemas de significação dos filmes com os
elementos de significação que estão presentes nas culturas em que eles são vistos e
produzidos, procurando-­‐se identificar e descrever os significados das narrativas fílmicas
no contexto social em que elas participam (Duarte, 2002:99). Daí a extraordinária
importância do cinema quer para a educação, intersectando simultaneamente a imagem
global e a imagem globalizada.
Na história da humanidade é a primeira vez que se produzem imagens com uma
consciência e intencionalidade prévias relativamente ao efeito que é expectável
produzirem sobre uma audiência global. Também é verdade que muitos eventos e
acontecimentos são projectados a pensar num consumidor global que extravasa
completamente o nível local onde são produzidos.
Deste modo, projecta-­‐se, comunica-­‐se e emite-­‐se para um cidadão e uma cidadã globais
e, chegados a este ponto, partindo do território educativo, que é aquele onde nos
movemos, importa questionar que resposta está a instituição escolar a dar. Isto é, que
estratégias interpretativas desenvolve a escola, as disciplinas académicas e os seus
professores no sentido de providenciarem ao seu público as teorias e as práticas para
uma descodificação crítica e reflexiva sobre o imaginário global contemporâneo? Ainda
que a ser realizada sobre uma parte possível, escolhida entre os milhões de conteúdos
veiculados nas imagens com que somos bombardeados todos os dias no espaço
mediático.
Sejam os conteúdos que se referem aos níveis profundos do desejo, sejam os que dizem
respeito às opções políticas e ideológicas, à consciência social e ambiental, ou ainda os
que incidem sobre o consumo ou sobre as questões de cultura, de género e de
identidade, quase todos os conteúdos que se comunicam

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visualmente, quer por intermédio de uma imagem meramente comunicacional
(fotojornalismo, imagem televisiva, publicitária etc.) quer os que se produzem com valor
estético e emocional acrescentado (as obras de arte) escapam a uma análise
verdadeiramente crítica e reflexiva na escola mais preocupada na reprodução (e
memorização) dos conteúdos de uma chamada alta cultura que, em nossa opinião
erradamente, se têm considerado preferíveis, relativamente aos da baixa cultura, que é
aquela do cidadão comum e da vida quotidiana, e consequentemente aquela que
circunscreve a vida do aprendente e que, no fundo, também é a que rodeia a vida real
dos seus pais e dos seus professores.
Nesta reconfiguração dos objectivos educacionais importa levar em linha de conta uma
não-­‐disciplina: a cultura visual que pode ser definida de diversas formas. Walker &
Chaplin (1997:1-­‐2) definem-­‐na como o conjunto dos artefactos materiais, dos edifícios e
das imagens, a que se juntam as performances e as imagens baseadas nas tecnologias
mediáticas, produzidos pela imaginação e trabalho humano, para fins estéticos,
simbólicos, rituais ou ideológico-­‐políticos, ou apenas com funções práticas mas que
elevam o sentido da compreensão para um nível significativamente expandido.
Desta forma, considera-­‐se que a cultura não seja apenas um conjunto de coisas de que
envolva altos níveis de pensamento, como as novelas, as pinturas, ou um conjunto de
processos e de práticas de criação artística. Este posicionamento abrangente da cultura
visual cultura permite-­‐lhe preocupar-­‐se com a produção e a troca de significados entre os
membros de uma sociedade ou de um grupo. Assim, como destaca Stuart Hall (1997:2),
a cultura depende da interpretação significativa dos seus participantes sobre aquilo que
os cerca, dando sentido ao mundo de forma ampla e muito similar.
A cultura é entendida como uma troca de significados (a maioria dos quais estão
contidos nas imagens visuais) explícitos ou implícitos, conscientes ou inconscientes.
Diferentes grupos da sociedade dão sentido ao mundo de formas diferentes. Estes
significados, independentemente da forma que adquirem, estruturam o comportamento
das pessoas no quotidiano. A dimensão visual é central para a construção cultural da
vida social nas sociedades ocidentais. Daí que as imagens nunca sejam inocentes, nem
muitas vezes transparentes, no sentido de esgotarem o seu significado unicamente nos
aspectos visuais e formais que contém.
Para além do que foi dito, um outro aspecto importante da cultura visual é o seu efeito
sobre a identidade, quer tomando-­‐a sob o ângulo da produção, quer considerando-­‐a nos
complexos contextos de observação. Este é hoje em dia talvez o tema mais importante
em educação, porque na realidade, como bem afirma a professora Kerry Freedman
(2003:2), “a educação é um processo de formação de identidade, porque nós mudamos
quando aprendemos”. A cultura visual pensa então os efeitos sociais provocados pelas
imagens. As categorias sociais não são naturais mas, ao invés, são construídas podendo
assumir formas visuais. Por isso a cultura

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visual está preocupada, não apenas com o que imagem se parece, mas também como é
que é observada pelas pessoas (Grupos particulares, de indivíduos, como os
adolescentes, as mulheres, as minorias étnicas, etc.).
Como os modos visuais de transmitir significado não são iguais aos modos textuais, por
conseguinte, qualquer metodologia que se proponha abordar a complexidade do mundo
mediático terá que considerar, não uma dimensão monolítica mas, ao invés, uma
dimensão pluridimensional do conhecimento, como algo se obtém da união de vários
conhecimentos.
Mandatados por um poder legitimado democraticamente, deverá ser o professor e a
instituição escolar pública a determinar, mediante o que se deseja que o(a) aluno(a)
aprenda e seja, quais as teorias, as práticas e os paradigmas mais adequados para
fornecer ao sujeito que aprende as melhores ferramentas críticas para uma
descodificação competente do complexo mundo mediático que o rodeia.
Tem vindo a escola, ao nível dos seus instrumentos de poder formal (o currículo, as
disciplinas e os conteúdos disciplinares) a equipar os sujeitos aprendentes com aquilo
que julgamos ser essencial? Julgamos que não, ainda que acreditamos que no exercício
solitário da profissão docente, pelo menos os mais esclarecidos e criativos já terão
mudado, ou têm vindo a mudar, o paradigma educativo que sustenta as suas aulas,
sobretudo as que se referem ao visual e às visualidades, desenvolvendo o seu currículo
oculto, sob a protecção do anonimato da sala de aula e da cumplicidade dos seus
alunos.
E o que julgamos essencial ultrapassa, e muito, as meras operações de cenografia
tecnológica e de cosmética, como é exemplo a recente equipagem das salas de aulas
com computadores, às toneladas, na crença de que o mero aparato, a presença e a
manipulação operativa, será suficiente para levar os seus usuários ao encontro radioso
com o futuro.
Quanto ao resto, importa escrutinar se os conteúdos das disciplinas académicas que
abraçam esta área do conhecimento humano, qualquer que seja o nível de ensino, estão
(ou não!) a preparar o aluno (jovem ou adulto) na escola pública para a compreensão
daquilo que verdadeiramente de está a passar no écran omnipresente em que se tornou
o mundo em que vivemos.
Da televisão à internet e desta ao telemóvel, o canal vai-­‐se estreitando e passa de um
meio em que a informação e as imagens, podem ser partilhadas mais ou menos
colectivamente (em família, em grupo de amigos, etc.) para um artefacto de alta
tecnologia que, também podendo ser partilhado, está sobretudo concebido para actuar a
um íntimo nível individual, onde se projecta uma boa parte das dimensões do desejo e
onde se estrutura, cada vez mais, uma boa parte da identidade.
Vimos, atrás, que os contextos de produção e de circulação das imagens têm vindo a
crescer e a multiplicar-­‐se exponencialmente, a refinar os seus aparatos

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tecnológicos, apostando na ergonomia e portabilidade, assim como na especialização e
sofisticação dos seus signos visuais. Já não parece oferecer dúvidas a ninguém que
conferirão ao sujeito novas experiências e sensações nunca antes experimentadas. Por
outro lado, a tradicional instituição escolar enfrenta agora a concorrência declarada dos
novos ambientes informais de aprendizagem (Museus, Centros de Arte e de Cultura,
Jornais e respectivos websites) e dos seus “serviços educativos”, designação
diligentemente adoptada para abrir as hostilidades contra uma escola cristalizada no
tempo, ora presa na tradição do que sempre foi, ora apanhada no turbilhão do campo de
batalha aberto recentemente entre as lideranças políticas (e os seus modelos de
desenvolvimento económico) e os professores (mais preocupados com os seus modelos
de desenvolvimento humano), tão difíceis de conciliar.
Não dizemos, catastroficamente, que todas nem todas as escolas, nem todos os
professores, estejam a perder o comboio da contemporaneidade, onde muitos lugares
seguem vazios, mas o conhecimento que temos do terreno, sustentado numa prática
investigativa de observação etnográfica, no interior da escola (6) pública leva-­‐nos, com
justificada preocupação, a aferir que as práticas que “sofremos” (na verdadeiramente
acepção da palavra) enquanto alunos, há duas décadas e meia atrás, são exactamente
as mesmas que muitos professores hoje reproduzem sobre os seus estudantes.

NOTAS

1) Brilhantemente dissecado por Elizabeth Eisenstein em The printing Press as Agent


of Change (Cambridge: Cambridge Press, 1979.) e Marshal MacLuhan em The
Gutenberg Galaxy: The making of typographic man (Toronto: University of Toronto) e em
Understanding media (Toronto: Mac Graw-­‐Hill, 1964).

2) Ainda que, paradoxalmente, o primeiro livro com uma destas últimas designações
(Iconologia), da autoria do italiano Cesare Ripa, publicado em 1592, não fosse ilustrado,
é ponto assente, entre os historiadores e os bibliófilos, que ter-­‐se-­‐á iniciado por esta
altura uma tradição de publicação de manuais sobre o imaginário simbólico que se
refinava constantemente, quer quanto ao apuro técnico, quer quanto à complexidade dos
temas abrangidos.

3) Na realidade o termo “imagem” pode vir associado a uma ampla variedade de coisas e
realidades, tais como fotos, pinturas, estátuas, ilusões ópticas, mapas diagramas,
sonhos, alucinações, espectáculos, projecções, poemas, padrões, memórias e até ideias
(Mitchell, 1987: 9).

4) Já no século XVIII as relações e as possibilidades de diálogo entre a pintura e a


poesia terão constituído uma das grandes preocupações intelectuais do alemão Gotthold
Lessing, que em 1766 publica Laoconte: Um ensaio sobre os limites da poesia e da
pintura . Paralelamente, os seus

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compatriotas Hegel e Kant desenvolvem uma estética idealista, sem imagem, enquanto
Baumgarten inicia uma nova forma de abordagem à História da Arte. Mas teremos de
esperar praticamente até ao século XX pelos autores e pelos estudos de natureza
histórica ou filosófica que partam da imagem, ou cheguem à imagem, como tema e (ou)
problema de investigação. Edmund Burke, Henri Bergson, Ludwig Wittgenstein e Nelson
Goodman, pelo lado da filosofia, e Erwin Panofsky, Ernst Gombrich, Herbert Read e
Kenneth Clark (entre muitos outros) pelo lado da História da Arte, tomaram, em parte, o
acto de ver e o mundo da arte e das imagens, e o que elas significam, como tema e
preocupação profissional e intelectual, aproveitando as boas relações de vizinhança
nesta aproximação entre campos das ciências humanas com muitas problemáticas
comuns e não menos afinidades.

5) As obras de Lessing, em alemão Laokoon: Oder uber die Grenzen der Malerie und
poesie, terá a melhor tradução em língua inglesa (Laocoon: An essay upon the limits of
poetry and painting) pertencente a Ellen Frothingham e foi publicada em Nova Iorque
pela Editora Farrar, Strauss & Giroux, em 1969.

6) Já Edmund Burke sistematizou as suas reflexões filosóficas em A philosophical


Enquiry into the Origin of Our Ideas of the Sublime and Beautiful, publicada
originariamente em 1757, editada mais recentemente por James Boulton na Notre
Dame University Press, em 1968.

7) Da obra de Bergson devem-­‐se destacar os trabalhos iniciais Time and Free Will: An
Essay on the Immediate Data of Consciousness 1889. (Essai sur les données
immédiates de la conscience) Dover Publications, 2001 e a a sua tese de doutoramento
Matter and Memory, 1896. (Matiére et mémoire) Zone Books, 1990.

8) Tendo sido originariamente publicado em alemão em 1921, a obra Tractatus


Logico-philosophicus foi traduzida para inglês por Pears & McGuiness em 1961,
publicada em Londres na conhecida Routledge & Kegan Paul. Já Ernst Gombrich terá
como obra mais emblemática Art and Illusion, publicada em 1956 pela Princeton
University Press.

9) Nelson Goodman publicou as suas reflexões em Languajes of Art, em 1976, dando


visibilidade a uma pequena editora de Indianapolis, a Editora Hacket.

10) A acção legislativa em países democráticos do mundo ocidental, por exemplo, tem
feito emanar um conjunto de leis acautelando, nalguns sistemas judiciais, o direito à
privacidade e o direito de imagem.

11) O autor deste texto é supervisor pedagógico nas licenciaturas em artes visuais, ramo
Ensino, d Universidade de Évora, acompanhando o desempenho dos alunos estagiário
em cenários reais de ensino.

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REFERÊNCIAS

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