(diminuição do apetite) e permite ao sistema endócrino desem- da membrana apical. A seguir, os açúcares são transferidos por
penhar funções que consomem energia, como crescimento, transportadores da membrana basal do citosol das células epite-
reprodução e manutenção de uma alta intensidade de metabo- liais para os espaços intercelulares, a partir dos quais os açúcares
lismo. Alternativamente, a ausência de leptina nos estados de prosseguem nos capilares. Quando a glicose no sangue é cap-
inanição resulta em aumento do apetite e comprometimento das tada pelas células  do pâncreas, as células liberam insulina nos
funções que consomem energia. capilares, que acabam drenando na veia porta. Por conseguinte, o
fígado recebe as maiores concentrações de insulina, juntamente
com os nutrientes que foram absorvidos do trato digestório. O
Estado Pós-Prandial fígado e os outros tecidos de armazenamento de energia, como
Depois de uma refeição, os carboidratos complexos são decom- o músculo esquelético e o tecido adiposo, constituem os princi-
postos a monossacarídios (por exemplo, glicose, galactose e pais alvos teciduais da insulina (Fig. 29.1). As ações locais da
frutose) na luz do trato GI e transportados nas células epiteliais insulina nas ilhotas de Langerhans também suprimem a secreção
GI por uma combinação de transportadores ativos e passivos de glucagon pelas células ␣ pancreáticas.
Trato GI
Carboidratos
complexos
da dieta
Inibidores da
α-glicosidase
Glicosidases
Sulfoniluréias,
Diazóxido
meglitinidas
PPARγ Gliconeogênese
Tiazolidinedionas Biguanidas
Fig. 29.1 Regulação fisiológica e farmacológica da homeostasia da glicose. Os carboidratos complexos da dieta são degradados a açúcares simples no
trato GI, sob a ação de glicosidases. A seguir, os açúcares simples são absorvidos pelas células epiteliais GI e transportados no sangue. A glicose no sangue é
captada por todos os tecidos metabolicamente ativos do corpo. Nas células  do pâncreas, o metabolismo da glicose aumenta os níveis de ATP citosólico, que
estimula a secreção de insulina. Em seguida, a insulina atua sobre receptores de insulina na membrana plasmática dos tecidos-alvo (músculo, tecido adiposo,
fígado), aumentando a captação de glicose e o seu armazenamento na forma de glicogênio ou triglicerídios. A glicose também é captada por outras células e
tecidos para suprir o metabolismo. Nas células musculares, a insulina promove o armazenamento da glicose sob a forma de glicogênio. Nas células adiposas,
a insulina promove a conversão da glicose em triglicerídios. O receptor ␥ ativado pelo proliferador peroxissômico (PPAR␥) também promove a conversão da
glicose em triglicerídios nas células adiposas. Nas células hepáticas, a insulina promove o armazenamento da glicose sob a forma de glicogênio. O glucagon
promove tanto a gliconeogênese quanto a conversão do glicogênio em glicose; a glicose gerada pela gliconeogênese ou a partir do glicogênio é transportada
da célula hepática para o sangue. Observe que a glicose proveniente dos carboidratos complexos da dieta e a insulina secretada pelas células  do pâncreas
chegam ao fígado em altas concentrações através da circulação porta (não ilustrada). As intervenções farmacológicas que diminuem os níveis de glicemia
incluem: inibição das ␣-glicosidases intestinais; administração de insulina exógena; uso de sulfoniluréias ou meglitinidas para aumentar a secreção de insulina
pelas células ; e uso de biguanidas ou tiazolidinedionas para aumentar a ação da insulina no fígado e nas células adiposas, respectivamente. Os compostos
miméticos do GLP-1 diminuem os níveis de glicemia através de vários mecanismos complementares (não indicados). O diazóxido inibe a secreção de insulina
pelas células  do pâncreas.
496 | Capítulo Vinte e Nove
Jejum Sítio de
clivagem
À medida que a concentração plasmática de glicose diminui, dipeptídico
INSULINA
Bioquímica
A insulina é uma proteína de 51 aminoácidos, constituída por Arg Arg
duas cadeias peptídicas ligadas por duas pontes dissulfeto. Pró-insulina COOH Lys Sítio de
Cys
Asn clivagem
Seu nome provém do latim insula (que significa “ilha”, refe- Cys
Pro
dipeptídico
rindo-se às ilhotas de Langerhans. O pâncreas humano contém
aproximadamente 8 mg de insulina, dos quais 0,5 a 1,0 mg
são secretados diariamente (e substituídos através da síntese
contínua do hormônio). A insulina é inicialmente sintetizada
nas células  do pâncreas na forma de pré-pró-insulina, que
é clivada a pró-insulina e, a seguir, processada em insulina e
Cadeia B Cadeia A
peptídio de conexão (C) livre (Fig. 29.2). NH2 NH2
COOH
Secreção
As células  do pâncreas em repouso suspendem a secreção de
insulina, que é pré-formada e armazenada em vesículas secre- Peptídio C
toras logo abaixo da membrana plasmática. A baixa taxa basal Cys Cys
de secreção de insulina aumenta drasticamente com a exposição Cys
Pro
pela hexocinase, seguindo, portanto, pela via glicolítica. Atra- Insulina Cys Inversão na
vés da glicólise e do ciclo do ácido cítrico, o metabolismo da insulina lispro
glicose gera ATP e aumenta a relação ATP/ADP na célula . A
relação ATP/ADP modula a atividade de um canal de K+ sen-
Fig. 29.2 Processamento da insulina humana. A pré-pró-insulina é
sível ao ATP (canal de K+/ATP) que atravessa a membrana. sintetizada e exportada no retículo endoplasmático, onde o peptídio
Quando aberto, esse canal hiperpolariza a célula permitindo um de sinalização (não ilustrado) é clivado, gerando a pró-insulina (painel
efluxo de K+ e impulsionando o potencial de membrana para o superior). As pontes de dissulfeto intramoleculares (cys–cys) ajudam no
potencial de Nernst para o K+; quando fechado, a célula sofre dobramento correto da pró-insulina. A pró-insulina é transportada para
despolarização. Como o ATP inibe o canal, enquanto o ADP o vesículas secretoras, onde convertases do pró-hormônio atuam sobre sítios
ativa, a presença de uma elevada relação ATP/ADP intracelu- de clivagem dipeptídicos na pró-insulina (boxes), produzindo insulina e
lar determina o fechamento do canal de K+/ATP. A conseqüente peptídio de conexão (C). Duas pontes de dissulfeto ajudam a manter as
despolarização da célula ativa os canais de Ca2+ regulados por cadeias A e B da insulina unidas. A insulina e o peptídio C são secretados
voltagem, que medeiam o influxo de Ca2+ extracelular. O aumen- pela célula  do pâncreas (painel inferior). Na lispro, uma insulina
artificial desenvolvida para sofrer absorção mais rápida após a sua injeção,
to do [Ca2+] intracelular estimula a exocitose das vesículas que
há transposição de um resíduo de prolina e de lisina na extremidade
contêm insulina. Em contrapartida, em condições de concentra- terminal COOH da cadeia B da insulina; essa pequena alteração não afeta
ções relativamente baixas de glicose extracelular (por exemplo, a capacidade da molécula de ligar-se ao receptor de insulina ou de mediar
em jejum), a célula  apresenta uma baixa relação ATP/ADP. a ação da insulina. Na insulina glargina, uma asparagina da cadeia A é
Nessa situação, os canais de K+/ATP permanecem abertos, e a substituída por glicina, e são acrescentadas duas argininas à extremidade
célula  é mantida em um estado hiperpolarizado, que impede terminal COOH da cadeia B. Essas modificações retardam a absorção da
o influxo de Ca2+ e a secreção de insulina (Fig. 29.3). insulina glargina em relação à insulina regular.
Farmacologia do Pâncreas Endócrino | 497
O início da doença clínica no diabetes Tipo I é habitualmente tinuam compensando através de uma secreção aumentada de
súbito e, com freqüência, ocorre na infância ou na adolescência. insulina. Todavia, em alguns pacientes, como no caso da Sra. S,
A destruição efetiva das células  ocorre de modo gradual, as células  acabam perdendo a sua capacidade de acompanhar
porém as células  remanescentes são capazes de proporcionar o ritmo das demandas de insulina.
uma quantidade suficiente de insulina até que aproximadamente Embora os pacientes com diabetes Tipo II geralmente
85% da população total de células  seja destruída, resultando tenham níveis circulantes elevados de insulina, esses níveis
no início súbito dos sintomas. Como 15% das células  ainda não são suficientes para superar a resistência à insulina nos
se encontram presentes nesse estágio, muitos pacientes apre- tecidos-alvo. A incapacidade final de compensação pelas célu-
sentam uma fase de “lua-de-mel” de sua doença, com períodos las  pode resultar da perda dessas células através de aumento
intermitentes de produção adequada de insulina endógena até a da apoptose (morte celular programada), ou de uma renovação
ocorrência de perda completa e final de produção de insulina. diminuída dessas células. Os níveis de insulina, que são inade-
Em muitos casos, observa-se uma síndrome “de tipo gripal” quados para compensar a resistência à insulina, estimulam uma
prodrômica algumas semanas antes da instalação do diabe- resposta inapropriada nos tecidos-alvo, resultando em dese-
tes sintomático. Embora algumas hipóteses aventadas tenham quilíbrio entre as ações da insulina e aquelas dos hormônios
sugerido que essa síndrome representa uma doença viral que contra-reguladores. Esse desequilíbrio leva à hiperglicemia e
deflagra uma reação auto-imune em indivíduos geneticamente dislipidemia, visto que o fígado e o tecido adiposo mobilizam
predispostos, é possível que esses pacientes estejam, na realida- inapropriadamente substâncias energéticas a partir dos tecidos
de, reagindo a níveis aumentados de mediadores inflamatórios de armazenamento.
produzidos por uma reação auto-imune já iniciada. A base genética do diabetes Tipo II consiste, provavelmente,
A predisposição genética ao diabetes Tipo 1 está mais estrei- numa combinação de predisposição à obesidade, resistência à
tamente mapeada em certos alelos do cromossomo 6. Esses ale- insulina e deficiência das células . Os pacientes com diabetes
los codificam antígenos leucocitários humanos (HLA), também Tipo II que são magros (e sensíveis à insulina) geralmente exi-
denominados proteínas do complexo de histocompatibilidade bem uma forte predisposição à deficiência das células . Com
principal (MHC), envolvidos na apresentação de antígenos no efeito, uma forma de início precoce do diabetes Tipo II — dia-
sistema imune. Outros loci genéticos também podem contri- betes de início na maturidade no jovem (MODY) — resulta
buir para o desenvolvimento do diabetes Tipo I. Na maioria de uma predisposição à deficiência precoce das células ; em
dos pacientes com diabetes Tipo I, é possível detectar auto- muitos casos, a base molecular dessa predisposição consiste
anticorpos dirigidos contra proteínas das células . Os fatores numa mutação herdada em um dos fatores de transcrição espe-
ambientais também influenciam o desenvolvimento da doença; cíficos das células . O diabetes Tipo II leve ou precoce pode
se um membro de gêmeos idênticos for afetado, a incidência de manifestar-se em indivíduos predispostos em decorrência de
diabetes Tipo I no outro gêmeo é de cerca de 50%. estados em que surge subitamente uma resistência à insulina,
Como os pacientes com diabetes melito Tipo I produzem como no caso de tratamento com glicocorticóides (ver Cap. 27)
pouca ou nenhuma insulina endógena, a terapia consiste em ou gravidez (diabetes gestacional).
reposição com insulina exógena. Não parece haver qualquer contribuição auto-imune no
desenvolvimento do diabetes Tipo II, embora existam raras
Diabetes Tipo II síndromes de resistência à insulina associadas a auto-anticor-
pos dirigidos contra a insulina ou o receptor de insulina. Outras
O diabetes melito Tipo II, que responde por cerca de 90% dos mutações raras no receptor de insulina também podem resultar
casos nos Estados Unidos, afeta tipicamente indivíduos com em resistência grave à insulina. Em algumas situações, esses
mais de 40 anos de idade. A obesidade constitui o único fator indivíduos nunca evoluem para o diabetes franco, visto que
de risco mais importante para o diabetes Tipo II, e 80% de todos as suas células  são capazes de compensar através de uma
os pacientes com diabetes melito Tipo II são obesos. Tipica- produção excessiva de insulina.
mente, a doença desenvolve-se de modo gradual, sem qualquer A capacidade de pacientes com diabetes Tipo II (como a Sra.
sintoma óbvio no início. Com freqüência, o diabetes Tipo II S) de produzir insulina sugere que esses indivíduos podem ser
é diagnosticado pela detecção de níveis de glicemia elevados tratados com agentes disponíveis por via oral que: (1) contro-
em testes de triagem de rotina ou, como no caso descrito na lam os níveis de glicemia ao diminuir a velocidade de absorção
introdução, após a doença se tornar grave o suficiente para dos açúcares pelo trato GI; (2) aumentam a secreção de insulina
causar poliúria e polidipsia. pelas células  do pâncreas; ou (3) sensibilizam as células-alvo
Acredita-se que a progressão para o diabetes Tipo II comece à ação da insulina. Os pacientes com diabetes Tipo II que per-
com um estado de resistência à insulina. Os tecidos que antes deram uma grande quantidade de função das células  podem
eram normalmente responsivos à insulina tornam-se relativa- assemelhar-se clinicamente aos pacientes com diabetes Tipo I,
mente refratários à ação do hormônio e necessitam de níveis podendo exigir insulinoterapia exógena.
aumentados de insulina para responder de modo apropriado.
Em muitos casos, a resistência à insulina resulta de obesidade
ou de um estilo de vida sedentário, embora a predisposição Morbidade e Mortalidade
molecular não esteja bem caracterizada nesses pacientes. Os Tanto o diabetes Tipo I quanto o Tipo II estão associados a
pesquisadores descreveram defeitos no receptor de insulina, morbidades agudas específicas de cada tipo e a complicações
bem como defeitos de sinalização pós-receptores. Todavia, não crônicas comuns. No diabetes Tipo I não-controlado, a ação
se sabe ao certo se esses defeitos, se houver algum, possam dos hormônios contra-reguladores, sem qualquer oposição, leva
constituir o evento primário na resistência à insulina. No iní- à cetoacidose, que pode evoluir rapidamente para o coma e a
cio, a resistência à insulina é compensada por um aumento da morte. Com efeito, o diagnóstico de diabetes Tipo I é freqüente-
produção de insulina pelas células  do pâncreas. Com efeito, mente estabelecido na sala de emergência em um paciente que
muitos indivíduos com obesidade e resistência à insulina nunca chega pela primeira vez com cetoacidose diabética. Mesmo
evoluem para o diabetes franco, visto que as células  con- na ausência de cetoacidose grave, a ausência de insulina no
Farmacologia do Pâncreas Endócrino | 501
diabetes Tipo I, se não for tratada, leva à consunção tecidual e e não é capaz de utilizar substâncias energéticas alternativas
à morte no decorrer de um período de várias semanas a meses. tão facilmente quanto os tecidos periféricos podem fazê-lo. A
Em geral, não ocorre cetoacidose no diabetes Tipo II, visto que hiperinsulinemia tem várias causas, das quais a mais comum
esses pacientes produzem habitualmente insulina endógena. é iatrogênica (isto é, overdose de insulina exógena durante a
Entretanto, a ocorrência de hiperglicemia extrema no diabetes insulinoterapia em pacientes com diabetes Tipo I ou Tipo II).
Tipo I ou Tipo II pode causar uma síndrome hiperosmótica, Um desafio central na terapia do diabetes (Tipo I ou Tipo II)
que resulta em alterações do estado mental e que pode evoluir consiste em normalizar adequadamente os níveis de glicose e
para convulsões, coma e morte. evitar, ao mesmo tempo, um tratamento excessivo e a ocor-
Tanto o diabetes Tipo I quanto o Tipo II estão associados a rência de hipoglicemia. Outras causas raras de hipoglicemia
patologia vascular a longo prazo. Essas complicações crônicas incluem insulinomas (tumores secretores de insulina das célu-
consistem em aterosclerose prematura, retinopatia, nefropatia las  do pâncreas), mutações no canal de K+/ATP das células
e neuropatia. Embora os mecanismos exatos ainda não estejam  (por exemplo, mutações em Kir6.2 ou SUR1, que resultam
esclarecidos, parece que essas complicações podem resultar de em despolarização constitutiva) e auto-anticorpos de ativação
uma combinação de hiperglicemia, hiperlipidemia e aumen- dirigidos contra o receptor de insulina.
to da sinalização inflamatória no decorrer de muitos anos. Os
objetivos no tratamento do diabetes da Sra. S não consistem
apenas em melhorar a polidipsia e poliúria e em normalizar
os valores laboratoriais como propósito final, mas também em CLASSES E AGENTES FARMACOLÓGICOS
evitar essas complicações crônicas graves.
Como o diabetes não controlado apresenta complicações TERAPIA DO DIABETES
muito graves, é de suma importância avaliar acuradamente o
nível de controle obtido com qualquer terapia. Os resultados Estratégias da Terapia
do estudo clínico de referência Diabetes Control and Compli- O principal objetivo da terapia farmacológica no diabetes con-
cations Trial (DCCT), um estudo clínico multicêntrico (1983- siste em normalizar os parâmetros metabólicos, como a glice-
1996) envolvendo pacientes com diabetes Tipo I, e do estudo mia, para reduzir o risco de complicações a longo prazo. Para
United Kingdom Prospective Diabetes Study (UKPDS, 1998), pacientes com diabetes Tipo I, a estratégia farmacológica con-
envolvendo pacientes com diabetes Tipo II, sugerem que a siste na administração de uma quantidade suficiente de insulina
terapia intensiva para manter uma normoglicemia contínua exógena para obter normoglicemia, sem induzir hipoglicemia.
diminui radicalmente a incidência das complicações a longo O tratamento apropriado de pacientes com diabetes Tipo I não
prazo do diabetes. apenas produz normoglicemia, como também reverte a resposta
Os níveis de glicemia podem ser avaliados de duas manei- de inanição metabólica mediada pela ação dos hormônios con-
ras: de modo agudo, através da determinação da glicemia com tra-reguladores sem qualquer oposição. Por exemplo, o trata-
monitor de glicose, e cronicamente, pela determinação da mento com insulina reverte a degradação dos aminoácidos no
hemoglobina glicosilada (HbA1c). Em geral, obtém-se um músculo e a cetogênese no fígado.
“controle estrito”, ou manutenção de uma glicemia quase nor- O tratamento do diabetes Tipo II é multifacetado. Em pri-
mal, através da determinação dos níveis de glicemia três vezes meiro lugar, os pacientes obesos devem empenhar-se para
ao dia, com modificação da dieta e das doses de insulina para reduzir o peso corporal e aumentar os exercícios físicos, a fim
manter os níveis de glicemia dentro da faixa normal. Para obter de melhorar a sensibilidade à insulina. Alguns pacientes com
uma estimativa do nível médio de glicemia nos vários meses diabetes Tipo II podem conseguir um bom controle da doença
precedentes, o médico pode determinar a HbA1c. A glicose ao modificar a sua dieta e hábitos de exercícios físicos; o dia-
no sangue glicosila não-enzimaticamente proteínas sangüí- betes da Sra. S com certeza melhoraria notavelmente com essas
neas; a glicosilação não-enzimática da hemoglobina nos eri- mudanças no estilo de vida. Os tratamentos farmacológicos
trócitos gera a HbA1c. Como a glicosilação não-enzimática incluem agentes disponíveis por via oral que atuam no sentido
ocorre numa velocidade proporcional ao nível de glicose no de retardar a velocidade de absorção da glicose no intestino
sangue, e o tempo de sobrevida dos eritrócitos é de cerca de (inibidores da ␣-glicosidase), aumentar a secreção de insulina
120 dias, o nível de HbA1c fornece uma estimativa do nível pelas células  (sulfoniluréias, meglitinidas e compostos mimé-
médio de glicemia no decorrer dos vários meses precedentes. ticos do GLP-1) ou aumentar a sensibilidade à insulina nos
Em conseqüência, o valor da HbA1c pode estar elevado em tecidos-alvo (tiazolidinedionas e biguanidas). Em geral, esses
um paciente que, ao mesmo tempo, apresenta níveis normais agentes são ineficazes para pacientes com diabetes Tipo I. Os
de glicemia — o que significa que, embora o nível de glicemia pacientes com diabetes Tipo II são freqüentemente tratados
esteja agudamente normal, havia elevação crônica dos níveis com associações desses fármacos e, por conseguinte, utilizam
de glicose nos vários meses precedentes. O nível de HbA1c da múltiplas estratégias; entretanto, alguns acabam necessitando
Sra. S de 9,2% é objeto de preocupação, visto que a incidên- de tratamento com insulina exógena. Os diversos agentes uti-
cia de complicações diabéticas crônicas aumenta drasticamente lizados são discutidos adiante dentro de uma estrutura que irá
com níveis de HbA1c superiores a 7,5%. Os níveis de HbA1c ressaltar seus locais e mecanismos de ação, acompanhando a
podem estar enganosamente baixos em pacientes com redução via de metabolismo da glicose desde a sua absorção intestinal
do tempo de sobrevida dos eritrócitos (por exemplo, pacientes até a secreção de insulina e o metabolismo e armazenamento
com anemia hemolítica). da glicose nos tecidos-alvo (Fig. 29.1).
vezes mais avidamente do que os carboidratos da dieta às enzi- local. Quanto mais rápida a absorção de determinada preparação,
mas ␣-glicosidases da borda em escova intestinal. As glicosi- mais rápido também o seu início de ação e mais curta a dura-
dases — maltase, isomaltase, sacarase e glicoamilase — ajudam ção de ação. A variabilidade entre pessoas e a variabilidade de
no processo de absorção através da clivagem dos carboidratos um local de injeção para outro podem produzir grandes diferen-
complexos, produzindo glicose. Ao inibir reversivelmente essas ças na velocidade de absorção e, portanto, no perfil de ação da
enzimas, os inibidores da ␣-glicosidase aumentam o tempo insulina injetada. O Quadro 29.3 fornece uma classificação das
necessário para a absorção de carboidratos como amido, dex- preparações de insulina mais comumente utilizadas em quatro
trina e dissacarídios. Esses fármacos também aumentam a área categorias, com base no início, pico e duração de ação.
de superfície intestinal para absorção, visto que os carboidratos A insulina regular, uma preparação de ação curta, é estru-
que teriam sido absorvidos na parte superior do intestino sofrem turalmente idêntica à insulina endógena, porém com adição
absorção — em quantidades menores — em toda a extensão de íons zinco para obter estabilidade. A insulina regular tende
do intestino delgado. Por conseguinte, esses fármacos ajudam a agregar-se em hexâmeros, e a dissociação desses hexâme-
a reduzir o pico pós-prandial da glicemia. Os inibidores da ros em monômeros constitui a etapa que limita a velocidade
␣-glicosidase são efetivos quando tomados nas refeições, porém no processo de absorção. A insulina lispro, uma insulina de
não são efetivos quando administrados em outros momentos. ação ultra-rápida, foi desenvolvida para manter a molécula
O aumento do nível de glicemia em jejum da Sra. S sugere em uma forma monomérica para acelerar a sua absorção. A
que, no seu caso, a monoterapia com inibidor da ␣-glicosidase insulina lispro assemelha-se estruturalmente à insulina regular,
provavelmente seria ineficaz. com exceção de uma seqüência de dois aminoácidos (lisina
A acarbose foi introduzida nos Estados Unidos em 1996, e o e prolina) próximo à extremidade carboxi-terminal da cadeia
miglitol, em 1999; esses dois agentes são igualmente efetivos. B, que teve a sua posição invertida (ver Fig. 29.2). A insuli-
Quando utilizados como monoterapia, ambos reduzem o nível na lispro oferece flexibilidade e conveniência para o pacien-
de glicemia em jejum em 25 a 30 mg/dL (1,3 a 1,7 mmol/L), te, visto que pode ser injetada poucos minutos antes de uma
o nível de glicemia pós-prandial em 40 a 50 mg/dL (2,2 a 2,8 refeição, enquanto o uso correto das insulinas de ação mais
mmol/L) e a HbA1c em 0,7 a 0,9%, e a sua administração não longa exige um intervalo de tempo entre a injeção da insulina
está associada a nenhum risco de hipoglicemia. Os inibidores da e o consumo de uma refeição. Na insulina NPH (protamina
␣-glicosidase também são úteis como terapia adjuvante. Esses neutra Hagedorn), uma preparação de ação intermediária, a
fármacos têm maior utilidade para pacientes com hiperglicemia insulina é combinada com protamina — uma proteína isolada
predominantemente pós-prandial, bem como pacientes com do esperma da truta arco-íris — em uma suspensão de zinco.
início recente que apresentam hiperglicemia leve. Os efeitos A protamina prolonga o tempo necessário para a absorção da
adversos comuns consistem em flatulência, distensão e descon- insulina, visto que permanece complexada com o hormônio até
forto abdominal, que resultam do gás liberado por bactérias que que a protamina seja clivada da insulina por enzimas proteo-
atuam sobre carboidratos não-digeridos que alcançam o intesti- líticas. A insulina ultralenta, uma preparação de ação longa,
no grosso. Em geral, o desconforto gastrintestinal diminui com é uma suspensão cristalina de insulina e zinco em tampão de
o uso contínuo do inibidor da ␣-glicosidase; esses fármacos acetato. Essa formulação retarda o início de ação da insulina.
estão contra-indicados para pacientes com doença intestinal A insulina semilenta é semicristalina ou “amorfa” e de ação
inflamatória. Os níveis séricos de aminotransferase devem ser curta. A insulina lenta é uma combinação de insulina cristalina
monitorizados durante o tratamento; esses fármacos estão asso- (isto é, ultralenta) e semicristalina (isto é, semilenta) e zinco em
ciados a uma elevação dependente da dose nos níveis de ami- suspensão em tampão de acetato. Essa formulação é de ação
notransferases, que é reversível com a interrupção do fármaco. mais lenta do que a insulina semilenta, porém de ação mais
Além disso, os inibidores da ␣-glicosidase são associados a um rápida do que a insulina ultralenta; por conseguinte, é classi-
aumento moderado dos níveis plasmáticos de triglicerídios. O ficada dentro da categoria de ação intermediária. A insulina
uso desses agentes não está associado a qualquer alteração do glargina é uma insulina regular em que uma glicina substitui
peso corporal. uma asparagina na cadeia A, com adição de duas argininas na
extremidade carboxi-terminal da cadeia B (Fig. 29.2). Essas
modificações tornam a pKa da insulina mais neutra, diminuin-
Reposição de Insulina: Insulina Exógena do, assim, a velocidade de sua absorção no ambiente neutro do
A insulina constitui o único tratamento para pacientes com sangue. A glargina tem a vantagem de uma longa duração de
diabetes Tipo I. A insulina também é utilizada em pacientes ação e liberação uniforme sem produzir um pico (imitando a
com diabetes Tipo II se a dieta e outras formas de terapia não denominada secreção “basal” de insulina).
forem efetivas o suficiente para controlar a hiperglicemia. As Os esquemas de insulina — incluindo a preparação, a dose
preparações de insulina são classificadas de acordo com o seu e a freqüência de administração — são individualizados para
início de ação, duração de ação e origem (isto é, humana, suína cada paciente. Além disso, os esquemas são, com freqüência,
ou bovina). Foram empregadas técnicas de DNA recombinante ajustados ligeiramente a cada dia, de acordo com a atividade do
para produzir insulina humana in vitro, tornando essa forma do paciente, o tamanho e a composição das refeições e os níveis
fármaco uma escolha cada vez mais popular em relação a outras de glicemia. Por exemplo, alguns pacientes injetam insulina
preparações (suína ou bovina) que podem transgredir certas de ação curta antes das refeições, e insulina de ação longa
restrições religiosas e/ou provocar resposta imune. para proporcionar níveis basais de insulina durante a noite.
Como a insulina é uma proteína sujeita a rápida degradação Continua havendo progressos na insulinoterapia. As empresas
no trato GI, não é efetiva como agente oral. Com efeito, a insu- farmacêuticas continuam desenvolvendo preparações que irão
lina é administrada por via parenteral, tipicamente com injeção imitar mais estreitamente os níveis sangüíneos pós-prandiais
subcutânea com agulha de calibre fino, que cria um pequeno fisiológicos de insulina. Os pesquisadores também estão pro-
depósito do hormônio no local de injeção. A velocidade de absor- curando obter preparações de ação mais longa com velocida-
ção desse depósito de insulina depende de uma variedade de de de absorção mais uniforme. Além disso, novas técnicas de
fatores, incluindo a solubilidade da preparação e a circulação liberação de fármacos estão sendo testadas para criar alterna-
Farmacologia do Pâncreas Endócrino | 503
tivas para a injeção subcutânea (ver Cap. 54), como formas Unidos para o tratamento do diabetes Tipo II. As sulfonilu-
intranasais e pulmonares, bem como bombas miniaturas para réias estimulam a liberação de insulina das células  do pân-
liberação contínua. creas, aumentando, assim, a insulina circulante para níveis
O principal perigo da insulinoterapia é o de que a admi- suficientes para superar a resistência à insulina. Em nível
nistração de insulina na ausência de ingestão adequada de molecular, as sulfoniluréias atuam ao inibir o canal de K+/
carboidratos pode resultar em hipoglicemia. Por conseguinte, ATP da célula  na subunidade SUR1 (Fig. 29.3). (A subuni-
os pacientes — com diabetes tanto do Tipo I quanto do Tipo II dade SUR recebeu essa designação por ser o “Receptor de
— devem ser alertados para não injetar uma quantidade muito SUlfoniluréias” [SUlfonylurea Receptor].) As sulfoniluréias
grande de insulina. Enquanto o controle estrito da glicemia, podem atuar ao deslocar o Mg2+-ADP endógeno, que se liga
que visa manter a normoglicemia, diminui efetivamente a inci- à subunidade SUR1, ativando o canal. As sulfoniluréias uti-
dência de complicações diabéticas, ele também aumenta a fre- lizadas no tratamento do diabetes Tipo II ligam-se com maior
qüência de episódios hipoglicêmicos. Com efeito, é um desafio afinidade à isoforma SUR1 do que SUR2, explicando a sua
manter um delicado equilíbrio entre quantidades insuficientes relativa especificidade para as células . A inibição do canal
e excessivas de insulina. de K+/ATP pelas sulfoniluréias é funcionalmente semelhante
Em pacientes com diabetes Tipo II, como a Sra. S, a resistên- aos eventos moleculares induzidos em condições fisiológicas
cia à insulina é tipicamente mais grave no músculo e no fígado no estado pós-prandial, em que o aumento do metabolismo
do que nas células adiposas. Por essa razão, a insulina deposita da glicose produz acúmulo de ATP intracelular nas células
preferencialmente calorias no tecido adiposo, e a insulinote- , despolarização da membrana, influxo de Ca2+, fusão das
rapia em pacientes com resistência à insulina (particularmen- vesículas que contêm insulina com a membrana plasmática e
te aqueles que já são obesos, como a Sra. S) freqüentemente secreção de insulina.
resulta em ganho de peso. As sulfoniluréias, que são disponíveis por via oral, são meta-
bolizadas pelo fígado. Em geral, esses fármacos são seguros,
Secretagogos da Insulina: Sulfoniluréias e Meglitinidas e o principal efeito adverso consiste em hipoglicemia devido à
secreção excessiva de insulina. Por conseguinte, essas medica-
Sulfoniluréias ções devem ser utilizadas com cautela em pacientes incapazes
Desde a década de 1950, as sulfoniluréias passaram a con- de reconhecer ou de responder apropriadamente à hipoglicemia,
stituir os principais fármacos orais disponíveis nos Estados como aqueles que apresentam comprometimento da função
504 | Capítulo Vinte e Nove
simpática, alterações do estado mental ou idade avançada. Os Embora nosso conhecimento dos mecanismos molecula-
estudos conduzidos mostram que o uso de sulfoniluréias está res através dos quais as TZD atuam permaneça incompleto, é
associado a uma diminuição marginal dos lipídios circulantes. evidente que o tratamento com TZD aumenta efetivamente a
Esses agentes podem produzir ganho de peso secundariamente sensibilidade à insulina, resultando em diminuição dos níveis
a um aumento da atividade da insulina no tecido adiposo. Esse de glicemia e de insulina. Os efeitos sensibilizadores das TZD
efeito adverso é obviamente contraproducente em pacientes sobre a insulina são benéficos no tratamento não apenas do
obesos, como a Sra. S. Por conseguinte, as sulfoniluréias são diabetes Tipo II, mas também de outras síndromes associadas
mais apropriadas para pacientes não-obesos. Como as sulfo- a resistência à insulina/hiperinsulinemia, como a síndrome do
niluréias de primeira geração ligam-se com menor afinidade ovário policístico (SOPC; ver Cap. 28).
à subunidade SUR1 do que os agentes de segunda geração, as Como as TZD constituem uma classe mais recente de fárma-
sulfoniluréias de primeira geração devem ser administradas em cos, seu perfil de efeitos adversos ainda está sendo definido. Os
doses mais altas para obter o mesmo grau de redução da glicose. efeitos como ganho de peso e diminuição dos níveis circulantes
Em geral, as sulfoniluréias são fármacos efetivos, seguros e de triglicerídios e ácidos graxos livres podem ser explicados
baratos (disponíveis em forma genérica), que constituem uma pelo efeito estimulador das TZD sobre os adipócitos. Ao con-
das bases do tratamento do diabetes Tipo II. trário dos secretagogos da insulina, as TZD não aumentam os
níveis de insulina e, por conseguinte, não induzem hipoglice-
Meglitinidas mia. A TZD original introduzida nos Estados Unidos (trogli-
tazona) foi associada a uma hepatotoxicidade rara, levando à
A exemplo das sulfoniluréias, as meglitinidas estimulam a sua retirada do mercado. As TZD mais recentes parecem ter
liberação de insulina através de sua ligação à subunidade SUR1 menos hepatotoxicidade.
e inibição do canal de K+/ATP das células . Embora tanto as
sulfoniluréias quanto as meglitinidas atuem sobre a subuni-
dade SUR1, essas duas classes de fármacos ligam-se a regiões Biguanidas
distintas da molécula SUR1. A absorção, o metabolismo e o A exemplo das TZD, as biguanidas atuam ao aumentar a sensi-
perfil de efeitos adversos das meglitinidas assemelham-se aos bilidade à insulina. O alvo molecular das biguanidas parece ser
das sulfoniluréias. a proteinocinase dependente de AMP (AMPPK [AMP-depen-
dent protein kinase] — que não deve ser confundida com a pro-
Sensibilizadores da Insulina: Tiazolidinedionas teinocinase A). As biguanidas ativam a AMPPK, bloqueando
a degradação dos ácidos graxos e inibindo a gliconeogênese
e Biguanidas e a glicogenólise hepáticas. Os efeitos secundários incluem
Tiazolidinedionas aumento da sinalização da insulina (isto é, atividade aumentada
do receptor de insulina), bem como aumento da responsivi-
As tiazolidinedionas (TZD) constituem uma classe relativa-
dade metabólica do fígado e do músculo esquelético. O efeito
mente recente de fármacos orais para o diabetes Tipo II; os
dois agentes atualmente disponíveis nos Estados Unidos — a adverso mais comum consiste em leve desconforto gastrintesti-
rosiglitazona e a pioglitazona — foram aprovados para uso nal, que é habitualmente transitório e pode ser minimizado por
pela FDA em 1999. As TZD não afetam a secreção de insulina, uma titulação lenta da dose. A acidose láctica representa um
mas intensificam a ação da insulina nos tecidos-alvo. As TZD efeito adverso potencialmente mais grave. Como as biguanidas
são agonistas do receptor de hormônio nuclear, o receptor-␥ diminuem o fluxo de ácidos metabólicos através das vias glico-
ativado por proliferador peroxissômico (PPAR␥). As iden- neogênicas, pode ocorrer acúmulo de ácido láctico até níveis
tidades dos ligantes endógenos do PPAR␥ ainda não foram perigosos em pacientes tratados com esses fármacos. No caso da
elucidadas. O PPAR␥ atua como heterodímero com o receptor metformina, introduzida nos Estados Unidos em 1995 — e que
retinóide X (RXR, outro receptor nuclear de hormônios) para constitui a única biguanida atualmente disponível naquele país
ativar a transcrição de um subgrupo de genes envolvidos no —, a incidência de acidose láctica é baixa e previsível. A aci-
metabolismo da glicose e dos lipídios; nem todos esses genes dose láctica é mais comum quando a metformina é administrada
foram identificados. O PPAR␥, que é expresso primariamente a pacientes que apresentam outras condições que predispõem
no tecido adiposo, está envolvido na diferenciação dos adipóci- à acidose metabólica. Por conseguinte, a metformina não deve
tos. Os estudos realizados mostraram que células que hiperex- ser administrada a pacientes com doença hepática, insuficiência
pressam o PPAR␥ acumulam triglicerídios e adquirem outros cardíaca, doença respiratória, hipoxemia, infecção grave, con-
marcadores de adipócitos quando tratadas com TZD. Embora sumo excessivo de álcool, tendência à cetoacidose ou doença
o tratamento com TZD melhore a sensibilidade à insulina não renal (visto que as biguanidas são excretadas pelos rins).
apenas no tecido adiposo como também no fígado e no músculo A exemplo das TZD, as biguanidas não afetam diretamen-
(os principais locais de resistência à insulina no diabetes Tipo te a secreção de insulina, de modo que o seu uso não está
II), os mecanismos responsáveis pelos efeitos desses fármacos associado ao desenvolvimento de hipoglicemia. Além disso, ao
no fígado e no músculo continuam sendo misteriosos, particu- contrário da insulina e dos secretagogos da insulina, as bigua-
larmente pelo fato de o PPAR␥ estar expresso em baixos níveis nidas estão associadas a uma redução dos lipídios séricos e a
nesses tecidos. Na verdade, o efeito das TZD sobre o fígado e uma diminuição do peso corporal. À semelhança das TZD, as
o músculo é provavelmente indireto, visto que o tratamento in biguanidas também são úteis no tratamento de outras afecções,
vitro desses tecidos isolados com TZD tem pouco efeito (exceto como a SOPC, que estão associadas a resistência a insulina e
pela inibição da gliconeogênese nos hepatócitos). Uma teoria hiperinsulinemia.
formulada sugere que as alterações mediadas por TZD/PPAR␥
na expressão dos genes dos adipócitos resultam em mudanças
no metabolismo das gorduras que alteram o ambiente metabóli- Agonistas do GLP-1 e Compostos Miméticos
co dos hepatócitos e das células musculares, aumentando, em Os compostos miméticos do GLP-1 constituem a mais recente
última analise, a sensibilidade desses tecidos à insulina. classe de fármacos desenvolvidos para o tratamento do dia-
Farmacologia do Pâncreas Endócrino | 505
betes. Como GLP-1 é um hormônio peptídico com meia-vida exemplo, sulfoniluréia) pode melhorar o controle glicêmico em
circulante curta, houve necessidade de efetuar modificações um paciente com diabetes Tipo II mal controlado e diminuir
moleculares para aumentar a sua bioatividade. A exenatida a dose de cada fármaco necessária para obter um efeito tera-
é um análogo de ação longa do GLP-1 derivado da glândula pêutico. As TZD e a metformina, que são sensibilizadores da
salivar do monstro-de-gila. Atua como agonista integral nos insulina, porém com mecanismos distintos de ação, também
receptores de GLP-1 humanos. A exenatida foi aprovada para podem ser utilizadas efetivamente em associação. Entretanto,
uso clínico nos Estados Unidos em 2005. O fármaco deve ser a combinação de dois secretagogos diferentes da insulina não
injetado, tipicamente duas vezes ao dia, sendo utilizado em melhora o desfecho terapêutico.
associação com a metformina ou uma sulfoniluréia para melho- Qual seria, então, o tratamento ideal para a Sra. S, em vista
rar o controle da glicose. Como mimético do GLP-1, a exena- da possível escolha de numerosos agentes disponíveis? Em pri-
tida apresenta vários modos de ação que beneficiam pacientes meiro lugar, é importante promover (como em todos os casos
com diabetes: aumenta a secreção de insulina pelas células  de diabetes) uma perda de peso e um aumento dos exercícios
do pâncreas, particularmente quando os níveis de glicose estão físicos. Com freqüência, os pacientes com diabetes Tipo II —
elevados; suprime a secreção de glucagon pelas células ␣ do particularmente os que são de mais idade e obesos — começam
pâncreas, retarda o esvaziamento gástrico (e, portanto, diminui com um agente sensibilizador da insulina, que não predispõe à
a velocidade de entrada dos nutrientes da circulação); e diminui hipoglicemia nem a um aumento de peso corporal. Como a Sra.
o apetite. S não parece ter doença renal nem outra contra-indicação para
A sitagliptina é um inibidor seletivo da DPP-IV, a enzima o tratamento com biguanidas, a metformina poderia ser uma
plasmática que rapidamente inativa os hormônios circulantes escolha razoável. Uma TZD também seria um fármaco inicial
da incretina, como GLP-1. Nos estudos clínicos realizados, a razoável. Se a monoterapia com metformina ou com uma TZD
terapia com sitagliptina aumentou as concentrações circulantes não diminuir adequadamente o nível de glicemia e os níveis
de GLP-1 e de insulina, diminuiu a concentração de glucagon de HbA1c da Sra. S, pode-se tentar uma associação de ambos
e aumentou a responsividade da liberação de insulina a uma os fármacos. Alternativamente, a adição de uma sulfoniluréia
carga de glicose oral em pacientes com diabetes Tipo II. Com ao sensibilizador de insulina poderia ser uma escolha razoá-
base nesses estudos clínicos, a sitagliptina foi aprovada em vel. Consulte o Quadro 29.4 para uma comparação dos efeitos
2006 como adjuvante da dieta e dos exercícios físicos para adversos associados ao uso a longo prazo de várias terapias
melhorar o controle da glicose no diabetes Tipo II. Pode ser diferentes para o diabetes Tipo II.
utilizada como monoterapia ou em associação com uma TZD
ou com metformina (ver adiante).
TERAPIA DE HIPERINSULINEMIA
Terapia de Combinação Embora a excisão cirúrgica constitua, em última análise, o
Conforme discutido anteriormente, os pacientes com diabetes tratamento de escolha para os insulinomas, o diazóxido e a
que necessitam de insulina (incluindo diabetes tanto do Tipo I octreotida são dois fármacos freqüentemente utilizados para
quanto do Tipo II) beneficiam-se de uma otimização individual estabilizar pacientes hipoglicêmicos no pré-operatório. O
da terapia com o uso de associações de preparações de insulina diazóxido liga-se à subunidade SUR1 dos canais de K+/ATP
de ação curta e de ação longa. Com a disponibilidade de um nas células  do pâncreas e estabiliza o estado do canal ligado
maior número de agentes orais para o tratamento do diabetes ao ATP (aberto), de modo que as células  permanecem hiper-
Tipo II, a terapia de combinação oral também se tornou uma polarizadas. São conhecidos vários agentes desse tipo que
realidade para esses pacientes. Em geral, a terapia de combi- abrem o canal de K+/ATP, porém a maioria é específica para
nação com fármacos que afetam diferentes alvos moleculares e isoformas SUR2 e, portanto, carece de utilidade para o canal
que apresentam mecanismos distintos de ação tem a vantagem SUR1/Kir6.2 expresso pelas células  do pâncreas. O diazóxi-
de melhorar o controle da glicemia, ao mesmo tempo que é do liga-se a canais que contêm isoformas SUR1 e SUR2 e, por
possível utilizar uma dose menor de cada fármaco, reduzindo, conseguinte, é utilizado não apenas para diminuir a secreção
assim, os efeitos adversos. Por exemplo, a associação de um de insulina pelas células  do pâncreas, como também para
sensibilizador da insulina (por exemplo, uma TZD ou met- hiperpolarizar as células do músculo cardíaco e as células
formina) com insulina ou com um secretagogo da insulina (por musculares lisas que expressam SUR2 e, ao manter essas célu-
QUADRO 29.4 Efeitos Adversos no Decorrer da Administração Durante 10 Anos: Comparação de Vários Agentes Utilizados
como Monoterapia para o Diabetes Melito Tipo II
AUMENTO DO PESO CORPORAL (EM HIPOGLICEMIA GRAVE,* HIPOGLICEMIA SINTOMÁTICA,**
AGENTE COMPARAÇÃO COM DIETA APENAS), kg % DE INDIVÍDUOS % DE INDIVÍDUOS
Insulina 4,0 2,3 36
Sulfoniluréia 2,2 0,5 14
Biguanida 0 0 4
Como o diabetes é uma doença crônica, é importante considerar as implicações a longo prazo da terapia. Tanto a insulina quanto as sulfoniluréias são capazes
de reduzir a glicemia para níveis perigosos, enquanto as biguanidas carecem desse efeito adverso. Além disso, o uso de biguanidas não está associado a um
aumento do peso corporal, enquanto os pacientes em uso de insulina ou de uma sulfoniluréia tendem a ganhar peso.
*A hipoglicemia grave é definida como a hipoglicemia que exige hospitalização ou outra intervenção por terceiros responsáveis.
**A hipoglicemia sintomática é definida como a hipoglicemia que não necessita de hospitalização. (Dados do United Kingdom Prospective Diabetes Study
[UKPDS] 1998.)
506 | Capítulo Vinte e Nove
las num estado mais relaxado, diminuir a pressão arterial nas lina, enquanto o diazóxido os diminui. As tiazolidinedionas e as
emergências hipertensivas. Numa forma rara de hipoglicemia biguanidas aumentam a sensibilidade dos tecidos-alvo à insu-
hiperinsulinêmica genética, uma isoforma SUR1 mutante é lina. A octreotida, uma forma sintética da somatostatina, possui
relativamente insensível ao Mg2+-ADP, porém responde ao amplos efeitos inibitórios sobre a secreção de hormônios. O
diazóxido; todavia, na maioria das formas dessa doença, o glucagon exógeno pode ser utilizado para aumentar os níveis
canal mutante não é transportado até a superfície da célula, e plasmáticos de glicose. A pesquisa futura no tratamento farma-
o diazóxido é ineficaz. cológico do diabetes irá enfocar uma delineação mais precisa
A octreotida é um análogo da somatostatina (ver Cap. 25) dos mecanismos moleculares dos tratamentos atuais e uma
cuja ação é mais longa que a da somatostatina endógena. A melhor compreensão da fisiopatologia molecular e celular do
exemplo da somatostatina, esse agente bloqueia a liberação hor- diabetes melito Tipo II. Essa pesquisa também irá incluir, entre
monal de tumores secretores endócrinos, como insulinomas, outras metas, a elucidação dos alvos de ação do PPAR␥, a
glucagonomas e adenomas hipofisários secretores de tireotro- otimização de produtos miméticos do GLP-1 e a inibição do
pina. papel contra-regulador do glucagon. Além disso, os estudos
clínicos continuarão a aprimorar o papel da terapia oral de
combinação para o diabetes melito Tipo II, numa tentativa de
GLUCAGON COMO AGENTE TERAPÊUTICO manter a normoglicemia a longo prazo, sem qualquer episódio
O glucagon é utilizado no tratamento da hipoglicemia grave, de hipoglicemia.
quando a administração de glicose oral ou intravenosa não é
possível. A exemplo da insulina, o glucagon é administrado n Leituras Sugeridas
por injeção subcutânea. A ação hiperglicêmica do glucagon DeWitt DE, Hirsch IB. Outpatient insulin therapy in type 1 and type
é transitória e requer um armazenamento hepático suficiente 2 diabetes mellitus: scientific review. JAMA 2003;299:2254–2264.
de glicogênio. O glucagon também é utilizado como relaxante (Revisões das apresentações de insulina atualmente disponíveis e
intestinal antes de radiografias ou de ressonância magnética seus perfis farmacodinâmicos e farmacocinéticos.)
(RM) do trato gastrintestinal. O mecanismo pelo qual o gluca- Drucker DJ. The biology of incretin hormones. Cell Metab 2006;
gon medeia o relaxamento intestinal permanece incerto. 3:153–165. (Revisão da fisiologia básica de GLP-1 e dos hormô-
nios correlatos.)
Hardie DG. Minireview: the AMP-activated protein kinase cas-
n Conclusão e Perspectivas Futuras cade: the key sensor of cellular energy status. Endocrinology
Os hormônios pancreáticos insulina, glucagon e somatostatina 2003;144:5179–5183. (Revisão da função e do mecanismo de ação
estão envolvidos na homeostasia energética. Quando os níveis do provável alvo biguanida.)
desses hormônios estão patologicamente alterados, o indivíduo Krentz AJ, Bailey CJ. Oral antidiabetic agents: current role in type 2
diabetes mellitus. Drugs 2005;65:385–411. (Revisão meticulosa da
pode desenvolver hiperglicemia (como no diabetes melito)
farmacologia dos agentes orais usados no tratamento do diabetes
ou hipoglicemia. Diversos agentes farmacológicos atuam em melito, com ênfase especial na terapêutica.)
diferentes locais celulares e moleculares para normalizar os Nathan DM. Initial management of glycemia in type 2 diabetes melli-
níveis de glicemia. Os inibidores da ␣-glicosidase retardam tus. N Engl J Med 2002;347:1342–1349. (Abordagem terapêutica
a absorção intestinal dos carboidratos. A insulina exógena, as clinicamente orientada do diabetes melito, incluindo dieta, exercí-
sulfoniluréias e as meglitinidas aumentam os níveis de insu- cios físicos, insulina, agentes e associações terapêuticas.)
Resumo Farmacológico Capítulo 29 Farmacologia do Pâncreas Endócrino
Efeitos Adversos
Fármaco Aplicações Clínicas Graves e Comuns Contra-Indicações Considerações Terapêuticas
INIBIDORES DA ␣-GLICOSIDASE
Mecanismo — Análogos de carboidratos que se ligam avidamente a enzimas ␣-glicosidases da borda em escova intestinal, diminuindo a velocidade de degradação e absorção dos carboidratos da dieta, como amido,
dextrina e dissacarídios
Acarbose Diabetes melito Tipo 2 Dor abdominal, diarréia, Cirrose Não existe nenhum risco de hipoglicemia com esses agentes
Miglitol flatulência, níveis Cetoacidose diabética Esses fármacos têm mais utilidade para pacientes com
Voglibose séricos elevados de Problemas digestivos graves hiperglicemia predominantemente pós-prandial, bem como para
aminotransferases, níveis Doença intestinal inflamatória pacientes com início recente, que apresentam hiperglicemia leve
plasmáticos elevados de Obstrução intestinal O desconforto GI diminui habitualmente com o uso contínuo do
triglicerídios inibidor da ␣-glicosidase
Os níveis séricos de aminotransferases devem ser monitorizados
durante a terapia
Podem ocorrer elevações moderadas dos triglicerídios
plasmáticos com a terapia
INSULINA EXÓGENA
Mecanismo — A insulina, o hormônio anabólico clássico, promove o metabolismo dos carboidratos e facilita a captação e o armazenamento de glicose, aminoácidos e triglicerídios no fígado, no músculo cardíaco, no
músculo esquelético e no tecido adiposo
Lispro, de ação Diabetes melito Hipoglicemia Hipoglicemia Não disponível por via oral; deve ser administrada por via
ultra-rápida Reação no local de injeção, parenteral; a via subcutânea é mais comum
Regular, de ação curta lipodistrofia A insulina lispro é de ação ultra-rápida; oferece flexibilidade e
Semilenta, de ação curta conveniência, visto que pode ser injetada poucos minutos antes
NPH, de ação de uma refeição
intermediária A insulina regular é de ação curta; recentemente aprovada para
Lenta, de ação liberação pulmonar
intermediária A insulina NPH é de ação intermediária; contém protamina, que
Ultralenta, de ação longa prolonga o tempo necessário para a absorção da insulina
Glargina, de ação longa A insulina ultralenta é de ação longa; a insulina semilenta é de
ação curta; e a insulina lenta é de ação intermediária
A insulina glargina tem a vantagem de ação longa e liberação
uniforme sem pico (imitando a secreção “basal” de insulina)
O principal perigo da insulinoterapia é a hipoglicemia, que pode
resultar da administração de insulina na ausência de ingestão
adequada de carboidratos
SECRETAGOGOS DA INSULINA: SULFONILURÉIAS E MEGLITINIDAS
Mecanismo — As sulfoniluréias e as meglitinidas inibem o canal de K+/ATP das células  na subunidade SUR1, estimulando, assim, a liberação de insulina pelas células  do pâncreas e aumentando a insulina
circulante para níveis suficientes para superar a resistência à insulina
Sulfoniluréias de primeira Diabetes melito Tipo 2 Hipoglicemia Cetoacidose diabética As sulfoniluréias constituem a base do tratamento para o
geração: Exantema, diarréia, náusea, diabetes Tipo II; disponíveis por via oral e metabolizadas pelo
Acetoexamida tontura fígado
Clorpropamida O principal efeito adverso consiste em hipoglicemia, devido à
Tolazamida hipersecreção de insulina; por conseguinte, devem ser utilizadas
Tolbutamida com cautela em pacientes incapazes de reconhecer ou de
Sulfoniluréias de segunda responder à hipoglicemia
geração: Podem causar ganho de peso em conseqüência da atividade
Farmacologia do Pâncreas Endócrino
redução da glicose
(Continua)
Resumo Farmacológico Capítulo 29 Farmacologia do Pâncreas Endócrino (Continuação)
508
Efeitos Adversos
Fármaco Aplicações Clínicas Graves e Comuns Contra-Indicações Considerações Terapêuticas
|
Meglitinidas: Diabetes melito Tipo 2 Hipoglicemia Cetoacitose diabética As meglitinidas apresentam considerações terapêuticas
Nateglinida Diarréia, náusea, infecção Diabetes melito Tipo 1 semelhantes às das sulfoniluréias
Repaglinida das vias respiratórias
superiores
SENSIBILIZADORES DA INSULINA: TIAZOLIDINEDIONAS (TZD)
Mecanismo — Ligam-se ao receptor nuclear de hormônio, o receptor ␥ ativado por proliferador peroxissômico (PPAR␥), e o estimulam, aumentando, assim, a sensibilidade da insulina no tecido adiposo, no fígado e no
músculo
Pioglitazona Diabetes melito Tipo 2 Insuficiência cardíaca, Hipersensibilidade à pioglitazona ou As TZD não aumentam os níveis de insulina e, portanto, não
Capítulo Vinte e Nove