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REVISÃO REVIEW 7

A atualidade dos acidentes de trânsito


na era da velocidade: uma visão geral

Car accidents in the age of speed:


an overview

Letícia Marín 1
Marcos S. Queiroz 2

1 Departamento Abstract This article focuses, in an interdisciplinary perspective, the studies about traffic acci-
de Medicina Preventiva
dents, in a national and international scale. It starts by analysing the great increase in produc-
e Social, Faculdade
de Ciências Médicas, tion and consumption of motor vehicules worldwide and the social transformations which this
Universidade Estadual fact produced. Particular attention is given to the degradation of the urban environment and
de Campinas.
the enormous social costs represented by traffic accidents. It follows with an epidemiological
Rua das Orquídeas 587,
Campinas, SP view on the victims of traffic accidents. The relationship between personality and traffic acci-
13087-370, Brasil. dents deserved special attencion, mainly in what it relates to the consumption of alcool and oth-
2 Departamento de
er chemical drugs, and other law breaking behaviour. The article concludes by emphasising the
Psicologia Médica
e Psiquiatria, Faculdade need of the State to implemment specif consistent public policies, in order to control the problem.
de Ciências Médicas, Key words Automobile Driving; Motor Vehicles; Traffic Accidents; Epidemiology
Centro de Memória,
Universidade Estadual
de Campinas.
Rua das Orquídeas 587, Resumo Este artigo focaliza, numa perspectiva interdisciplinar, os estudos sobre acidentes de
Campinas, SP
13087-370, Brasil.
trânsito em escala nacional e internacional. Ele começa analisando o aumento da produção e
msq44@uol.com.br consumo de veículos motorizados em todo o mundo e as transformações sociais que esse fato
acarretou. Atenção especial é dada à degradação do meio ambiente urbano e ao enorme custo
social representado pelos acidentes de trânsito. Em seguida, é apresentado um panorama epide-
miológico sobre as vítimas do trânsito. A relação entre personalidade e acidente de trânsito me-
receu atenção especial, principalmente no que se refere ao comportamento infrator e ao consu-
mo de bebidas alcoólicas e de outras drogas. O artigo conclui enfatizando a necessidade de o Es-
tado implementar políticas públicas específicas consistentes, a fim de se poder controlar o pro-
blema.
Palavras-chave Condução de Veículo; Veículos Automotres; Acidentes de Trânsito; Epidemiologia

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8 MARIN, L. & QUEIROZ, M. S.

Introdução gião Metropolitana de São Paulo, por exemplo,


o número de dias com índices inadequados de
Os estudos sobre acidentes de trânsito (AT) no concentração de poluentes já alcança cerca de
Brasil são escassos, as ações de prevenção e 10% do total.
controle estão apenas iniciando e pouco se co- Um outro aspecto a ser considerado refere-
nhece a respeito do comportamento do moto- se à perda de qualidade de vida, causada pela
rista e do pedestre, das condições de segurança impossibilidade de encontrar espaços destina-
das vias e veículos, da engenharia de tráfego, dos à convivência social diante da crescente
dos custos humanos e ambientais do uso de construção de espaços exclusivamente para os
veículos motorizados e das conseqüências veículos.
traumáticas resultantes dos AT. Este artigo pre- Em adição, no Brasil, nos últimos anos, em
tende dimensionar os trabalhos mais relevan- decorrência da estabilidade econômica, o vo-
tes sobre esse tema, em nível nacional e inter- lume de carros tem aumentado significativa-
nacional, visando contribuir para o desenvol- mente, situação esta compatível com um cres-
vimento dessa área de estudo. cimento de cerca de 20% no consumo de com-
Após a Segunda Guerra Mundial, o automó- bustíveis.
vel particular converte-se em fenômeno de Além de representar um grande problema
massa em todo o mundo. Ele torna-se artigo de de saúde pública, os AT implicam um custo
consumo e símbolo de status social, impulsio- anual de 1% a 2% do produto interno bruto pa-
nado pelo forte aparato de propaganda das ra os países menos desenvolvidos (Soderlund
economias capitalistas, que destacam a mobi- & Zwi, 1995). Numa estimativa conservadora, o
lidade individual e a prosperidade material Governo do Estado de São Paulo (1993) calcula
sem precedentes. A produção mundial anual que o custo social e material dos AT chega a
de automóveis cresceu de 11 para 53 milhões cerca de 1% do PIB nacional. Nos EUA, uma
entre 1950 e 1995 (Tapia-Granados, 1998). En- análise da Administração da Segurança no Trá-
tre 1970 e 1988, nos Estados Unidos da Améri- fego nas Estradas Nacionais concluiu que os
ca (EUA), o volume do tráfego aumentou de principais custos em decorrência de AT corres-
1,78 trilhões de km percorridos por veículos pondem a dano de propriedade (33%), perda
para 3,24 trilhões (Roberts, 1995). O aumento de produtividade no trabalho (29%), despesas
da frota de veículos tem sido mundial, mas, em médicas (10%) e perdas de produtividade no
geral, o sistema viário e o planejamento urba- lar (8%) (CDC, 1993).
no não acompanharam este crescimento. Além As deficiências físicas resultantes de AT tra-
da poluição sonora e atmosférica, o aumento zem graves prejuízos ao indivíduo (financeiros,
do tempo de percurso, os engarrafamentos, são familiares, de locomoção, profissionais etc.) e
responsáveis pela crescente agressividade dos para a sociedade (gastos hospitalares, diminui-
motoristas e pela decrescente qualidade de vi- ção de produção, custos previdenciários etc).
da em meio urbano (Tapia-Granados, 1998). As estimativas da Organização Pan-Americana
Juntamente com a incorporação do auto- de Saúde (OPS) apontam que 6% das deficiên-
móvel no cotidiano das comunidades, surge cias físicas são causadas por AT no mundo. No
um importante problema social, os AT. En- Brasil, do total de portadores de deficiências
quanto no mundo desenvolvido faz-se um es- atendidos pelo Hospital das Clínicas de São
forço considerável no sentido de controlá-lo, Paulo, 5,5% são casos de vítimas de AT (Gover-
nos países em desenvolvimento ele aparece co- no do Estado de São Paulo, 1993).
mo um problema cada vez maior. No caso do No Brasil, cerca de dois terços dos leitos
Brasil, o trânsito é considerado um dos piores hospitalares dos setores de ortopedia e trau-
e mais perigosos do mundo. Os índices de AT matologia são ocupados por vítimas de AT,
são altíssimos, com um para cada lote de 410 com média de internação de vinte dias, geran-
veículos em circulação. Na Suécia, a relação é do um custo médio de vinte mil dólares por fe-
de um AT para 21.400 veículos em trânsito rido grave (Pires et al., 1997). O Departamento
(DENATRAN, 1997). Nacional de Trânsito (DENATRAN) registrou,
Uma frota de veículos cada vez maior, cir- em 1994, mais de 22 mil mortes no trânsito no
culando no mundo inteiro, trouxe, além dos País e mais de 330 mil feridos. O custo anual es-
AT, um aumento significativo na poluição do timado ultrapassa três bilhões de dólares (Pires
ar, no índice de ruídos e na transformação de- et al., 1997).
gradante da paisagem urbana. O excesso de ga- Esses números expressam bem o drama so-
ses liberados pelos motores dos automóveis cial decorrente da motorização em sociedades
concorre decisivamente para uma proporção em desenvolvimento, como o Brasil, e a neces-
considerável das doenças respiratórias. Na Re- sidade premente de se trabalhar a questão da

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ACIDENTES DE TRÂNSITO 9

segurança no trânsito. Em âmbito mundial, es- nea, mas em 50% dos casos houve tendência
sa questão só passou a ser examinada com in- crescente nesse período, e algumas delas, es-
teresse correspondente à sua importância a pecialmente as que são pólos de migração,
partir da década de 50; no Brasil, porém, é ain- apresentaram um incremento de 100% ou su-
da mais recente, e está sendo implementada perior (Mello-Jorge & Latorre, 1994).
por meio de campanhas em nível federal, esta- A mortalidade por AT no Brasil tem flutua-
dual e municipal. A aprovação pelo Congresso do entre 16,1/100.000 em 1994 e 18,9/100.000
Nacional do novo Código de Trânsito em 1998 em 1994, sendo que algumas localidades apre-
é um começo promissor de mudança quanto a sentam taxas até duas vezes mais elevadas, co-
esses altíssimos números. Contudo, programas mo é o caso de Goiânia, Campo Grande, Vitó-
adicionais são imprescindíveis para criar uma ria, Curitiba, Florianópolis e Distrito Federal
nova cultura no trânsito e, nesse aspecto, so- (Mello-Jorge et al., 1997). O Brasil presenciou
mente os municípios maiores nas regiões mais no ano de 1997 um número superior a 38 mil
desenvolvidas têm encontrado condições de mortos e 460 mil feridos, num conjunto total
implementar tais programas. de 2,1 milhões de AT. De 1992 a 1996, houve um
acréscimo de 24% no número de mortes por AT
(DENATRAN, 1997), sendo o índice de fatalida-
Aspectos epidemiológicos de, pelo menos, duas vezes maior do que o en-
e econômicos contrado em países desenvolvidos. Exemplo
disso é o índice de 8,8 mortes encontrado no
Mortalidade no Trânsito Japão, que vem apresentando redução de ano
para ano, enquanto no Brasil tem ocorrido exa-
O aumento da mortalidade por AT, bem como tamente o inverso.
a gravidade das lesões que os mesmos causam, Reichenheim & Werneck (1994), ao analisar
começaram a ser destacados pelos pesquisa- os grandes grupos de causa de óbitos no Muni-
dores de países desenvolvidos a partir da déca- cípio e no Estado do Rio de Janeiro em 1990,
da de 60. A Organização Mundial da Saúde observaram que as causas externas são o prin-
(OMS) observa que o índice de mortalidade en- cipal motivo de mortalidade precoce, predomi-
tre pedestres com mais de 14 anos de idade di- nantemente entre representantes do sexo mas-
minui, aumentando significativamente entre culino. Como causa isolada, os AT foram res-
motoristas e ocupantes de veículos, principal- ponsáveis por 7,6% das mortes precoces no Es-
mente após os 17 anos de idade (WHO, 1976). tado e por 8,3% no Município do Rio de Janei-
No Brasil, Mello-Jorge & Latorre (1994), consi- ro. Enquanto isso, na cidade de São Paulo, os
derando apenas as áreas geográficas de melhor AT representam a quinta causa de morte pre-
qualidade de informação, observaram que os matura (PMSP, 1992).
atropelamentos ocupam entre 50% e 85% das Em Recife, em 1991, Lima & Ximenes (1998)
mortes por AT. No Rio de Janeiro, Klein (1994) descreveram maior mortalidade por AT no es-
verificou que os atropelamentos, em 1990, re- trato de condição de vida mais elevado e maior
presentaram 55% dos óbitos por AT no grupo de acometimento da população de cinqüenta
20 a 39 anos, e 86% no dos maiores de 65 anos. anos e mais.
Yunes & Rajs (1994), estudando a mortali-
dade por causas violentas nas Américas, obser- Morbidade e incapacidade
vam que, embora a mortalidade proporcional
por AT neste grupo de mortes tenha apresenta- Quanto às estatísticas de morbidade, a subno-
do tendência decrescente, ainda constitui um tificação é bastante relevante, uma vez que só
problema grave no Brasil, Canadá, EUA e Vene- são incluídos os AT que chegam ao conheci-
zuela. Nos EUA, 72% de todas as mortes de mento da polícia. Nos EUA, em 1990, aproxima-
adolescentes e adultos jovens são causadas por damente 22% dos 5,4 milhões de pessoas envol-
violências, que incluem AT, outras lesões não vidas em acidentes de trânsito não fatais não fi-
intencionais, homicídios e suicídios (CDC, zeram ocorrência policial (CDC, 1993). A defi-
1995). No Brasil, o coeficiente de mortalidade ciência de dados sobre os AT constitui um obs-
por acidentes de trânsito, em 1994, era de 18,9 táculo importante para o desenvolvimento dos
(por cem mil habitantes), sendo superior ao programas de segurança no trânsito, já que pre-
dos EUA (18,4), da França (16,5), da Argentina judica a configuração e a análise do problema.
(9,1), entre outros. Em números absolutos, os Soderlund & Zwi (1995) analisaram dados
óbitos por AT aumentaram de 17.795, em 1977, relativos às mortes por AT em 83 países duran-
para 29.014, em 1994. A situação epidemiológi- te o ano de 1990 e observaram que, quanto
ca das diversas capitais brasileiras é heterogê- maior o Produto Nacional Bruto (PNB) per ca-

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pita, maior é o orçamento destinado ao atendi- Sexo e idade


mento de saúde e menores são as taxas de leta-
lidade entre as vítimas de AT. Havendo melhor Em 73,1% dos casos, os principais envolvidos
qualidade de tratamento, haverá maior proba- em AT são pessoas do sexo masculino. Os jo-
bilidade de sobrevida (WHO, 1976). vens são as principais vítimas, e a faixa etária
Embora a OMS recomende que se incluam que contém um número mais significativo des-
nas estatísticas as mortes em decorrência de tas, com 24,32% do total, é a que vai dos 15 aos
AT ocorridas após trinta dias do acidente, al- 24 anos (DENATRAN, 1997). Klein (1994) mos-
guns países só consideram os óbitos até o séti- tra o predomínio masculino de mortes no trân-
mo dia (OMS, 1984). Em descompasso com a sito, em especial no grupo de 20 a 64 anos, que
orientação da OMS, a Associação Brasileira de atinge cinco vezes mais homens do que mulhe-
Normas Técnicas (ABNT) recomenda que a res. No período de 1977 a 1989, a tendência
morte seja registrada até três dias após o aci- média da mortalidade por AT foi de leve ascen-
dente (Clark, 1995). Sendo assim, no Brasil, são, quase exclusivamente em razão do au-
muitas das vítimas de AT vão a óbito sem que mento das mortes de vítimas do sexo masculi-
este seja registrado como conseqüência de AT. no (em todas as faixas etárias), exceto no Rio
Há que se considerar ainda que muitos dos de Janeiro, onde o sexo feminino também
acidentados admitidos em hospitais não são apresentou tendência crescente (Mello-Jorge &
identificados como vítimas de AT, mas como de Latorre, 1994).
acidentes em geral. Esses motivos explicam Murray & Lopez (1996), ao analisarem a
por que o registro oficial de mortos no trânsito, mortalidade no sexo masculino, utilizando o
especialmente no caso de países em desenvol- cálculo de anos potenciais de vida perdidos
vimento como o Brasil, não aponta um núme- (APVP), observaram que os AT constituem a se-
ro real (Braga & Santos, 1995). De acordo com gunda causa de morte precoce no mundo todo.
Clark (1995), no caso brasileiro, o sub-registro Em alguns países, os óbitos por AT entre ho-
é bastante elevado, variando de 35% a 100%, mens de 15 a 24 anos representam metade ou
conforme a região do País. mais das mortes por todas as causas, havendo
O número de incapacitados por AT tem au- uma diminuição após os 25 anos de idade
mentado significativamente. Entre as explica- (WHO, 1976).
ções para esse fenômeno observa-se: a) maior Na França, o inquérito Baromètre Santé,
número de AT entre jovens que apresentam realizado em novembro de 1992, que incluiu
melhores condições de saúde para sobreviver 315 jovens entre 18 e 24 anos, menciona que,
aos acidentes graves; b) maior velocidade dos entre estes, os AT são o problema de saúde
veículos; c) aumento do número de veículos mais importante (69,3%). Três de cada quatro
pesados; d) avanços nas técnicas médicas de mortes na faixa de 15 a 19 anos são causadas
ressuscitamento. por AT, e, embora corresponda a 10,5% da po-
Um levantamento no Reino Unido, com ba- pulação, essa faixa etária contém 25% das víti-
se em 4.342 internações no Hospital de Aciden- mas dos acidentes de trânsito. Ainda em 1992,
tados de Birmingham, em 1961, observou que na faixa de 18 a 24 anos, as estatísticas de AT
mais da metade das incapacidades atingiam apontavam: 2.315 mortes, 11.997 ferimentos
menores de trinta anos; perto de um terço des- graves e 40.809 ferimentos leves (Baudier et al.
tas foi grave e metade, moderada, tendo como 1994).
vítimas 25% de motociclistas, 21% de pedes- Nos EUA, os jovens também são as maiores
tres, 21% de ocupantes de veículos e 11% de ci- vítimas no trânsito. Segundo estatísticas de
clistas (WHO, 1976). No Brasil, em 1988, Cam- 1983, 50% dos motoristas envolvidos em aci-
pos-da-Paz et al. (1992) identificaram, em 36 dentes fatais pertenciam à faixa de 16 a 29 anos
hospitais públicos, 108 pacientes (81% do sexo ( Williams & Carsten, 1989). Hakkinen (1976,
masculino) com lesão medular por trauma, apud Kaiser, 1979), por sua vez, observou que,
sendo 42% dos casos decorrentes de AT. em todas as faixas etárias, a freqüência de aci-
A Organização Pan-Americana da Saúde dentes é uma vez e meia maior nos três primei-
(OPS, 1994) estima que a cada adolescente que ros anos em que o motorista adquire sua car-
morre por AT, entre 10 a 15 apresentam seqüe- teira (licença) para dirigir, do que nos anos
las graves, e 30 a 40 sofrem ferimentos graves, subseqüentes. Uma vez que juventude, pouca
devendo utilizar serviços de emergência e/ou prática na condução de veículos e falta de
reabilitação. adaptação geral no trânsito estão fortemente
associadas ao maior risco de AT (Kaiser, 1979),
o grupo etário mais atingido é o de jovens, ten-
do em vista o fato de que é nessa fase que con-

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ACIDENTES DE TRÂNSITO 11

seguem a licença (Carteira de Motorista) e, de Transportes, Segurança de Trânsito e Saúde,


concomitantemente, têm menor experiência promovida pela OMS, em Washington, de cada
para dirigir. cem pessoas mortas em AT no mundo, setenta
Yunes & Rajs (1994) mostram que, nas Amé- são habitantes de países subdesenvolvidos e 66
ricas, entre 1984 e 1994, houve um aumento são pedestres. Entre estes últimos, cerca de um
dos coeficientes de mortalidade, especialmen- terço são crianças (Lundebye, 1997). O estudo
te nas faixas de 15 a 19 e de 20 a 29 anos, tanto revela ainda que, das cerca de meio milhão de
em homens, como em mulheres, embora nos vidas perdidas anualmente em AT em todo o
homens o maior coeficiente seja noventa e nas mundo, os países pobres são responsáveis por
mulheres inferior a seis (por cem mil habitan- 350 mil mortes no trânsito.
tes). Entre 1970 e 1985, a mortalidade propor- Alfaro-Alvarez & Díaz-Coller (1977) analisa-
cional por violências e acidentes, no Município ram dados secundários de 28 países das Amé-
de São Paulo, variou de 8,9% para 13,0% para ricas e, ao comparar os anos de 1969 e 1975,
ambos os sexos; de 12,6% para 18,5% para os observaram uma tendência crescente da mor-
homens e de 4,3% para 5,2% para as mulheres. talidade por AT, diretamente proporcional ao
O índice de sobremortalidade masculina man- número de veículos registrados. Os AT relacio-
teve-se constante em 3,3. Os óbitos por causas nam-se com o volume de carros circulantes, e,
violentas ocupavam, em 1985, o segundo lugar nos países menos desenvolvidos, com baixo ín-
na estrutura das principais causas de mortali- dice de veículos, as vítimas de AT são preferen-
dade masculina, sendo especialmente fre- cialmente os pedestres. Nos países de maior
qüentes entre os jovens de 15 a 29 anos (Paglia- desenvolvimento, com elevado índice de veí-
ro, 1992). culos, as vítimas são os motoristas. Na América
Anteriormente, um grupo de pesquisas do Sul, os atropelamentos fatais respondem
(OECD Research Group), com base no estudo por mais da metade das mortes ocorridas no
do Comitê Europeu de Saúde Pública, obser- trânsito. Já nas nações ricas, as vítimas mais
vou que a proporção de sexos entre os aciden- comuns em AT são os ocupantes dos carros.
tados no trânsito era de 4,5 homens por cada Nos EUA, por exemplo, atingem 80% de moto-
mulher, e que a maior freqüência era entre 17 e ristas e 20% de passageiros (Lundebye, 1997).
22 anos (WHO, 1976). Portanto, nos países pobres, é preciso investir
na proteção e educação tanto do pedestre, co-
Desenvolvimento econômico mo do motorista.
Sendo assim, nesse contexto, o grande foco
De acordo com informe da OMS (1984) a res- de atenção dos governos deve ser o trânsito nas
peito de uma análise feita com o objetivo de cidades, visto que dois terços dos AT que cau-
avaliar o desempenho de diversos países quan- sam ferimentos ocorrem em áreas urbanas.
to à segurança no trânsito, tem-se que:
1) os países industrializados (que já imple- A qualidade de informação
mentaram várias medidas para conter a violên-
cia no trânsito, principalmente a partir da se- Mello-Jorge & Latorre (1994) apontam a dificul-
gunda metade da década de 70) têm consegui- dade para estudar os AT por tipo de causa, vis-
do estabilizar o problema, mas os custos têm to que, em geral, o diagnóstico de causa básica
sido crescentes; é de natureza não especificada. Entre 1977 e
2) nos países em um nível intermediário de 1987, mais de 70% dos AT no Brasil estavam
desenvolvimento, os AT estão entre as princi- nessa categoria. Esses autores destacam a ne-
pais causas de mortalidade, principalmente cessidade de melhoria da qualidade da infor-
entre jovens. Nesses países, os custos com pro- mação em nível dos Institutos Médico-Legais,
blemas decorrentes de AT representam cerca uma vez que, na maioria dos casos, tais institu-
de 1% do Produto Nacional Bruto (PNB); tos dispõem de cópia do Boletim de Ocorrên-
3) em último lugar, os países em desenvol- cia Policial, onde constam as circunstâncias do
vimento, apesar das preocupações com os pro- acidente de trânsito, as quais são fundamen-
blemas gerados pelos acidentes de trânsito, tais para especificar a causa básica de morte.
não conseguem implantar políticas ou progra- Entre 1984 e 1989, a Organização Pan-
mas destinados à diminuição da mortalidade Americana da Saúde organizou, em países da
ou dos custos dos problemas decorrentes dos América Latina, quatro seminários interinsti-
AT, os quais representam até 2% do PNB (So- tucionais sobre o estudo epidemiológico dos
derlund & Zwi, 1995). AT, quando se reconheceu, unanimemente, a
De acordo com estudo recente do Banco necessidade de criar ou aperfeiçoar sistemas
Mundial, apresentado na 3a Conferência Anual de informação para o monitoramento dos AT

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(Bangdiwala et al., 1991). Nesse sentido, o arti- Sobre a vulnerabilidade do adolescente e


go de Waldman & Mello-Jorge (1999) apresenta sua busca da identidade adulta, cabe lembrar
uma sistematização dos conceitos e aspectos os trabalhos de Erik Erikson (Erikson, 1972) e,
operacionais fundamentais para um eficiente entre nós, sul-americanos, os de Knobel (1980).
sistema de vigilância das violências, incluindo Um estudo de Manstead et al. (1991, apud Par-
os AT. ker et al., 1995) com adolescentes e jovens ob-
servou que estes não apresentam falta de habi-
lidades nas tarefas de direção simulada, mas
Personalidade e AT suas respostas a um questionário nem sempre
mostraram atitudes e opiniões compatíveis
Vários estudos revelam conexão significativa com uma direção segura.
entre personalidade e risco de AT. Uma pesqui- Quimby et al. (1986, apud West et al., 1993a)
sa na Austrália, por exemplo, comparou cem comentam que os estudos não têm conseguido
indivíduos culpados de acidentes graves com demonstrar relações consistentes entre o de-
cem controles pareados. Os casos apresenta- sempenho psicomotor e a tendência para so-
ram maior freqüência de sintomas psiquiátri- frer acidentes, o que tem levado a uma concep-
cos menores, como ansiedade, impulsividade e ção de que o estilo de conduzir pode ser mais
falta de consciência social. Referiram, também, importante que as habilidades psicomotoras.
com maior freqüência, eventos de vida desfa- As ocorrências de AT concentram-se em
voráveis nas quatro semanas prévias ao aci- um grupo pequeno dos condutores. Pesquisa
dente (WHO, 1976). na Alemanha observou que 9% dos condutores
Tem sido observada ainda uma associação eram responsáveis por 40% dos acidentes (Kai-
significativa entre criminalidade e envolvimen- ser, 1979). Meyer & Jacobi (1961, apud Midden-
to em AT. Pesquisa de Haviland & Wiseman dorf, 1976), em levantamento de 145.000 atas
(Haviland & Wiseman 1974, apud West et al., de companhias seguradoras, observaram que:
1993b) observou que 114 criminosos apresen- a) os acidentes do trânsito se qualificam co-
tavam 5,5 vezes maior envolvimento em AT mo infrações culposas ou premeditadas contra
com danos materiais ou lesionados e 19,5 ve- os regulamentos de trânsito mais simples e, em
zes maior envolvimento em AT fatais. A classi- geral, acontecem em circunstâncias cotidianas
ficação de transtornos mentais do Manual de trânsito. Parte dessas infrações levam, ine-
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Men- vitavelmente, a acidentes;
tais (DSM-IV, 1995) inclui o “dirigir impruden- b) as motivações internas de erro humano
te” na categoria de desordens de personalidade observadas são: dificuldades ou falta de dispo-
anti-sociais, considerando-o como um sinal sição para a obediência às normas jurídicas do
indicativo desta classe de desordens, junta- trânsito.
mente com a falta de sentimento de culpa, o A freqüência relativa de AT com relação ao
não-pagamento de dívidas e o comportamento total de portadores de carteira de motorista vai
criminal (West et al., 1993b). diminuindo com o aumento da idade: na Ale-
McGuire (1972, apud West et al., 1993b) es- manha, observaram-se 10% de acidentes gra-
tudou 2.727 solicitantes de carteira de motoris- ves na faixa etária de 19 e 20 anos, mas esta ci-
ta através de testes e questionários e levantou fra caiu para 4% no grupo de pessoas entre 25 e
a incidência de acidentes nos dois anos subse- 34 anos, que constituem a maioria dos moto-
qüentes. Observou que o envolvimento em aci- ristas (Kaiser, 1979). Os adolescentes apresen-
dentes associava-se com sentimentos de hosti- taram maior freqüência de infração por dirigi-
lidade, agressividade e antecedentes de confli- rem de forma temerária, por estarem entedia-
tos familiares. dos, com desejo de aventura ou com vontade
Evans et al. (1987, apud West et al., 1993b), de se destacar (Middendorf, 1976).
em estudo com motoristas de ônibus na Índia Como foi observado na Conferência de Ro-
e nos EUA, encontraram que os de comporta- ma (OMS, 1984), o comportamento do moto-
mento hiperativo, agitado e nervoso (conven- rista é o principal fator responsável por AT
cionalmente denominados de tipo A), em am- (observação de sinais, velocidade e decisões
bos países, apresentavam taxas de acidente no momento de ultrapassar outro carro ou de
mais elevadas que os de comportamento pas- cruzar uma rua). Concluiu-se, nesse evento,
sivo, controlado e calmo (convencionalmente que é necessário um conhecimento maior das
denominados de tipo B). Na Índia, também foi culturas e das condições de vida locais para
observado que os motoristas de personalidade que as atitudes dos motoristas possam ser com-
tipo A brecavam, ultrapassavam e tocavam a preendidas, aproveitando esse conhecimento
buzina com maior freqüência. em programas de capacitação, reabilitação e

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ACIDENTES DE TRÂNSITO 13

educação, que promovam um comportamento mento; 2) erros de julgamento ou observação


mais adequado. potencialmente perigosos para outros; 3) trans-
gressões, contravenções intencionais às práti-
Agressividade e transgressão cas de seguridade no trânsito. A pesquisa con-
cluiu que os homens, em maior freqüência que
Vários estudos verificam uma forte conexão as mulheres, referiram elevado número de er-
entre agressividade e trânsito, principalmente ros. As mulheres relataram mais lapsos, em as-
entre a população jovem e adolescente. Para sociação à percepção de si como más motoris-
Denker (1966, apud Middendorf, 1976), a frus- tas. Quanto às transgressões, estas se associa-
tração provoca diferentes reações, sendo a ram à juventude, ao sexo masculino, à auto-
agressividade uma delas. Desejo de segurança, qualificação como bom motorista (acima da
novas experiências, compreensão, reconheci- média) e à elevada quilometragem anual.
mento e justiça, quando não satisfeitos, po- Blockey & Hartley (1995) realizaram um es-
dem, no adolescente, levar à frustração que, tudo com 67 homens e 74 mulheres, cuja análi-
por sua vez, pode levá-lo a comportamentos se fatorial destaca três fatores: erros gerais, er-
anti-sociais. ros perigosos e transgressões perigosas. Os
No adulto, persistem, em forma residual, condutores jovens cometeram erros e trans-
aspirações primitivas de poder. Em alguns in- gressões perigosos com maior freqüência. Os
divíduos, características infantis os fazem pro- homens referiram maior freqüência de trans-
curar por um instrumento que lhes permita gressões perigosas, enquanto os condutores
multiplicar suas possibilidades físicas. O carro, com exposição à estrada e aqueles que tinham
nesse sentido, representa um prolongamento sido detidos por alta velocidade relataram
do corpo do motorista e se torna parte inte- maior freqüência de transgressões perigosas.
grante de seu narcisismo (Raix et al., 1982). West et al. (1993b) estudaram, mediante
Para Hess & Haeberli (1967, apud Midden- aplicação de questionário, o “desvio social le-
dorf, 1976), a agressão e a tendência à procura ve”, caracterizado por comportamentos que
por riscos estão estreitamente associadas. Em predispõem o indivíduo a AT. O desvio social
tempos primitivos, o enfrentamento de situa- (em que os homens tiveram pontuação mais
ções de risco constituía, freqüentemente, uma elevada do que as mulheres) teve correlação
questão de sobrevivência. Hoje, o homem pro- positiva com o índice de acidentes, indepen-
cura riscos artificiais para seu prazer no tempo dentemente de idade, sexo, e quilometragem
livre, entre eles, o mais facilmente disponível, anual. O desvio social apresentou uma associa-
o veículo. ção negativa com meticulosidade e positiva
A transgressão é uma infração intencional com velocidade e comportamento indevido na
do socialmente aceito e regulado. Para Mans- direção. O comportamento tipo A associou-se
tead et al. (1991, apud Blockey & Hartley, 1995), positivamente com velocidade na direção, mas
as transgressões são reflexo de que o condutor não houve evidência de associação com maior
acredita que suas atitudes e comportamentos risco de acidente.
estão certos. Assim, a identificação da natureza Há várias explicações do porquê de indiví-
de tais atitudes e crenças é fundamental para o duos com comportamento desviante dirigirem
planejamento, educação e prevenção delas, mais rápido e, conseqüentemente, causarem
precisando haver mudanças de atitudes, cren- mais acidentes. O desvio social pode ser moti-
ças, normas e, ao mesmo tempo, a divulgação vado por uma ênfase indevida nas necessida-
adequada da cultura de segurança (Reason, des imediatas, sem qualquer consideração às
1990, apud Parker et al., 1995). conseqüências futuras para si ou para outros.
As transgressões no trânsito são um fenô- Uma outra explicação é que exceder os limites
meno social e devem ser analisadas no contex- de velocidade significa desafiar a lei e, para os
to organizacional e social mais amplo. Atual- indivíduos com desvio social mais elevado, es-
mente, os comportamentos não ajustados de se comportamento representa uma forma de
autodestruição, como o alcoolismo e a droga- auto-afirmação compensatória.
dicção, apresentam-se com maior freqüência.
Nessa circunstância, o carro pode se constituir Tomada de decisão
num instrumento de escapismo e num meio de
violência (Baudier et al., 1994). Kaiser (1979) dá importância especial à toma-
Parker et al. (1995) realizaram pesquisa da de decisão no trânsito, a qual sofre interven-
com 1.600 motoristas e identificaram três tipo- ção de percepção, juízos, motivações e outras
logias de comportamentos aberrantes ao diri- atividades psíquicas. As situações de trânsito
gir: 1) lapsos ou comportamentos de esqueci- obrigam o indivíduo a tomar decisões em fra-

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14 MARIN, L. & QUEIROZ, M. S.

ções de segundos, dentro de uma multiplicida- Velocidade, medidas de segurança


de de impressões do mundo circundante, e en- e prevenção de AT
caixá-las no mosaico das situações momentâ-
neas. Desse modo, pode-se tomar uma decisão Velocidade
inadequada em razão de uma perturbação
transitória, como nos casos de fadiga, estresse, A velocidade que o carro permite atingir ofere-
sobrecarga emotiva ou embriaguez. ce ao condutor a oportunidade de experimen-
French et al. (1993) observam que os fato- tar sentimentos de grandeza e fantasia de oni-
res prognósticos de envolvimento em AT (con- potência; além disso, música no carro favorece
siderando a quilometragem anual) incluem a sensação de isolamento e, assim, aumenta a
idade, experiência, habilidade para observar sensação de grande independência. Autores
rapidamente situações de risco e tendência a que se preocupam com uma abordagem psica-
correr riscos. Acreditam que o envolvimento nalítica do problema têm apontado a vulnera-
em acidente pode ter mais relação com o mo- bilidade de adolescentes e adultos com perso-
do como as pessoas fazem julgamentos e to- nalidade imatura na condução perigosa de veí-
mam decisões, do que com sua habilidade pa- culos motorizados. O carro constitui uma com-
ra controlar o carro. Exemplos de tomadas de pensação para o ego angustiado e apático e
decisão no trânsito incluem a ultrapassagem, a torna-se uma segunda pele do indivíduo. Nes-
mudança de pista, estacionar o veículo numa se sentido, o automóvel passa a exercer a fun-
brecha de tamanho determinado, entre outras. ção de separar o motorista de seus semelhan-
Uma forma importante de abordar o estu- tes, que são visualizados exclusivamente como
do da tomada de decisão está relacionada aos oponentes (Hilgers, 1993).
aspectos sociológico/antropológico (em que se Um outro aspecto importante de se obser-
enfatiza o exame de crenças e valores do moto- var é a influência da publicidade sobre o com-
rista) e psicológico (em que se enfatiza carac- portamento e formação de valores. Ainda se-
terísticas da personalidade baseadas numa gundo a OMS ( WHO, 1976), freqüentemente
certa tipologia). Neste último caso, segundo o veiculam-se anúncios que associam carros ve-
modelo de Career (1992, apud French et al., lozes e altas velocidades com virilidade. Esses
1993), os indivíduos classificam-se em três ti- anúncios podem ter grande influência no gru-
pos: racionais, intuitivos e dependentes. A to- po de risco de jovens motoristas, em razão da
mada de decisão racional caracteriza-se por vulnerabilidade destes, determinada pela pró-
destacar a informação relevante, observar cui- pria condição de transformação da personali-
dadosamente as conseqüências futuras e atuar dade. Erros no julgamento de distância ou de
de forma intencional e lógica. A intuitiva mos- tempo e fatos inesperados, como buracos ou
tra pequena antecipação às conseqüências fu- chão escorregadio, convertem-se em acidentes
turas, ou pequena procura sistemática de in- por causa do excesso de velocidade.
formação. A dependente tem como caracterís- A correlação positiva entre velocidade e
tica não se mostrar responsável por suas deci- maior risco de AT já foi verificada por várias
sões, que são tomadas em virtude da aprova- pesquisas (French et al., 1993). Quanto ao ex-
ção social. cesso de velocidade, Hilgers (1993) observa
O estudo de French et al. (1993) concluiu que a falta de fiscalização nas estradas denota
que condutores que apresentaram um grau um descaso das autoridades em relação ao pe-
menor de meticulosidade em tomadas de deci- rigo dos AT. A negação do perigo inerente ao
são mostraram um risco maior de AT e esta as- carro também se manifesta na ausência de po-
sociação esteve mediada pela maior velocida- líticas de transporte adequadas. Em 1989, nas
de na direção. Os jovens até trinta anos apre- estradas alemãs, existiam seiscentos pontos de
sentaram um índice mais elevado de falta de controle de velocidade, o que representava um
meticulosidade. Dessa forma, os autores acre- a cada 30.000 km e, assim, a probabilidade de
ditam que a baixa meticulosidade é reflexo de detectar infratores era irrisória.
um traço mais geral de impaciência, que pode O Inquérito Europeu de Saúde e Compor-
conduzir as pessoas a dirigir com maior veloci- tamento, realizado no Reino Unido, revelou
dade. que 17% dos homens poucas vezes respeitam
o limite de velocidade e que a freqüência de
mulheres nesta faixa foi significativamente
menor (2,3%) ( Wardle & Steptoe, 1991). A
crença de que dirigir dentro do limite de velo-
cidade é importante para a saúde é pouco di-
fundida, sendo apenas relatada por 7,9% das

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ACIDENTES DE TRÂNSITO 15

mulheres e 6,7% dos homens ( Wardle & Step- das lesões de AT tem sido associada a um con-
toe, 1991). junto de políticas públicas que têm como base
Em estudo na Nova Zelândia, com 217 mo- avanços científicos em que se destacam: pro-
tociclistas de 18 anos, observou-se que mais de gramas de informação pública; promoção de
22% tinham sido multados, principalmente mudanças comportamentais; mudanças na le-
por alta velocidade. Embora 46% da amostra gislação e avanços de engenharia e tecnologia
fossem portadores da carteira de habilitação relacionadas com o trânsito. Essas estratégias
especial para jovens, a maioria referia ter viola- têm tido como resultado veículos mais seguros,
do as restrições impostas por esta (Reeder et modificações de práticas de direção (diminui-
al., 1996). ção da freqüência de condutores alcoolizados
West et al. (1993a) aplicaram um questioná- e aumento do uso de cinto de segurança) e am-
rio sobre estilo de direção a 48 condutores, os biente de estrada mais seguros, bem como me-
quais foram também observados (sem que lhoria nos serviços médicos de emergência. Tem
soubessem) em uma rota pré-definida em se- sido fundamental nesse sentido a incorpora-
tor urbano e de estrada. A velocidade determi- ção de sistemas nacionais de coleta de infor-
nada por observadores na estrada correlacio- mação para o monitoramento rotineiro dos aci-
nou-se bem com a velocidade habitual de dire- dentes fatais, a identificação de fatores de risco
ção referida pelo condutor. Esse estudo utili- modificáveis, a elaboração e implementação
zou uma regressão logística múltipla, conside- de medidas preventivas e a avaliação da efeti-
rando, como variável dependente, o antece- vidade destas. Para Winston et al. (1996), esses
dente de envolvimento em acidente. A veloci- avanços aconteceram nos últimos trinta anos,
dade observada na estrada, independentemen- mas ainda há lacunas de conhecimento que li-
te das outras variáveis, esteve significativa- mitam a efetividade da prevenção.
mente associada com envolvimento em aci- O Inquérito Europeu sobre Saúde e Com-
dente. portamento foi realizado com estudantes uni-
versitários de carreiras não médicas (duzentos
Medidas de segurança e prevenção homens e duzentas mulheres de 18 a 30 anos)
de vinte centros participantes. O estudo revela
As crenças relacionadas à manutenção da saú- que as mulheres referem dirigir dentro do limi-
de são importantes em si mesmas como um fa- te de velocidade regulamentar. A análise das
tor que determina comportamentos de saúde. crenças sobre diferentes atividades importan-
Dentre estes, de importância na prevenção de tes para a manutenção da saúde mostra que o
AT, podemos citar o hábito de não ingerir bebi- não beber e dirigir e o uso de preservativo se-
das alcoólicas ao dirigir e o uso de cinto de se- xual são os mais importantes dentre os 25 itens
gurança. Crenças sobre a importância de hábi- estudados. No entanto, há discrepâncias im-
tos de saúde não só influenciam comporta- portantes entre comportamentos e a força das
mentos, mas também são importantes nas ati- crenças. Por exemplo, mesmo os que admitem
tudes em relação à legislação, bem como nas dirigir sob efeito do álcool acreditam ser im-
decisões de políticas sociais e nos programas portante não dirigir após beber. A influência
de promoção de estilo de vida saudável. que o conhecimento sobre a saúde tem no esti-
Os comportamentos inadequados no trân- lo de vida pode ser afetada, ainda, pelo contex-
sito parecem constituir uma categoria difícil de to social e por variáveis de ordem cultural
ser mudada, mas, segundo Parker et al. (1995), (Wardle & Steptoe, 1991).
o Reino Unido é exemplo de que é possível con- O uso de cinto de segurança é um compor-
seguir grandes conquistas no comportamento tamento indicativo de interesse na segurança
relacionado a beber e dirigir. De acordo com os pessoal. Evans & Bloomfield-Hills (1996) desta-
autores, esse exemplo serve para mostrar que cam a importância dos meios de proteção, co-
tal objetivo requer muito esforço, tempo e di- mo o cinto de segurança ou air bags, radicais
nheiro, mas que se pode mudar esse tipo de na diminuição da letalidade dos acidentes viti-
atitude. mando ocupantes de veículos, mas afirmam
Nos EUA, o CDC – Centers for Disease Con- que tais meios não têm qualquer impacto na
trol (CDC, 1994) comenta que, desde 1966, prevenção dos AT relacionados com pedestres
quando o Governo Federal estabeleceu que a ou ciclistas.
segurança nas rodovias era uma prioridade na- Um inquérito realizado no Reino Unido
cional, o número anual de mortes por AT dimi- por Wardle & Steptoe (1991) observou que o
nuiu em 21%, embora o número anual de qui- uso do cinto de segurança está amplamente
lômetros percorridos por veículos tenha au- difundido, tanto entre homens, como entre
mentado em 114%. A redução da freqüência mulheres (86,7% e 89,5%, respectivamente),

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embora a crença sobre a importância dessa Consumo de medicamentos


ação para a saúde seja pouco freqüente (8,8%). e drogas ilícitas
Nos EUA, os resultados do Sistema de Vigilân-
cia de Comportamento de Risco dos Jovens Outro fator preocupante relaciona-se ao uso de
( YRBSS), em 1993, sugerem que muitos estu- drogas, porém estudos sobre a influência des-
dantes apresentam comportamentos que au- tas tornam-se pouco viáveis, pela dificuldade
mentam seu risco de morte por AT: 19,1% nun- de demonstrar sua presença, já que o nível de
ca ou quase nunca usam cinto de segurança, e metabólitos não se correlaciona com seu efeito
35,3% referem ter andado de carro com con- na capacidade para dirigir. No entanto, tem-se
dutor alcoolizado nos trinta dias prévios ao in- observado que os motoristas que utilizam esti-
quérito (CDC, 1995). mulantes (anfetaminas) apresentam um risco
No que diz respeito a programas de preven- aumentado de AT ( WHO, 1976). Skegg et al.
ção de AT no Brasil, destaca-se o trabalho de (1979), em estudo caso-controle, observaram
Adorno (1989), que realiza uma revisão dos associação significativa entre acidente grave e
modelos de comportamento das propostas hu- uso de tranqüilizantes menores, como Diaze-
manistas de educação em saúde e prevenção pam.
de AT. Esse estudo faz, também, um levanta- O inquérito Baromètre Santé aponta que os
mento das propostas técnicas e projetos para jovens têm uma atitude permissiva com rela-
as campanhas realizadas e as medidas dirigi- ção às drogas: 90,6% pensam ser normal usá-
das ao aumento da segurança do pedestre. las, pelo menos uma vez na vida, e 22,3% já ex-
perimentaram algum tipo de tóxico, principal-
mente a maconha (98,6%). Dos jovens entre-
Sono, medicamentos psicoativos, vistados, 34,3% dos consumidores de drogas
drogas ilícitas e álcool são homens e 13,4% são mulheres. Os de maior
escolaridade referem com maior freqüência
Embora o sono seja um elemento dos mais im- consumo de droga do que os com menor esco-
portantes na causa de AT, ele é muito pouco es- laridade (Baudier et al., 1994).
tudado, principalmente pela dificuldade de se
pesquisar essa variável após a ocorrência de Consumo de álcool
um acidente.
Leger (1994) comenta que os informes de Várias pesquisas apontam uma forte relação
índices de acidentes relacionados ao sono dife- entre a ingestão de álcool e AT. Há estudos que
rem significativamente de um autor a outro, observam que concentrações de 50mg/100ml
para condutores com ou sem problemas de so- de álcool no sangue podem provocar inaptidão
no. Os autores calculam duas taxas para esti- para a condução de veículos (OMS, 1984). Exa-
mar o número de acidentes por veículo a mo- mes post-mortem de rotina em acidentados de
tor causados por sonolência. A primeira é ba- trânsito observam que uma percentagem im-
seada na percentagem total de acidentes e o portante dos motoristas mortos apresentam al-
total de acidentes fatais que ocorrem nas horas coolemia elevada. Em vários países, o álcool é
de maior sonolência, das 2h às 7h e das 14h às responsável por 30% a 50% dos acidentes gra-
17h (41,6% do total e 36,1% dos fatais). A se- ves e fatais (OMS, 1984), o que é corroborado
gunda é a percentagem do total de acidentes pelos dados do CDC (1993), os quais apontam
ocorridos à noite (54%), quando o tempo de presença de álcool em 50% de AT fatais e gra-
reação e de desempenho estão consideravel- ves. Em contraste, o álcool só está presente em
mente diminuídos. A tendência a adormecer é 15% dos acidentes sem lesão (CDC, 1993).
também aumentada pela privação e pela inter- Nos EUA, considera-se que um acidente fa-
rupção do sono, sendo o efeito dessa perda tal é relacionado ao álcool se o condutor ou pe-
acumulativo. destre apresentar, no momento do acidente,
O sub-registro da sonolência existe por di- uma concentração de alcoolemia igual ou su-
versos motivos: os envolvidos não desejam re- perior a 100mg/dl; esse nível é considerado de
ferir nem aos policiais, nem amigos ou familia- intoxicação.
res, que eles dormiram na direção, porque isso Rehm (1993) relata que, de 321 motoristas
significa admitir responsabilidade pelo aciden- estudados, 87 tiveram níveis de etanol acima
te. A sonolência é, muitas vezes, ignorada por de 100mg/d e nove estavam entre 50 e 100mg/
falta de reconhecimento do motorista, que dl. Dos 87 motoristas intoxicados com nível de
atribui o acidente a outras causas, como a má etanol acima de 100mg/dl, 71 eram do sexo
condição climática ou o estado insuficiente de masculino e 16 do feminino. O autor enfatiza a
preservação da rodovia. necessidade de intervenção terapêutica em in-

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ACIDENTES DE TRÂNSITO 17

fratores reincidentes, uma vez que, para eles, mo per capita de álcool absoluto, segundo in-
medidas como punição e reeducação têm se formações que datam da última metade da dé-
mostrado insuficientes. cada de 80, aumentou na região das Américas,
A importância do contexto sócio-cultural em países como a Colômbia, o Chile, o México,
fica evidente nas estatísticas de hábito de in- o Panamá e o Brasil, e este último, com um au-
gestão etílica nos diversos estados dos EUA, mento de 31%, foi o que mostrou o maior in-
onde o uso de álcool varia entre o máximo de cremento (Yunes & Rajs, 1994).
63,8% e o mínimo de 25,4%, sendo maior entre Enquanto a lei, a sociedade e a justiça bra-
os homens (CDC, 1995). Em estudo com ado- sileiras são excessivamente tolerantes com mo-
lescentes menores de 18 anos, Alexandre et al. toristas alcoolizados, na Europa e nos EUA, a
(1990) atribuem a baixa freqüência de aciden- lei não faz muita diferenciação entre um moto-
tes relacionados ao álcool (1,9%) aos esforços rista alcoolizado que mata uma pessoa e um
educativos voltados para a direção e o hábito crime premeditado. Comparado com países
de beber. que estão mais adiantados na prevenção dos
A importância de medidas de caráter pre- AT, nossa legislação é permissiva e a aplicação
ventivo fica em evidência no estudo realizado da lei, muito morosa. Somente após o Novo
em Ontário por Stoduto & Adlaf (1996). Esses Código Nacional de Trânsito, promulgado em
autores apontam que a tendência decrescente fevereiro de 1998, é que se começa a vislum-
do beber e dirigir, entre 1977 e 1991, foi inter- brar alguma mudança nesse aspecto. Acredita-
rompida após 1991, quando, em razão de uma mos que o novo código tem sido importante
regulamentação mais flexível tanto na venda, para a tomada de consciência do problema,
quanto na propaganda de bebida alcoólica, mas o controle real dos infratores é limitado,
houve um aumento da disponibilidade desta. uma vez que a caracterização do estado de em-
O estudo de Reeder et al. (1996), com 217 mo- briaguez ficou, na prática, restrito à perícia do
tociclistas de 18 anos na Nova Zelândia, obser- Instituto Médico-Legal.
va que, entre as medidas preventivas de aci- Nos EUA, entre janeiro e junho de 1992, foi
dentes, menos de 1% dos entrevistados men- realizada uma estimativa de 1.943 mortos por
ciona não dirigir após ingerir bebida alcoólica. AT na faixa de 21 a 24 anos (CDC, 1993), e 50%
A reincidência em infração de trânsito é maior dessa totalidade estavam intoxicados por ál-
em menores de trinta anos, e todos esses tipos cool (CDC, 1993). Stoduto & Adlaf (1996) des-
de infração diminuem após essa idade, exceto crevem que, em Ontário, 50% dos acidentes de
aquele por dirigir alcoolizado, que se mantém trânsito estão relacionados ao álcool e consti-
constante em todas as faixas etárias, represen- tuem a maior causa única de morte e lesão na
tando cerca de 50% das reincidências (Goppin- população jovem.
ger & Leferenz, 1968, apud Middendorf, 1976). Stewart et al. (1996) descrevem que os indi-
No inquérito Baromètre Santé, a amostra víduos bebem por três razões diferentes: 1) pa-
de jovens focalizada apresenta 75,5% de bebe- ra reduzir ou evitar os estados emocionais ne-
dores ocasionais (uma a duas vezes por sema- gativos; 2) por motivos sociais, para reunir-se
na, ou finais de semana, ou menos) e 8,3% de com outros; 3) para facilitar emoções positivas.
bebedores habituais (três a cinco vezes por se- Ao estudar uma amostra de 314 voluntários,
mana). Entre esses jovens, 42,2% referem pelo alunos de graduação de Psicologia de duas uni-
menos uma bebedeira por ano (Baudier et al., versidades do Canadá, esses autores concluí-
1994). ram que a maioria dos entrevistados (85%) re-
Wardle & Steptoe (1991), em estudo realiza- feriram beber. O principal motivo desse com-
do no Reino Unido, observam que 20% da portamento foi o social, embora os homens,
amostra ingerem bebida alcoólica regularmen- principalmente os menores de 21 anos, tives-
te. Embora o consumo de álcool não apresente sem apresentado uma pontuação significativa
diferenças significativas entre sexos, o compor- no hábito de beber para facilitar emoções posi-
tamento de beber e dirigir é mais freqüente nos tivas. Cooper et al. (1994, apud Stewart et al.,
homens (15,9%) do que nas mulheres (5,4%). A 1996) têm observado que os indivíduos que be-
pesquisa observa, ainda, que a crença de nun- bem para diminuir estados emocionais negati-
ca dirigir após beber é pouco freqüente (9,7% vos apresentam riscos aumentados de proble-
nas mulheres e 9,4% nos homens). Adicional- mas com o álcool.
mente, um fenômeno que ocorre em vários Em amostra de 1.011 condutores do Reino
países é o elevado consumo de álcool no grupo Unido, Albery & Guppy (1995) apontam que
etário entre 18 a 35 anos, em fins de semana. 14,1% dos condutores referiam dirigir após ter
Quanto maior o consumo geral de álcool, ingerido bebida alcoólica acima do limite legal,
maior a freqüência de beber e dirigir. O consu- uma ou duas vezes, no último ano, e 10,3% re-

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feriam não estar em condições de dirigir em portantes para que haja uma modificação des-
três ou mais vezes nos últimos 12 meses. Os sa triste realidade. Diante do fato de que os AT
condutores mais jovens, mais comumente, re- estão fortemente relacionados com falha hu-
ferem quantidades de unidades de álcool e fre- mana, a despeito das limitações operacionais
qüência de ingestão que indicam um padrão e das arestas constitucionais que ainda não
de comportamento infrator. Foi observado que foram aparadas, o novo código tem o grande
os condutores transgressores estimam, com mérito de contribuir para tornar o motorista
maior freqüência, que sua direção é segura brasileiro mais consciente e responsável ao
quando bebem, fato esse que constitui uma volante.
das causas diretas de acidentes. Observou-se, Regulamentar e implementar o novo códi-
ainda, uma associação significativa entre con- go exigirá um esforço considerável da socieda-
sumo geral de álcool e comportamento infra- de e do poder público. Para se punir um moto-
tor no trânsito. Além disso, a pesquisa constata rista infrator, por exemplo, seria necessário co-
que a exposição a procedimentos regulamen- nhecer os atenuantes e agravantes constantes
tares, como o bafômetro e as multas por beber do seu prontuário, além de ter equipamentos
e dirigir, não mostram diminuição do compor- técnicos que permitissem mensurar a infração.
tamento transgressor. Finalmente, a pesquisa Atualmente, a polícia civil não conta com for-
conclui que, quanto maior o consumo, maior o mação específica suficiente para apurar ade-
prognóstico de comportamento infrator, e quadamente esse tipo de ocorrência. Sem
quanto maior a ingestão de álcool, maior a es- equipamentos fundamentais, tais como o ba-
timativa individual de que se pode dirigir com fômetro ou uma rede informatizada, a maior
segurança. parte dos infratores ficam impunes. No Estado
Em 1993, no Hospital das Clínicas da Uni- de São Paulo, por exemplo, pouco mais de um
versidade Estadual de Campinas, estudo reali- terço das 313 CIRETRANS (Circunscrições Re-
zado com cem doentes traumatizados escolhi- gionais de Trânsito) está informatizada. Nos ou-
dos aleatoriamente para realização de etanole- tros estados, a situação é ainda mais precária.
mia observou que 36 estavam alcoolizados, A implementação de um programa consis-
sendo a maioria jovens de 15 a 35 anos, e, entre tente de educação no trânsito, que implica
estes, vinte tiveram acidente automobilístico uma nova noção de cidadania, é imprescindí-
(Mantovani et al., 1995). vel. É também necessário um controle da pro-
paganda, tanto daquela que associa velocidade
à vitalidade e à saúde, como da que associa in-
Considerações finais gestão de bebidas alcoólicas à liberdade e ao
prazer.
Mostramos, neste artigo, as principais implica- Além da possibilidade de punir o infrator, o
ções que o tráfego de veículos motorizados traz novo código prevê a questão da educação no
ao meio urbano e à qualidade de vida do indi- trânsito, que exigirá um esforço considerável
víduo moderno. Vimos que os AT surgiram co- de integração de vários órgãos federais, esta-
mo uma epidemia capaz de produzir muitas duais e municipais, como os Ministérios do
mortes, ferimentos e incapacidades, gerando Transporte, da Saúde, da Educação, do Traba-
custos financeiros e sociais enormes. Concluí- lho, da Justiça, e o Sistema Único de Saúde. É
mos que os acidentes de trânsito variam signi- previsto que as escolas de ensino fundamental,
ficativamente conforme a idade, o sexo, o tipo médio e as universidades contemplem vários
de personalidade e a cultura de indivíduos ne- tipos de atividades nesse sentido.
les envolvidos. De um modo ainda mais dra- A questão referente à educação de reinci-
mático, os AT variam de acordo com o nível de dentes é outro aspecto importante para a dimi-
desenvolvimento econômico-social de um de- nuição dos índices de AT. Contudo, a mudança
terminado país. cultural, que trará uma alteração significativa
No contexto de países desenvolvidos ou em de comportamento e, conseqüentemente, na
desenvolvimento, a grande diferença nos ní- cultura do trânsito, será um processo que de-
veis de AT está estreitamente vinculada à res- mandará um tempo considerável.
ponsabilidade que o poder público tem de im- A questão cultural na transformação de va-
plementar políticas adequadas e fazer cumprir lores referentes ao trânsito é da maior impor-
a lei. No Brasil, os índices calamitosos de AT es- tância em qualquer campanha de prevenção
tão associados à falta tanto de uma legislação, de AT. É provável que as multas eletrônicas, in-
como de políticas públicas adequadas em rela- seridas no novo código de trânsito, efetuadas
ção a esse fenômeno. O Novo Código Nacional de um modo impessoal, venham proporcionar,
de Trânsito constitui um marco dos mais im- até um certo ponto, um obstáculo à cultura do

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ACIDENTES DE TRÂNSITO 19

“jeitinho” brasileiro de burlar as leis. Até um dir pela infração. Atualmente, não basta ter po-
certo ponto porque há notícias de que alguns der econômico para arcar com a multa, porque
poderes locais, em alguns Estados, estão boi- a perda da habilitação também está em jogo.
cotando o novo código ao anistiar as multas Se o novo código de trânsito veio como um
em troca de dividendos político-eleitorais. Ou- elemento importante na promoção de um
tras notícias mostram que algumas categorias trânsito eficiente, é imprescindível que outros
profissionais estão tentando obter na justiça fatores de ordem sócio-econômica, cultural,
isenção de multas no trânsito. O “jeitinho”, nes- política e administrativa contribuam para o ge-
ses casos, transcende a dimensão local, mas é renciamento adequado dos AT. Sem um con-
de se esperar que ele esbarre em dificuldades trole da pobreza, do desemprego, da violência
legais crescentes. e criminalidade urbana, por exemplo, respeitar
De qualquer maneira, o novo código de um sinal de tráfego implica, cada vez mais, ris-
trânsito veio para acrescentar um sentido posi- co de ser assaltado. Num nível mais abrangen-
tivo à nossa realidade contraditória. Se, antes te, a solução do problema de trânsito requer,
da promulgação do código, o motorista coloca- sobretudo, a implementação de políticas pú-
va seu bem-estar pessoal acima da lei, hoje é blicas que enfatizem o aspecto social, com des-
obrigado a pensar no alto custo da multa e nas taque para o transporte coletivo e, simultanea-
outras penalidades que sofrerá antes de deci- mente, restrições ao transporte individual.

Agradecimentos Referências

Agradecemos à Fundação para o Amparo à Pesquisa ADORNO, R. C. F., 1989. Educação em Saúde, Conjun-
do Estado de São Paulo – FAPESP, ao Conselho Nacio- tura Política e Violência no Trânsito: O Caso da
nal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Cidade de São Paulo. São Paulo: Edusp.
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Agradecemos também o apoio recebido do Núcleo de EGE, D. L., 1990. Multifactorial causes of adoles-
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