políticas de crédito voltadas para a agricultura familiar Jean Marc von der Weid*
ualquer agricultor manejo agrícola. Em suma, recursos
Q ecológico que te- nha tentado aces- de crédito disponíveis para fortale- cer a agricultura familiar apenas pas- sar o crédito nos primeiros anos de savam por ela, que funcionava como existência do Programa Nacional de ponte para o seu destino final: as Fortalecimento da Agricultura Fa- empresas agroindustriais. Durante miliar (Pronaf) vivenciou o mesmo muito tempo,o emprego dessa lógi- problema. Os métodos de manejo ca engendrou graves agressões ao agroecológico não eram reconheci- meio ambiente e agudos processos dos pelas instituições bancárias ofi- de endividamento das famílias pro- ciais e, portanto, não eram passíveis dutoras. de financiamento. Sob a alegação de reduzir os riscos das operações de cré- No início da década de 2000, organizações dito, sejam elas para investimento da agricultura familiar e entidades de assessoria atua- ou custeio, os bancos seguiam à ris- ram no sentido de influenciar as concepções do Pronaf. ca as recomendações dos protoco- Aceitas as proposições da sociedade civil, o Programa los técnicos desenvolvidos pelos passou a orientar as instituições bancárias a admiti- sistemas governamentais de pes- rem o financiamento de projetos técnicos baseados em quisa agrícola. Os recursos de cus- manejos agroecológicos. Na prática, entretanto, a teo- teio eram somente liberados caso se ria foi outra. destinassem à aquisição de pacotes Um caso exemplar dos obstáculos encontra- tecnológicos compostos por fertili- dos pelos agricultores familiares ecológicos e por aque- zantes solúveis, agrotóxicos e varie- les envolvidos em processos de transição agroecológica dades comerciais desenvolvidas pa- ocorreu em 2001, no município de Irati (PR). Dando ra responder ao emprego intensivo continuidade a um trabalho regional que mobilizava dos agroquímicos. Os financiamen- várias organizações da agricultura familiar no centro- tos para investimento eram destina- sul do Paraná, a Secretaria de Agricultura de Irati in- dos fundamentalmente à compra de centivou a apresentação massiva de projetos ao máquinas e equipamentos para o Pronaf por parte de famílias do município. Com um
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custo médio de mil reais, os projetos previam recursos para a aquisição de sementes de variedades crioulas e de espécies de adubação verde, para a compra de Experiências concretas demonstram insumos para a produção de biofertilizantes e caldas, que uma propriedade familiar para consertos de equipamentos de tração animal, entre manejada segundo os princípios da outros fins. A agência local do Banco do Brasil colo- agroecologia não demanda cou em dúvida os projetos técnicos, cobrando testes de germinação das sementes, análise dos adubos etc. financiamentos recorrentes de custeio. Embora as repostas técnicas solicitadas tenham sido Por sua própria natureza, um sistema dadas, foi preciso que a Secretaria ameaçasse com a agroecológico mantém elevado nível retirada da conta da prefeitura da agência para que os de auto-reprodução de seus projetos fossem financiados. Em 2003, a Articulação Nacional de Agroeco- insumos e de sua fertilidade. logia (ANA), representada pelo seu Grupo de Traba- lho sobre Financiamento da Produção, manteve con- tatos regulares com técnicos e dirigentes do Pronaf rença da natureza da demanda por crédito dos siste- visando facilitar o acesso dos agricultores ecológicos e, mas ecológicos em relação à dos sistemas convencio- sobretudo, daqueles em vias de transição agroecológica nais. Enquanto os primeiros se auto-regeneram pela aos recursos governamentais destinados ao custeio e ação dos fluxos naturais e pelo trabalho familiar, os ao investimento. Como resultado, foram criadas duas últimos só se reproduzem mediante o alto aporte anual modalidades de crédito inovadoras conhecidas como de insumos e energia externa. Pronaf Agroecologia e Pronaf Semi-Árido. Além dis- so, consolidaram-se normas que abrem a possibilidade Os custos dos investimentos iniciais para de emprego das modalidades de Pronaf pré-existentes estruturar propriedades que ingressam para o financiamento de projetos com o enfoque agro- numa trajetória de transição agroeco- ecológico. lógica não são altos. Para uma proprie- Ao longo das três safras seguintes, esses ins- dade de cinco hectares no centro-sul do trumentos foram postos à prova, obtendo resultados Paraná, esse valor correspondia, em bastante limitados. Poucos agricultores acessaram as 2003, à cerca de dois mil reais. Entre- novas modalidades do Pronaf, embora um número bas- tanto, como as famílias agricultoras da tante significativo tenha financiado insumos orgânicos região estavam de tal forma desca- pelos mecanismos mais conhecidos do programa. Qual pitalizadas, necessitavam recorrer a fi- terá sido a razão dessa baixa demanda? nanciamentos mais substantivos (da Experiências concretas demonstram que uma ordem de 18 mil reais) para estruturar propriedade familiar manejada segundo os princípios as unidades produtivas. De forma ge- da agroecologia não demanda financiamentos recor- ral, esse processo não estava relacio- rentes de custeio. Por sua própria natureza, um siste- nado diretamente à conversão dos sis- ma agroecológico mantém elevado nível de auto-re- temas técnicos, mas sim à provisão de produção de seus insumos e de sua fertilidade. Após equipamentos básicos para assegurar um investimento inicial para a estruturação dos siste- o bem-estar familiar. No semi-árido, a mas agroecológicos, os custos de produção anuais se necessidade de equipar as propriedades reduzem substancialmente e passam a ser assumidos com infra-estruturas hídricas acaba pelas próprias famílias. Por essa razão, as famílias eco- cobrando investimentos de maior por- logistas tornam-se bastante autônomas em relação aos te, que podem chegar, em alguns ca- mercados de insumos e totalmente independentes dos sos, a 20 mil reais para a estruturação agroquímicos. Esse fato demarca claramente a dife- de uma unidade de 20 a 30 hectares.
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ma apresentou procedimentos de trâmite burocrático inalcançáveis para as famílias e absolutamente inade- Para que esse tipo de financiamento quados para um projeto de transição agroecológica. A seja adequado às necessidades e lógica das planilhas elaboradas pelo Banco do Nordes- capacidades das famílias, bem como te para o monitoramento dos projetos revela o desco- aos ritmos de recuperação ambiental nhecimento do que seja planejar a transição agroeco- lógica a partir do emprego do enfoque sistêmico. Ade- dos agroecossistemas, deve ser mais, os prazos estabelecidos para a transição eram concebido com prazos mais extensos. muito pequenos para que os agricultores pudessem Deve simultaneamente permitir planos realizá-la sem correr grandes riscos. flexíveis de transição de forma que as Além dos problemas de concepção dos pro- gramas, a limitada demanda por essas novas modali- famílias possam fixar novas metas ano dades de crédito podem ser atribuídas a questões como a ano em função dos resultados que a falta de informação dos agricultores sobre essas opor- forem observando com a tunidades e a má vontade dos operadores do crédito evolução do sistema. para incorporar sistemas que desconhecem e que fo- gem às suas rotinas.
Apesar da criação desses mecanismos
Além disso, embora os valores máximos, as específicos de crédito para o favore- taxas de juros e os prazos de pagamento fossem rela- cimento da agroecologia, até o presen- tivamente razoáveis, alguns problemas inibiram o uso te foram as modalidades convencionais dessas modalidades inovadoras do Pronaf. Para ope- de financiamento as mais acionadas rar o Pronaf Agroecologia, por exemplo, os agricultores por agricultores em transição ou já in- que tencionavam o crédito foram obrigados a apresen- tar projetos de conversão das propriedades que tives- teiramente convertidos. Certamente, sem a duração de três anos. Nesses projetos, deveriam essa é uma estratégia importante en- estar claramente indicadas, ano a ano, as etapas de quanto não são implementados siste- substituição de práticas convencionais por práticas mas de crédito mais ajustados às espe- agroecológicas. Essa exigência colocou um obstáculo cificidades técnicas e metodológicas da insuperável às famílias na medida em que as obrigava agroecologia. Por outro lado, apresen- a projetar os processos de transição de suas proprie- ta o risco de limitar a transição agroeco- dades em ritmos acelerados, quando, em situações lógica a simples processos de substitui- normais, poderiam se estender por até oito anos, sem que se pudesse prever com exatidão os passos dados a ção de insumos. É nesse sentido que o cada ano. Para que esse tipo de financiamento seja aprimoramento dos mecanismos do adequado às necessidades e capacidades das famílias, Pronaf permanece como um desafio bem como aos ritmos de recuperação ambiental dos para as organizações da sociedade ci- agroecossistemas, deve ser concebido com prazos mais vil empenhadas no aumento de escala e extensos. Deve simultaneamente permitir planos flexí- na generalização dos sistemas agroeco- veis de transição de forma que as famílias possam fixar lógicos. novas metas anualmente em função dos resultados que forem observando com a evolução do sistema. * Jean Marc von der Weid: Agricultores do semi-árido encontraram li- economista, coordenador do Programa de mitações semelhantes para acessar a linha do Pronaf Políticas Públicas da AS-PTA Semi-Árido. Quando entrou em operação, o progra- aspta@aspta.org.br