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AGOGO ÈÈWÒ OU A REINVENÇÃO

DA NAÇÃO NIGERIANA E SEUS DIRIGENTES

Agogo Èèwò¢, direção: Tunde Kelani; roteiro: Akinwumi Isola; produ-


ção: Mainframe (Opomulero) Films and Television Productions, Lagos,
2002. Formato VHS e VCD, iorubá legendado em inglês, 110 minutos.

Conforme a avaliação de vários es- mitológico dos diversos povos e


pecialistas, o cinema nigeriano teria etnias da Nigéria, como, por exem-
chegado à sua maturidade com a plo, Oba Koso (c. 1978), Ògbórí-
popularização do vídeo doméstico Elémòsó (c. 1981), Ìjà Òmìnira (c.
nos anos 1980.1 Desde essa década, 1982), Odùdùwà I (2000) e Odùdùwà
têm-se produzido na Nigéria cente- II (2001), Òrànmíyàn (2003), Àfònjá
nas de videofilmes cada ano, distri- (2004), Bas¢ò¢run Gáà (2004), dentre
buídos em formato VHS e VCD. tantos outros. Em contrapartida, os
Num trabalho recente, Onookome “filmes hallelujah” seriam aqueles
Okome divide estes filmes em duas cujas temáticas abordam a questão da
categorias principais: os “filmes épi- presença do oculto e da magia negra.
cos” e os “filmes hallelujah”.2 Os Aparentemente, Okome deixou de ci-
“filmes épicos” seriam os que abor- tar a existência de uma terceira cate-
dam a temática do passado épico e goria de vídeos, os que se poderiam
chamar de “filmes de ficção sociopo-
lítica”. De modo geral, tais filmes
1
Ver, entre outros, Eugenio Barzaghi, “Agogo
abordam temáticas relacionadas com
èèwò, I pixel indipendenti del cinema a atualidade, na medida em que isto
nigeriano”, http://www.cinemavvenire.it/ afeta o quotidiano e as aspirações dos
articoli.asp?IDartic=2190, acessado em 16/
05/2006; Olusegun Adeniyi “Agogo grupos ou dos indivíduos que formam
Eewo, Film Obasanjo Must Watch”, http:/ a nação nigeriana. Embora em tais fil-
/www.thisdayonline.com/archive/2002/ mes não desapareça totalmente a pre-
08/08/20020808ext01.html, acessado 16/
05/2006. sença do poder mágico e oculto, o seu
2
Onookome Okome, “Youth and the foco temático se desloca mais para a
Struggle for Social Space in the Nigerian
construção de um mundo de razão e
Video Film”, trabalho inédito, apresenta-
do em Salvador, junho de 2004. lógica, apoiado nos processos demo-

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cráticos contemporâneos. O que te pacto. A partir destes elementos, o
norteia a produção de tais filmes é a filme foi concebido para denunciar os
realidade sociopolítica da nação. A dirigentes descomprometidos com o
esta categoria pertencem certamente bem-estar da nação, que fazem de tudo
Agogo Èèwò¢ (2002), assim como o seu para não se submeterem aos poderes
precursor, S¢aworoide¢ (1999), filmes purificadores do S¢aworoide¢ e se su-
dirigidos e produzidos por Tunde cedem num ciclo impiedoso, seme-
Kelani, atualmente considerado “um lhante ao ciclo do proverbial abikú.5
dos maiores cineastas nigerianos”.3 A S¢aworoide¢ é uma alegoria em torno
escolha de Agogo Èèwò¢ para esta re- da nação nigeriana, macrocomunida-
senha se deve, sobretudo, ao seu ca- de representada no filme pela micro-
ráter alegórico da situação política comunidade de Jogbo, reino imagi-
nigeriana contemporânea. nário, cujo nome ressoa como cor-
Para bem compreender o filme ruptela de várias cidades reais da atu-
Agogo Èèwò¢, é necessário ter assis- al região sudoeste da Nigéria, tais
tido a S¢aworoide¢, obra-prima do mes- como Osogbo, capital do estado de
mo diretor.4 S¢aworoide¢ é o nome de Osun, ou Odogbo (Odogbolu). Esta
um sagrado tambor falante, com ador- última foi cidade natal do general
nos de cobre, que está misticamente Oladipo Diya, homem-forte das dita-
ligado à coroa-de-cobre (adéide¢), atri- duras sucessivas de Babangida e
buto supremo do rei da metafórica Abacha (1985-1998), e, portanto, pro-
nação de Jogbo e símbolo da sua le- tagonista importante da recente histó-
gitimidade e autoridade. Esse tambor ria do processo democrático da
teria o poder de provocar dores de Nigéria. Para deixar claro que a esco-
cabeça fatais a qualquer dirigente que lha do nome da nação imaginária não
traísse a nação, erigindo-se, desta foi à toa, ao longo do filme o narrador
maneira, como única força capaz de
conter os abusos de governantes cor-
5
ruptos. S¢aworoide¢ tem por subtítulo Àbíkú em iorubá é o termo usado para des-
“o pacto entre uma nação e sua lide- crever crianças que nascem e morrem e
voltam a nascer para os mesmos pais, e
rança”, sendo o tambor a garantia des- voltam a morrer e nascer novamente num
ciclo interminável. Em uma das interpre-
tações mais estabelecidas de um poema
homônimo, de autoria do celebrado escri-
3
Barzaghi, “Agogo èèwò”. tor nigeriano Wole Soyinka, Prêmio Nobel
4
Saworoide, direção de Tunde Kelani, ro- da Literatura (1986) e que, aliás, se cons-
teiro de Adebayo Faleti, produção de tituiu nas últimas décadas como o crítico
Mainframe (Opomulero) Film e Television mais constante da política nigeriana, se
Productions, Lagos, 1999. Formato VHS compara a situação do país à dor e à de-
e VCD, iorubá, legendado em inglês, 120 cepção que as idas-e-vindas de um abikú
minutos. provocam nos país.

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sempre invoca, no oríkì da cidade, a (S¢aworoide¢). Este rito envolvia a apli-
associação violenta entre Jogbo, cação de incisões que misticamente
orogbo e Oro.6 Este oríkì é também controlavam a sanidade político-social
invocado repetidas vezes em Agogo do rei, através dos poderes mágicos
Èèwò¢, a megaprodução que dá conti- do tambor sagrado. Na hora da apli-
nuidade à saga de Jogbo. Porém, nes- cação das incisões, o rei ameaçou com
te último filme, Tunde Kelani procu- um revólver os isoro, sacerdotes reais
ra deslocar o problema da nação ni- que conduziam o processo ritualístico
geriana, fazendo crer que tal proble- da entronização. Em seguida, mandou
ma já não se encontra na pessoa do eliminar todos os oposicionistas. Ape-
rei ou do presidente, mas, sim, com nas Àyàn-Àgalú, o guardião do tam-
os seus ministros e conselheiros. bor sagrado, conseguiu escapar das
Mas, antes de examinar Agogo Èèwò¢, mãos dos assassinos e fugiu para a flo-
será útil contextualizar melhor o en- resta, levando consigo o tambor
redo, mediante um resumo sucinto de (S¢aworoide¢).
S¢ aworoide¢. Lápité¢ , o rei eleito de Tendo eliminado a oposição, o rei
Jogbo, estava determinado a tirar o Lápité¢, junto com a sua nova rainha,
maior proveito da sua posição para se procedeu a uma exploração sem me-
enriquecer, mesmo tendo plena ciên- didas dos recursos da terra, com a
cia das possíveis conseqüências de tal conivência das grandes multinacio-
ato. Com a ajuda de Balogun, um dos nais e a plena cumplicidade de seus
ministros-chefe mais poderosos do ministros. Com o aborto do processo
reino, e sob os conselhos de Baba da lei e o encarceramento dos jorna-
Ò¢pálábá, antigo servo do palácio, que listas que se opunham ao seu regi-
lhe fornecia valiosas informações so- me, só restavam as milícias popula-
bre os rituais a evitar para não sofrer res para lhe contestar a legitimidade.
a represália dos orixás fundadores da Estas conseguiram roubar-lhe o mai-
nação, o rei Lápité¢ se recusou a sub- or símbolo do poder, a coroa de co-
meter-se ao ritual do tambor sagrado bre (adéide¢), misticamente ligada ao
tambor sagrado. Sem ela, o rei seria
obrigado a abdicar no prazo de 21
6
O oríkì diz: Jogbo bi oro, Jogbo bi orógbó, dias. Lápité¢ contratou mercenários
ou seja, “a nação é comparável ao orobô”,
noz de cola amarga, usada no culto dos militares que conseguiram pôr fim às
orixás mais violentos e imprevisíveis do atividades das milícias e recuperar a
panteão iorubano, e é comparável ainda coroa. Porém, em vez de restituí-la
ao próprio Orò, o culto mais secreto e ins-
trumento de maior censura entre os ao rei, Làgàta, o chefe dos mercená-
iorubanos, ao qual nenhuma mulher ou rios, matou o rei e se autoproclamou
pessoa não-iniciada poderia assistir, sob
o novo líder. Para piorar a ofensa
pena de morte súbita e violenta.

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deste golpe de estado, o general re- le mesmo antigo servo do palácio de
solveu legitimar seu poder com o uso Lápité¢ que, agora, se aposentou e usa
do adéide¢, sem se ter submetido pre- o nome sugestivo de Etíye¢rí.8 Ele e
viamente ao ritual necessário. Com seus jovens acólitos narram e tradu-
isto, os oposicionistas se reorganiza- zem as cenas em forma de àló-àpamò-
ram e trouxeram do exílio o filho de pagbe, conto tradicional, ora contado,
Àyàn-Àgalú para tocar o tambor sa- ora cantado, que acompanha e inter-
grado. Assim, no dia da entronização preta o desenrolar do drama nacional
do rei impostor, no exato momento através de cantigas temáticas. Este tra-
em que a coroa sagrada foi colocada tamento formal não deixa dúvida
na sua cabeça, o tambor S¢aworoide¢ quanto ao talento do roteirista do fil-
foi tocado. Isto provocou uma dor de me, Akinwumi Isola, consagrado pro-
cabeça terrível no rei golpista, ma- fessor universitário, escritor e tradu-
tando-o na hora. Assim foi que a na- tor de clássicas obras literárias e da
ção de Jogbo se livrou deste ditador. cultura iorubá-africana.
O filme acaba na cena em que o jo- Os já citados críticos cinematográfi-
vem Aré¢s¢è¢jábàtá, filho de Adebomi, cos italianos acertaram ao afirmar que
o antigo rival do rei Lápité¢, está sen- a descrição dos protagonistas não dei-
do preparado ritualmente para ascen- xa nenhuma ambigüidade quanto às
der ao trono como o eleito do povo e identidades visadas. Os nomes aludem
da tradição. de forma bastante clara a personagens
reais da política nigeriana. Por exem-
Agogo Èèwò¢... a saga continua plo, o rei chama-se Adébò¢sípò, ou
Como no filme precedente, a mensa- seja, “aquele que voltou para retomar
gem de Agogo Èèwò¢ (sino ou gongo o trono que lhe pertence”, e sabemos
de purificação) revela-se bastante que o atual presidente da Nigéria
simples. A maior qualidade do filme (Olusegun Obasanjo) tinha deixado a
é a originalidade do seu enredo, es- presidência em 1979 para inaugurar
truturado do início ao fim como uma a 2ª República de Shehu Shagari.9
sucessão de contos cantados. Talvez Porém, os já citados críticos italia-
fosse por isto que o crítico italiano
Barzaghi lhe louvara a “estrutura de 8
Etíyerí é nome de um gênero de música
fabular” (struttura fiabesca).7 O seu satírica em iorubá.
9
caráter de conto cantado se acentua Esta é uma grande diferença com os no-
mes metafóricos escolhidos para os prota-
com a presença, ao longo de todo o gonistas de Saworoide. Lápité¢ significa
filme, de um velho griot-apàló, aque- “alguém que quer ‘pit颒” ou seja, fazer o
que ninguém tinha feito antes; Làgàta é o
nome dado a um forasteiro intrometido
7
Barzaghi, “Agogo èèwò”. (alàgbàta), etc.

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nos falharam lamentavelmente ao in- mente compreendida por alguém pou-
terpretar o drama de Agogo Èèwò¢ co familiarizado com o contexto cul-
como mera ilustração da “luta univer- tural iorubano. Devido à dificuldade
sal entre o Bem e o Mal”, que, con- para traduzir tais expressões, esta e
forme afirmam, “é o tema de fundo muitas outras sequer foram
de todos os videofilmes nigerianos”. decodificadas nas legendas. Outro
“Uma luta entre o Bem e o Mal im- caso se dá durante a cena do jogo ora-
pregnada de África”.10 Assim perde- cular de Ifá, que estabelece o ritual de
ram de vista os valores e os saberes Agogo Èèwò¢ , a cena acaba sendo
particulares que o filme traz à tona, traduzida no subtítulo apenas como
além de caírem no erro de procurar “encantamento” o que resulta na per-
entender uma obra de arte iorubá-afri- da do conteúdo cultural e temático do
cana meramente sob a ótica estético- jogo oracular, como, por exemplo, a
epistemológica patenteada pelo Oci- sua referência às ditaduras militares
dente. Eles não compreenderam os que a nação tinha sofrido no passado
embates profundos com que o filme recente. Mas esta já é outra história.
procura abalar muitos dos valores já
consagrados pela estética cinemato- A mensagem inconfundível dos àló¢
gráfica ocidental, na sua vontade de àpagbè
erigir uma estética própria ao meio A ação do filme gira em torno de
iorubá-africano, em consonância com Adébò¢sípò (Bò¢sípò), antigo chefe de
o clima político-social da Nigéria no polícia da nação de Jogbo, convida-
momento da sua produção. do pela máfia política da terra a as-
Também o fato de as legendas em in- cender ao trono de Oníjogbo (rei de
glês não terem conseguido dar conta Jogbo) no lugar de Aré¢s¢è¢jábàtá, jo-
das nuances idiomáticas do filme pode
ter provocado equívocos de compre-
gò níí gbé ìgunnu, que literalmente signi-
ensão em espectadores não-iorubanos. fica “só quem é burro é que sai de igunnu”.
Por exemplo, a referência feita logo Isto faz referência ao fato de que, quando
nas primeiras cenas pelo futuro rei o igunnu sai, ele está envolto em várias ti-
ras de roupa, e a sua característica maior é
Bò¢sípò, aludindo à situação pouco ficar fazendo prodígios de crescimento des-
esperta de quem aceita servir de “ca- medido, podendo crescer até a altura de um
prédio de 30 andares. Isto faz com que o
valo” ao igunnu,11 não pode ser facil- próprio igunnu ignore tudo o que se passa
ao seu redor. Portanto, quando as pessoas
do público lhe fazem doações de dinheiro
10
Barzaghi, “Agogo èèwò”. e outros bens, é ao seu assessor que entre-
11
Igunnu é o culto dos mascarados na cultu- gam tudo, podendo este subtrair ou furtar o
ra do povo nupe (tapa), parecido ao culto que quiser das doações, sem que o igunnu
dos baba eguns na cultura nagô-iorubana. de nada desconfie, já que não vê nada do
O rei se refere ao provérbio iorubano: Eni que se passa ao seu redor.

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vem herdeiro do trono que já tinha resolve aplicar este ritual, chamado
sido preparado para este cargo desde Agogo Èèwò¢, que consiste em fazer
o final do filme anterior. Depois de com que cada ministro passe pelos
muita persuasão, Adébò¢sípò se deixa procedimentos de juramento após ter
convencer pela máfia, mas ele ingerido uma bebida ritual preparada
confidencia à sua esposa Láápé que dentro do Agogo Èèwò¢ . O Agogo
sabia da verdadeira intenção da máfia Èèwò¢ é uma espécie de sino gigante,
e que, uma vez entronizado, pretende sobre cuja superfície foram escritos os
virar o jogo político em favor da ter- textos oraculares contendo as palavras
ra. Com efeito, assim que ascende ao rituais que controlam o destino dos mi-
trono, o rei Bò¢sípò deixa claro à máfia nistros, da mesma forma que o
política que não irá mais permitir a S¢aworoide¢ controla o destino do pró-
impunidade e o roubo na nação. Tam- prio rei. Qualquer ministro que trair a
bém informa aos representantes das terra morrerá de dores de barriga após
grandes multinacionais que, doravan- a sétima batida do Agogo Èèwò¢. Com
te, elas terão que cumprir todas as leis o apoio das lideranças da sociedade
da terra e que não será mais tolerada a civil, os ministros recalcitrantes são
corrupção na exploração dos recursos forçados a cumprir este ritual, e os dois
naturais do país. mais teimosos acabam morrendo de
A máfia política não se conforma com dores de barriga neste processo de
as medidas tomadas pelo rei para sa- purificação da terra.
near a economia da nação. Por isto, Quem conhece um pouco da história
os ministros que formam esta máfia recente da Nigéria nos últimos dez
poderosa juram vingança, tornando o anos não terá dificuldade em reconhe-
país ingovernável para Bò¢sípò. Frus- cer nos personagens do filme os prin-
trado nos seus projetos de fazer refor- cipais atores do drama nacional. Como
mas políticas e econômicas devido à já foi frisado anteriormente, é incon-
intransigência dos seus ministros, o rei fundível a relação entre o rei
procura a ajuda de Amawomárò, o Adébò¢sípò, que se encontra no mo-
sacerdote de Ifá que garante o contra- desto ofício de agricultor no momen-
to místico entre o rei de Jogbo e a na- to em que começa a disputa pelo tro-
ção, contrato simbolizado pelo ritual no de Jogbo, e o atual Presidente da
de S¢aworoide¢ e adéide¢. O rei Bò¢sípò República, Olusegun Obasanjo.12 Isto
fica sabendo por Amawomárò que
12
existe um ritual sagrado da terra, igual Obasanjo iniciou o programa Operation
Feed the Nation (OFN), plano nacional de
ao S¢aworoide¢, que poderia ser invo- agricultura familiar, quando era chefe de
cado para castigar e eliminar qualquer estado militar entre 1976 e 1979, e se dedi-
ministro perverso e corrupto. O rei cou quase que exclusivamente à sua fazen-
da, na cidade de Ota, desde que entregou o

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sem falar do fato de que o filme se sim como também charadas desafi-
inicia com uma vista panorâmica de antes: Ìwo¢ la fisé, ìwo¢ la
Abé¢ ò kuta, terra natal do próprio fis’àgbàlagbà, ìwo¢ la fisé, b’é¢nìkan
Obasanjo. Aliás, não faltou quem acu- nse kándú, kàndù, kándú, ìwo la
sasse o realizador do filme de certa fisé!,15 como que afirmando a san-
simpatia pelo Presidente Obasanjo, ção, tanto divina como popular, do
sendo que o nome Adébò¢sípò pode ser regime de Obasanjo.
interpretado como uma corruptela mal Para poupar tempo e espaço, limitar-
disfarçada de Òkìkíolá,13 o nome do me-ei, aqui, a elaborar uma interpre-
meio de Obasanjo, que a imprensa tação de algumas das principais me-
aduladora adotou definitivamente, táforas, alegorias e parábolas que
quando este voltou ao poder após vinte constituem os aspectos estético-
anos de ausência. Ainda por cima, toda temáticos do filme. De fato, Agogo
hipótese de pura coincidência é afas- Èèwò¢ demonstra como a tradição
tada, ao prestarmos atenção à lingua- milenar dos contos cantados pode ser
gem do tambor bàtá que toca na aber- posta a serviço do progresso e da
tura dos créditos do filme, repetindo, modernidade. Não deixa de ser ad-
na linguagem da percussão, expres- mirável, por exemplo, a desconstru-
sões provocativas e jubilosas como ção que foi feita da posição da pri-
kówó kówó, kówó kówó, Àràbà ò meira-dama da Nigéria contemporâ-
wómó, ojú t`Ìrókò, kówó kówó!,14 as- nea, através da personagem de Láápé,
cujas aspirações às pompas desme-
poder ao presidente eleito Shehu Shagari, didas vêm a ser frustradas pelo rei
em 1979. Teria permanecido na sua fazen- Bò¢sípò. Também, logo na primeira
da até a sua volta ao poder, como presiden-
cena do filme, a introdução do conto
te democraticamente eleito em 29 de maio
de 1999. Também já prometeu retirar-se Olúnréte sofreu uma ligeira, mas sig-
para a fazenda assim que completar seu nificativa atualização na sua letra,
segundo mandato, em 2007.
13
Adébò¢sípò significa literalmente “o-esco-
que serve para definir a vontade
lhido-que-voltou-ao-seu-lugar-real”, en- transgressiva do filme, ou, melhor di-
quanto Òkìkíolá pode ser traduzido livre- zendo, deste conto cantado pelas
mente como “aquele-cujo-destino-é-diri-
gir-e-ter-fama”.
14
Pode ser traduzido como “o inimigo impla- anulação dos resultados das eleições pre-
cável (Iroko) desejou muito a queda da sidenciais de 1993, presumivelmente gan-
grande gameleira (áràbà), mas, para a frus- has por M.K.O. Abiola, que acabou mor-
tração do Iroko, essa continua firme”. Esta rendo na prisão. O mesmo fim era plane-
expressão jubilosa faz sentido ao lembrar- jado para Obasanjo, mas ele sobreviveu e
mos que os dois últimos ditadores saiu da prisão para contestar as eleições
Babangida e Abacha fizeram de tudo para presidenciais, o que o levou ao poder em
eliminar Obasanjo nos últimos anos da di- maio de 1999.
15
tadura militar. Ele foi encarcerado duran- Pode ser traduzido como “eis o nosso líder
te largo período, depois do episódio da escolhido, quem não gostar que se dane”.

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massas de Jogbo a seus dirigentes. A ção dos políticos aos protagonistas do
contadora (apàló) faz da cantiga do àló¢ Olúnréte: a Terra (Ilè) e Deus-
àló¢ uma sátira que atinge diretamen- criador (Olórun) foram caçar e, após
te os políticos corruptos da terra. A uma mal sucedida jornada, brigaram
alegoria do conto relaciona a situa- pela única presa...

Ilè bá m’éku emó lo (A Terra acabou levando a melhor)


Oloun bá bínú lo¢ só¢run (Deus se retirou inconformado para o céu)
Òjò bá kò¢ ni ò¢ rò¢ mó¢! (Resultado: as chuvas esticaram!)
Isu pe¢yin kò¢ta! (Os tubérculos de inhames secavam antes de brotar!)
Àgbàdó pàpe¢ kò gbó! (As espigas de milho nunca mais madureceram!)
O¢ló¢mo¢gé gún’mun, o¢mún gbe¢! (As donzelas ficavam sem poder casar!)
E¢ sá máa fòye sórin, (Prestem atenção a esta minha música,)
E¢ máa fetí sórin ò (Reparem bem no que diz minha canção)
Orín dorin olówe, (Pois agora virou canção proverbial,)
È¢yín kóra yín jo¢, (Vocês, que formaram partido político,)
Pée¢ ¢ fé¢ tún Jogbo s¢e, (Prometendo melhorar a vida da gente,)
E¢ wá ns¢’e¢gbé¢ àpapín, (Depois de eleitos, não cumprem o prometido,)
È¢yín wáñfárí apákan, (Se deixaram dominar pela ganância,)
E¢ wáñ sara rindin, (Roubando a nação sem piedade,)
È¢yin ò¢ rántí àwa mó¢!, (Nem se lembram mais de quem os elegeu!,)
E¢ mó¢n o¢n wòwó¢n lóye, (Vamos ver até onde irão vocês,)
Ao máa wòwó¢n lóye ò... (Vamos ver mesmo como tudo vai acabar...)

Além do seu valor estético, esta can- borado na penúltima cena do filme,
tiga de àló¢ traz à tona um outro ele- onde os três grupos de interesse, re-
mento do drama nacional. A parte que presentando as principais milícias
começa com a linha E sá máa fòye étnicas da federação, impedem que
s¢órin mostra a vontade transgressiva os ministros culpados de corrupção
que norteia esta adaptação da canti- consigam fugir das conseqüências
ga e a conscientização das classes dos seus atos, obrigando-os a se sub-
populares a respeito da ganância da meterem ao ritual purificador de
classe política nacional. Também in- Agogo Èèwò¢. Aliás, não só as milíci-
dica a compreensão do poder de in- as e a sociedade civil se mostram
tervenção que possui a população, determinadas a interferir no drama
sobretudo a sociedade civil e as mi- nacional, mas também os sacerdotes
lícias étnicas locais. Isto será corro- e os adeptos da religião tradicional.

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Isto fica claro no irônico canto dos ministros, canto que introduz um
babaláwos, na quinta cena do filme e outro elemento-chave da cosmologia
na derradeira cena do juramento dos iorubana:

Ifá lo nilé ayé oò, (Ifá é o dono do mundo,)


Olódùmarè ló lò¢run, (A Olodumare (Deus) pertence o céu,)
Ènìyàn gò¢ lágò¢jù, (Os homens são bem burros,)
wó¢n s¢ebáwó¢n gbó¢n! (Mas confundem sua burrice por esperteza!)
E¢ wá wayé òsèlú, òsèlú alábòsi (Olhem bem o caso dos nossos políticos)
E¢ wá wayé òsèlú oò, òsèlú alábòsi, (vejam só esses políticos hipócritas,)
Wo¢n kowó ìlú sapò, (Eles esbanjam o fundo público,)
wó¢n fowó mutín!... (Em bebedeiras e orgias!...)

Mensagem clara e inequívoca - peça, referida no discurso do rei, é


Ò¢pò¢bo¢ gb’ó¢bo¢ bò¢gbé¢ Wón ròpé wèrè ni (“Pensavam que
O dilema do onijogbo toma um rumo ele fosse burro”), cujo título resume
radical quando os simpatizantes do a aludida sabedoria do líder. Com
rei e os representantes da sociedade isto, o rei queria dizer que não faria
civil começam a perder a paciência o jogo sujo dos ministros corruptos e
com as políticas conformistas do so- que, uma vez eleito pela máquina efi-
berano. O limite da simpatia do au- caz da máfia política, ia colocar-se
tor do filme para com as “boas inten- ao lado da população, mostrando para
ções” de Bò¢sípò pode ser medido a nação que o seu igunnu nunca se
pela aplicação do trocadilho das cri- deixaria enganar por ninguém.
anças na décima segunda cena. Fa- A sátira do filme se torna mais
zendo uma direta e intertextual alu- mordente ainda, a respeito da postu-
são ao discurso do presidente ra de rei justo assumido por Bò¢sípò-
Obasanjo, logo que este assumiu o Obasanjo. Quando os bravos discí-
poder em 1999, Bò¢sípò chega a afir- pulos de Baba Etíye¢rí observam que
mar para seus súditos de Jogbo, du- algumas das políticas do rei, tal como
rante a sua primeira audiência públi- a privatização e, sobretudo, a intran-
ca, que o seu regime será guiado pela sigência dos ministros vão acabar por
sabedoria do protagonista de uma das sujar o próprio rei Bò¢sípò, chamam-
peças de Adebayo Faleti. Faleti foi o lhe a atenção com este trocadilho:
roiterista de S¢aworoide¢ e também in- Ò¢ pò¢ bo¢ gb’ó¢ bo¢ bò¢ gbé¢ , Ò¢ ¢ fìrù ò¢ bo¢
térprete de um dos seus papéis bò¢bo¢ lé¢nu, Bóòbá tètè gbó¢bo¢ bò¢gbé¢,
(Etíye¢rí, o ancião griôt-apàló). A sua Ò¢bó¢ o gbé o¢ bò¢gbé¢! (Você, que diz

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que é capaz de matar o macaco, para re¢s¢è¢ jó o, mà bo¢ dànù! — ou seja,
mostrar ao macaco que você é o mais “se é o sapato emprestado que me vai
astuto, se não agir depressa para en- distrair ou me impedir de dançar do
ganar o macaco, pode ser que o ma- jeito que gosto, não seria demais dis-
caco acabe enganando a você primei- pensar tais empréstimos”.
ro) — o que equivale a dizer que o Com a maior sutileza, o filme ainda
povo duvida da capacidade do rei para consegue abordar algumas das ques-
reformar a terra e sanear a política. tões mais polêmicas que atormentam
Estas e outras intervenções alegóri- a nação Jogbo-Nigéria. Sobretudo a
cas do velho ancião Etíye¢rí e seus rivalidade existente entre as oligarqui-
jovens acólitos servem para denun- as das três etnias principais para o
ciar o estado de decadência geral da controle do país e os truques baixos
nação, tanto na economia (owo ilu wa aos quais alguns recorrem na sua luta
ti ya yè¢yé¢ – “a nossa moeda não vale pelo poder. Como querendo subver-
quase nada”), como na vida social ter o ditado popular iorubano Àgbà ò
(Olé o jé¢ ki awo¢n onimo¢tò o sinmi sí nígbè¢é¢ ò¢ké¢ré¢,16 os meninos de Baba
mó¢n nígboro — “os proprietários de Etíye¢rí dramatizam a vontade de se-
carros morrem de medo de assaltan- cessão que impulsionam muitos dos
tes”). Por fim, há a parábola do representantes das diversas regiões da
egungun-dançarino chamado Aré¢kú federação. Através da cantiga kànnà-
O¢ba-Oníjó, que teve que escolher kànnà já tòwú-tòwú!,17 insinuam ha-
entre confiar na sua arte ou se con- bilmente que, em vez de uma região
formar com o intervencionismo das da federação eternizar-se no poder,
poderosíssimas corporações que lhe seria melhor que cada região ficasse
prometem apoio financeiro para aper- com a sua autonomia, mesmo se isto
feiçoar sua arte. Com esta narrativa, implicasse na ruptura do contrato fe-
o ancião Etíye¢ rí comunica ao rei deral.
Bò¢sípò a impossibilidade de concili- Enfim, não pode ser por mera coinci-
ar seu desejo de reformar a sua na- dência que só os dois ministros mais
ção e satisfazer, ao mesmo tempo, as poderosos de Onijogbo – Balogun
instituições financeiras mundiais
(FMI, Banco Mundial, etc.) e os cre- 16
Ditado cuja significação afirma o princí-
dores notórios das nações do Tercei- pio da igualdade de direitos e responsabi-
ro Mundo, como o famoso Clube de lidades entre todas as etnias componentes
Paris e os países do chamado G-8. A da nação nigeriana.
17
Kànnà-kànnà é um brinquedo de crianças,
este respeito, o veredicto dos nacio- cujo componente principal é uma cordi-
nalistas não deixa lugar a nenhum nha. Esta corda corre o risco de partir sem
equívoco. Sentenciam: Bata o jé¢ n cerimônia, caso surja qualquer disputa
entre os participantes do jogo.

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(Lere Paimo) e S¢ e riki (Larinde dores de cabeça ao presidente, duran-
Akinleye) — se tornaram vítimas te o seu primeiro mandato de 1999 a
eventuais deste exercício de purifica- 2003. Este final do filme demonstra a
ção através da ação mística do Agogo eficácia profética da segunda estrofe
Èèwò¢, morrendo de “dores de barri- do Odù (texto oracular) de advertên-
ga”,18 tal qual ocorreu na vida real da cia de Agogo Èèwò¢, O¢jó¢ è¢san ò lo títi,
nação nigeriana com dois dos piores kò jórò ó dun ni! (“O dia da retribui-
atores políticos que deram maiores ção não tarda mais a chegar”).
Félix Ayoh’Omidire
Doutor em Letras pela UFBA,
Professor de línguas estrangeiras na Obafemi
Awolowo University, Ilê-Ifé, Nigéria,

18
Na linguagem metafórica iorubana, inú-
rirun (dor-de-barriga) é sinônimo de des-
gosto e aborrecimento.

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