2ª Conferência Internacional do
Conselho Empresarial Brasil-China
Desafios Emergentes
São Paulo – SP
17 e 18 de abril de 2007
INSTITUCIONAL
ABERTURA GERAL
Segundo Castro Neves, não se deve minimizar o dilema daquelas indústrias mais
diretamente impactadas, mas é fundamental reconhecer que essa situação afeta
dezenas de setores, mundo afora, e a única resposta possível é a das políticas públicas
de reforço da competitividade estrutural, associadas a estratégias empresariais que
possam identificar nichos de mercado e melhores estruturas de custo.
“Partindo do princípio de que o Brasil não quer, nem deve, perder o bonde das
oportunidades, uma primeira premissa é não cair na tentação das soluções simplistas,
como preconizar um protecionismo, de resto pouco eficaz como instrumento de
proteção em um mundo globalizado onde os processos produtivos são cada vez mais
internacionalizados. Isso não nos levará a lugar algum.” Não protegerá a indústria de
forma sustentada e criará um ambiente hostil junto a nossos parceiros. Não se deve,
por outro lado, abrir mão de medidas de defesa comercial, mas é preciso ter em
mente que mecanismos de defesa comercial não devem ser substitutos de uma política
comercial propriamente dita.
Ajit Tolani, gerente da KPMG em Nova Iorque, resumiu da seguinte forma os fatores
para a competitividade indiana: política de atração de investimentos em propriedade,
geração e promoção de unidades produtivas para exportação através de zonas
econômicas especiais, melhoria paulatina das condições de fornecimento de energia
elétrica, grandes oportunidades de investimentos no mercado varejista,
implementação do imposto sobre o valor agregado e liberalização do investimento no
setor de seguros.
Nos termos de troca, o impacto do crescimento chinês deverá ser positivo para países
exportadores de matérias-primas e insumos em geral, que deverão continuar assistindo
ao aumento dos preços de seus produtos, em especial das commodities, cada vez mais
escassas. Por outro lado, a tendência de preço para as manufaturas menos sofisticadas
é de queda, dado o aumento de escala provocado pelo modelo indiano e chinês.
China agrava desafio energético mundial - Caso a China atinja um patamar de consumo
per capita similar ao norte-americano, seriam necessários 80 milhões de barris de
petróleo por dia (bpd) para sustentar seu crescimento, o que equivale a toda a
produção mundial, conforme previsão de Wenran Jiang. Atualmente, a China consome
7 milhões bpd, ao passo que os EUA, com 5% da população mundial, utilizam 25% da
produção global, o equivalente a 20 milhões bpd. A crescente demanda chinesa pela
commodity deve manter os preços em alta nos próximos anos. Wenran alerta para a
necessidade de o mundo adaptar-se às necessidades energéticas chinesas e não ignorar
a busca do país por parceiros fornecedores.
Ainda segundo Kroeber, esse modelo é muito similar ao adotado por Japão e Coréia do
Sul entre as décadas de 50 e 70, quando os bancos nacionais foram responsáveis por
facilitar o crédito para empresas envolvidas na produção.
No âmbito das relações comerciais bilaterais, o México possui pauta exportadora para a
China diferenciada dos demais países latino-americanos, com participação significativa
de produtos de maior valor agregado - eletrônicos e autopeças correspondem a 45% das
vendas. Entretanto, a venda de commodities, sobretudo minerais, tem registrado
crescimento expressivo, o que caracteriza processo de “latinoamericanização” da
pauta exportadora do México para a China, destaca Enrique Dussel Peters, coordenador
de política econômica da Universidade Nacional Autônoma de México (UNAM).
A China é o segundo maior parceiro comercial mexicano e, assim como a maior parte
dos países americanos, a balança comercial é superavitária para os chineses. O México
acumula déficit gigantesco com o país, liderado por produtos manufaturados. Em 2006,
o país importou US$ 22 bilhões em produtos chineses, enquanto o volume exportado
para China foi de apenas US$ 1,6 bilhão.
Na análise da emergência dos países asiáticos, não se pode negar a influência dos
impactos ambientais e dos desafios energéticos como fatores para a estabilidade de
suas lideranças no futuro, bem como a questão dos recursos naturais.
Poluição - Das 20 cidades mais poluídas do mundo, 16 são chinesas, de acordo com
Elizabeth Economy. O resultado é reflexo da prevalência do carvão como principal
matriz energética do país e dos baixos incentivos para que empresas locais se adaptem
a legislações de proteção ao meio ambiente. Apenas 5% das companhias chinesas
investem em tecnologia para diminuir a emissão de gases tóxicos. As multas para as
indústrias poluentes na China são, com freqüência, irrisórias e, não raramente, é mais
barato pagá-las do que arcar com custos necessários para adaptar-se aos padrões
ambientais internacionais. Somente 18% das empresas chinesas acreditam que é
possível combinar crescimento com proteção ambiental.
Elizabeth Economy admite que temas relacionados ao meio ambiente ganharam espaço
na agenda pública nos últimos três anos. O governo chinês reconhece que o
crescimento econômico pode ser minado pela poluição e que a proteção do meio
ambiente é elemento fundamental para a constituição de uma “sociedade
harmoniosa”. A pesquisadora também acredita que o processo de internacionalização
das empresas chinesas poderá ajudar a melhorar o respeito ao meio-ambiente, até
mesmo em função da pressão de acionistas. A meta chinesa é possuir 16% de matriz
energética renovável até 2010.
Apesar disso, Economy acredita que dificilmente a meta será cumprida, dado que não
há estímulos diretos àqueles que colaborarem. A perspectiva é de que o consumo de
carvão dobre nos próximos anos - atualmente apenas 5% das usinas de carvão usam
mecanismo de controle de poluição.
Matriz energética – De acordo com Luiz Carlos Corrêa Carvalho, presidente da Câmara
Setorial da Cadeia Produtiva do Açúcar e do Álcool e diretor da Associação Brasileira
de Agribusiness (ABAG), a matriz energética chinesa terá que passar por mudanças
significativas e não poderá mais depender tanto de carvão e petróleo. O carvão
mineral é responsável hoje por 60% do consumo de energia chinês. Embora o índice de
consumo per capita de energia no país seja 11 vezes menor do que nos Estados Unidos
e cinco vezes menor do que no Japão, o rápido crescimento populacional e a
impressionante urbanização tornam essencial a busca de fontes alternativas. Em 2030,
o país deverá responder por 60% das emissões per capita de CO² do mundo.
É importante lembrar que a China passa por crescimento de sua frota de automóveis,
cuja produção cresceu 7,5% de 2005 para 2006. Para 2010, a previsão é de que o
incremento será de 12 milhões de automóveis por ano, o que agrava o desafio
energético chinês.
O presidente do ICONE afirma que o Brasil tem oportunidade no comércio agrícola com
a China. Os brasileiros podem rearranjar sua produção de cana, milho, trigo e algodão,
além de sua grande reserva de pastagens para utilizá-los de maneira muito mais
eficiente. “Hoje a relação da China com o Brasil ainda é muito oportunista. O
protecionismo continua, pois a China compra soja brasileira apenas quando preciso.
Poderíamos fazer coisas mais sofisticadas”, afirma Marcos Jank.
Lehmann prevê que nos próximos vinte anos será impossível vivenciar um sistema
econômico aberto coabitando com sistema político fechado. Em um dado estágio, o
pesquisador acredita que haverá grande demanda por direitos políticos na China. A
questão esta em saber se a abertura se dará de forma evolutiva ou de maneira
abrupta. “Eu sou otimista. Acho que estamos assistindo ao inicio das mudanças”,
concluiu.
O palestrante Leo Abruzzese aponta como um dos desafios chineses o baixo consumo
da população; a contribuição do consumo para o PIB ainda é baixa. Nos Estados Unidos
e na Europa, o consumo responde por 60 ou 70% do PIB. Exportação e investimento são
os motores de crescimento do PIB chinês. O palestrante aponta mais consumo e menos
investimento como receita para crescimento sustentável chinês.
Outro desafio apontado pelo palestrante foi a evolução do sistema bancário. “Há
poucos anos atrás era comum escutar que sistema bancário chinês era insolvente, mas
tem melhorado muito. O crédito está crescendo muito rápido e os padrões de
empréstimo caem. Há reservas suficientes e não é esperada nenhuma crise” afirma
Abruzzese.
Desafios indianos – Em relação à Índia, Leo Abruzzese apontou como desafios uma
possível bolha de crescimento, déficit em infra-estrutura, pobreza, privilégio do
terceiro setor em detrimento das manufaturas, e lentidão nas reformas em razão de
entraves políticos. Sobre os problemas de infra-estrutura, Abruzzese afirma que “Das
empresas indianas, 60% possuem geradores, contra 20-25% na China e 17% no Brasil.
Além disso, não há uma cidade que tenha água 24 horas por dia todos os dias”.
Já Arthur Kroeber não enxerga mudanças significativas a curto prazo – “é difícil ver
uma pressão significativa na China”. Com as mudanças demográficas decorrentes da
prosperidade econômica, a natureza da população urbana vai ser diferente em 15
anos, que eventualmente pressionará o governo por reformas políticas.
“É preciso ter nervos de aço para operar na China, pois é uma experiência que exige
combinação de política e estratégia de negócio”, afirma Henrique Rzezinski, vice-
presidente sênior de Relações Externas da Embraer. O modelo de negócio adotado
internacionalmente pela Embraer (e também no caso chinês) baseia-se no
estabelecimento de parcerias de risco – as empresas parceiras disponibilizam capital
antes mesmo de o avião ser idealizado. A relativa facilidade de obtenção de crédito,
reflexo do projeto nacional de desenvolvimento do setor aeronáutico, faz da China
uma opção vantajosa de plataforma de produção.
Um dos principais desafios a ser enfrentado pelas empresas no país refere-se ao direito
de propriedade intelectual. As compensações financeiras não são relevantes em termos
de valor, e o sistema jurídico ainda é insipiente. Contudo, a entrada da China na
Organização Mundial do Comércio (OMC) deve auferir maior segurança aos
investidores. “É importante crescer no mercado chinês, caso contrário perderemos
espaço para os concorrentes locais”, destaca Ernesto Heinzelmann, presidente da
Whirlpool S.A. - Unidade Embraco, vice-presidente do Conselho de Administração da
BESCO e presidente do Conselho Empresarial Brasil–China.
“É preciso usar o mundo que está sendo criado pela China para virar o crescimento
brasileiro em direções mais ambiciosas”, desafia Antonio Barros de Castro, diretor de
Planejamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Para Barros de Castro, a emergência econômica de China, Índia e alguns países do
Sudeste Asiático, como Vietnã, não representa uma bolha de crescimento ou de
consumo e, ao contrário, deve inaugurar um novo paradigma industrial, baseado
fundamentalmente em biotecnologia e outras tecnologias de ponta. “Subitamente,
quase 40% da população mundial foi inserida no consumo. É óbvio que não há
combustíveis e metais para sustentar isso. Alguma coisa muito importante está por
acontecer.” Em suma, para dar conta dessa gigantesca nova demanda, novas
tecnologias terão que se desenvolver.
Sobre a Conferência
Para Arthur Kroeber, diretor da Dragonomics Research & Advisory, talvez tenhamos
experimentado nos últimos 20 anos sentimento de crescimento espetacular e de maior
integração global, processo inevitável e irreversível. Kroeber ressalta que a ascensão
de China e Índia e o conseqüente realinhamento no atacado são fatos que não podem
ser descartados. “Globalização é uma força que não se pode interromper”, acrescenta.
A questão chinesa
Existem enormes diferenciais entre Brasil e China, como carga tributária, infra-
estrutura, investimentos em educação e planejamentos de longo prazo, que fazem
com que o caminho de ascensão percorrido pelos orientais seja mais rápido e
qualitativo. O país fala abertamente sobre metas e dilemas para o futuro, tais como
insuficiência energética, e reconhece que seu crescimento é insustentável, de acordo
com Ernesto Heinzelmann. “Falta ao Brasil e suas lideranças um espírito de
coletividade, pois atualmente a defesa de interesses próprios promove atrasos para o
país”, complementa.
Para a professora Eliana Cardoso, “dançar com a China” é uma grande idéia e isso tem
sido feito nos últimos anos pelo Brasil. O momento positivo pelo qual o país está
passando é, em parte, derivado do impacto do crescimento chinês sobre o resto do
mundo e advém de um choque positivo do nosso intercâmbio. Com o crescimento das
exportações, foi possível melhorar os indicadores externos. “Já estamos dançando com
a China e é uma dança muito boa”, finaliza.
Rodrigo Tavares Maciel, secretário Executivo do CEBC, crê que o Brasil não entende a
China e mal sabe o caminho para fazê-lo. Atualmente, as empresas brasileiras
encontram-se em fase inicial de internacionalização; no caso dos investimentos
brasileiros em território chinês, o Brasil conta com menos de dez já implantadas. O
desconhecimento ainda é grande e é importante fator impeditivo para o
desenvolvimento das relações entre os dois países. “Os empresários precisam enxergar
que as oportunidades não permacerão para sempre”. Há a necessidade de um impulso
aos empresários brasileiros para que esse cenário seja alterado. Os chineses fazem seu
“dever de casa” há anos - “A China foi quem descobriu o Brasil”, confere Maciel e
acrescenta “talvez seja o momento de corrermos atrás e fazermos o mesmo”.
O Brasil
A questão indiana
George Vidor argumentou que a similaridade entre Índia e Brasil é infinitamente maior,
incluindo muitos problemas comuns, tais como educação restrita, infra-estrutura
precária e desemprego. Porém a Índia possui razões para estar otimista. Um dos
aspectos que chama a atenção é a necessidade de reforma tributária. No Brasil, a
reforma encontra-se em pauta há anos, devido principalmente, à falta de consenso no
sistema político que causa estagnação do sistema tributário nacional. Na Índia, a
reforma já se encontra em processo, na qual uma das novidades foi a implementação
do VAT (imposto sobre valor agregado, na sigla em inglês). A grande dúvida seria como
a introdução desse imposto seria feita, devido à falta de consenso entre os poderes.
Para Ajit Tolani, gerente da KPMG em Nova Iorque, a constituição nacional indiana
define quais impostos são de responsabilidade do governo central e quais são do
governo estadual, sem que haja ambigüidade entre as leis. No caso do VAT, a decisão
foi do governo central, mas o desafio na implementação foi ter retirado a autonomia
do Estado quanto às cobranças dos impostos sobre a venda. Durante cerca de cinco
anos, houve formação de comitês com ministros de finanças dos estados e discussões
para que se chegasse a um consenso. Cerca de 10% dos governos locais, que são de
partidos de oposição, não implementaram o imposto por não concordarem, mas para
Tolani acabarão por fazê-lo.
O setor siderúrgico é dominado pelo setor público e possui apenas uma empresa
privada, de um total de oitenta, devido ao regime protecionista. Nos últimos quinze
anos, a Índia adquiriu know-how através do processo de reformas econômicas, mas não
possui competitividade como outros asiáticos.
Pode-se dizer que o crescimento africano não é qualitativo e sua base é muito
pequena, apesar das taxas serem muito boas (da Angola, por exemplo, foi de 20%). De
acordo com Neuma Grobbelaar, diretora de pesquisa do South African Institute of
International Affairs (SAIIA, na sigla em inglês), devido aos atrasos no desenvolvimento,
não ocorreram avanços significativos no continente por muito tempo e o caminho a
percorrer ainda é longo. Ainda há muita pobreza, mas a África continuará sendo fonte
robusta de recursos por vários anos. O grande desafio é encontrar seu próprio caminho
e implementar reformas institucionais para que seja possível que o continente alcance
uma eqüidade com o crescimento chinês.