A obra aristotélica, contudo, é de extrema importância tanto para a Filosofia quanto para
as reflexões jurídicas contemporâneas. Vou me ocupar aqui de duas obras aristotélicas,
a "Ética a Nicômaco" e os "Tópicos", embora outras, como, por exemplo, a "Política",
ou a "Retórica", também sejam fundamentais para uma correta compreensão da
importância do pensamento aristotélico para os juristas de hoje.
A primeira obra é incluída entre as obras éticas do estagirita, ao lado da Ética a Eudemo
e da Grande Moral (Magna Moralia). A segunda, entre as lógicas, constantes do
aristotélico, composto de mais cinco obras, além dos Tópicos: as Categorias, o
Da Interpretação, os Analíticos (Primeiro e Segundo) e os Argumentos Sofísticos.
Aristóteles, diferentemente de seu mestre Platão (de índole essencialmente idealista), foi
ideologicamente mais conservador, dando maior ênfase às condições reais do homem e
de suas instituições, discordando, inclusive, da teoria das formas ou idéias de Platão, por
considerá-la desnecessária para os fins da ciência.
O mundo é concebido por Aristóteles de forma finalista, onde cada coisa tem uma
atividade determinada por seu fim. O bem é a plenitude da essência, aquilo a que todas
as coisas tendem. O bem, portanto, é a finalidade de uma coisa (ou de uma ciência, ou
arte). Assim, a finalidade da medicina é a saúde, e a da estratégia é a vitória.cDentre
todos os bens, contudo, há um que é supremo, que deve ser buscado como fim último da
à . Esse bem é a felicidade, entendida não como um estado, mas como um processo,
uma atividade através da qual o ser humano desenvolve da melhor maneira possível
suas aptidões.
No início da segunda metade do século XX, entretanto, ocorreu uma redescoberta das
diversas formas de racionalidade de Aristóteles pelos filósofos. O primeiro foi Chaim
Perelman que, insatisfeito com o formalismo lógico, foi buscar nos Tópicos e na
Retórica de Aristóteles a lógica do discurso não formalizável (ético, político e jurídico),
formulando sua "teoria da argumentação", mais conhecida por "nova retórica", uma
retomada da retórica e principalmente da dialética aristotélica. Os Tópicos, portanto,
foram revalorizados, sendo considerados não mais como um modo de pensar do
passado, mas como um modo de pensar diferente do contido nos Analíticos.
O Direito não pode partir de premissas consideradas verdadeiras, pois, assim, só haveria
uma decisão possível e obrigatória. Quando as premissas são contestadas, através da
dialética, não se impõe uma decisão como obrigatória, mas como a mais provável, a
melhor possível naquele caso concreto.
Disso resulta a relação entre justiça e dialética, que Aristóteles legou aos juristas atuais.
A justiça é o fim último do Direito. Para alcança-la, os raciocínios jurídicos não devem
ser analíticos, decorrentes de um sistema jurídico estabelecido em bases formais. Como
os casos concretos não se repetem, não podem ser tratados de modo universal. As
normas de uma sociedade não devem ser axiomas, mas "lugares comuns", princípios
comumente aceitos.
Dentro dessa concepção, o Direito não deve ser entendido como um sistema formal já
pronto, pois comporta opiniões e raciocínios os mais diversos. O Direito constrói-se
através da argumentação que promove sua interpretação e aplicação. Nesses termos, não
deve o juiz decidir através de um silogismo, com base em um sistema dedutivo, mas sim
criar um sistema próprio para cada problema, para cada caso concreto, que possibilite
que todos nele envolvidos tenham oportunidades iguais de emitirem suas opiniões e
seus valores. Só assim uma decisão poderá ser considerada justa. Apenas, portanto,
através dos raciocínios dialéticos, que recorrerão a argumentos de todas as espécies, é
que a justiça pode ser alcançada, enquanto cumprimento da lei e realização da
igualdade.
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Aristóteles concebe a natureza de uma coisa como a sua finalidade. É a causa final que
explica os fenômenos. Desse modo, tudo aquilo que está no mundo desempenha uma
função e é a isso que o filósofo recorre para explicar como as coisas são.
A cidade se forma a partir da união de várias aldeias que, por sua vez, se compõem em
razão da reunião de muitas famílias. A família se organiza em razão da natureza e com
vistas à satisfação das necessidades diárias. Várias famílias reúnem- se e formam uma
aldeia com a finalidade de satisfazer as necessidades não supridas no interior da família.
Nesse sentido, cada associação, segundo Aristóteles, visa um bem específico.
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Dentre as atividades desenvolvidas nas comunidades humanas, duas eram
essencialmente políticas: a ação e o discurso. Tais atividades políticas, que só podiam se
desenvolver na polis, entre homens livres e iguais, constituíam o homem como animal
político. Era por meio da ação e do discurso que o homem atingia o seu fim, a
felicidade, a eudaimonia.
A palavra eudaimonia é traduzida por vezes como felicidade. Também é traduzida como
bem-estar, como vida bem-sucedida. É uma noção importante para se entender a
comunidade política.
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é uma noção complexa que, embora traduzida como felicidade, não
coincide com um estado de espírito. É antes uma atividade, ³uma atividade da alma de
acordo com a excelência´.
Isto significa que a eudaimonia é uma realização humana que requer o exercício de
faculdades eminentemente humanas, levadas a efeito de acordo com a excelência. As
excelências humanas ou as virtudes humanas são de duas ordens: intelectual e moral
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Resumo: O presente artigo analisa o desenvolvimento do tema da justiça no pensamento
aristotélico, contrapondo os valores ou função do direito na obra do estagirita aos fins
presentes nas teorias jurídicas contemporâneas, especialmente no positivismo jurídico.
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Aristóteles tinha uma concepção realista, teleológica e finalista do mundo, onde cada
coisa tem uma atividade determinada por seu fim, sendo que os fins procurados devem
ser os fundamentais, e não os secundários.
O bem é a finalidade das ações, de forma que dentre os mais variados há um que é
supremo, que deve ser buscado como fim último da à, consistente na felicidade,
entendida não como um estado, mas como um processo para desenvolvimento das
aptidões.
Trata-se a felicidade do primeiro princípio e causa dos bens. Este bem supremo é
absoluto, isto é, desejável em si e não pelo interesse de outra coisa. É ele perfeito e auto-
suficiente, torna a vida desejável e sem carência.
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O tema da justiça é tratado pelo estagirita nas suas obras ßV , , e nas
, principalmente no Livro V de neste caso indiretamente,
porque o objeto principal do estudo é a moral.
Ao contrário, todavia, das demais virtudes, à justiça não se opõem dois vícios diversos,
mas um único, que é a injustiça, pressupondo-se que a virtude é o meio-termo entre o
agir injustamente e o ser tratado injustamente.
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Para Aristóteles, o termo justiça possui diversas acepções, razão pela qual adota a
seguinte classificação:
Se a lei é uma prescrição de caráter genérico e que a todos vincula, então seu fim é a
realização do bem da comunidade. Aquele que observa as leis pode ser chamado de
justo (tal como Sócrates, no diálogo
), porque aquelas servem a todos que são por
ela protegidos e beneficiados.
A distribuição atingirá seu justo objetivo se proporcionar a cada qual aquilo que lhe é
devido, dentro de uma proporcionalidade participativa e geométrica. [02]
O critério subjetivo é o mérito [03] de cada um, isto porque se os indivíduos não são
iguais, não poderão ter coisas iguais (tratamento desigual dos desiguais), evitando-se,
assim, qualquer dos extremos que representam o excesso e a falta.
Justo doméstico: trata das relações familiares (pais e filhos) e escravistas (senhor e
escravo).
Justo natural: encontra sua fundamentação não na vontade humana preceituada, mas na
própria natureza; independe de qualquer ato de positividade, legislativo. Consiste no
conjunto de regras que encontram aplicação, validade, força e aceitação universais.
Justo legal: corresponde às prescrições vigentes entre os cidadãos. A opção é feita pelo
legislador, de forma que aquilo que a princípio era indiferente passa a ser vinculativo
para todos os cidadãos. Possui conteúdo de relatividade espaço-temporal, uma vez que
sujeito à variabilidade do juízo humano.
O justo legal, que tem o seu princípio no justo natural, pode nascer eivado de vícios ou
erros humanos, caso esteja em desacordo com a natureza ou se destine ao benefício
exclusivo dos que exercem o poder de governo.
O que se deve questionar para saber se determinada lei é justa ou injusta é se está a
serviço do bem comum ou da satisfação de interesses momentâneos e arbitrários.
Com efeito, o descompasso entre a lei e a solução considerada justa pelo intérprete do
direito ou pela maioria da população pode ocorrer pela insuficiência da lei para resolver
casos particulares mediante a aplicação do justo corretivo, dada sua generalidade e
impessoalidade; pela evolução social que torna inadequada a legislação; pela proteção a
interesses de determinados grupos sociais em detrimento da maioria da população; ou
pelo exercício do poder por governos autoritários tendentes a oprimir os direitos
fundamentais dos governados.
Em casos que tais, Aristóteles propõe que o juiz deve adequar a lei a cada situação
concreta, agindo segundo a epiquéia (critério de valoração) e a equidade.
Aplicar a equidade significa agir de modo a complementar o caso que se apresenta tal
como faria o próprio legislador se estivesse presente. Isto porque, dotada a lei de
abstração e universalidade, não diferencia as circunstâncias de cada caso concreto, daí
poder ensejar injustiça por meio do próprio justo legal.
Da observância de uma estrita legalidade não se pode ser mais arbitrário do que num
estado onde as leis não estão presentes.
Quando a lei universal falha no particular é justa a correção da omissão. O que se deve
se deve ter em vista não é a letra da lei, mas a intenção do legislador; não a parte, mas o
todo.
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Aristóteles desenvolveu, portanto, uma filosofia do direito, chamada de ßV
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, caracterizada pelo pragmatismo e pelo empirismo, em que o direito e as leis
devem adequar-se à especificidade de cada caso concreto na busca do justo, de forma
que o conhecimento não pode ser ideal, devendo vir da prática, da experiência.
Desta maneira, aproximando tais pensadores à teoria do direito, forçoso concluir que
Platão valoriza o direito enquanto valor, reflexo do existente no mundo das idéias, de
modo que ao homem incumbiria adequar-se à norma ideal, ao passo que Aristóteles
aproxima o direito do fato social, no qual o aquele seria reflexo e fruto da vida real,
assim como das necessidades surgidas em sociedade.
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É nesta teoria que se pode fundamentar a realidade dos fenômenos jurídicos, sendo o
fato jurídico-social a sua causa material; o modo pelo qual as leis alcançam essa
categoria, a partir dos costumes, a sua causa formal; a incumbência de elaboração das
leis e distribuição da justiça a sua causa eficiente; e a finalidade do direito a sua causa
final, entendida pelo estagirita como o bem comum. [10]
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Já o segundo consiste na boa divisão dos bens e encargos na à, de forma que cada
um não detenha mais ou menos do que sua parte. É, pois, a justiça particular que exigirá
o direito, cuja finalidade é a divisão dos bens, atribuindo a cada um o que é seu (
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Cabe aqui uma reflexão com o escopo de evidenciar que a filosofia aristotélica do
direito perdeu espaço para modernas filosofias jurídicas, notadamente para o
positivismo jurídico, que passaram a coexistir e chocar-se, de forma geral contrapondo-
se à teoria jurídica de Aristóteles.
A concepção positivista do direito, cuja inspiração remonta a (481 a.C - 411
a.C.), que predizia que as leis feitas pelos homens eram obrigatórias e válidas
independentemente de seu conteúdo moral, nasce da cisão entre direito positivo e
natural, quando este é excluído da categoria de direito, e aquele alçado à condição de
direito em sentido próprio, excludente de qualquer outro.
Esta visão do direito repudia tudo quanto possa lembrar a metafísica, desprezando
qualquer forma de entender e explicar que não baseadas exclusivamente na fusão da
observação humana dos fatos com as semelhanças constantes e idênticas nas mesmas
circunstâncias das relações de antecedência e conseqüência (leis). Nela, a essência e as
causas finais permanecem desconhecidas, numa completa separação entre o direito e
seus fins.
Deve o jurista aplicar de forma rígida o sistema jurídico estatal numa atitude científica
frente ao direito, porquanto ele opera-o tal como é (direito posto), não tal como deveria
ser.
Destarte, além de ser irrealizável a persecução da plêiade de fins que o direito atual
propõe, seja pela multiplicidade de finalidades ou mesmo por entrechocarem-se, é ainda
incompatível com o ideal da justiça social, porquanto a igualdade absoluta representaria
a supressão dos direitos subjetivos individuais e da ordem pública, fins estes tão caros à
ciência jurídica contemporânea.
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A busca de uma improvável igualdade absoluta e justiça social e a estreita ligação com a
moral, culminaram por atribuir ao direito a função de regrar e vigiar as condutas e
virtudes humanas, na consecução de fins alheios à ciência jurídica.