Tarnation, estreado comercialmente em 2003, é um filme da autoria de Jonathan
Caouette que se elabora, fundamentalmente, a partir de imagens de registo confessional captadas pelo cineasta durante a sua infância e adolescência. O vasto arquivo de imagens em movimento dessa etapa da vida de Caouette (as imagens foram recolhidas com o propósito de expressar e exorcizar inquietações e angústias acerca da sua vida familiar e descoberta da sexualidade) foi digitalizado, organizado e combinado com imagens novas, o que permitiu a sua transformação num filme para exibição nas salas de cinema para uma vasta audiência. Contemporaneamente, os filmes domésticos, como os que serviram de matéria- prima para a construção de Tarnation, inscrevem-se num cenário mais complexo de produção e divulgação. Bjørn Sørenssen, investigador de cinema e novos media, salienta que, embora as primeiras câmaras de vídeo analógicas para uso doméstico tivessem permitido a extensão da realização de filmes para além do domínio profissional, a fraca qualidade do registo produzido por esses equipamentos fez com que os filmes amadores permanecessem numa esfera íntima reservada a familiares e amigos do autor, continuando as empresas de cinema e televisão com o direito exclusivo à produção de imagens em movimento para a esfera pública. O autor diz também que, não obstante alguns programas de televisão terem contribuído para a diluição entre a esfera amadora e a profissional, exibindo os vídeos caseiros, isso ocorria de modo pontual e sem contaminações. A conversão dos sistemas de registo e edição analógicos em digitais e as novas possibilidades de distribuição criadas pelas plataformas da Web 2.0, foram os elementos que permitiram fundir a esfera privada com a esfera pública e criar uma nova tipologia fílmica com características e públicos específicos. Charlie bit my finger – again!, um filme com a duração de 56 segundos publicado pela primeira vez no YouTube em Maio de 2007, é o caso paradigmático desse novo tipo de filme, enquadrado na designação de filme viral. Este exemplo (que mostra um menino a ser mordido na mão pelo seu irmão mais novo e a reacção do primeiro) teve, até à data, mais de 303 milhões de visualizações que aumentam a cada segundo e que já o tornaram o filme mais visto de sempre do YouTube. Muitos outros filmes semelhantes circulam pelo ciberespaço, filmes que procuram relatar episódios quotidianos, que não têm preocupações com a observância de normas técnicas ou estéticas próprias da gramática fílmica, mas que geram grande entusiasmo por parte dos seus públicos (não planeados), tornando-se referências da cultura popular. Marta Pinho Alves