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ARTIGO
Estas críticas não são destituídas de sentido, embora não sejam exclusivas
do caso brasileiro. Tanto é que, em alguns poucos casos – e não só por estes
motivos – alguns países extinguiram a instituição em tempos recentes como, por
exemplo, o Peru e a Suécia. Mas a intenção principal aqui é expormos as origens,
as razões e (sim) as virtudes que uma instituição como o Senado, e em especial o
brasileiro, cumpre em nosso sistema político democrático. Muito além de uma ou
outra crise conjuntural que, embora de se lamentar, não justifica a extinção, mas
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Origens e federalismo
Com exceção dos príncipes da Casa Imperial, que por direito tornavam-se
senadores aos 25 anos, os demais eram escolhidos, em tese, por suas experiências
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para a sua existência. O que segue, por sinal, o caso de outras federações. Tanto é
que, entre os 24 países federativos do mundo atual, apenas cinco não tem
Senado. E entre estes, estão países com extensão territorial minúscula,
arquipélagos, como a Micronésia e Comores, por exemplo. Só para confirmar a
regra, a exceção é a Venezuela, uma federação que aboliu o Senado com a nova
Constituição de 1999.
Bicameralismo
Mas não são apenas as federações que possuem Senados. Entre os 191
parlamentos em nível nacional existentes no mundo 77, 40,3%, são compostos
por duas câmaras, segundo a Inter Parliamentary Union. (1) Por este dado se
percebe que para além de motivações sobre a divisão interna das regiões que
compõem um país, a existência de mais de uma câmara está assentada também
no princípio da deliberação e controle sobre a produção legislativa, com uma
casa refletindo e tomando decisões sobre as ações da outra. O senso comum
afirma que o Senado seria uma espécie de câmara de revisão dos atos da câmara
baixa (dos deputados), que teria mais iniciativa de proposta legislativa e maior
efeito sobre os atos do poder Executivo. De fato, especialmente no sistema
parlamentarista, em que o governo precisa do apoio político do parlamento para
manter-se, esta sustentação é medida quase exclusivamente na popularidade da
câmara baixa, que é onde geralmente o governo é formado.
câmara não muda o conteúdo do que a outra decidiu, a primeira leva em conta o
comportamento da segunda para tomar suas decisões. Características como esta
conduzem, em linhas gerais, uma mudança mais difícil do status quo, pois é
preciso que duas e não uma câmara analise e, eventualmente, aprove uma dada
legislação o que cria, em tese, um maior controle de qualidade – ou moderação –
sobre uma determinada decisão política e possa, quando for o caso, corrigir os
equívocos de uma outra casa legislativa.
Com relação aos projetos de lei de origem legislativa, eles podem ser
iniciados nas duas casas. Uma casa introduz, delibera e aprova um projeto. Em
seguida envia para a outra casa, que o aprova totalmente e o projeto é promulgado.
Ou então, se propor alterações, o projeto volta à casa iniciadora. E ainda se
reprovar o projeto por inteiro ele é arquivado. Após a volta do projeto da segunda
casa para a primeira casa, esta pode aprovar o projeto sem incluir as alterações
propostas pela segunda casa. Ou seja, existe uma vantagem da casa iniciadora,
embora ela corra o risco do projeto ser rejeitado por inteiro pela segunda casa, o
que daria por encerrado a chance de aprovação do projeto. Assim, embora a casa
iniciadora conserve uma vantagem, a segunda casa tem poder total de veto, o que
lhe dá um poder de barganha considerável.
Este mesmo processo de ida e vinda entre uma câmara e outra acontece
quando o projeto vem fora do Congresso, ou seja, do Executivo, do Superior
Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores ou da iniciativa popular. Mas aqui há
uma assimetria entre as duas casas. Pois todos estes projetos de lei são iniciados
obrigatoriamente na Câmara dos Deputados. Isso significa que a palavra final
sobre os projetos cabe a esta casa. Embora, como já vimos, o Senado retenha o
poder de rejeição integral para si, o que daria por arquivado um dado projeto.
Dizendo de outra forma, o Senado não decide sobre o conteúdo final de um projeto
aprovado. Mas pode rejeitá-lo.
Problemas de representação
Por outro lado, como vimos, o Senado brasileiro não aprova legislação
sozinho e a contraparte da Câmara dos Deputados equilibra a possibilidade de
mudança de aprovação pelas três regiões menos desenvolvidas. Pois mesmo
também tendo problemas de desproporcionalidade – estas conceitualmente mais
problemáticas –, com grande sobre-representação para a região Norte – com 8%
da população nacional e que deveria ter 25 deputados a menos, aos invés dos 65
atuais – e com grande sub-representação do estado de São Paulo – o mais rico da
federação, com 22% da população e 42 deputados a menos do que deveria –, na
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prática as regiões Sudeste e Sul poderiam, se fosse o caso, vetar uma legislação
que lhes prejudicasse. Em números: o Sudeste tem 179 deputados e o Sul 77,
com 50 a mais do que o necessário para o veto – que é o número de 206. Isso
sem falar de São Paulo que, com 70 deputados, representa sozinho pouco mais de
um terço dos votos para vetar uma emenda à Constituição.
Realidade e reformas
Se o aspecto conceitual tem bases mais sólidas, alguém pode, com justeza,
perguntar se os princípios que dizem respeito ao perfil dos senadores, tais como
ter mais experiência política – pois na média são mais idosos – terem a
possibilidade de ser mais especializados por causa de mandatos mais longos,
além de ser uma casa mais estável em termos de previsibilidade de suas ações
devido à menor mudança de membros entre uma legislatura e outra, ocorrem de
fato para a situação concreta do Senado brasileiro, com o nível dos representantes
dos últimos anos.
quando este mau político se aventura em uma nova eleição, seja para o Senado
ou para outro cargo eletivo.
Talvez a solução alemã seja muito radical para o padrão brasileiro, mas o
ponto principal que deveria ser enfrentado numa possível reforma do Senado –
além das correções de rota em termos de transparência administrativa – é a
priorização da casa para decidir os temas eminentementes concernentes ao
arranjo federativo. Isso ajudaria a dar mais identidade à casa – inclusive para boa
parte da opinião pública que não tem clareza sobre suas funções – além de, mais
importante, fortalecer o sistema político brasileiro com uma instituição primária
para um melhor funcionamento dos mecanismos federativos do país.
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Notas:
(1) É curioso observar que existem alguns países com senados em nível
sub-nacional como os casos de, entre outros, oito das 24 províncias da Argentina,
dos Estados Unidos, em que apenas Nebraska é unicameral e cinco dos seis
estados da Austrália. Mais detalhes em Malamud e Constanzo (2003).
(4) Para além das votações nominais, a PEC antes tramita em comissões
especialmente criadas para analisá-las, seguindo as regras do Regimento Interno de
cada casa. Assim, na Câmara há a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania
(CCJC) e a Comissão Especial. E no Senado há apenas a CCJC.
(5) Estes estados são: Região Norte: Acre, Amapá, Rondônia, Roraima e
Tocantins. Região Nordeste: Sergipe, Rio Grande do Norte e Piauí. Região
Centro-Oeste: Distrito Federal, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
(www.ibge.gov.br, 2009).
(6) De fato, alguns países adotam uma escala de representação ferindo,
assim, o princípio mais consagrado de consociativismo federativo. Exemplos são
a Áustria, a Bélgica e a Índia. Já a Alemanha e o Canadá vão em sentido oposto,
pois alocam mais representantes para as unidades regionais menos populosas.
Detalhes em Lijphart, 2003, páginas 235 a 239.
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Referências bibliográficas:
Fonte