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I - efetivo cumprimento do disposto no art.

212 da
DIRETRIZES CURRICULARES Constituição Federal;
NACIONAIS ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO
II - a apresentação de Plano de Carreira e
Remuneração do Magistério, de acordo com as
I - RELATÓRIO diretrizes emanadas do Conselho Nacional de
Educação, no prazo referido no artigo anterior".

o Histórico
Esta determinação legal reformou o estudo que vinha
sendo realizado visando ao estabelecimento das
O Senhor Ministro de Estado da Educação e do mencionadas diretrizes. Evidentemente, não se trata
Desporto, Doutor Paulo Renato Souza encaminhou ao de decisão que deva ser adotada sem ampla
Senhor Presidente deste Conselho, o Aviso n discussão, sem o envolvimento das partes diretamente
337/MEC/GM, de 19/6/96, com o qual solicita o interessadas na formulação de tais normas. E esta tem
pronunciamento da Câmara de Educação Básica sobre sido a disposição da Câmara, Já anteriormente, quando
projeto de diretrizes nacionais para a remuneração e o Conselheiro João Monlevade conduzia o estudo que
carreira do magistério público. culminou no Parecer 2/97 - CEB, de 24 de fevereiro de
1997, esse diálogo foi observado. E agora, quando da
O expediente, recebido em 20/6/96 e encaminhado a solicitação contida no Aviso n° 178/MEC/GM,
CEB/CNE, teve como relator o Conselheiro João Antônio mencionado anteriormente, novas tratativas foram
Cabral de Monlevade que, no fundamentado Parecer n° entabuladas, até com a própria contribuição do Senhor
2/97, publicado na Documenta n° 425, página 520, Ministro Paulo Renato Souza, e tendo também em
produziu meticuloso estudo acompanhado por Projeto conta preocupações de entidades interessadas no
de Resolução relativo à matéria, aprovado pela assunto.
Câmara.
O presente estudo resulta do ponderado cotejo entre
O processo foi encaminhado ao MEC, por intermédio do as múltiplas questões presentes em uma decisão desta
Senhor Secretário Executivo do CNE, com o Ofício natureza, que alcançará todo o território nacional e
CNE/CEB n° 187/97, de 11 de março de 1997, para que, portanto, precisa ser adotada com os mais
apreciação nos termos do artigo 2° da Lei n° 9.131/95. esmerados cuidados. Se, a despeito de toda a
discussão anterior, a decisão adotada ainda incluiu
dispositivos cuja aplicação resultaria em dificuldades
O expediente foi restituído ao Senhor Presidente deste
insuperáveis, é indispensável que se reabra o diálogo e
Colegiado, pelo Aviso n° 178/MEC/GM, de 16 de abril
que haja transparente disposição para modificar o que
de 1997, com solicitação de "reexame do Parecer e do
a sensatez indique como medida necessária.
conseqüente projeto de Resolução apresentado pela
Câmara do Ensino Básico", à luz de todas as razões
expostas no mencionado expediente. A exposição contida no Aviso Ministerial é longa e
minuciosa, além de estar complementada por
"Observações da Assessoria Técnica do MEC", tudo em
Em razão do pedido de reconsideração do MEC, a
consonância com o resultado de "consultas ao CONSED
Câmara de Educação Básica apreciou os argumentos
e à UNDIME", como o documento atesta. Os pontos
do Ministro e de sua equipe técnica através de um
objeto de preocupação e, conseqüentemente, do
grupo de estudos constituídos pelos Conselheiros Almir
pedido de reexame abrangem os seguintes aspectos:
de Souza Maia, Regina Alcântara de Assis, Carlos
Roberto Jamil Cury e João Antônio Cabral de
Monlevade. Um novo texto foi proposto, conservando o a. Piso Salarial
essencial do ante-projeto da Resolução, que passou a Nacional - sob o
distinguir princípios, diretrizes e recomendações. foi fundamento de que o
reservado para as últimas a menção ao Piso Salarial dispositivo
Profissional e ao custo-aluno-qualidade, referenciados constitucional contido
ao Plano Nacional de Educação. Este texto, submetido no art. 206, inciso V
ao plenário da Câmara, recebeu emendas, contivesse estabelece, entre
diretrizes, e , numa Sessão em que se contou com a outros princípios, a
presença do Ministro da Educação, tomou seu formato "valorização dos
de conteúdo definitivo, após divergências e consensos profissionais do ensino,
marcados com votos que definirão o pensamento da garantindo, na forma
maioria. O presente texto do Parecer e da Resolução da lei, planos de
incorpora a contribuição final do Plenário da Câmara, carreira para o
nas Sessões de 2 e 3 do corrente mês de setembro. magistério público,
com piso salarial
o Mérito profissional..." (grifo do
autor), o entendimento
é o de que a
A Lei 9.424, de 24 de dezembro de 1996, que dispõe Constituição remete a
"sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do questão do piso à lei
Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, na própria, no caso à LDB.
forma do art. 60 do Ato das Disposições Esta, por seu turno, ao
Constitucionais Transitórias", determina em seu art. abordar o assunto no
10, verbis: artigo 67, atribui
"Art. 10 - Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios competência, neste
deverão comprovar: particular,

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"explicitamente aos Cumpre ao relator declarar que todas as observações
sistemas de ensino aqui referidas foram atentamente consideradas pelos
(federal, estaduais e membros da CEB que, por maioria, aprovaram as
municipais)", tornando alterações necessárias, introduzidas no projeto de
tais entes federativos Resolução. Assim, a redação do projeto anterior sofreu
os responsáveis pela acentuadas alterações como se verificará, depois de
valorização dos oportunas conversações das quais participaram o
profissionais da próprio titular da Pasta da Educação, juntamente com
educação, entre outras alguns de seus assessores mais próximos.
medidas,
"assegurando-lhes piso Uma análise da nova redação, artigo por artigo, revela
salarial profissional (...) as alterações de forma e conteúdo, introduzidas no
nos termos dos texto para compatibilizá-lo com as ponderações
estatutos e dos planos mencionadas:
de carreira do
magistério público".
Art. 1° - O artigo introdutório estabelece o fundamento
b. Custo-aluno- legal da fixação das Diretrizes para os Novos Planos de
qualidade - também Carreira e Remuneração para o Magistério Público,
objeto das pelo Conselho Nacional de Educação (artigos 9° e 10
considerações em da Lei 9414/96).
exame, foi tratado com
a argumentação de
não haver constatado Art. 2° - Define os profissionais que integram a carreira
da proposta do magistério nos sistemas de ensino público, pelo
encaminhada à exercício da docência ou pelo oferecimento de suporte
CEB/CNE em razão da pedagógico a tal atividade, na direção ou
inexistência, ainda, de administração escolar, bem como no planejamento, na
estudos ou consultas inspeção, na supervisão escolar ou orientação
indispensáveis à educacional.
formulação de um
projeto neste sentido. Art. 3° - Em sintonia com o artigo 67 da Lei n° 9394/96,
Daí, haverem sido o dispositivo trata da forma de ingresso na carreira do
consideradas magistério público, com a valorização dos profissionais
prematuras quaisquer da educação. Com este escopo, é dada ênfase: à
propostas a respeito. indispensabilidade do concurso público como
instrumento de ingresso na carreira (caput); à
Depois das reflexões que levaram o MEC ao importância docente como pré-requisito para o
estabelecimento do valor de R$ 300,00 (trezentos exercício de quaisquer das outras funções de
reais) para o salário médio mínimo, uma vez magistério (§ 1°); à necessidade da realização
implantado o Fundo de Manutenção e periódica dos concursos públicos (§ 2°); e à ocasião em
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de que deve ocorrer o estágio probatório, determinado na
Valorização do Magistério, a exposição esclarece que lei (§ 3°).
"os cálculos efetuados permitem ao Governo Federal
assegurar uma complementação de recursos que Art. 4° A qualificação para o exercício da docência é
garanta esse custo mínimo por aluno/ano no citado abordada nos três incisos do caput, onde o ensino
valor, para os Estados onde o efeito da redistribuição médio completo, na modalidade normal, é exigência
promovida pelo fundo se tornar inferior ao mesmo. A mínima para atuação na educação infantil e nas quatro
conclusão é a de que "a remuneração média mensal primeiras séries (inciso I); o ensino superior em curso
de R$ 300,00 como o menor valor nacional, aplica-se de licenciatura, de graduação plena, é a qualificação
apenas àqueles municípios que não coletam nenhum mínima indispensável para a docência nas quatro
imposto, mas vivem tão somente de recursos últimas séries do ensino fundamental e no ensino
transferidos". médio (inciso II); e a formação superior em áreas
correspondentes, com a complementação pedagógica
Na seqüência do Aviso, o Projeto de Resolução nos termos da legislação vigente, é também admitida
aprovado com o Parecer n° 2/97 - CEB/CNE, já citado, é para exercício nas séries finais do ensino fundamental
analisado em alguns de seus dispositivos, como o art. e no médio (inciso III).
1°, inciso I, alíneas "b", "d", "e" e "f", inciso III, inciso
XIV, alínea "a" e "b". É enfatizado que a viabilidade da Em dois parágrafos, a Resolução se ocupa: de definir a
proposta do Ministério foi "baseada inteiramente em qualificação para exercício "das demais atividades de
cálculos referentes ao ensino fundamental", assentada magistério", não docentes ( § 1°); e do prazo (5 anos),
em "pressupostos muito específicos", cuja observância para que os docentes já em exercício alcancem pelo
será básica para que as diretrizes consideradas se menos a qualificação mínima estabelecida na lei (§ 2°).
tornem exeqüíveis, na sua plenitude.
Art. 5° - A implementação dos programas visando ao
Por todas as razões expostas foi o que o Senhor desenvolvimento profissional dos docentes é do que
Ministro solicitou o "reexame do Parecer e do trata o caput do artigo, pela via de ações
conseqüente projeto de Resolução aprovado pela especificamente planejadas e desenvolvidas, sempre
Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de que possível através do projeto de cooperação entre os
Educação". sistemas de ensino. O aperfeiçoamento em serviço
haverá de ser meta permanente para impedir a

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estagnação dos quadros docentes das escolas 3° Conceito - o Custo total médio dos professores por
públicas. ano dividido pelo número de meses e descontado o
custo da quota patronal da previdência, resulta no
O parágrafo único orienta sobre as formas de salário médio mensal do professor.
promover a implementação dos programas de que
trata o caput, considerando: o entendimento De tudo, a seguinte fórmula:
preferencial das áreas carentes de professores (inciso
I); a priorização voltada para os professores que terão Custo Médio de Alunos x 0,60 N° Médio Alunos
mais tempo de permanência no serviço público ato p/Professor = 13 (meses) x 1,12 (encargos) = Salário
(inciso II); a necessidade da utilização de diversificadas Médio
metodologias no desenvolvimento dos projetos, entre
as quais a educação a distância pode desempenhar
papel bastante significativo (inciso III). ou

Art. 6° - O artigo 67 da Lei n° 9.394/96 define formas CM x 0,60 x 25 = CM x 15 = SM


de valorização dos profissionais da educação, 13 x 1,12 14,56
"inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de
carreira do magistério público". O art. 6°, ora Assim:
considerado, acrescenta outras formas de cuidado na
formulação dos planos de carreira, não apenas em
benefícios de todo processo educacional de cada I. quanto maior
sistema mas, também, em favor dos próprios for o número médio de
profissionais do magistério que permaneçam no alunos por professor,
constante exercício de suas tarefas. Isto, porque na maior será o salário
medida em que os procedimentos são adequadamente médio do professor;
racionalizados, os recursos se tornam mais fartos, até II. se o número
mesmo para a melhor remuneração dos que persistem médio de alunos por
no pleno desempenho de suas ações docentes. professor for igual a
25, o custo médio de
Os oito incisos que integram o dispositivo tratam de aluno por ano é
normas segundo as quais: não se incluirão na aproximadamente
remuneração os benefícios pagos durante afastamento igual ao salário médio
da atividade (abonos de faltas, licenças ou mensal do professor
justificativas), a não ser as que estejam previstas na (as Diretrizes de
Constituição Federal (inciso I); só será admitida a Carreira propõem um
cedência de integrante do magistério para fora do mínimo de 25 alunos
sistema de ensino quando ato não decorrer ônus para por turma).
o sistema de origem (inciso II); serão asseguradas
férias anuais de 45 (quarenta e cinco) dias aos A Relação entre salário médio e piso salarial parte dos
docentes em exercício da regência, garantindo-se aos seguintes conceitos:
demais integrantes do magistério 30 (trinta) dias
(inciso III); será admitida a jornada de até 40 1° Conceito - em cada Estado e em cada Município há
(quarenta) horas, das quais 20% a 25% (vinte a vinte e um valor médio do salário correspondente ao custo
cinco por cento) deste total destinadas a atividades médio aluno desse Estado ou Município;
como preparação em reuniões pedagógicas,
articulação com a comunidade e aperfeiçoamento
profissional, tudo de conformidade com a proposta 2° Conceito - o salário médio é o valor médio entre o
pedagógica da instituição (inciso IV); de modo a não maior e o menor salário da carreira;
permitir distorções inconvenientes, a remuneração dos
portadores de licenciaturas plenas não deverá 3° Conceito - cada Estado e cada Município deverá
ultrapassar de 50% (cinqüenta por cento) a dos definir em lei sua carreira de magistério.
formados em nível médio (inciso V); o incentivo à
progressão por qualificação para o trabalho docente Conclusão: Em cada Estado e em cada município será
levará em conta a dedicação exclusiva ao cargo, o fixado um menor salário admissível no respectivo
desempenho no trabalho, a qualificação em sistema, compatível com o seu salário médio.
instituições devidamente credenciadas, o tempo de
serviço docente, a periódica aferição de
conhecimentos que estimulem o permanente Resumindo:
crescimento profissional (inciso VI e alíneas); não será
permitida a incorporação de quaisquer gratificações, I. Em cada Estado e
dentro ou fora do sistema de ensino, à remuneração Município há um custo médio
dos integrantes do magistério ou aos proventos da por aluno associado ao volume
aposentadoria, de sorte a impedir o favorecimento de de imposto arrecadados e ao
poucos em detrimento do restante da categoria (inciso número de alunos nas
VII); para garantia de efetivação somente pela via do respectivas redes de ensino;
concurso, não será admitida a passagem do docente
de um nível de atuação (quatro primeiras séries do
II. Dado um valor de custo
fundamental para subseqüentes ou para o ensino meio aluno, o valor do salário
médio por exemplo), sem o concurso próprio, a não ser médio do professor depende
para exercício temporário, em atendimento a uma do número médio de alunos
imperiosa necessidade do serviço (inciso VIII). por professor, na respectiva
rede de ensino;
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III. Dado um valor de universalização da educação básica pública de
salário médio por professor, o qualidade, como direito de todos e dever do Estado.
valor do menor salário
depende da amplitude da A Câmara de Educação Básica do CNE acolheu a
escala de salários, lembrando proposta do MEC, contextualizada pela PEC 233/95 que
que quanto maior for a se converteu na EC 14, de 12 de setembro de 1996,
amplitude menor será esse pela qual se vinculou por dez anos a percentagem de
piso; 60% dos recursos constitucionais destinados à
IV. O custo médio aluno de manutenção e desenvolvimento do ensino , ao Ensino
R$ 300,00 (trezentos reais) Fundamental, e se criou para maior eqüidade na
somente se verificará nos distribuição dos impostos, o fundo de Valorização do
municípios onde a arrecadação Magistério (FVM), com a disposição de estudá-la e
de impostos locais for aperfeiçoá-la.
inexistente (somente recursos
de transferências), uma vez Sabíamos de antemão que a questão do salário do
que em todos os demais casos professor é muito complexa e que sua desvalorização
serão observados valores se deu num intricado jogo de mudanças econômicas,
maiores que estes; demográficas, políticas e sociais que não são de fácil
V. No municípios onde o reversão. Era completamente diferente a situação dos
salário médio do professor Estados nas primeiras décadas deste século, por
fosse R$ 300,00, sendo exemplo, quando mantinham um número mínimo de
adotada a amplitude de 50% o escolas secundárias, com poucos alunos e menor
menor salário seria de R$ necessidade de professores, e a realidade de hoje,
240,00 (máximo de R$ quando quase oitenta por cento da população de seis a
360,00). dezessete anos está matriculada nas escolas públicas
e exigem quase dois milhões de professores para lhes
prover o ensino fundamental e médio. Por mais que
II - VOTO DOS RELATORES aumentassem a arrecadação de impostos e as
proporções de gastos em educação, não seriam
Com as considerações contidas neste parecer, os praticáveis os salários pagos então aos catedráticos de
Relatores são por que seja aprovado o texto ora Liceus e Escolas Normais, muitas vezes iguais aos dos
proposto para o Projeto de Resolução anexo, que "Fixa juízes e promotores de justiça, com vencimentos
Diretrizes para os novos Planos de Carreira e de iniciais superiores a US$ 2.000,00 mensais.
Remuneração para o Magistério dos Estados e dos
Municípios". Entretanto, se queremos valorizar o professor do
ensino fundamental e dos outros níveis da educação
Brasília-DF, 3 de setembro de 1997 básica - educação infantil e ensino médio - não posso
absolutamente concordar com mecanismos que
Ulysses de Oliveira Panisset - Relatores resultem em salários abaixo do potencial e, pior, tão
insuficientes e indefinidos que irão forçar o professor à
escolha da multi-jornada e do multi-emprego,
Iara Silvia Lucas Wortmann condições que os Conselheiros desde o princípio da
discussão das Diretrizes tinha identificada como fator
III - DECISÃO DA CÂMARA de desvalorização profissional e desqualificação do
ensino público.
A Câmara de Educação Básica aprova, por maioria, o
Voto dos Relatores. Votaram a favor da proposta Ora, o Parecer CEB 2/97 com o ante-projeto de
apresentada no Parecer, os Conselheiros Jamil Cury, Resolução a ele anexo (Documenta 425, pág. 520-
Almir de Souza Maia, Fábio Luiz Marinho Aidar, Regina 545), de que fui relator, e mais ainda o texto do projeto
Alcântara de Assis e Guiomar Namo de Mello que de Resolução resultante do trabalho dos Conselheiros
apresentou voto em separado. Votaram contra a Carlos Roberto Jamil Cury, Almir de Souza Maia, Regina
proposta os Conselheiros João Antônio Cabral de Alcântara de Assis e João Antônio Cabral de
Monlevade, que apresentou também voto em separado Monlevade, após o pedido de reconsideração do MEC,
e foi acompanhado pelas Conselheiras Edla de Araújo havia chegado a uma formulação, a meu ver, que
Lira Soares e Hermengarda Alves Lüdke. marcava um critério e um rumo seguro de re-
valorização salarial. O critério era inspirado na EC 14:
Sala de Sessões, em 3 de setembro de 1997. destinar no mínimo sessenta por cento da arrecadação
total vinculada à manutenção e desenvolvimento do
ensino, ao pagamento dos professores da educação
(aa) Carlos Roberto Jamil Cury - Presidente básica em cada sistema de ensino, estadual ou
municipal. Isso sinalizava o esforço máximo dos
Hermengarda Alves Ludke - Vice-Presidente governos em arrecadar e destinar recursos públicos
para o pagamento dos professores em exercício. E o
DECLARAÇÃO DE VOTO rumo da progressiva valorização era dado pela
recomendação de se incluir no Plano Nacional de
Educação dois mecanismos eficazes de valorização do
A valorização do professor dos demais profissionais da professor no contexto da diversidade federativa e da
educação, objetivo maior das Diretrizes Nacionais para re-qualificação do ensino público: O Piso Salarial
a Carreira e Remuneração do Magistério cometidas ao Profissional e o "custo-aluno-qualidade", previsto na
Conselho Nacional de Educação, se deve perseguir, na nova LDB.
minha visão, dentro da política mais ampla de

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Sabe-se que a simples disponibilidade de mais primeiras vítimas seriam os professores a partir de
recursos a ser propiciada pelo FVM a alguns Estados e agora mais solidários na sua miséria salarial e no
a muitos Municípios não irá automaticamente resultar esforço de multiplicar suas jornadas, não mais para
em melhoria salarial substantiva para os professores, atender à necessidade de alunos e escolas sem
proporcional ao potencial de arrecadação e nos professores, mas para equilibrar o orçamento familiar
Estados do Pará, onde a Lei 9.424/96 teve sua e continuar equilibrando as finanças do país no seu
implantação antecipada para 1° de julho do corrente ajuste à acumulação do capital internacional. E as
ano, com redistribuição de verbas e suplementação do vítimas finais seriam os alunos das escolas públicas da
MEC, os vencimentos iniciais dos professores passaram Educação Básica, que não contariam com profissionais
dos baixos valores praticados para o mínimo R$ 200,00 de educação com salários e jornadas que lhes
por vinte horas semanais de aula, como o FVM garantissem aprendizagem, mas tão somente com
propicia. São necessários mecanismos indutores de indivíduos reduzidos a máquinas deficientes de
valorização do trabalho e do salário docente. Foi ensinar. A melhor educação restaria aos alunos de
exatamente o contrário que se aprovou na Câmara de escolas particulares, as quais poderiam se manter,
Educação Básica na Sessão em que se concluiu a como já estão fazendo, com um gasto-médio por aluno
votação da Resolução das Diretrizes. Senão, vejamos. do dobro do valor praticado pela média das escolas
públicas do país.
Baseou-se a remuneração média dos professores do
ensino fundamental na divisão dos recursos da sub- O Parecer 2/97 e o texto consensuado no Rio de
vinculação de 60% pelo número de professores Janeiro pelos novos redatores da matéria, constante
necessários para atender aos alunos naquele nível de das atas da CEB, embutiam no projeto de Resolução,
ensino, num regime de jornada de vinte horas de aula não como mandamento legal como recomendação
e numa relação de 25 alunos por professor no política a que se poderiam referir os sistemas de
respectivo sistema. Ora, tal fórmula é duplamente ensino e os sindicatos de trabalhadores da educação,
perversa: primeiro porque no agregado excedente a um referencial de vencimento inicial igual ou superior
60%, tornando a divisão de 60% dos recursos por mais a um Piso Salarial Profissional Nacional que bem
60% de alunos e professores um exercício de poderia se situar com as arrecadações de hoje e com o
rebaixamento da remuneração potencial média; FVM em R$ 500,00 para jornada de 40 horas semanais
segundo, porque a relação de 25 alunos por professor com 25% de horas-atividade, o que elevava o potencial
no sistema associada à jornada de vinte horas de atendimento de cada professor a 37,5 alunos no
semanais de docência em sala de aula ao mesmo conjunto do sistema. E assegurava que a política de
tempo induz à dupla jornada como possibilidade de valorização do magistério passaria pelo
"mais salário" e nega a proposta na globalização, de estabelecimento de um custo-aluno-qualidade,
ampliar a carga curricular dos alunos rumo à escola de previsto tanto na LDB como na Lei 9.424/96, que
tempo integral. regulamenta o artigo 60 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias da Constituição Federal,
Estas referências, ao invés de apontarem para uma Estados e Municípios, obedecida sua capacidade de
progressiva valorização salarial, congelam a situação atendimento nos termos do artigo 75 da Lei 9394/96,
no que está propiciando, quando muito, que recursos que pudessem oferecer vencimento iniciais maiores e
hoje mal distribuídos, se repartam com certa eqüidade. proporção maior de horas-atividades, estariam livres e
Agrava mais o fato de nos Estados de menor instados a fazê-lo, sem perigo de engessamento
arrecadação por habitante, a suplementação do MEC administrativo ou inviabilização financeira, pois o
ter a tendência de ser decrescente, salvo sinalização projeto de Resolução estabelecia limites de progressão
em contrário: primeiro, porque não se inclui entre os na carreira e sinalizava outras formas de
alunos do ensino fundamental os jovens e adultos; financiamento dos inativos da educação , que hoje
segundo, porque o custo-mínimo a ser garantido pelo gravam inexoravelmente os recursos vinculados ao
MEC não se refere a padrões de qualidade mas, ensino.
provavelmente, a "disponibilidade do Tesouro da
União". Em outras palavras: os R$ 300,00 calculados Tais são as razões de meu voto contrário ao presente
em 1995 valem menos que os R$ 300,00 de 1997 e projeto de Resolução. Resta-me esperar que a
talvez menos que um possível custo-mínimo de R$ implantação dos FVM, a implementação pela União,
400,0 a ser definido para 1998, e que será o parâmetro Estados e Municípios do repasse de suas verbas
do salário dos professores. Imagine-se se for fixado vinculadas aos órgãos responsáveis pela educação de
pelo Presidente da República um valor que não cubra a dez em dez dias (art. 69, § 5° da Lei 9.394/96), a
inflação acumulada dos três anos. reinvidicação da sociedade por ensino de melhor
qualidade nas escolas públicas que agora podem
O cerne da questão é o seguinte Se ainda estamos contar com a gestão democrática e principalmente a
longa da universalização do ensino fundamental, radicalização das lutas sindicais do magistério por
principalmente pela dívida social com os jovens e viáveis e melhores salários, sob a liderança cada vez
adultos que não o completaram, e se pretendemos mais lúcida e firme da Confederação Nacional de
oferecer progressivamente ensino médio e educação Trabalhadores em Educação, venham a se constituir
infantil a milhões de brasileiros que a eles ainda não nos ingredientes históricos de futuras decisões do MEC
tiveram acesso, é óbvio que a sociedade via Poderes e do CNE em prol da valorização de todos os
Públicos deve estar disposta a aumentar os recursos profissionais da educação e de uma crescente
destinados à educação . "Não se coloca alunos novos qualificação da escola pública, gratuita e democrática
em dinheiro velho". Caso contrário, nada mais que, tenho certeza, é propósito de construção de todos
estaríamos fazendo do que monitorando o processo os Conselheiros desta Câmara.
gradativo de deterioração da qualidade do ensino
público, oferecendo a cada ano uma menor Brasília-DF, 3 de setembro de 1997
"disponibilidade média de recursos por aluno", como
aconteceu principalmente de 1950 para cá. As (a) João Antônio Cabral de Monlevade

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VOTO EM SEPARADO § 1º. A experiência docente mínima, pré-requisito para
o exercício profissional de quaisquer funções de
Voto contrariamente ao inciso IV do Art. 6° porque: magistério, que não a de docência, será de 02 (dois)
anos e adquirida em qualquer nível ou sistema de
ensino, público ou privado.
a. aprovada a obrigatoriedade de 20% a
25% de horas atividades incorporadas § 2º. Comprovada a existência de vagas nas escolas e
à jornada docente; e a indisponibilidade de candidatos aprovados em
b. limitando a 40 horas no total a jornada concursos anteriores, cada sistema realizará concurso
de trabalho do professor; público para preenchimento das mesmas, pelo menos
de quatro em quatro anos.
A proposta veda o acúmulo de duas jornadas de 20
horas de aula acrescidas, em cada jornada, das § 3º. O estágio probatório, tempo de exercício
correspondentes horas de atividade. profissional a ser avaliado após período determinado
em lei, ocorrerá entre a posse e a investidura
Para maior esclarecimento ao voto contrário, faço permanente na função.
constar:
Art. 4º. O exercício da docência na carreira de
a) na maioria dos sistemas de ensino prevalece o magistério exige, como qualificação mínima:
conceito de função docente correspondente a 20 horas
de aula semanais, permitindo-se o acúmulo de duas I - ensino médio completo, na modalidade normal, para
funções docentes (portanto, 40 horas de aula), para a docência na educação infantil e nas quatro primeiras
compor a jornada total. Ora, neste caso, o séries do ensino fundamental;
cumprimento da obrigatoriedade de, no mínimo, 20%
de horas de atividade inviabiliza o acúmulo. II - ensino superior em curso de licenciatura, de
graduação plena, com habilitações específicas em área
b) reconheço que o acúmulo não é uma situação própria, para a docência nas séries finais do ensino
plenamente satisfatória. No entanto, a freqüência com fundamental e no ensino médio;
a qual ainda ocorre, recomenda cautela para aprovar
um dispositivo que sumariamente veda esse acúmulo. III - formação superior em área correspondente e
complementação nos termos da legislação vigente,
c) votar favoravelmente a uma jornada de até 40 horas para a docência em áreas específicas das séries finais
eliminou a alternativa da proposta do MEC - a meu ver do ensino fundamental e do ensino médio.
muito mais flexível - que reconhecia uma jornada
mínima de 20 horas - correspondente a uma função § 1º. O exercício das demais atividades de magistério
docente e sinalizava para a jornada ideal de 30 horas - de que trata o artigo 2º desta Resolução exige como
correspondente a uma função docente e meia - ambas qualificação mínima a graduação em Pedagogia ou
acrescidas das horas de atividades que coubessem. pós-graduação, nos termos do artigo 64 da Lei 9.394,
de 20 de dezembro de 1996.
(a) Conselheira Guiomar Namo de Mello
§ 2º. A União, os Estados e os Municípios colaborarão
[Volta ao início do documento] para que, no prazo de cinco anos, seja universalizada a
RESOLUÇÃO N.º 3, DE 8 DE OUTUBRO DE 1997(*) observância das exigências mínimas de formação para
Fixa Diretrizes para os Novos Planos de Carreira os docentes já em exercício na carreira do magistério.
e de Remuneração para o Magistério dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Art. 5º. Os sistemas de ensino, no cumprimento do
O Presidente da Câmara de Educação Básica do disposto nos artigos 67 e 87 da Lei 9.394/96, envidarão
Conselho Nacional de Educação, tendo em vista o esforços para implementar programas de
disposto na Lei 9.131, de 25/11/95, nos artigos 9º e 10 desenvolvimento profissional dos docentes em
da Lei 9.424, de 24/12/96, e no Parecer 10/97, exercício, incluída a formação em nível superior, em
homologado pelo Ministro de Estado da Educação e do instituições credenciadas, bem como em programas de
Desporto em 25 de setembro de 1997, aperfeiçoamento em serviço.

RESOLVE: Parágrafo único - A implementação dos programas de


que trata o caput tomará em consideração:
Art. 1º Os novos Planos de Carreira e Remuneração
para o Magistério Público deverão observar às I - a prioridade em áreas curriculares carentes de
diretrizes fixadas por esta Resolução. professores;

Art. 2º Integram a carreira do Magistério dos Sistemas II - a situação funcional dos professores, de modo a
de Ensino Público os profissionais que exercem priorizar os que terão mais tempo de exercício a ser
atividades de docência e os que oferecem suporte cumprido no sistema;
pedagógico direto a tais atividades, incluídas as de
direção ou administração escolar, planejamento,
III - a utilização de metodologias diversificadas,
inspeção, supervisão e orientação educacional.
incluindo as que empregam recursos da educação a
distância.
Art. 3º. O ingresso na carreira do magistério público se
dará por concurso público de provas e títulos.

6
Art. 6º. Além do que dispõe o artigo 67 da Lei Art. 7º. A remuneração dos docentes do ensino
9.394/96, os novos planos de carreira e remuneração fundamental deverá ser definida em uma escala cujo
do magistério deverão ser formulados com ponto médio terá como referência o custo médio
observância do seguinte: aluno-ano de cada sistema estadual ou municipal e
considerando que:
I - não serão incluídos benefícios que impliquem
afastamento da escola, tais como faltas abonadas, I - o custo médio aluno-ano será calculado com base
justificativas ou licenças, não previstas na Constituição nos recursos que integram o Fundo de
Federal; Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério, aos quais é adicionado o
II - a cedência para outras funções fora do sistema de equivalente a 15% (quinze por cento) dos demais
ensino só será admitida sem ônus para o sistema de impostos, tudo dividido pelo número de alunos do
origem do integrante da carreira de magistério; ensino fundamental regular dos respectivos sistemas;

III - as docentes em exercício de regência de classe nas II - o ponto médio da escala salarial corresponderá à
unidades escolares deverão ser assegurados 45 média aritmética entre a menor e a maior
(quarenta e cinco) dias de férias anuais, distribuídos remuneração possível dentro da carreira;
nos períodos de recesso, conforme o interesse da
escola, fazendo jus os demais integrantes do III - a remuneração média mensal dos docentes será
magistério a 30 (trinta) dias por ano; equivalente ao custo médio aluno-ano, para uma
função de 20 (vinte) horas de aula e 05 (cinco) horas
IV - a jornada de trabalho dos docentes poderá ser de de atividades, para uma relação média de 25 alunos
até 40 (quarenta) horas e incluirá uma parte de horas por professor, no sistema de ensino;
de aula e outra de horas de atividades, estas últimas
correspondendo a um percentual entre 20% (vinte por IV - jornada maior ou menor que a definida no inciso III,
cento) e 25% (vinte e cinco por cento) do total da ou a vigência de uma relação aluno-professor diferente
jornada, consideradas como horas de atividades da mencionada no referido inciso, implicará
aquelas destinadas à preparação e avaliação do diferenciação para mais ou para menos no fator de
trabalho didático, à colaboração com a administração equivalência entre custo médio aluno-ano e o ponto
da escola, às reuniões pedagógicas, à articulação com médio da escala de remuneração mensal dos
a comunidade e ao aperfeiçoamento profissional, de docentes;
acordo com a proposta pedagógica de cada escola;
V - a remuneração dos docentes do ensino
V - a remuneração dos docentes contemplará níveis de fundamental, estabelecida na forma deste artigo,
titulação, sem que a atribuída aos portadores de constituirá referência para a remuneração dos
diploma de licenciatura plena ultrapasse em mais de professores da educação infantil e do ensino médio.
50% (cinquenta por cento) a que couber aos formados
em nível médio; Art. 8º. Os planos a serem instituídos com observância
destas diretrizes incluirão normas reguladoras da
VI - constituirão incentivos de progressão por transição entre o regime anterior e o que será
qualificação de trabalho docente: instituído.

a. a dedicação exclusiva ao cargo no Art. 9º. A Câmara de Educação Básica do Conselho


sistema de ensino; Nacional de Educação proporá ao Ministro de Estado
da Educação e do Desporto a constituição de uma
b. o desempenho no trabalho, mediante Comissão Nacional com adequada representatividade,
avaliação segundo parâmetros de considerando o artigo 195 da Constituição Federal,
qualidade do exercício profissional, a para num prazo de 06 (seis) meses, a contar de sua
serem definidos em cada sistema; instalação, estudar a criação de fundos de
c. a qualificação em instituições aposentadoria para o magistério, com vencimentos
credenciadas; integrais, de modo a evitar a utilização dos recursos
d. o tempo de serviço na função docente; vinculados à educação para tal finalidade.
e. avaliações periódicas de aferição de
conhecimentos na área curricular em Art. 10. A presente Resolução entra em vigor na data
que o professor exerça a docência e de de sua publicação.
conhecimentos pedagógicos.
CARLOS ROBERTO JAMIL CURY
VII - não deverão ser permitidas incorporações de Presidente da Câmara de Educação Básica
quaisquer gratificações por funções dentro ou fora do
sistema de ensino aos vencimentos e proventos de ____________
aposentadoria;
(*) CNE/CEB. Resolução CEB nº 3/97. Diário
VIII - a passagem do docente de um cargo de atuação Oficial, Brasília, 13 out. 1997. Seção 1, p. 22987.
para outro só deverá ser permitida mediante concurso,
admitido o exercício a título precário apenas quando -------------. Documenta, Brasília (433): 175, out.
indispensável para o atendimento à necessidade do 1997.
serviço.

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7
CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA baseiam o fim maior da educação no pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino exercício da cidadania e sua qualificação para o
Fundamental trabalho.

PARECER CEB 4/98, aprovado em 29/1/98 (Processo Nestas perspectivas, tanto a Educação Infantil, da qual
23001.000062/98-76) trata a LDB, arts. 29 a 31, quanto a Educação Especial,
arts. 58 a 60, devem ser consideradas no âmbito da
definição das Diretrizes Curriculares Nacionais,
I - RELATÓRIO guardadas as especificidades de seus campos de ação
e as exigências impostas pela natureza de sua ação
Introdução pedagógica.

A nação brasileira através de suas instituições, e no Um dos aspectos mais marcantes da nova LDB é o de
âmbito de seus entes federativos vem assumindo, reafirmar, na prática, o caráter de República
vigorosamente, responsabilidades crescentes para que Federativa, por colaboração.
a Educação Básica, demanda primeira das sociedades
democráticas, seja prioridade nacional como garantia Desta forma, a flexibilidade na aplicação de seus
inalienável do exercício da cidadania plena. princípios e bases, de acordo com a diversidade de
contextos regionais, está presente no corpo da lei,
A conquista da cidadania plena, fruto de direitos e pressupondo, no entanto, intensa e profunda ação dos
deveres reconhecidos na Constituição Federal sistemas em nível Federal, Estadual e Municipal para
depende, portanto, da Educação Básica, constituída que, de forma solidária e integrada possam executar
pela Educação Infantil, Fundamental e Média, como uma política educacional coerente com a demanda e
exposto em seu Artigo 6º. os direitos de alunos e professores.

Reconhecendo previamente a importância da Antecedentes das Diretrizes Curriculares Nacionais


Educação Escolar para além do Ensino Fundamental, a para o Ensino Fundamental
Lei Maior consigna a progressiva universalização do
Ensino Médio (Constituição Federal, art. 208, II), e a Lei O art. 9º, inciso IV, da LDB assinala ser incumbência da
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei União:... "estabelecer, em colaboração com os Estados,
9.394/96, de 20 de dezembro de 1996), afirma a Distrito Federal e os Municípios, competências e
progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade diretrizes para a educação infantil, o ensino
do mesmo. fundamental e o ensino médio, que nortearão os
currículos e os seus conteúdos mínimos, de modo a
Assim, a Educação Fundamental, segunda etapa da assegurar a formação básica comum".
Educação Básica, além de co-participar desta dinâmica
é indispensável para a nação. E o é de tal maneira que Logo, os currículos e seus conteúdos mínimos (art. 210
o direito a ela, do qual todos são titulares (direito da CF/88), propostos pelo MEC (art. 9º da LDB), terão
subjetivo), é um dever, um dever de Estado (direito seu norte estabelecido através de diretrizes. Estas
público). Daí porque o Poder Público é investido de terão como foro de deliberação a Câmara de Educação
autoridade para impô-la como obrigatória a todos e a Básica do Conselho Nacional de Educação (art. 9º, § 1º,
cada um. alínea "c" da Lei nº 9.131, de 24 de novembro de
1995).
Por isto o indivíduo não pode renunciar a este serviço e
o poder público que o ignore será responsabilizado, Dentro da opção cooperativa que marcou o
segundo o art. 208, §2º da CF. federalismo no Brasil, após a Constituição de 1988, a
proposição das diretrizes será feita em colaboração
A magnitude da importância da Educação é assim com os outros entes federativos (LDB, art. 9º).
reconhecida por envolver todas as dimensões do ser
humano: o singulus, o civis, o socius ou seja, a pessoa Ora, a federação brasileira, baseada na noção de
em suas relações individuais, civís e sociais. colaboração, supõe um trabalho conjunto no interior do
qual os parceiros buscam, pelo consenso, pelo respeito
O exercício do direito à Educação Fundamental supõe, aos campos específicos de atribuições, tanto metas
também todo o exposto no art. 3º da Lei de Diretrizes comuns como os meios mais adequados para as
e Bases da Educação Nacional, no qual os princípios da finalidades maiores da Educação Nacional. Esta noção
igualdade, da liberdade, do reconhecimento do implica, então, o despojamento de respostas e
pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, da caminhos previamente prontos e fechados,
convivência entre instituições públicas e privadas responsabilizando as Secretarias e os Conselhos
estão consagrados. Ainda neste art. 3º, as bases para Estaduais do Distrito Federal e Municipais de
que estes princípios se realizem estão estabelecidas na Educação, pela definição de prazos e procedimentos
proposição da valorização dos professores e da gestão que favoreçam a transição de políticas educacionais
democrática do ensino público com garantia de padrão ainda vigentes, encaminhando mudanças e
de qualidade. aperfeiçoamentos, respaldados na Lei 9394/96, de
forma a não provocar rupturas e retrocessos, mas a
Ao valorizar a experiência extra-escolar dos alunos e construir caminhos que propiciem uma travessia
propor a vinculação entre a educação escolar, o fecunda.
trabalho e as práticas sociais, a LDB é consequente
com os arts. 205 e 206 da Constituição Federal, que

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Desta forma, cabe à Câmara de Educação Básica do Entretanto, se os Parâmetros Curriculares Nacionais
CNE exercer a sua função deliberativa sobre as podem funcionar como elemento catalisador de ações,
Diretrizes Curriculares Nacionais, reservando-se aos na busca de uma melhoria da qualidade da educação,
entes federativos e às próprias unidades escolares, de de modo algum pretendem resolver todos os
acordo com a Constituição Federal e a LDB, a tarefa problemas que afetam a qualidade do ensino e da
que lhes compete em termos de implementações aprendizagem. "A busca da qualidade impõe a
curriculares. necessidade de investimentos em diferentes frentes,
como a formação inicial e continuada de professores,
Tal compromisso da Câmara pressupõe, portanto, que uma política de salários dignos e plano de carreira, a
suas "funções normativas e de supervisão" (Lei qualidade do livro didático, recursos televisivos e de
9131/95), apoiem o princípio da definição de Diretrizes multimídia, a disponibilidade de materiais didáticos.
Curriculares Nacionais, reconhecendo a flexibilidade na Mas esta qualificação almejada implica colocar,
articulação entre União, Distrito Federal, Estados e também, no centro do debate, as atividades escolares
Municípios como um dos principais mecanismos da de ensino e aprendizagem e a questão curricular como
nova LDB. No entanto, a flexibilidade por ela de inegável importância para a política educacional da
propiciada não pode ser reduzida a um instrumento de nação brasileira." (PCN, Volume 1, Introdução,
ocultação da precariedade ainda existente em muitos pp.13/14).
segmentos dos sistemas educacionais. Assim
flexibilidade e descentralização de ações devem ser Além disso, ao instituir e implementar um Sistema de
sinônimos de responsabilidades compartilhadas em Avaliação da Educação Básica, o MEC cria um
todos os níveis. instrumento importante na busca pela eqüidade, para
o sistema escolar brasileiro, o que deverá assegurar a
Ao definir as Diretrizes Curriculares Nacionais, a melhoria de condições para o trabalho de educar com
Câmara de Educação Básica do CNE inicia o processo êxito, nos sistemas escolarizados. A análise destes
de articulação com Estados e Municípios, através de resultados deve permitir aos Conselhos e Secretarias
suas próprias propostas curriculares, definindo ainda de Educação a formulação e o aperfeiçoamento de
um paradigma curricular para o Ensino Fundamental, orientações para a melhoria da qualidade do ensino.
que integra a Base Nacional Comum, complementada
por uma Parte Diversificada (LDB, art. 26), a ser A proposta de avaliação nacional, deve propiciar uma
concretizada na proposta pedagógica de cada unidade correlação direta entre a Base Nacional Comum para a
escolar do País. educação, e a verificação externa do desempenho,
pela qualidade do trabalho de alunos e professores,
Em bem lançado Parecer do ilustre Conselheiro Ulysses conforme regula a LDB, Art. 9º.
de Oliveira Panisset, o de nº 05/97 da CEB, aprovado
em 07/05/97 e homologado no DOU de 16/95/97, é Os esforços conjuntos e articulados de avaliação dos
explicitada a importância atribuída às escolas dos sistemas de educação, Federal, Estaduais, Municipais e
sistemas do ensino brasileiro, quando, a partir de suas do Distrito Federal propiciarão condições para o
próprias propostas pedagógicas, definem seus aperfeiçoamento e o êxito da Educação Fundamental.
calendários e formas de funcionamento, e, por
conseqüência, seus regimentos tal como disposto na Isto acontecerá na medida em que as propostas
LDB, arts. 23 a 28. pedagógicas das escolas reflitam o projeto de
sociedade local, regional e nacional, que se deseja,
As propostas pedagógicas e os regimentos das definido por cada equipe docente, em colaboração com
unidades escolares devem, no entanto, observar as os usuários e outros membros da sociedade, que
Diretrizes Curriculares Nacionais e os demais participem dos Conselhos/Escola/Comunidade e
dispositivos legais. Grêmios Estudantis.
Desta forma, ao definir suas propostas pedagógicas e
seus regimentos, as escolas estarão compartilhando A elaboração deste Parecer, preparatório à Resolução
princípios de responsabilidade, num contexto de sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais, é fruto do
flexibilidade teórico/metodológica de ações trabalho compartilhado pelos Conselheiros da Câmara
pedagógicas, em que o planejamento, o de Educação Básica, e, em particular do conjunto de
desenvolvimento e a avaliação dos processos proposições doutrinárias, extraídas dos textos
educacionais revelem sua qualidade e respeito à elaborados, especialmente, pelos Conselheiros Carlos
equidade de direitos e deveres de alunos e Roberto Jamil Cury, Edla Soares, João Monlevade e
professores. Regina de Assis.

Ao elaborar e iniciar a divulgação dos Parâmetros As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Curriculares Nacionais (PCN), o Ministério da Educação Fundamental
propõe um norteamento educacional às escolas
brasileiras, "a fim de garantir que, respeitadas as
diversidades culturais, regionais, étnicas, religiosas e Diretrizes Curriculares Nacionais são o conjunto de
políticas que atravessam uma sociedade múltipla, definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos e
estratificada e complexa, a educação possa atuar, procedimentos na Educação Básica, expressas pela
decisivamente, no processo de construção da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
cidadania, tendo como meta o ideal de uma crescente Educação, que orientarão as escolas brasileiras dos
igualdade de direitos entre os cidadãos, baseado nos sistemas de ensino, na organização, na articulação, no
princípios democráticos. Essa igualdade implica desenvolvimento e na avaliação de suas propostas
necessariamente o acesso à totalidade dos bens pedagógicas.
públicos, entre os quais o conjunto dos conhecimentos
socialmente relevantes". Para orientar as práticas educacionais em nosso país,
respeitando as variedades curriculares já existentes
9
em Estados e Municípios, ou em processo de nossa população infantil e adolescente, trazendo
elaboração, a Câmara de Educação Básica do Conselho conseqüências destrutivas. Reverter este quadro é um
Nacional de Educação estabelece as seguintes dos aspectos mais relevantes desta diretriz.
Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental:
Estas variedades refletem-se, ainda, na própria
I - As escolas deverão estabelecer, como norteadores Identidade das escolas e sua relação com as
de suas ações pedagógicas: comunidades às quais servem. Assim, desde
concepções arquitetônicas, história da escola, algumas
vezes centenária, até questões relacionadas com
a. os Princípios calendário escolar e atividades curriculares e extra-
Éticos da Autonomia, curriculares, a diretriz nacional deve reconhecer essas
da Responsabilidade, identidades e suas conseqüências na vida escolar,
da Solidariedade e do garantidos os direitos e deveres prescritos legalmente.
Neste sentido, as propostas pedagógicas e os
Respeito ao Bem Comum; regimentos escolares devem acolher, com autonomia e
senso de justiça, o princípio da identidade pessoal e
b) os Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de coletiva de professores, alunos e outros profissionais
Cidadania, do exercício da Criticidade e do respeito à da escola, como definidor de formas de consciência
Ordem Democrática; democrática. Portanto, a proposta pedagógica de cada
unidade escolar, ao contemplar seja os Parâmetros
Curriculares Nacionais, seja outras propostas
c) os Princípios Estéticos da Sensibilidade, da curriculares, deverá articular o paradigma curricular
Criatividade, e da Diversidade de Manifestações proposto na Quarta Diretriz ao projeto de sociedade
Artísticas e Culturais. que se deseja instituir e transformar, a partir do
reconhecimento das identidades pessoais e coletivas
Estes princípios deverão fundamentar as práticas do universo considerado.
pedagógicas das escolas, pois será através da
Autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e III - As escolas deverão reconhecer que as
do Respeito ao Bem Comum, que a Ética fará parte da aprendizagens são constituídas na interação entre os
vida cidadã dos alunos. processos de conhecimento, linguagem e afetivos,
como conseqüência das relações entre as distintas
Da mesma forma os Direitos e Deveres de Cidadania e identidades dos vários participantes do contexto
o Respeito à Ordem Democrática, ao orientarem as escolarizado, através de ações inter e intra-subjetivas;
práticas pedagógicas, introduzirão cada aluno na vida as diversas experiências de vida dos alunos,
em sociedade, que busca a justiça, a igualdade, a professores e demais participantes do ambiente
equidade e a felicidade para o indivíduo e para todos. escolar, expressas através de múltiplas formas de
O exercício da Criticidade estimulará a dúvida diálogo, devem contribuir para a constituição de
construtiva, a análise de padrões em que direitos e identidades afirmativas, persistentes e capazes de
deveres devam ser considerados, na formulação de protagonizar ações solidárias e autônomas de
julgamentos. constituição de conhecimentos e valores
indispensáveis à vida cidadã.
Viver na sociedade brasileira é fundamentar as
práticas pedagógicas, a partir dos Princípios Estéticos As evidências de pesquisas e estudos nas áreas de
da Sensibilidade, que reconhece nuances e variações Psicologia, Antropologia, Sociologia e Linguística, entre
no comportamento humano. Assim como da outras Ciências Humanas e Sociais, indicam a
Criatividade, que estimula a curiosidade, o espírito necessidade imperiosa de se considerar, no processo
inventivo, a disciplina para a pesquisa e o registro de educacional, a indissociável relação entre
experiências e descobertas. E, também, da conhecimentos, linguagem e afetos, como constituinte
Diversidade de Manifestações Artísticas e Culturais, dos atos de ensinar e aprender. Esta relação essencial,
reconhecendo a imensa riqueza da nação brasileira em expressa através de múltiplas formas de diálogo, é o
seus modos próprios de ser, agir e expressar-se. fundamento do ato de educar, concretizado nas
relações entre as gerações, seja entre os próprios
II- Ao definir suas propostas pedagógicas, as escolas alunos ou entre eles e seus professores. Desta forma
deverão explicitar o reconhecimento da identidade os diálogos expressos através de múltiplas linguagens
pessoal de alunos, professores e outros profissionais e verbais e não verbais, refletem diferentes identidades,
a identidade de cada unidade escolar e de seus capazes de interagir consigo próprias e com as demais,
respectivos sistemas de ensino. através da comunicação de suas percepções,
impressões, dúvidas, opiniões e capacidades de
entender e interpretar a ciência, as tecnologias, as
O reconhecimento de identidades pessoais é uma artes e os valores éticos, políticos e estéticos.
diretriz para a Educação Nacional, no sentido do
reconhecimento das diversidades e peculiaridades
básicas relativas ao gênero masculino e feminino, às Grande parte do mau desempenho dos alunos,
variedades étnicas, de faixa etária e regionais e às agravado pelos problemas da reprovação e da
variações sócio/econômicas, culturais e de condições preparação insatisfatória, prévia e em serviço, dos
psicológicas e físicas, presentes nos alunos de nosso professores, é devida à insuficiência de diálogos e
país. Pesquisas têm apontado para discriminações e metodologia de trabalhos diversificados na sala de
exclusões em múltiplos contextos e no interior das aula, que permitam a expressão de níveis
escolas, devidas ao racismo, ao sexismo e a diferenciados de compreensão, de conhecimentos e de
preconceitos originados pelas situações sócio- valores éticos, políticos e estéticos. Através de
econômicas, regionais, culturais e étnicas. Estas múltiplas interações entre professores/alunos,
situações inaceitáveis têm deixado graves marcas em alunos/alunos, alunos/livros, vídeos, materiais didáticos

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e a mídia, desenvolvem-se ações inter e intra- ensino e estabelecimentos escolares, integrados à
subjetivas, que geram conhecimentos e valores Base Nacional Comum, de acordo com as
transformadores e permanentes. Neste caso, a diretriz características regionais e locais da sociedade, da
nacional proposta, prevê a sensibilização dos sistemas cultura, da economia e da clientela, refletindo-se,
educacionais para reconhecer e acolher a riqueza da portanto, na Proposta Pedagógica de cada Escola,
diversidade humana desta nação, valorizando o conforme o art. 26.
diálogo em suas múltiplas manifestações, como forma
efetiva de educar, de ensinar e aprender com êxito, d) Conteúdos Mínimos das Áreas de Conhecimento:
através dos sentidos e significados expressos pelas refere-se às noções e conceitos essenciais sobre
múltiplas vozes, nos ambientes escolares. fenômenos, processos, sistemas e operações, que
contribuem para a constituição de saberes,
Por isso ao planejar suas propostas pedagógicas, seja a conhecimentos, valores e práticas sociais
partir dos PCN seja a partir de outras propostas indispensáveis ao exercício de uma vida de cidadania
curriculares, os professores e equipes docentes, em plena.
cada escola, buscarão as correlações entre os
conteúdos das áreas de conhecimento e o universo de Ao utilizar os conteúdos mínimos, já divulgados
valores e modos de vida de seus alunos. inicialmente pelos Parâmetros Curriculares Nacionais,
a serem ensinados em cada área de conhecimento, é
Atenção especial deve ser adotada, ainda, nesta indispensável considerar, para cada segmento
Diretriz, para evitar que as propostas pedagógicas (Educação Infantil, 1ª. à 4ª. e 5ª. a 8ª. séries), ou
sejam reducionistas ou excludentes, levando aos ciclos, que aspectos serão contemplados na
excessos da "escola pobre para os pobres", ou dos intercessão entre as áreas e aspectos relevantes da
grupos étnicos e religiosos apenas para si. Ao trabalhar cidadania, tomando-se em conta a identidade da
a relação inseparável entre conhecimento, linguagem escola e seus alunos, professores e outros profissionais
e afetos, as equipes docentes deverão ter a que aí trabalham.
sensibilidade de integrar estes aspectos do
comportamento humano, discutindo-os e comparando- O espaço destas intercessões é justamente o de
os numa atitude crítica, construtiva e solidária, dentro criação e recriação de cada escola, com suas equipes
da perspectiva e da riqueza da diversidade da grande pedagógicas, a cada ano de trabalho.
nação brasileira, como previsto no art. 3º, inciso I, da
LDB.
Assim, a Base Nacional Comum será contemplada em
sua integridade, e complementada e enriquecida pela
Neste ponto seria esclarecedor explicitar alguns Parte Diversificada, contextualizará o ensino em cada
conceitos, para melhor compreensão do que situação existente nas escolas brasileiras. Reiteramos
propomos: que a LDB prevê a possibilidade de ampliação dos dias
e horas de aula, de acordo com as possibilidades e
a) Currículo: atualmente este conceito envolve outros necessidades das escolas e sistemas.
três, quais sejam: currículo formal (planos e propostas
pedagógicas), currículo em ação (aquilo que Embora os Parâmetros Curriculares propostos e
efetivamente acontece nas salas de aula e nas encaminhados às escolas pelo MEC sejam Nacionais,
escolas), currículo oculto (o não dito, aquilo que tanto não têm, no entanto, caráter obrigatório, respeitando o
alunos, quanto professores trazem, carregado de princípio federativo de colaboração nacional. De todo
sentidos próprios criando as formas de modo, cabe à União, através do próprio MEC o
relacionamento, poder e convivência nas salas de estabelecimento de conteúdos mínimos para a
aula). Neste texto quando nos referimos a um chamada Base Nacional Comum (LDB, art. 9º).
paradigma curricular estamos nos referindo a uma
forma de organizar princípios Éticos, Políticos e
Estéticos que fundamentam a articulação entre Áreas IV- Em todas as escolas, deverá ser garantida a
de Conhecimentos e aspectos da Vida Cidadã. igualdade de acesso dos alunos a uma Base Nacional
Comum, de maneira a legitimar a unidade e a
qualidade da ação pedagógica na diversidade nacional;
b) Base Nacional Comum: refere-se ao conjunto de a Base Nacional Comum e sua Parte Diversificada
conteúdos mínimos das Áreas de Conhecimento deverão integrar-se em torno do paradigma curricular,
articulados aos aspectos da Vida Cidadã de acordo que visa estabelecer a relação entre a Educação
com o art. 26. Por ser a dimensão obrigatória dos Fundamental com:
curriculos nacionais – certamente âmbito privilegiado
da avaliação nacional do rendimento escolar – a Base
Nacional Comum deve preponderar substancialmente a. a Vida Cidadã, através da articulação entre
sobre a dimensão diversificada. vários dos seus aspectos como:

É certo que o art. 15 indica um modo de se fazer a 1. a Saúde;


travessia, em vista da autonomia responsável dos
estabelecimentos escolares. A autonomia, como
objetivo de uma escola consolidada, saberá resumir 2. a Sexualidade;
em sua proposta pedagógica (art. 12 da LDB) a 3. a Vida Familiar e Social;
integração da Base Nacional Comum e da Parte
Diversificada, face às finalidades da Educação
4. o Meio Ambiente;
Fundamental. 5. o Trabalho;
6. a Ciência e a Tecnologia;
c) Parte Diversificada: envolve os conteúdos 7. a Cultura;
complementares, escolhidos por cada sistema de

11
8. as Linguagens; com, o instituído não deve ser, portanto, de querer destruí-lo
ou cristalizá-lo. Sem um olhar sobre o instituído,
criamos lacunas, desfiguramos memórias e
a. as Áreas de Conhecimento de: identidades, perdemos vínculo com a nossa história,
quebramos os espelhos que desenham nossas formas.
A modernidade, por mais crítica que tenha sido da
1. Língua Portuguesa; tradição, arquitetou-se a partir de referências e
2. Língua Materna (para populações paradigmas seculares. A relação com o passado deve
indígenas e migrantes); ser cultivada, desde que se exerça uma compreensão
do tempo como algo dinâmico, mas não simplesmente
linear e seqüencial. A articulação do instituído com o
3. Matemática; instituinte possibilita a ampliação dos saberes, sem
4. Ciências; retirá-los da sua historicidade e, no caso do Brasil, de
5. Geografia; interação entre nossas diversas etnias, com as raízes
africanas, indígenas, européias e orientais.
6. História;
7. Língua Estrangeira; A produção e a constituição do conhecimento, no
8. Educação Artística; processo de aprendizagem, dá muitas vezes, a ilusão
9. Educação Física; de que podemos seguir sozinhos com o saber que
10. Educação Religiosa (na forma do art. acumulamos. A natureza coletiva do conhecimento
termina sendo ocultada ou dissimulada, negando-se o
33 da LDB).
fazer social. Nada mais significativo e importante, para
a construção da cidadania, do que a compreensão de
Assim, esta articulação permitirá que a Base Nacional que a cultura não existiria sem a socialização das
Comum e a Parte Diversificada atendam ao direito de conquistas humanas. O sujeito anônimo é, na verdade,
alunos e professores terem acesso a conteúdos o grande artesão dos tecidos da história. Além disso, a
mínimos de conhecimentos e valores, facilitando, existência dos saberes associados aos conhecimentos
desta forma, a organização, o desenvolvimento e a científicos e tecnológicos nos ajuda a caminhar pelos
avaliação das propostas pedagógicas das escolas, percursos da história, mas sua existência não significa
como estabelecido nos arts. 23 a 28 , 32 e 33, da LDB. que o real é esgotável e transparente.

A Educação Religiosa, nos termos da Lei, é uma Por outro lado, costuma-se reduzir a produção e a
disciplina obrigatória de matrícula facultativa no constituição do conhecimento no processo de
sistema público (art. 33 da LDB). aprendizagem, à dimensão de uma razão objetiva,
desvalorizando-se outros tipos de experiências ou
Considerando que as finalidades e objetivos dos níveis mesmo expressões outras da sensibilidade.
e modalidades de educação e de ensino da Educação
Básica são, segundo o Art. 22 da LDB: Assim, o modelo que despreza as possibilidades
afetivas, lúdicas e estéticas de entender o mundo
· desenvolver o educando; tornou-se hegemônico, submergindo no utilitarismo
que transforma tudo em mercadoria. Em nome da
velocidade e do tipo de mercadoria, criaram-se
· assegurar-lhe a formação comum indispensável ao
critérios para eleger valores que devem ser aceitos
exercício da cidadania;
como indispensáveis para o desenvolvimento da
sociedade. O ponto de encontro tem sido a
· fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em acumulação e não a reflexão e a interação, visando à
estudos posteriores. transformação da vida, para melhor. O núcleo da
aprendizagem terminaria sendo apenas a criação de
E, considerando, ainda, que o Ensino Fundamental, rituais de passagem e de hierarquia, contrapondo-se,
( art. 32), visa à formação básica do cidadão mediante: inclusive, à concepção abrangente de educação
explicitada nos arts. 205 e 206, da CF.
. o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo
como meios básicos o pleno domínio da leitura, da No caso, pode-se, também, recorrer ao estabelecido no
escrita e do cálculo; art. 1º, da LDB quando reconhece a importância dos
processos formativos desenvolvidos nos movimentos
sociais, nos organismos da sociedade civil e nas
. a compreensão do ambiente natural e social, do
manifestações culturais, apontando, portanto, para
sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores
uma concepção de educação relacionada com a
em que se fundamenta a sociedade, desenvolvimento
invenção da cultura; e a cultura é, sobretudo, o
da capacidade de aprendizagem, do fortalecimento
território privilegiado dos significados. Sem uma
dos vínculos de família, dos laços de solidariedade
interpretação do mundo, não podemos entendê-lo. A
humana e de tolerância, situados no horizonte da
interpretação é uma leitura do pensar, do agir e do
igualdade, mais se justifica o paradigma curricular
sentir dos homens e das mulheres. Ela é múltipla e
apresentado para as Diretrizes Curriculares Nacionais
revela que a cultura é uma abertura para o infinito, e o
do Ensino Fundamental.
próprio "homem é uma metáfora de si mesmo". A
capacidade de interpretar o mundo amplia-se com a
A construção da Base Nacional Comum passa pela criação contínua de linguagens e a possibilidade
constituição dos saberes integrados à ciência e à crescente de socializá-las, mas não pode deixar de
tecnologia, criados pela inteligência humana. Por mais contemplar a relação entre as pessoas e o meio
instituinte e ousado, o saber terminará por fundar uma ambiente, medida pelo trabalho, espaço fundamental
tradição, por criar uma referência. A nossa relação com de geração de cultura.

12
Ora, a instituição de uma Base Nacional Comum com capacidade de aprendizagem, fortalecimento dos
uma Parte Diversificada, a partir da LDB, supõe um vínculos de família, dos laços de solidariedade humana
novo paradigma curricular que articule a Educação e de tolerância.
Fundamental com a Vida Cidadã.
Os sistemas de ensino, ao decidir, de maneira
O significado que atribuímos à Vida Cidadã é o do autônoma, como organizar e desenvolver a Parte
exercício de direitos e deveres de pessoas, grupos e Diversificada de suas propostas pedagógicas, têm uma
instituições na sociedade, que em sinergia, em oportunidade magnífica de tornarem contextualizadas
movimento cheio de energias que se trocam e se e próximas, experiências educacionais consideradas
articulam, influem sobre múltiplos aspectos, podendo essenciais para seus alunos.
assim viver bem e transformar a convivência para
melhor. b) A compreensão de que propostas curriculares das
escolas e dos sistemas, e das propostas pedagógicas
Assim as escolas com suas propostas pedagógicas, das escolas, devem integrar bases teóricas que
estarão contribuindo para um projeto de nação, em favoreçam a organização dos conteúdos do paradigma
que aspectos da Vida Cidadã, expressando as questões curricular da Base Nacional Comum e sua Parte
relacionadas com a Saúde, a Sexualidade, a Vida Diversificada: Tudo, visando ser conseqüente no
Familiar e Social, o Meio Ambiente, o Trabalho, a planejamento, desenvolvimento e avaliação das
Ciência e a Tecnologia, a Cultura e as Linguagens, se práticas pedagógicas. Quaisquer que sejam as
articulem com os conteúdos mínimos das Áreas de orientações em relação a organização dos sistemas por
Conhecimento. séries, ciclos, ou calendários específicos, é
absolutamente necessário ter claro que o processo de
Menção especial deve ser feita à Educação Infantil, ensinar e aprender só terá êxito quando os objetivos
definida nos arts. 29 a 31 da LDB que, dentro de suas das intenções educacionais abrangerem estes
especificidades, deverá merecer dos sistemas de requisitos.
ensino as mesmas atenções que a Educação
Fundamental, no que diz respeito às Diretrizes Assim, para elaborar suas propostas pedagógicas, as
Curriculares Nacionais. A importância desta etapa da Escolas devem examinar, para posterior escolha, os
vida humana, ao ser consagrada na LDB, afirmando os Parâmetros Curriculares Nacionais e as Propostas
direitos das crianças de 0 aos 6 anos, suas famílias e Curriculares de seus Estados e Municípios, buscando
educadores, em creches e classes de educação definir com clareza a finalidade de seu trabalho, para a
infantil, deve ser acolhida pelos sistemas de ensino variedade de alunos presentes em suas salas de aula.
dentro das perspectivas propostas pelas DCN, com as Tópicos regionais e locais muito enriquecerão suas
devidas adequações aos contextos a que se destinam. propostas, incluídos na Parte Diversificada, mas
integrando-se à Base Nacional Comum.
Recomendação análoga é feita em relação à Educação
Especial, definida e regida pelos arts. 58 a 60 da LDB, c) A cautela em não adotar apenas uma visão teórico-
que inequivocamente, consagram os direitos dos metodológica como a única resposta para todas as
portadores de necessidades especiais de educação, questões pedagógicas. Os professores precisam de um
suas famílias e professores. As DCN dirigem-se aprofundamento continuado e de uma atualização
também a eles que, em seus diversos contextos constante em relação às diferentes orientações
educacionais, deverão ser regidos por seus princípios. originárias da Psicologia, Antropologia, Sociologia,
Psico e Sócio-Linguística e outras Ciências Humanas,
Assim, respeitadas as características regionais e locais Sociais e Exatas para evitar os modismos
da sociedade, da cultura, da economia e da população educacionais, suas frustrações e resultados falaciosos.
servida pelas escolas, todos os alunos terão direito de
acesso aos mesmos conteúdos de aprendizagem, a O aperfeiçoamento constante dos docentes e a
partir de paradigma curricular apresentado dentro de garantia de sua autonomia, ao conceber e transformar
contextos educacionais diversos e específicos. Esta é as propostas pedagógicas de cada escola, é que
uma das diretrizes fundamentais da Educação permitirão a melhoria na qualidade do processo de
Nacional. ensino da Base Nacional Comum e sua Parte
Diversificada.
Dentro do que foi proposto, três observações são
especialmente importantes: V – As escolas deverão explicitar, em suas propostas
curriculares, processos de ensino voltados para as
a) A busca de definição, nas propostas pedagógicas relações com sua comunidade local, regional e
das escolas, dos conceitos específicos para cada área planetária, visando à interação entre a Educação
de conhecimento, sem desprezar a Fundamental e a Vida Cidadã; os alunos, ao aprender
interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade entre as os conhecimentos e valores da Base Nacional Comum
várias áreas. Neste sentido, as propostas curriculares e da Parte Diversificada, estarão também constituindo
dos sistemas e das escolas devem articular suas identidades como cidadãos em processo, capazes
fundamentos teóricos que embasem a relação entre de ser protagonistas de ações responsáveis, solidárias
conhecimentos e valores voltados para uma vida e autônomas em relação a si próprios, às suas famílias
cidadã, em que, como prescrito pela LDB, o ensino e às comunidades.
fundamental esteja voltado para o desenvolvimento da
capacidade de aprender, tendo como meios básicos o Um dos mais graves problemas da educação em nosso
pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; país é sua distância em relação à vida e a processos
compreensão do ambiente natural e social, do sistema sociais transformadores. Um excessivo academicismo
político, da tecnologia, das artes e dos valores em que e um anacronismo em relação às transformações
se fundamenta a sociedade, desenvolvimento da existentes no Brasil e no resto do mundo, de um modo

13
geral, condenaram a Educação Fundamental, nestas À luz das considerações anteriores, a Relatora vota no
últimas décadas, a um arcaísmo que deprecia a sentido de que este conjunto de Diretrizes Curriculares
inteligência e a capacidade de alunos e professores e Nacionais norteiem os rumos da Educação Brasileira,
as características específicas de suas comunidades. garantindo direitos e deveres básicos de cidadania,
Esta diretriz prevê a responsabilidade dos sistemas conquistados através da Educação Fundamental e
educacionais e das unidades escolares em relação a consagrados naquilo que é primordial e essencial:
uma necessária atualização de conhecimentos e aprender com êxito, o que propicia a inclusão numa
valores, dentro de uma perspectiva crítica, responsável vida de participação e transformação nacional, dentro
e contextualizada. Esta diretriz está em consonância de um contexto de justiça social, equilíbrio e felicidade.
especialmente com o Art. 27 da LDB.
Brasília-DF, 29 de janeiro de 1998.
Desta forma, através de possíveis projetos
educacionais regionais dos sistemas de ensino, através (a) Conselheira Regina Alcântara de Assis -
de cada unidade escolar, transformam-se as Diretrizes Relatora
Curriculares Nacionais em currículos específicos e
propostas pedagógicas das escolas.
III - DECISÃO DA CÂMARA

VI - As escolas utilizarão a Parte Diversificada de suas


A Câmara de Educação Básica acompanha o Voto da
propostas curriculares, para enriquecer e
Relatora.
complementar a Base Nacional Comum, propiciando,
de maneira específica, a introdução de projetos e
atividades do interesse de suas comunidades (arts. 12 Sala das Sessões, em 29 de janeiro de 1998.
e 13 da LDB)
(aa) Conselheiros Carlos Roberto Jamil Cury -
Uma auspiciosa inovação introduzida pela LDB refere- Presidente
se ao uso de uma Parte Diversificada a ser utilizada
pelas escolas no desenvolvimento de atividades e Hermengarda Alves Ludke - Vice-Presidente
projetos, que as interessem especificamente.
[Volta ao início do documento]
É evidente, no entanto, que as decisões sobre a RESOLUÇÃO CEB Nº 2, DE 7 DE ABRIL DE 1998(*)
utilização desse tempo, se façam pelas equipe Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para
pedagógica das escolas e das Secretarias de o Ensino Fundamental.
educação, em conexão com o paradigma curricular O Presidente da Câmara de Educação Básica do
que orienta a Base Nacional Comum. Conselho Nacional de Educação, tendo em vista o
disposto no Art. 9º § 1º, alínea "c" da Lei 9.131, de 25
Assim, projetos de pesquisa sobre ecossistemas de novembro de 1995 e o Parecer CEB 4/98,
regionais, por exemplo, ou atividades artísticas e de homologado pelo Senhor Ministro da Educação e do
trabalho, novas linguagens (como da informática, da Desporto em 27 de março de 1998,
televisão e de vídeo) podem oferecer ricas
oportunidades de ampliar e aprofundar os RESOLVE:
conhecimentos e valores presentes na Base Nacional
Comum.
Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, a
VII - As Escolas devem, através de suas propostas serem observadas na organização curricular das
pedagógicas e de seus regimentos, em clima de unidades escolares integrantes dos diversos sistemas
cooperação, proporcionar condições de funcionamento de ensino.
das estratégias educacionais, do espaço físico, do
horário e do calendário escolar, que possibilitem a
adoção, a execução, a avaliação e o aperfeiçoamento Art. 2º Diretrizes Curriculares Nacionais são o conjunto
das demais Diretrizes, conforme o exposto na LDB arts de definições doutrinárias sobre princípios,
12 a 14. fundamentos e procedimento da educação básica,
expressas pela Câmara de Educação Básica do
Conselho Nacional de Educação, que orientarão as
Para que todas as Diretrizes Curriculares Nacionais escolas brasileiras dos sistemas de ensino na
para o Ensino Fundamental sejam realizadas com organização, articulação, desenvolvimento e avaliação
êxito, são indispensáveis o espírito de equipe e as de suas propostas pedagógicas.
condições básicas para planejar os usos de espaço e
tempo escolar.
Art. 3º. São as seguintes as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Fundamental:
Assim, desde a discussão e as ações correlatas sobre
interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, decisões
sobre sistema seriado ou por ciclos, interação entre I - As escolas deverão estabelecer como norteadores
diferentes segmentos no exercício da Base Nacional de suas ações pedagógicas:
Comum e Parte Diversificada, até a relação com o
bairro, a comunidade, o estado, o país, a nação e a. os princípios éticos da autonomia, da
outros países, serão objeto de um planejamento e de responsabilidade, da solidariedade e
uma avaliação constantes da Escola e de sua proposta do respeito ao bem comum;
pedagógica.
b. os princípios dos Direitos e Deveres da
Cidadania, do exercício da criticidade e
II - VOTO DA RELATORA do respeito à ordem democrática;

14
c. os princípios estéticos da sensibilidade, relações com sua comunidade local, regional e
da criatividade e da diversidade de planetária, visando à interação entre a educação
manifestações artísticas e culturais. fundamental e a vida cidadã; os alunos, ao
aprenderem os conhecimentos e valores da base
nacional comum e da parte diversificada, estarão
II - Ao definir suas propostas pedagógicas, as escolas também constituindo sua identidade como cidadãos,
deverão explicitar o reconhecimento da identidade capazes de serem protagonistas de ações
pessoal de alunos, professores e outros profissionais e responsáveis, solidárias e autônomas em relação a si
a identidade de cada unidade escolar e de seus próprios, às suas famílias e às comunidades.
respectivos sistemas de ensino.
VI - As escolas utilizarão a parte diversificada de suas
III - As escolas deverão reconhecer que as propostas curriculares para enriquecer e
aprendizagens são constituídas pela interação dos complementar a base nacional comum, propiciando, de
processos de conhecimento com os de linguagem e os maneira específica, a introdução de projetos e
afetivos, em conseqüência das relações entre as atividades do interesse de suas comunidades.
distintas identidades dos vários participantes do
contexto escolarizado; as diversas experiências de vida
de alunos, professores e demais participantes do VII - As escolas devem trabalhar em clima de
ambiente escolar, expressas através de múltiplas cooperação entre a direção e as equipes docentes,
formas de diálogo, devem contribuir para a para que haja condições favoráveis à adoção,
constituição de identidade afirmativas, persistentes e execução, avaliação e aperfeiçoamento das
capazes de protagonizar ações autônomas e solidárias estratégias educacionais, em consequência do uso
em relação a conhecimentos e valores indispensáveis adequado do espaço físico, do horário e calendário
à vida cidadã. escolares, na forma dos arts. 12 a 14 da Lei 9.394, de
20 de dezembro de 1996.
IV - Em todas as escolas deverá ser garantida a
igualdade de acesso para alunos a uma base nacional Art. 4º Esta Resolução entra em vigor na data de sua
comum, de maneira a legitimar a unidade e a publicação.
qualidade da ação pedagógica na diversidade nacional.
A base comum nacional e sua parte diversificada ULYSSES DE OLIVEIRA PANISSET
deverão integrar-se em torno do paradigma curricular, Presidente da Câmara de Educação Básica
que vise a estabelecer a relação entre a educação
fundamental e: ____________

a. a vida cidadã através da articulação (*) CNE/CEB. Resolução CEB nº 2/98. Diário
entre vários dos seus aspectos como: Oficial, Brasília, 15 abr. 1998. Seção 1, p. 31.

1. a saúde [Volta ao início do documento]


2. a sexualidade
3. a vida familiar e social CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA
4. o meio ambiente
Diretrizes Curriculares Nacionais Para o Ensino
5. o trabalho Médio
6. a ciência e a tecnologia
7. a cultura PARECER CEB 15/98, aprovado em 1/6/98
8. as linguagens. (Processo 23001.000309/97-46)

RELATÓRIO
a. as áreas de conhecimento:

1. Introdução
1. Língua Portuguesa Pelo Aviso nº 307, de 07/07/97, o Ministro da Educação
2. Língua Materna, para populações e do Desporto encaminhou, para apreciação e
indígenas e migrantes deliberação da Câmara de Educação Básica (CEB) do
Conselho Nacional de Educação (CNE), o documento
3. Matemática
que apresenta propostas de regulamentação da base
4. Ciências curricular nacional e de organização do ensino médio.
5. Geografia A iniciativa do Senhor Ministro, ao enviar o referido
documento, não visou apenas cumprir a lei, que
6. História determina ao MEC elaborar a proposta de diretrizes
7. Língua Estrangeira curriculares para deliberação do Conselho, mas
8. Educação Artística também estimular o debate em torno do tema no
âmbito deste colegiado e da comunidade educacional
9. Educação Física aqui representada.
10. Educação Religiosa, na forma do art.
33 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de
No esforço para responder à iniciativa do Ministério da
1996.
Educação e do Desporto (MEC), a CEB/CNE viu-se
assim convocada a ir além do cumprimento estrito de
V - As escolas deverão explicitar em suas propostas sua função legal. Procurou, dessa forma, recolher e
curriculares processos de ensino voltados para as elaborar as visões, experiências, expectativas e
15
inquietudes em relação ao ensino médio que hoje bibliográficas, que foram incorporados ao longo de
estão presentes na sociedade brasileira, especialmente todo o parecer. A riqueza da contribuição dos
entre seus educadores, a maior parte das quais conselheiros, que, em muitos casos, trouxeram visões
coincidem com os pressupostos, idéias e propostas do e experiências de seus próprios espaços de atuação,
documento ministerial. foi inestimável para esclarecer a todos – sobretudo a
esta relatoria – a complexidade e importância das
O presente parecer é fruto, portanto, da consulta a normas que o parecer deve fundamentar.
muitas e variadas vertentes. A primeira delas foram,
desde logo, os estudos procedidos pelo próprio MEC, Outra vertente importante do presente parecer foram
por intermédio da Secretaria de Ensino Médio e as contribuições brasileiras e estrangeiras, no
Tecnológico (SEMTEC), que respondem pela qualidade Seminário Internacional de Políticas de Ensino Médio,
técnica da proposta encaminhada ao Conselho organizado pelo Conselho Nacional de Secretários
Nacional de Educação. Esses estudos, bem como os Estaduais de Educação (CONSED), em colaboração
especialistas que os realizaram, foram colocados à com a Secretaria de Educação de São Paulo, em 1996.
disposição da CEB, propiciando uma rica fonte de Essa iniciativa ampliou a compreensão da
referências. problemática da etapa final de nossa educação básica,
examinada à luz do que vem se passando com a
Os princípios pedagógicos discutidos na quarta parte educação secundária na Europa, América Latina e
visam traduzir o que já estava presente na proposta Estados Unidos da América do Norte. Sua importância
ministerial, dando indicações mais detalhadas do foi tanto maior quanto mais débil é a tradição
tratamento a ser adotado para os conteúdos brasileira de ensino médio universalizado.
curriculares. Da mesma forma, as áreas apresentadas
para a organização curricular não diferem Finalmente, é preciso mencionar as contribuições,
substancialmente daquelas constantes do documento críticas e sugestões da comunidade educacional
original, ainda que antecedidas por considerações brasileira. Estas foram apresentadas nas duas
psicopedagógicas de maior fôlego. audiências públicas organizadas pelo CNE, na reunião
de trabalho com representantes dos órgãos normativos
O resultado do trabalho da CEB consubstanciado neste e executivos dos sistemas de ensino estaduais, e nas
parecer, está assim em sintonia com o documento várias reuniões, seminários e debates em que as
encaminhado pelo MEC e integra-se, como parte versões do texto em discussão foram apresentadas e
normativa, às orientações constantes dos documentos apreciadas.
técnicos preparados pela SEMTEC. Estes últimos, com
recomendações sobre os conteúdos que dão suporte Em todas essas oportunidades, a participação solidária
às competências descritas nas áreas de conhecimento de muitas entidades educacionais foi decisiva para
estabelecidas no parecer, bem como sobre suas aprofundar a fundamentação teórica dos pressupostos
metodologias, deverão complementar a parte e princípios presentes tanto no documento original do
normativa para melhor subsidiar o planejamento MEC, quanto no presente parecer. Entre essas
curricular dos sistemas e de suas escolas de ensino entidades, situam-se a Associação Nacional de Pós-
médio. Graduação em Educação (ANPEd), a Confederação
Nacional de Trabalhadores da Educação (CNTE), o
Quando iniciou o exame sistemático das questões do CONSED, o Fórum dos Conselhos Estaduais de
ensino médio, a pauta da CEB já contabilizava Educação, a União Nacional de Dirigentes Municipais
avançado grau de amadurecimento em torno do tema de Educação, as universidades públicas e privadas, as
das diretrizes curriculares para o ensino fundamental associações de escolas particulares de ensino médio,
(DCNNF), elaboradas ao longo de 1997. Estas últimas, as instituições do Sistema S (SENAI, SENAC, SENAR), a
por sua vez, iniciaram-se quando da apreciação, pela SEMTEC, as escolas técnicas federais.
CEB, dos Parâmetros Curriculares Nacionais
recomendados pelo MEC para as quatro primeiras À presença qualificada de tantas instituições da
séries da escolaridade obrigatória. comunidade educacional no debate que antecedeu
este parecer, deve ser acrescida a contribuição
Esta relatoria beneficiou-se, dessa forma, do trabalho individual e anônima de inúmeros educadores
realizado pela CEB para formular as DCNs, no tocante brasileiros cujos trabalhos escritos, sugestões, críticas
a três aspectos que são detidamente examinados no e questionamentos ajudaram no esforço de realizar a
texto: o conceito de diretrizes adotado pela legislação maior aproximação possível entre as recomendações
e seu significado no momento atual; o papel do normativas e as expectativas daqueles que, em última
Conselho Nacional de Educação (CNE) na instância, serão responsáveis pela sua implementação.
regulamentação dessa matéria; e os princípios
estéticos, políticos e éticos que inspiram a LDB e, por Além de reconhecer a todos quantos contribuíram para
conseqüência, devem inspirar o currículo. A decisão da a formulação da nova organização curricular para o
CEB quanto a deter-se mais longamente neste terceiro ensino médio brasileiro, estas menções visam indicar o
aspecto deve-se, em grande medida, ao consenso processo de consultas que, com a amplitude permitida
construído durante a discussão das DCNs em torno pelas condições do país e as circunstâncias da Câmara
desses princípios, que, por serem seu produto, nelas de Ensino Básico do Conselho Nacional de Educação,
aparecem menos desenvolvidos. recolheu o esforço e o consenso possíveis deste
período tão decisivo para nosso desenvolvimento
Os temas específicos do ensino médio, a maioria deles educacional.
polêmicos, foram exaustivamente escrutinados pela
CEB nas sucessivas versões deste parecer. Esse 2. Diretrizes Curriculares: O Papel do Conselho
trabalho coletivo materializou-se em contribuições Nacional de Educação
escritas, comentários, sugestões, indicações

16
Assim, ninguém discutiria que o legislador deve "Diretriz" refere-se tanto a direções físicas quanto a
ocupar-se sobretudo da educação dos jovens. De fato, indicações para a ação. Linha reguladora do traçado
nas cidades onde não ocorre assim, isso provoca de um caminho ou de uma estrada, no primeiro caso,
danos aos regimes, uma vez que a educação deve conjunto de instruções ou indicações para se tratar e
adaptar-se a cada um deles: pois o caráter particular a levar a termo um plano, uma ação, um negócio, etc. ,
cada regime não apenas o preserva, como também o no segundo caso. Enquanto linha que dirige o traçado
estabelece em sua origem; por exemplo, o caráter da estrada a diretriz é mais perene. Enquanto
democrático engendra a democracia e o oligárquico a indicação para a ação ela é objeto de um trato ou
oligarquia, e sempre o caráter melhor é causante de acordo entre as partes e está sujeita a revisões mais
um regime melhor. freqüentes.

Fica claro portanto que a legislação deve regular a Utilizando a analogia, pode-se dizer que as diretrizes
educação e que esta deve ser obra da cidade. Não se da educação nacional e de seus currículos,
deve deixar no esquecimento qual deve ser a estabelecidas na LDB, correspondem à linha
educação e como se há de educar. Nos tempos reguladora do traçado que indica a direção, e devem
modernos as opiniões sobre este tema diferem. Não há ser mais duradouras. Sua revisão, ainda que possível,
acordo sobre o que os jovens devem aprender, nem no exige a convocação de toda a sociedade, representada
que se refere à virtude nem quanto ao necessário para no Congresso Nacional. Por tudo isso são mais gerais,
uma vida melhor. Tampouco está claro se a educação refletindo a concepção prevalecente na Constituição
deveria preocupar-se mais com a formação do sobre o papel do Estado Nacional na educação. As
intelecto ou do caráter. Do ponto de vista do sistema diretrizes deliberadas pelo CNE estarão mais próximas
educativo atual a investigação é confusa, e não há da ação pedagógica, são indicações para um acordo de
certeza alguma sobre se devem ser praticadas as ações e requerem revisão mais freqüente.
disciplinas úteis para a vida ou as que tendem à
virtude, ou as que se sobressaem do ordinário (pois A expressão "diretrizes e bases" foi objeto de várias
todas elas têm seus partidários). No que diz respeito interpretações ao longo da evolução da educação
aos meios que conduzem à virtude não há acordo nacional. Segundo Horta, a interpretação dos
nenhum (de fato não honram, todos, a mesma virtude, educadores liberais para a expressão "diretrizes e
de modo que diferem logicamente também sobre seu bases", durante os embates da década de 40,
exercício). contrapunha-se à idéia autoritária e centralizadora de
que a União deveria traçar valores universais e
Aristóteles, Política, VIII, 1 e 2. "preceitos diretores", na expressão de Gustavo
2.1 Obrigatoriedade Legal e Consenso Político Capanema. Segundo o autor, para os liberais:
"Diretriz" é a linha de orientação, norma de conduta.
A Lei nº 9.394/96, que Estabelece as Diretrizes e Bases "Base" é superfície de apoio, fundamento. Aquela
da Educação Nacional (LDB), prevê em seu artigo 9º indica a direção geral a seguir, não as minudências do
inciso IV, entre as incumbências da União, estabelecer, caminho. Esta significa o alicerce do edifício, não o
em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os próprio edifício que sobre o alicerce será construído.
Municípios, competências e diretrizes para a educação Assim entendidos os termos, a Lei de Diretrizes e
infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que Bases conterá tão-só preceitos genéricos e
nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de fundamentais .
modo a assegurar formação básica comum.
Na Constituição de 1988, a introdução de competência
Essa incumbência que a lei maior da educação atribui de legislação concorrente em matéria educacional
à União reafirma dispositivos legais anteriores, uma para estados e municípios, reforça o caráter de
vez que, já em 1995, a Lei nº 9.131, que trata do "preceitos genéricos" das normas nacionais de
Conselho Nacional de Educação (CNE), define em seu educação. Fortalece-se, assim, o federalismo pela
artigo 9º alínea c, entre as atribuições da Câmara de ampliação da competência dos entes federados,
Educação Básica (CEB) desse colegiado, deliberar promovida pela descentralização.
sobre as diretrizes curriculares propostas pelo
Ministério da Educação e do Desporto. A mencionada Oito anos, depois a LDB confirma e dá maior
incumbência da União estabelecida pela LDB deve conseqüência a esse sentido descentralizador, quando
efetuar-se, assim, por meio de uma divisão de tarefas afirma, no parágrafo 2o de seu artigo 8o: Os sistemas
entre o MEC e o CNE. de ensino terão liberdade de organização nos termos
desta Lei. Mais ainda, adotando a flexibilidade como
No entanto, apesar de delegar ao executivo federal e um de seus eixos ordenadores, a LDB cria condições
ao CNE o estabelecimento de diretrizes curriculares, a para que a descentralização seja acompanhada de
LDB não quis deixar passar a oportunidade de ser, ela uma desconcentração de decisões que, a médio e
mesma, afirmativa na matéria. Além daquelas longo prazo, permita às próprias escolas construírem
indicadas para a educação básica como um todo no "edifícios" diversificados sobre a mesma "base".
artigo 27, diretrizes específicas para os currículos do
ensino médio constam do artigo 36 e seus incisos e A lei indica explicitamente essa desconcentração em
parágrafos. pelo menos dois momentos: no artigo 12, quando inclui
a elaboração da proposta pedagógica e a
A este Conselho cabe tomar decisões sobre matéria administração de seus recursos humanos e financeiros
que já está explicitamente indicada no diploma legal entre as incumbências dos estabelecimentos de
mais abrangente da educação brasileira, o que ensino; e no artigo 15, quando afirma: Os sistemas de
imprime às Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino ensino assegurarão às unidades escolares públicas de
Médio (DCNEM), objeto do presente Parecer e educação básica que os integram progressivos graus
Deliberação, significado e magnitude específicos. de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão

17
financeira, observadas as normas gerais de direito traduzi-los em
financeiro público. diretrizes que
contribuam para
Mas ao mesmo tempo, a Constituição e a legislação assegurar a formação
que a seguiu, permanecem reafirmando que é preciso básica comum
garantir uma base comum nacional de formação. A nacional;
preocupação constitucional é indicada no artigo 210 da o dispor sobre a
Carta Magna: Serão fixados conteúdos mínimos para o organização curricular
ensino fundamental, de maneira a assegurar formação da formação básica
básica comum e respeito aos valores culturais e nacional e suas
artísticos, nacionais e regionais. relações com a parte
diversificada, e a
formação para o
A Lei nº 9.131/95 e a LDB ampliam essa tarefa para trabalho.
toda a educação básica e delegam, em caráter
propositivo ao MEC e deliberativo ao CNE, a
responsabilidade de trazer as diretrizes curriculares da Estas DCNEM não pretendem, portanto, ser as últimas,
LDB para um plano mais próximo da ação pedagógica, porque no âmbito pedagógico nada encerra toda a
para dar maior garantia à formação nacional comum. verdade, tudo comporta e exige contínua atualização.
Enquanto expressão das diretrizes e bases da
educação nacional, serão obrigatórias uma vez
É, portanto, no âmago da tensão entre o papel mais aprovadas e homologadas. Enquanto contribuição de
centralizador ou mais descentralizador do Estado um organismo colegiado, de representação convocada,
Nacional que se situa a tarefa da Câmara de Educação sua obrigatoriedade não se dissocia da eficácia que
Básica do CNE ao estabelecer as diretrizes curriculares tenham como orientadoras da prática pedagógica e
para o ensino médio. Cumprindo seu papel de colocar subordina-se à vontade das partes envolvidas no
as diferentes instâncias em sintonia, estas terão de acordo que representam.
administrar aquela tensão para lograr equilíbrio entre
diretrizes nacionais e proposta pedagógica da escola,
mediada pela ação executiva, coordenadora e A título de conclusão, e usando de licença poética
potencializadora dos sistemas de ensino. incomum nos documentos deste Conselho, as DCNEM
poderiam ser comparadas a certo objeto efêmero
cantado pelo poeta: não podem ser imortais porque
Essa concepção resgata a interpretação federalista nascidas da chama indispensável a qualquer afirmação
que foi dada ao termo "diretriz" na Constituinte de pedagógica. Mas espera-se que sejam infinitas
1946. Não deixa sem acabamento o papel da União, enquanto durem.
mas o redefine como iniciativa de um acordo
negociado sob dois pressupostos. O primeiro diz
respeito à natureza da doutrina pedagógica, sempre 2.2 Educação Pós-Obrigatória no Brasil: Exclusão a ser
sujeita a questionamentos e revisões. O segundo Superada
refere-se à legitimidade do CNE como organismo de Até o presente, a organização curricular do ensino
representação específica do setor educacional e apto a médio brasileiro teve como referência mais importante
interagir com a comunidade que representa. os requerimentos do exame de ingresso à educação
superior.
É esse o sentido que Cury dá às diretrizes curriculares
para a educação básica deliberadas pela CEB do CNE: A razão disso, fartamente conhecida e documentada,
Nascidas do dissenso, unificadas pelo diálogo, elas não pode ser resumida muito simplesmente: num sistema
são uniformes, não são toda a verdade, podem ser educacional em que poucos conseguem vencer a
traduzidas em diferentes programas de ensino e, como barreira da escola obrigatória, os que chegam ao
toda e qualquer realidade, não são uma forma ensino médio destinam-se, em sua maioria, aos
acabada de ser. estudos superiores para terminar sua formação
pessoal e profissional. Mas essa situação está
mudando e vai mudar ainda mais significativamente
Vale dizer que a legitimidade do CNE quando, ao fixar nos próximos anos.
diretrizes curriculares, intervém na organização das
escolas, se está respaldada nas funções que a lei lhe
atribui, subordina-se aos princípios das competências A demanda por ascender a patamares mais avançados
federativas e da autonomia. Por outro lado, a do sistema de ensino é visível na sociedade brasileira.
competência dos entes federados e a autonomia Essa ampliação de aspirações decorre não apenas da
pedagógica dos sistemas de ensino e suas escolas urbanização e modernização conseqüentes do
serão exercidas de acordo com as diretrizes crescimento econômico, mas também de uma
curriculares nacionais. crescente valorização da educação como estratégia de
melhoria de vida e empregabilidade. Dessa forma,
aquilo que no plano legal foi durante décadas
Nessa perspectiva, a tarefa do CNE no tocante às estabelecido como obrigação, passa a integrar, no
DCNEM, se exerce visando a três objetivos principais: plano político, o conjunto de direitos da cidadania.

o sistematizar os O aumento ainda lento, porém contínuo, dos que


princípios e diretrizes conseguem concluir a escola obrigatória, associado à
gerais contidos na LDB; tendência para diminuir a idade dos concluintes, vai
o explicitar os permitir a um número crescente de jovens ambicionar
desdobramentos uma carreira educacional mais longa. Por outro lado, a
desses princípios no demanda por ensino médio vai também partir de
plano pedagógico e segmentos já inseridos no mercado de trabalho que

18
aspiram a melhoria salarial e social e precisam enfrentará. Pela contagem da população realizada em
dominar habilidades que permitam assimilar e utilizar 1996 (IBGE), em 1999 o Brasil terá 14.300.448 pessoas
produtivamente recursos tecnológicos novos e em com idade entre 15 e 18 anos. Esse número cairá para
acelerada transformação. a casa dos 13 milhões a partir de 2001, e para a casa
dos 12 milhões a partir de 2007. No início da segunda
No primeiro caso, são jovens que aspiram a melhores década do próximo milênio (2012), depois do
padrões de vida e de emprego. No segundo são fenômeno da onda de adolescentes, o país ainda terá
adultos ou jovens adultos, via de regra mais pobres e 12.079.520 jovens nessa faixa etária.
com vida escolar mais acidentada. Estudantes que
aspiram a trabalhar, trabalhadores que precisam Contam-se portanto em números de oito dígitos os
estudar, a clientela do ensino médio tende a tornar-se cidadãos e cidadãs brasileiros a quem será preciso
mais heterogênea, tanto etária quanto oferecer alternativas de educação e preparação
socioeconomicamente, pela incorporação crescente de profissional para facilitar suas escolhas de trabalho, de
jovens e jovens adultos originários de grupos sociais, normas de convivência, de formas de participação na
até o presente, sub-representados nessa etapa da sociedade. E quanto mais melhorar o desempenho do
escolaridade. ensino fundamental, mais esse desafio se concentrará
no ensino médio.
As estatísticas recentes confirmam essa tendência.
Desde meados dos anos 80 foi no ensino médio que se Essa tendência já pode ser observada, conforme
observou o maior crescimento de matrículas no país. prossegue o estudo da Fundação SEADE: Em 1992,
De 1985 a 1994, esse crescimento foi em média de cerca de 64% dos adolescentes já estavam fora da
mais de 100%, enquanto no ensino fundamental foi de escola; em 1995, apenas três anos depois, este
30%. percentual já havia decrescido para algo em torno de
42%. Como conseqüência da maior permanência no
A hipótese de que a expansão quantitativa vem sistema escolar, cresce de forma expressiva a
ocorrendo pela incorporação de grupos sociais até proporção de adolescentes que avançam além dos
então excluídos da continuidade de estudos após o quatro primeiros anos. O mesmo se dá, de alguma
fundamental, fica reforçada quando se observa o maneira, em relação à conclusão do primeiro grau e do
padrão de crescimento da matrícula: concentrado nas segundo grau.
redes públicas, e, nestas, predominantemente nos
turnos noturnos, que representaram 68% do aumento Finalmente, como mostra o mencionado estudo, a
total. No mesmo período (85 a 94) a matrícula privada, onda de adolescentes acontece num momento de
que na década anterior havia crescido 33%, escassas oportunidades de trabalho e crescente
apresentou um aumento de apenas 21%. competitividade pelos postos existentes. Na verdade,
os dois fenômenos somados – escassez de emprego e
Se o aumento observado da matrícula já preocupa os aumento geracional de jovens – respondem pela
sistemas de ensino, a situação é muito mais grave expressiva diminuição, na população de adolescentes,
quando se considera a demanda potencial. O Brasil da porcentagem dos que já fazem parte da população
continua apresentando a insignificante taxa líquida de economicamente ativa. Este é um indicador a mais de
25% de escolaridade da população de 15 a 17/18 anos que essa população vai tentar permanecer mais tempo
no ensino médio. Outros tantos dessa faixa etária, no sistema de ensino, na expectativa de receber o
embora no sistema educacional, ainda estão presos na preparo necessário para conseguir um emprego.
armadilha da repetência e do atraso escolar do ensino
fundamental. A capacidade do país para atender essa demanda é
muito limitada. Menos de 50% de toda a população de
Considerando que o egresso do ensino fundamental 15 a 17 anos está matriculada na escola, e destes,
tem permanecido, em média, onze e não oito anos na metade ainda está no ensino fundamental. Segundo os
escola, a correção do fluxo de alunos desse nível, se dados da UNESCO, o Brasil tem uma das mais baixas
bem sucedida, vai colocar às portas do ensino médio taxas de matrícula bruta nessa faixa etária, comparada
um grande número de jovens cuja expectativa de à de vários países da América Latina, para não dizer da
permanência no sistema já ultrapassa os oito anos de Europa, América do Norte ou Ásia.
escolaridade obrigatória.
No continente latino-americano, os países que têm
A expectativa de crescimento do ensino médio é ainda uma taxa bruta de matrícula da população de 14 a 17
reforçada pelo fenômeno chamado "onda de anos menor que a brasileira concentram-se na América
adolescentes", identificado em recentes estudos Central: Costa Rica, Nicarágua, República Dominicana,
demográficos: De fato, enquanto a geração dos Honduras, Haiti, El Salvador e Guatemala. Entre os
adolescentes de 1990 era numericamente superior à que, desde 95, ultrapassavam os 50% estão Peru,
geração de adolescentes de 1980 em 1 milhão de Colômbia, México e Equador. Dos parceiros do
pessoas, as gerações de adolescentes em 1995 e 2000 Mercosul apenas Paraguai e Bolívia têm situação pior:
serão maiores do que as gerações de 1985 e 1990 em 37% e 40%, respectivamente. Argentina (76%), Chile
2.3 e 2.8 milhões de pessoas, respectivamente. No ano (73%) e Uruguai (81%) estão melhores que os "tigres
2005, este incremento cairá para o nível de 500 mil asiáticos" (72%) e caminham para alcançar a média
pessoas, caracterizando o fim desta onda de dos países desenvolvidos (90%).
adolescentes.
Não é apenas em virtude de seu tamanho e
Mesmo considerando o gradativo declínio do número complexidade, nem mesmo dos muitos equívocos
de adolescentes, caracterizado pela mencionada educacionais cometidos no passado, que um país, cuja
"onda", os números absolutos são enormes e dão uma economia concorre em tamanho com o Canadá,
idéia mais precisa do desafio educacional que o país apresenta indicadores de cobertura do ensino médio

19
inferiores aos da Argentina, Colômbia, Chile, Uruguai, A Constituição de 1937 é clara no seu artigo 129, cita o
México, Equador e Peru. autor: O ensino pré-vocacional e profissional,
destinado às classes menos favorecidas é, em matéria
Esse desequilíbrio se explica também por décadas de de educação, o primeiro dever do Estado.
crescimento econômico excludente, que aprofundou a
fratura social e produziu a pior distribuição de renda do Já a exposição de motivos de Capanema em 1942,
mundo. A esse padrão de crescimento associa-se uma ainda segundo Cury, é conseqüente com este princípio
desigualdade educacional que transformou em discriminatório ao dizer que, "além da formação da
privilégio o acesso a um nível de ensino cuja consciência patriótica o ensino secundário se destina à
universalização é hoje considerada estratégica para a preparação das individualidades condutoras, isto é,
competitividade econômica e o exercício da cidadania. dos homens que deverão assumir as responsabilidades
maiores dentro da sociedade e da nação, dos homens
Até meados deste século o ponto de ruptura do portadores das concepções e atitudes espirituais que é
sistema educacional brasileiro situou-se, na zona rural, preciso infundir nas massas, que é preciso tornar
no acesso à escola obrigatória, e, nas zonas urbanas, habituais entre o povo".
na passagem entre o antigo primário e o secundário,
ritualizada pelo exame de admissão. Com a quase É, portanto, do ensino médio que se vem cobrando
universalização do ensino fundamental de oito anos, a uma definição sobre o destino social dos alunos,
ruptura passou a expressar-se de outras formas: por cobrança esta que ficou clara com a política, afinal
diferenciação de qualidade, dentro do ensino fracassada, de profissionalização universal criada pela
fundamental, atestada pelas altíssimas taxas de Lei nº 5.692/71. E nunca é demais lembrar que os
repetência e evasão; e, mais recentemente, pela concluintes da escola obrigatória ainda constituem
existência de uma nova barreira de acesso, agora no uma minoria selecionada de sobreviventes do ensino
limiar e dentro do ensino médio. fundamental. Com a melhoria deste último, espera-se
que a maioria consiga cumprir as oito séries da escola
A falta de vagas no ensino médio público; a obrigatória. A universalização do ensino médio, além
segmentação por qualidade, aguda no setor privado, de mandamento legal, será assim uma demanda social
mas presente também no público; o aumento da concreta. É tempo de pensar na escola média a ser
repetência e da evasão que estão acompanhando o oferecida a essa população.
crescimento da matrícula gratuita do ensino médio
alertam para o fato de que a extensão desse ensino a Os finais dos anos 90 inspiram momentos de rara
um número maior e muito mais diversificado de alunos lucidez, como o que teve Ítalo Calvino quando afirmou
será uma tarefa tecnicamente complexa e que só aquilo que formos capazes de construir neste
politicamente conflitiva. milênio poderemos levar para o próximo. O Brasil não
tem para legar ao século XXI uma tradição consolidada
Pelo caráter que assumiu na historia educacional de de educação média democrática de qualidade. Mas
quase todos os países, a educação média é tem o legado valioso da lição aprendida com a
particularmente vulnerável à desigualdade social. expansão do ensino fundamental: não é possível
Enquanto a finalidade do ensino fundamental nunca oferecer a todos uma escola programada para excluir a
está em questão, no ensino médio se dá uma disputa maioria, sem aprofundar a desigualdade, porque, em
permanente entre orientações mais profissionalizantes educação escolar, a superação de exclusões seculares
ou mais acadêmicas, entre objetivos humanistas e requer ir além do "fazer mais do mesmo".
econômicos. Essa tensão de finalidades expressa-se
em privilégios e exclusões quando, como ocorre no Neste sentido, vale a pena citar a mensagem que o
caso brasileiro, a origem social é o fator mais forte na mencionado estudo demográfico da Fundação SEADE
determinação de quais têm acesso à educação média envia aos que labutam na educação, após analisar
e à qual modalidade se destinam. dados etários e de trabalho e escolaridade na
população adolescente:
Analisando essa questão, Cury afirma sobre esse nível
de ensino: Expressando um momento em que se
cruzariam idade, competência, mercado de trabalho e
proximidade da maioridade civil, expõe um nó das Já na antevéspera do ano 2000 – após sofrida trajetória
relações sociais no Brasil manifestando seu caráter que, certamente, inclui mais de uma repetência e
dual e elitista, através mesmo das funções que lhe são períodos intermitentes fora da escola – os filhos das
historicamente atribuídas: a função formativa, a famílias mais pobres deste país estão finalmente
propedêutica e a profissionalizante. descobrindo a importância da escola, indo para além
dos quatro primeiros anos iniciais, mesmo nos Estados
E prossegue: […] a propedêutica de elites cuja mais atrasados, e já batendo nas portas do ensino
extração se dá nos estratos superiores de uma secundário nos Estados do sul. Não temos mais o
sociedade agrária e hierarquizada, incontestavelmente direito de repetir erros agora, quando estamos
deixou seqüelas (talvez mais do que isso) até hoje. A repensando a educação deste país e nos preparando
função propedêutica, dentro deste modelo, tem um para a árdua luta da competição internacional. É
nítido sentido elitista e de privilégio, com destinação fundamental criar todo tipo de incentivo e retirar todo
social explícita. E esta associação entre propedêutica e tipo de obstáculo para que os jovens permaneçam no
elite ganhará sua expressão doutrinária máxima tanto sistema escolar. As questões que envolvem o
na Constituição de 1937 como na Exposição de adolescente de hoje não podem mais ser pensadas
Motivos que acompanha a reforma do ensino fora das relações mais ou menos tensas com o mundo
secundário do Decreto-Lei nº 4.244/42. do trabalho, fora de sua condição de grande
consumidor potencial de bens e serviços em uma
sociedade de massas, onde a escolarização não se

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limita mais aos jovens e o trabalho não é só de a consolidação e o aprofundamento dos
adultos, ou fora de suas relações de autonomia ou conhecimentos adquiridos no ensino fundamental,
dependência para com a ordem jurídica e política. possibilitando o prosseguimento de estudos;

O momento que vive a educação brasileira nunca foi a preparação básica para o trabalho e a cidadania do
tão propício para pensar a situação de nossa juventude educando, para continuar aprendendo, de modo a ser
numa perspectiva mais ampla do que a de um destino capaz de se adaptar com flexibilidade a novas
dual. A nação anseia por superar privilégios, entre eles condições de ocupação ou aperfeiçoamento
os educacionais, a economia demanda recursos posteriores;
humanos mais qualificados. Esta é uma oportunidade
histórica para mobilizar recursos, inventividade e o aprimoramento do educando como pessoa humana,
compromisso na criação de formas de organização incluindo a formação ética e o desenvolvimento da
institucional, curricular e pedagógica que superem o autonomia intelectual e do pensamento crítico;
status de privilégio que o ensino médio ainda tem no
Brasil, para atender, com qualidade, clientelas de
origens, destinos sociais e aspirações muito a compreensão dos fundamentos científico-
diferenciadas. tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a
teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.
2.3 As Bases Legais do Ensino Médio Brasileiro
Artigo 36 – O currículo do ensino médio observará o
disposto na Seção I deste Capítulo e as seguintes
O marco desse momento histórico está dado pela LDB, diretrizes:
que aponta o caminho político para o novo ensino
médio brasileiro. Em primeiro lugar destaca-se a
afirmação do seu caráter de formação geral, I. destacará a
superando no plano legal a histórica dualidade dessa educação tecnológica
etapa de educação: básica, a compreensão
do significado da
Artigo 21 – A educação escolar compõe-se de: ciência, das letras e
das artes; o processo
histórico de
I. educação transformação da
básica, formada pela sociedade e da cultura;
educação infantil, a língua portuguesa
ensino fundamental e como instrumento de
ensino médio; comunicação, acesso
II. educação ao conhecimento e
superior. exercício da cidadania;
II. adotará
Como bem afirma o documento do MEC que metodologias de
encaminha ao CNE a proposta de organização ensino e de avaliação
curricular do ensino médio, ao incluir este último na que estimulem a
educação básica, a LDB transforma em norma legal o iniciativa dos
que já estava anunciado no texto constitucional: Na estudantes;
verdade, a Constituição de 1988 já prenunciava isto III. será incluída
quando, no inciso II do artigo 208, garantia como uma língua estrangeira
dever do Estado a "progressiva extensão da moderna, como
obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio". disciplina obrigatória,
Posteriormente, a emenda Constitucional nº 14/96 escolhida pela
altera a redação desse inciso, sem que se altere neste comunidade escolar, e
aspecto o espírito da redação original, inscrevendo no uma segunda, em
texto constitucional a "progressiva universalização do caráter optativo dentro
ensino médio gratuito". A Constituição portanto das disponibilidades da
confere a este nível de ensino o estatuto de direito de instituição.
todo o cidadão. O ensino médio passa pois a integrar a
etapa do processo educacional que a nação considera Parágrafo primeiro – Os conteúdos, as metodologias e
básica para o exercício da cidadania, base para o as formas de avaliação serão organizados de tal forma
acesso às atividades produtivas, inclusive para o que ao final do ensino médio o educando demonstre:
prosseguimento nos níveis mais elevados e complexos
de educação, e para o desenvolvimento pessoal […]
I. domínio dos
O caráter de educação básica do ensino médio ganha princípios científicos e
conteúdo concreto quando, em seus artigos 35 e 36, a tecnológicos que
LDB estabelece suas finalidades, traça as diretrizes presidem a produção
gerais para a organização curricular e define o perfil de moderna;
saída do educando: II. conhecimento
das formas
Artigo 35 – O ensino médio, etapa final da educação contemporâneas de
básica, com duração mínima de três anos, terá como linguagem;
finalidades: III. domínio dos
conhecimentos de

21
Filosofia e de parte inseparável, o artigo 36 prevê a possibilidade de
Sociologia necessários sua articulação com cursos ou programas diretamente
ao exercício da vinculados à preparação para o exercício de uma
cidadania. profissão, não sem antes: reiterar a importância da
formação geral a ser assegurada; e definir a
Parágrafo segundo – O ensino médio, atendida a equivalência de todos os cursos de ensino médio para
formação geral do educando, poderá prepará-lo para o efeito de continuidade de estudos. Neste sentido, e
exercício de profissões técnicas. coerente com o princípio da flexibilidade, a LDB abre
aos sistemas e escolas muitas possibilidades de
colaboração e articulação institucional a fim de que os
Parágrafo terceiro – Os cursos de ensino médio terão tempos e espaços da formação geral fiquem
equivalência legal e habilitarão ao prosseguimento de preservados e a experiência de instituições
estudos. especializadas em educação profissional seja
aproveitada, de modo a responder às necessidades
Parágrafo quarto – A preparação geral para o trabalho heterogêneas dos jovens brasileiros.
e, facultativamente, a habilitação profissional, poderão
ser desenvolvidas nos próprios estabelecimentos de 2.4 O Ensino Médio no Mundo: Uma Transformação
ensino médio ou em cooperação com instituições Acelerada
especializadas em educação profissional.
O desafio de ampliar a cobertura do ensino médio
A lei sinaliza, pois, que mesmo a preparação para o ocorre no Brasil ao mesmo tempo em que, no mundo
prosseguimento de estudos terá como conteúdo não o todo, a educação posterior à primária passa por
acúmulo de informações mas a continuação do revisões radicais nas suas formas de organização
desenvolvimento da capacidade de aprender e a institucional e nos seus conteúdos curriculares.
compreensão do mundo físico, social e cultural, tal
como prevê o artigo 32 para o ensino fundamental, do
qual o nível médio é a consolidação e o Etapa da escolaridade que tradicionalmente acumula
aprofundamento. as funções propedêuticas e de terminalidade, ela tem
sido a mais afetada pelas mudanças nas formas de
conviver, de exercer a cidadania e de organizar o
A concepção da preparação para o trabalho, que trabalho, impostas pela nova geografia política do
fundamenta o artigo 35, aponta para a superação da planeta, pela globalização econômica e pela revolução
dualidade do ensino médio: essa preparação será tecnológica.
básica, ou seja, aquela que deve ser base para a
formação de todos e para todos os tipos de trabalho.
Por ser básica, terá como referência as mudanças nas A facilidade de acessar, selecionar e processar
demandas do mercado de trabalho, daí a importância informações está permitindo descobrir novas fronteiras
da capacidade de continuar aprendendo; não se do conhecimento, nas quais este se revela cada vez
destina apenas àqueles que já estão no mercado de mais integrado. Integradas são também as
trabalho ou que nele ingressarão a curto prazo; nem competências e habilidades requeridas por uma
será preparação para o exercício de profissões organização da produção na qual criatividade,
específicas ou para a ocupação de postos de trabalho autonomia e capacidade de solucionar problemas
determinados. serão cada vez mais importantes, comparadas à
repetição de tarefas rotineiras. E mais do que nunca,
há um forte anseio de inclusão e de integração sociais
Assim entendida, a preparação para o trabalho – como antídoto à ameaça de fragmentação e
fortemente dependente da capacidade de segmentação. Essa mudança de paradigmas – no
aprendizagem – destacará a relação da teoria com a conhecimento, na produção e no exercício da
prática e a compreensão dos processos produtivos cidadania – colocou em questão a dualidade, mais ou
enquanto aplicações das ciências, em todos os menos rígida dependendo do país, que presidiu a
conteúdos curriculares. A preparação básica para o oferta de educação pós obrigatória.
trabalho não está, portanto, vinculada a nenhum
componente curricular em particular, pois o trabalho
deixa de ser obrigação – ou privilégio – de conteúdos Inicia-se, assim, em meados dos anos 80 e primeira
determinados para integrar-se ao currículo como um metade dos 90 um processo, ainda em curso, de
todo. Finalmente, no artigo 36, as diretrizes para a revisão das funções tradicionalmente duais da
organização do currículo do ensino médio, a fim de que educação secundária, buscando um perfil de formação
o aluno apresente o perfil de saída preconizado pela do aluno mais condizente com as características da
lei, estabelecem o conhecimento dos princípios produção pós-industrial. O esforço de reforma teve
científicos e tecnológicos da produção no nível do com forte motivação inicial as mudanças econômicas e
domínio, reforçando a importância do trabalho no tecnológicas.
currículo.
Descontadas as peculiaridades dos sistemas
Destaca-se a importância que o artigo 36 atribui às educacionais dos diferentes países e até mesmo o grau
linguagens: à língua portuguesa, não apenas enquanto de sucesso até hoje alcançado pelos esforços de
expressão e comunicação, mas como forma de acessar reforma, destacam-se duas características comuns a
conhecimentos e exercer a cidadania; às linguagens todas elas: progressiva integração curricular e
contemporâneas, entre as quais é possível identificar institucional entre as várias modalidades da etapa de
suportes decisivos para os conhecimentos tecnológicos escolaridade média; e visível desespecialização das
a serem dominados. modalidades profissionalizantes.

Entendida a preparação para o trabalho no contexto da Numa velocidade nunca antes experimentada, esse
educação básica, da qual o ensino médio passa a fazer processo de reforma, que poderia ter evoluído para o

22
reforço – apenas mais otimista – da subordinação do voltam as esperanças de preservar a integridade
ensino médio às necessidades da economia, pessoal e estimular a solidariedade.
rapidamente incorpora outros elementos. No bojo das
iniciativas que começaram em meados dos 80, a Espera-se que a escola contribua para a constituição
segunda metade dos anos 90 assiste ao surgimento de de uma cidadania de qualidade nova, cujo exercício
uma nova geração de reformas. reuna conhecimentos e informações a um
protagonismo responsável, para exercer direitos que
Estas já não pretendem apenas a desespecialização da vão muito além da representação política tradicional:
formação profissional. Tampouco se limitam a tornar emprego, qualidade de vida, meio ambiente saudável,
menos "acadêmica" e mais "prática" a formação geral. igualdade de homens e mulheres, enfim, ideais
O que se busca agora é uma redefinição radical e de afirmativos para a vida pessoal e para a convivência.
conjunto do segmento de educação pós-
obrigatoriedade. À forte referência às necessidades Diante da violência, do desemprego e da vertiginosa
produtivas e à ênfase na unificação, características da substituição tecnológica, revigoram-se as aspirações
primeira fase de reformas, agregam-se agora os ideais de que a escola, especialmente a média, contribua
do humanismo e da diversidade. para a aprendizagem de competências de caráter
geral, visando a constituição de pessoas mais aptas a
Segundo Azevedo: [...] Neste conflito de finalidades assimilar mudanças, mais autônomas em suas
parece, por vezes, emergir a oportunidade "histórica", escolhas, mais solidárias, que acolham e respeitem as
segundo Tedesco (1995), de aproximar ambas as diferenças, pratiquem a solidariedade e superem a
finalidades, numa nova tensão, esta agora mais segmentação social.
potenciadora do desenvolvimento humano. E
prossegue: […] não é tanto o ensino técnico e a Nos países de economia emergente, a essas
formação profissional que carecem de reformas mais preocupações somam-se ainda aquelas geradas pela
ou menos desespecializadoras e unificadoras, é necessidade de promover um desenvolvimento que
também o ensino geral que precisa de profunda seja sustentável a longo prazo e menos vulnerável à
revisão, ou seja, todas as vias e modalidades de instabilidade causada pela globalização econômica. A
ensino, desde as mais profissionais até às mais sustentabilidade do desenvolvimento, até os anos 70
"liberais" para usar o termo inglês, são chamadas a considerada apenas em termos de acumulação de
contribuir de outro modo para um desenvolvimento capital físico e financeiro, revelou-se a partir dos 80
mais equilibrado da personalidade dos indivíduos. fortemente associada à qualidade dos recursos
humanos e à adoção de formas menos predatórias de
A União Européia manifestou-se de forma contundente utilização dos recursos naturais. Mais uma vez é sobre
a favor da unificação do ensino médio, mas alerta para a educação média, ou sobre a sua ausência em
a exigência de considerar outras necessidades, além quantidade e qualidade satisfatórias, que converge o
das que são sinalizadas pela organização do trabalho. centro de gravidade do sistema educacional.
E busca sustentação para sua posição no pensamento
do próprio empresariado europeu: a missão Nas condições contemporâneas de produção de bens,
fundamental da educação consiste em ajudar cada serviços e conhecimentos, a preparação de recursos
indivíduo a desenvolver todo o seu potencial e a humanos para um desenvolvimento sustentável supõe
tornar-se um ser humano completo, e não um mero desenvolver a capacidade de assimilar mudanças
instrumento da economia; a aquisição de tecnológicas e adaptar-se a novas formas de
conhecimentos e competências deve ser organização do trabalho. Esse tipo de preparação faz
acompanhada pela educação do caráter, a abertura necessário o prolongamento da escolaridade e a
cultural e o despertar da responsabilidade social. ampliação das oportunidades de continuar
aprendendo. Formas equilibradas de gestão dos
A mesma orientação segue a UNESCO no relatório da recursos naturais, por seu lado, exigem políticas de
Reunião Internacional sobre Educação para o Século longo prazo, geridas ou induzidas pelo Estado e
XXI. Esse documento apresenta as quatro grandes sustentadas de modo contínuo e regular por toda a
necessidades de aprendizagem dos cidadãos do população, na forma de hábitos preservacionistas
próximo milênio às quais a educação deve responder: racionais e bem informados.
aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a
conviver e aprender a ser. E insiste em que nenhuma Contextualizada no cenário mundial, e vista sob o
delas deve ser negligenciada. prisma da extrema desigualdade que marca seu
sistema de ensino, a situação do Brasil é
É sintomático que, diante do desafio que representam verdadeiramente alarmante. O ensino médio de
essas aprendizagens, se assista a uma revalorização maioria é ainda um ideal a ser colocado em prática.
das teorias que destacam a importância dos afetos e Para isso será necessário sair do século XIX e chegar
da criatividade no ato de aprender. A integração das ao XXI suprimindo etapas nas quais, ao longo do
cognições com as demais dimensões da personalidade século XX, muitos países ousaram experimentar e
é o desafio que as tarefas de vida na sociedade da aprender.
informação e do conhecimento estão (re)pondo à
educação e à escola. No entanto, vista sob o prisma da vontade nacional
expressa na LDB, a situação brasileira é rica de
A reposição do humanismo nas reformas do ensino possibilidades. O projeto de ensino médio do país está
médio deve ser entendida então como busca de saídas definido, nas suas diretrizes e bases, em admirável
para possíveis efeitos negativos do pós industrialismo. sintonia com a última geração de reformas do ensino
Diante da fragmentação gerada pela quantidade e médio no mundo. O exercício de aproximação dos
velocidade da informação, é para a educação que se séculos poderá ser feito de forma inteligente se

23
tivermos presente a experiência de outros países para trazer à luz, encarregaram Prometeu e Epimeteu de as
evitar os equívocos que eles não puderam evitar. prover de qualidades apropriadas. Mas Epimeteu pediu
a Prometeu que lhe deixasse fazer sozinho a partilha.
2.5 Respostas a uma Convocação "Quando acabar, disse ele, tu virás examiná-la".
Satisfeito o pedido, procedeu à partilha, atribuindo a
uns a força sem a velocidade, aos outros a velocidade
Sintonizada com as demandas educacionais mais sem a força; deu armas a estes, recusou-as àqueles,
contemporâneas e com as iniciativas mais recentes mas concedeu-lhes outros meios de conservação; aos
que os sistemas de ensino do mundo todo vêm que tinham pequena corpulência deu asas para
articulando para respondê-las, a LDB busca conciliar fugirem ou refúgio subterrâneo; aos que tinham a
humanismo e tecnologia, conhecimento dos princípios vantagem da corpulência esta bastava para os
científicos que presidem a produção moderna e conservar; e aplicou este processo de compensação a
exercício da cidadania plena, formação ética e todos os animais. Estas medidas de precaução eram
autonomia intelectual. Esse equilíbrio entre as destinadas a evitar o desaparecimento das raças.
finalidades "personalistas" e "produtivistas" requer Então, quando lhes havia fornecido os meios de
uma visão unificadora, um esforço tanto para superar escapar à mútua destruição, quis ajudá-los a suportar
os dualismos, quanto diversificar as oportunidades de as estações de Zeus; para isso, lembrou-se de os
formação. revestir de pêlos espessos e peles fortes, suficientes
para os abrigar do frio, capazes também de os
Tornar realidade esse ensino médio ao mesmo tempo proteger do calor e destinados, finalmente a servir,
unificado e diversificado vai exigir muito mais do que durante o sono, de coberturas naturais, próprias de
traçar grades curriculares que mesclam ou justapõem cada um deles; deu-lhes, além disso, como calçado,
disciplinas científicas e humanidades com pitadas de sapatos de corno ou peles calosas e desprovidas de
tecnologia. Tampouco será solução dissimular a sangue; em seguida deu-lhes alimentos variados,
formação básica sob o rótulo de disciplinas segundo as espécies: a uns, ervas do chão, a outros
pseudoprofissionalizantes, como ocorreu após a Lei nº frutos das árvores, a outros raízes; a alguns deu outros
5.692/71, ou, ao revés, oferecer habilitação animais a comer, mas limitou sua fecundidade e
profissional disfarçada de "educação básica" só porque multiplicou a das vítimas, para assegurar a
agora assim mandam as novas diretrizes e bases da preservação da raça.
educação.
Todavia, Epimeteu, pouco reflectido, tinha esgotado as
Mais que um conjunto de regras a ser obedecido, ou qualidades a distribuir, mas faltava-lhe ainda prover a
burlado, a LDB é uma convocação que oferece à espécie humana e não sabia como resolver o caso.
criatividade e ao empenho dos sistemas e suas escolas Então Prometeu veio examinar a partilha; viu os
a possibilidade de múltiplos arranjos institucionais e animais bem providos de tudo, mas o homem nu,
curriculares inovadores. É da exploração dessa descalço, sem cobertura nem armas, e aproximava-se
possibilidade, muito mais que do cumprimento o dia fixado em que ele devia sair do seio da terra para
burocrático dos mandamentos legais, que deverão a luz. Então Prometeu, não sabendo que inventar para
nascer as diferentes formas de organização do ensino dar ao homem um meio de conservação, roubou a
médio, integradas internamente, diversificadas nas Hefaisto e a Ateneia o conhecimento das artes com o
suas formas de inserção no meio sociocultural, para fogo, pois sem o fogo o conhecimento das artes é
atender um segmento jovem e jovem adulto cujos impossível e inútil, e presenteou com isto o homem. O
itinerários de vida serão cada vez mais imprevisíveis, homem ficou assim com ciência para conservar a vida,
mas que temos por responsabilidade balizar em mas faltava-lhe a ciência política; esta, possuía-a Zeus,
marcos de maior justiça, igualdade, fraternidade e e Prometeu já não tinha tempo de entrar na acrópole
felicidade. que Zeus habita e onde velam, aliás, temíveis guardas.
Introduziu-se, pois, furtivamente na oficina comum em
A resposta a uma convocação dessa natureza exige o que Ateneia e Hefaisto cultivavam o seu amor às artes,
diálogo e a busca de consensos sobre os valores, furtou ao Deus a sua arte de manejar o fogo e à Deusa
atitudes, padrões de conduta e diretrizes pedagógicas a arte que lhe é própria, e ofereceu tudo ao homem,
que a mesma LDB propõe como orientadores da tornando-o apto a procurar recursos para viver. Diz-se
jornada, que será longa e cheia de obstáculos. Deter- que Prometeu foi depois punido pelo roubo que tinha
se sobre o plano axiológico e tentar traduzi-lo em uma cometido, por culpa de Epimeteu.
doutrina pedagógica coerente não significa ignorar o
operativo, a falta de professores preparados, a Quando o homem entrou na posse do seu quinhão
precariedade de financiamento. Ao contrário, o esforço divino, a princípio, por causa da sua afinidade com os
doutrinário se justifica porque a superação desse deuses, acreditou na existência deles, privilégio só a
estado crônico de carências requer clareza de ele atribuído, entre todos os animais, e começou a
finalidades, conjugação de esforços e boa vontade erguer-lhes altares e estátuas; seguidamente, graças à
para superar conflitos, que só a comunhão de valores ciência que possuía, conseguiu articular a voz e formar
pode propiciar. os nomes das coisas, inventar as casas, o vestuário, o
calçado, os leitos e tirar alimentos da terra. Com estes
3. Fundamentos Estéticos, Políticos e Éticos do Novo recursos, os homens, na sua origem, viviam isolados e
Ensino Médio Brasileiro as cidades não existiam; por isso morriam sob os
ataques dos animais selvagens, mais fortes do que
eles; bastavam as artes mecânicas, para os fazer
Houve tempo em que os deuses existiam, mas não as viver; mas tinham insuficientes recursos na guerra
espécies mortais. Quando chegou o momento contra os animais, porque não possuíam ainda a
assinalado pelo destino para sua criação, os deuses ciência política de que a arte militar faz parte. Por
formaram-nas nas entranhas da terra, com uma conseqüência procuraram reunir-se e pôr-se em
mistura de terra, de fogo e dos elementos associados segurança, fundando cidades; mas, quando se
ao fogo e à terra. Quando chegou a ocasião de as reuniam, faziam mal uns aos outros, porque lhes
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faltava a ciência política, de modo que se separavam matérias-primas e da força física, presentes nas
novamente e morriam. estruturas mecânicas.

Então Zeus, receando que a nossa raça se extinguisse, A estética da sensibilidade realiza um esforço
encarregou Hermes de levar aos homens o respeito e permanente para devolver ao âmbito do trabalho e da
a justiça para servirem de normas às cidades e unir os produção a criação e a beleza, daí banidas pela
homens pelos laços da amizade. Então Hermes moralidade industrial taylorista. Por esta razão procura
perguntou a Zeus de que maneira devia dar aos não limitar o lúdico a espaços e tempos exclusivos,
homens a justiça e o respeito. "Devo distribuí-los, mas integrar diversão, alegria e senso de humor a
como se distribuíram as artes? Ora as artes foram dimensões de vida muitas vezes consideradas
divididas de maneira que um único homem, afetivamente austeras, como a escola, o trabalho, os
especializado na arte médica, basta para um grande deveres, a rotina cotidiana. Mas a estética da
número de profanos e o mesmo quanto aos outros sensibilidade quer também educar pessoas que
artistas. Devo repartir assim a justiça e o respeito saibam transformar o uso do tempo livre num exercício
pelos homens, ou fazer que pertençam a todos?" – produtivo porque criador. E que aprendam a fazer do
"Que pertençam a todos, respondeu Zeus; que todos prazer, do entretenimento, da sexualidade, um
tenham a sua parte, porque as cidades não poderiam exercício de liberdade responsável.
existir se estas virtudes fossem, como as artes,
quinhão exclusivo de alguns; estabelece, além disso, Como expressão de identidade nacional, a estética da
em meu nome, esta lei: que todo homem incapaz de sensibilidade facilitará o reconhecimento e
respeito e de justiça seja exterminado como o flagelo valorização da diversidade cultural brasileira e das
da sociedade". formas de perceber e expressar a realidade próprias
dos gêneros, das etnias, e das muitas regiões e grupos
Eis como e porquê, Sócrates, os atenienses e outros sociais do país. Assim entendida a estética da
povos, quando se trata de arquitectura ou de qualquer sensibilidade é um substrato indispensável para uma
arte profissional, entendem que só um pequeno pedagogia que se quer brasileira, portadora da riqueza
número pode dar conselhos, e se qualquer outra de cores, sons e sabores deste país, aberta à
pessoa, fora deste pequeno número, se atreve a emitir diversidade dos nossos alunos e professores, mas que
opinião, eles não o toleram, como acabo de dizer, e não abdica da responsabilidade de constituir cidadania
têm razão, ao que me parece. Mas, quando se delibera para um mundo que se globaliza, e de dar significado
sobre política, em que tudo assenta na justiça e no universal aos conteúdos da aprendizagem.
respeito, têm razão de admitir toda a gente, porque é
necessário que todos tenham parte na virtude cívica. Nos produtos da atividade humana, sejam eles bens,
Doutra forma, não pode existir a cidade. serviços ou conhecimentos, a estética da sensibilidade
valoriza a qualidade. Nas práticas e processos, a
Platão, Protágoras. busca de aprimoramento permanente. Ambos,
A prática administrativa e pedagógica dos sistemas de qualidade e aprimoramento, associam-se ao prazer de
ensino e de suas escolas, as formas de convivência no fazer bem feito e à insatisfação com o razoável,
ambiente escolar, os mecanismos de formulação e quando é possível realizar o bom, e com este, quando
implementação de políticas, os critérios de alocação de o ótimo é factível. Para essa concepção estética, o
recursos, a organização do currículo e das situações de ensino de má qualidade é, em sua feiúra, uma
aprendizagem, os procedimentos de avaliação deverão agressão à sensibilidade e, por isso, será também
ser coerentes com os valores estéticos, políticos e antidemocrático e antiético.
éticos que inspiram a Constituição e a LDB,
organizados sob três consignas: sensibilidade, A estética da sensibilidade não é um princípio
igualdade e identidade. inspirador apenas do ensino de conteúdos ou
atividades expressivas, mas uma atitude diante de
3.1 A Estética da Sensibilidade todas as formas de expressão, que deve estar
presente no desenvolvimento do currículo e na gestão
Como expressão do tempo contemporâneo, a estética escolar. Ela não se dissocia das dimensões éticas e
da sensibilidade vem substituir a da repetição e políticas da educação porque quer promover a crítica
padronização, hegemônica na era das revoluções à vulgarização da pessoa; às formas
industriais. Ela estimula a criatividade, o espírito estereotipadas e reducionistas de expressar a
inventivo, a curiosidade pelo inusitado, a realidade; às manifestações que banalizam os
afetividade, para facilitar a constituição de afetos e brutalizam as relações pessoais.
identidades capazes de suportar a inquietação,
conviver com o incerto, o imprevisível e o Numa escola inspirada na estética da sensibilidade, o
diferente. espaço e o tempo são planejados para acolher e
expressar a diversidade dos alunos e oportunizar
Diferentemente da estética estruturada, própria de um trocas de significados. Nessa escola, a
tempo em que os fatores físicos e mecânicos são descontinuidade, a dispersão caótica, a padronização,
determinantes do modo de produzir e conviver, a o ruído, cederão lugar à continuidade, à diversidade
estética da sensibilidade valoriza a leveza, a expressiva, ao ordenamento e à permanente
delicadeza e a sutileza. Estas, por estimularem a estimulação pelas palavras, imagens, sons, gestos e
compreensão não apenas do explicitado mas também, expressões de pessoas que buscam incansavelmente
e principalmente, do insinuado, são mais superar a fragmentação dos significados e o
contemporâneas de uma era em que a informação isolamento que ela provoca.
caminha pelo vácuo, de um tempo no qual o
conhecimento concentrado no microcircuito do Finalmente, a estética da sensibilidade não exclui
computador vai se impondo sobre o valor das outras estéticas, próprias de outros tempos e lugares.

25
Como forma mais avançada de expressão ela as se expressa por condutas de participação e
subassume, explica, entende, critica, contextualiza solidariedade, respeito e senso de
porque não convive com a exclusão, a responsabilidade, pelo outro e pelo público.
intolerância e a intransigência.
Em uma de suas direções, esse movimento leva o ideal
3.2 A Política da Igualdade de igualdade para o âmbito das relações pessoais na
família e no trabalho, no qual questões como a
A política da igualdade incorpora a igualdade formal, igualdade entre homens e mulheres, os direitos da
conquista do período de constituição dos grandes criança, a eliminação da violência passam a ser
estados nacionais. Seu ponto de partida é o decisivas para a convivência integradora. Mas há
reconhecimento dos direitos humanos e o também uma direção contrária, provocando o
exercício dos direitos e deveres da cidadania, envolvimento crescente de pessoas e instituições não
como fundamento da preparação do educando para a governamentais nas decisões antes reservadas ao
vida civil. "poder público": empresas, sindicatos, associações de
bairro, comunidades religiosas, cidadãos e cidadãs
comuns começam a incorporar as políticas públicas, as
Mas a igualdade formal não basta a uma sociedade na decisões econômicas, as questões ambientais, como
qual a emissão e recepção da informação em tempo itens prioritários em sua agenda.
real estão ampliando, de modo antes inimaginável o
acesso às pessoas e aos lugares, permitindo comparar
e avaliar qualidade de vida, hábitos, formas de Um dos fundamentos da política da igualdade é a
convivência, oportunidades de trabalho e de lazer. estética da sensibilidade. É desta que lança mão
quando denuncia os estereótipos que alimentam as
discriminações e quando, reconhecendo a diversidade,
Para essa sociedade, a política da igualdade vai se afirma que oportunidades iguais são necessárias, mas
expressar também na busca da eqüidade no acesso não suficientes, para oportunizar tratamento
à educação, ao emprego, à saúde, ao meio ambiente diferenciado visando promover igualdade entre
saudável e a outros benefícios sociais, e no combate desiguais.
a todas as formas de preconceito e
discriminação por motivo de raça, sexo, religião,
cultura, condição econômica, aparência ou condição A política da igualdade, inspiradora do ensino de todos
física. os conteúdos curriculares, é, ela mesma, um conteúdo
de ensino, sempre que nas ciências, nas artes, nas
linguagens estiverem presentes os temas dos direitos
A política da igualdade se traduz pela compreensão e da pessoa humana, do respeito, da responsabilidade e
respeito ao Estado de Direito e a seus princípios da solidariedade, e sempre que os significados dos
constitutivos abrigados na Constituição: o sistema conteúdos curriculares se contextualizarem nas
federativo e o regime republicano e democrático. relações pessoais e práticas sociais convocatórias da
Mas contextualiza a igualdade na sociedade da igualdade.
informação, como valor que é público por ser do
interesse de todos, não exclusivamente do Estado,
muito menos do governo. Na gestão e nas normas e padrões que regulam a
convivência escolar a política da igualdade incide com
grande poder educativo, pois é sobretudo nesse
Nessa perspectiva, a política da igualdade deverá âmbito que as trocas entre educador e educando,
fortalecer uma forma contemporânea de lidar com entre escola e meio social, entre grupos de idade
o público e o privado. E aqui ela associa-se à ética, favorecem a formação de hábitos democráticos e
ao valorizar atitudes e condutas responsáveis em responsáveis de vida civil. Destaca-se aqui a
relação aos bens e serviços tradicionalmente responsabilidade da liderança dos adultos, da qual
entendidos como "públicos", no sentido estatal, e depende, em grande parte, a coesão da escola em
afirmativas na demanda de transparência e torno de objetivos compartilhados, condição básica
democratização no tratamento dos assuntos públicos. para a prática da política da igualdade.

E o faz por reconhecer que uma das descobertas Mas, acima de tudo, a política da igualdade deve
importantes deste final de século é a de que […] ser praticada na garantia de igualdade de
motivação, criatividade, iniciativa, capacidade de oportunidades e de diversidade de tratamentos
aprendizagem, todas essas coisas ocorrem no nível dos alunos e dos professores para aprender e
dos indivíduos e das comunidades de dimensões aprender a ensinar os conteúdos curriculares.
humanas, nas quais eles vivem o seu dia-a-dia […] um Para isso, os sistemas e escolas deverão observar um
tipo de sociedade extremamente complexa, onde os direito pelo qual o próprio Estado se faz responsável,
custos da comunicação e da informação se aproximam no caso da educação pública: garantia de padrões
cada vez mais a zero, e onde as distinções antigas mínimos de qualidade de ensino tais como definidos
entre o local, o nacional e o internacional, o pequeno e pela LDB no inciso IX de seu artigo 4.
o grande, o centralizado e o descentralizado, tendem o
tempo todo a se confundir, desaparecer e reaparecer
sob novas formas. A garantia desses padrões passa por um compromisso
permanente de usar o tempo e o espaço pedagógicos,
as instalações e os equipamentos, os materiais
Essa visão implica um esforço para superar a antiga didáticos e os recursos humanos no interesse dos
contradição entre a realidade da grande estrutura de alunos. E em cada decisão administrativa ou
poder e o ideal da comunidade perdida, que ocorrerá pedagógica, o compromisso de priorizar o interesse da
pela incorporação do protagonismo ao ideal de maioria dos alunos.
respeito ao bem comum. Respeito ao bem comum
com protagonismo constitui assim uma das
finalidades mais importantes da política da igualdade e 3.3 A Ética da Identidade

26
A ética da identidade substitui a moralidade dos Situações antiéticas também ocorrem no ambiente
valores abstratos da era industrialista e busca a escolar quando a responsabilidade, o esforço e a
finalidade ambiciosa de reconciliar no coração humano qualidade não são praticados e recompensados.
aquilo que o dividiu desde os primórdios da idade Contextos nos quais o sucesso resulta da astúcia e não
moderna: o mundo da moral e o mundo da matéria, o da qualidade do trabalho realizado, que recompensam
privado e o público, enfim, a contradição expressa pela o "levar vantagem em tudo" em lugar do "esforçar-se",
divisão entre a "igreja" e o "estado". Essa ética se não favorecem nos alunos identidades constituídas
constitui a partir da estética e da política e não com sensibilidade estética e igualdade política.
por negação delas. Seu ideal é o humanismo de
um tempo de transição. Autonomia e reconhecimento da identidade do outro
se associam para construir identidades mais aptas a
Expressão de seres divididos mas que se negam a incorporar a responsabilidade e a solidariedade.
assim permanecer, a ética da identidade ainda não se Neste sentido, a ética da identidade supõe uma
apresenta de forma acabada. O drama desse novo racionalidade diferente daquela que preside à dos
humanismo, permanentemente ameaçado pela valores abstratos, porque visa formar pessoas
violência e pela segmentação social, é análogo ao da solidárias e responsáveis por serem autônomas.
crisálida. Ignorando que será uma borboleta, pode ser
devorada pelo pássaro antes de descobrir-se Essa racionalidade supõe que, num mundo em que a
transformada. O mundo vive um momento em que tecnologia revoluciona todos os âmbitos de vida, e, ao
muitos apostam no pássaro. O educador não tem disseminar informação amplia as possibilidades de
escolha: aposta na borboleta ou não é educador. escolha mas também a incerteza, a identidade
autônoma se constitui a partir da ética, da estética e
Como princípio educativo, a ética só é eficaz quando da política, mas precisa estar ancorada em
desiste de formar pessoas "honestas", "caridosas" ou conhecimentos e competências intelectuais que dêem
"leais" e reconhece que a educação é um processo de acesso a significados verdadeiros sobre o mundo
construção de identidades. Educar sob inspiração físico e social. Esses conhecimentos e competências
da ética não é transmitir valores morais, mas criar as é que dão sustentação à análise, à prospecção e à
condições para que as identidades se constituam pelo solução de problemas, à capacidade de tomar
desenvolvimento da sensibilidade e pelo decisões, à adaptabilidade a situações novas, à arte de
reconhecimento do direito à igualdade a fim de dar sentido a um mundo em mutação.
que orientem suas condutas por valores que
respondam às exigências do seu tempo. Não é por acaso que essas mesmas competências
estão entre as mais valorizadas pelas novas formas de
Uma das formas pelas quais a identidade se constitui é produção pós-industrial que se instalam nas economias
a convivência e, nesta, pela mediação de todas as contemporâneas. Essa é a esperança e a promessa
linguagens que os seres humanos usam para que o novo humanismo traz para a educação, em
compartilhar significados. Destes, os mais importantes especial a média: a possibilidade de integrar a
são os que carregam informações e valores sobre as formação para o trabalho num projeto mais ambicioso
próprias pessoas. Vale dizer que a ética da identidade de desenvolvimento da pessoa humana. Uma chance
se expressa por um permanente reconhecimento da real, talvez pela primeira vez na história, de ganhar a
identidade própria e do outro. É assim simples. Ao aposta na borboleta.
mesmo tempo é muito importante, porque no
reconhecimento reside talvez a grande Os conhecimentos e competências cognitivas e sociais
responsabilidade da escola como lugar de conviver, e, que se quer desenvolver nos jovens alunos do ensino
na escola, a do adulto educador para a formação da médio remetem assim à educação como constituição
identidade das futuras gerações. de identidades comprometidas com a busca da
verdade. Mas, para fazê-lo com autonomia, precisam
Âmbito privilegiado do aprender a ser, como a desenvolver a capacidade de aprender, tantas
estética é o âmbito do aprender a fazer e a política do vezes reiterada na LDB. Essa é a única maneira de
aprender a conhecer e conviver, a ética da identidade alcançar os significados verdadeiros com autonomia.
tem como fim mais importante a autonomia. Esta, Com razão, portanto, o inciso III do artigo 35 da lei
condição indispensável para os juízos de valor e as inclui, […]no aprimoramento do educando como
escolhas inevitáveis à realização de um projeto próprio pessoa humana […] a formação ética e o
de vida, requer uma avaliação permanente, e a mais desenvolvimento da autonomia intelectual e do
realista possível, das capacidades próprias e dos pensamento crítico.
recursos que o meio oferece.
No texto de Platão, Sócrates e Protágoras procuram
Por essa razão, a ética da identidade é tão importante responder à pergunta: "É possível ensinar a virtude?"
na educação escolar. É aqui, embora não Protágoras argumenta, narrando a partilha que
exclusivamente, que a criança e o jovem vivem de Prometeu e Epimeteu fizeram dos talentos divinos
forma sistemática os desafios de suas capacidades. entre as criaturas mortais. E prova que, se não for
Situações de aprendizagem programadas para possível ensinar a virtude, a "cidade" não é viável,
produzir o fracasso, como acontece tantas vezes nas pois, apenas com o domínio das "artes", os humanos
escolas brasileiras, são, neste sentido, profundamente não sobreviveriam porque exterminariam uns aos
antiéticas. Abalam a auto-estima de seres que estão outros. Na continuidade do diálogo fica claro que
constituindo suas identidades, contribuindo para que Sócrates também acha que a virtude pode ser
estas incorporem o fracasso, às vezes ensinada. Mas, por meio de suas perguntas, leva
irremediavelmente. Auto-imagens prejudicadas quase Protágoras a reconhecer que ela não é outra coisa
sempre reprimem a sensibilidade e desacreditam da senão a sabedoria, que busca permanentemente a
igualdade. verdade, e exatamente nisso reside a possibilidade de
seu ensino.
27
A pedagogia, como as demais "artes", situa-se no O Brasil possui diferentes modalidades ou formas de
domínio da estética e se exerce deliberadamente no organização institucional e curricular de ensino médio.
espaço da escola. A sensibilidade da prática Como em outros países, essas diferenças são modos
pedagógica para a qualidade do ensino e da de resolver a tensão de finalidades desse nível de
aprendizagem dos alunos será a contribuição ensino. Respondem mais à sua dualidade histórica do
específica e decisiva da educação escolar para a que à heterogeneidade de alunados, e associam-se a
igualdade, a justiça, a solidariedade, a um padrão excludente: cursar o ensino médio ainda é
responsabilidade. Dela poderá depender a capacidade um privilégio de poucos, e, dentre estes, poucos têm
dos jovens cidadãos do próximo milênio para aprender acesso à qualidade.
significados verdadeiros do mundo físico e social,
registrá-los, comunicá-los e aplicá-los no trabalho, no Em virtude dessa situação, as escolas públicas que
exercício da cidadania, no projeto de vida pessoal. conseguiram forjar identidades próprias de instituições
dedicadas à formação do jovem ou do jovem adulto, e
4. Diretrizes para uma Pedagogia da Qualidade que por isso mesmo se tornaram alternativas de
prestígio, atendem a um número muito pequeno de
Nós criamos uma civilização global em que os alunos. Em alguns casos, essas escolas de prestígio
elementos mais cruciais – o transporte, as terminaram mesmo por perder parte de sua identidade
comunicações e todas as outras indústrias, a de instituições formativas, pois se viram, como as
agricultura, a medicina, a educação, o particulares de excelência, reféns do exame vestibular
entretenimento, a proteção ao meio ambiente e por causa do alunado selecionado que a elas tem
até a importante instituição democrática do voto acesso.
– dependem profundamente da ciência e da
tecnologia. Também criamos uma ordem em que Aos demais restou a alternativa de estudar em classes
quase ninguém compreende a ciência e a esparsas de ensino médio, instaladas em períodos
tecnologia. É uma receita para o desastre. ociosos, em geral noturnos, de escolas públicas de
Podemos escapar ilesos por algum tempo, ensino fundamental. Ou ainda em escolas privadas de
porém mais cedo ou mais tarde essa mistura má qualidade, muitas delas também noturnas, cujos
inflamável de ignorância e poder vai explodir na custos cobrados a alunos trabalhadores não são muito
nossa cara. maiores dos que os das escolas públicas também
C. Sagan. Relatório da Reunião Educação para o desqualificadas.
Século XXI.
Todo aluno de nível médio deveria ser capaz de Essa situação gerou uma padronização desqualificada
responder a seguinte questão: Qual é a relação que se quer substituir por uma diversificação com
entre as ciências e as humanidades e quão qualidade. Escolas de identidade débil só podem ser
importante é essa relação para o bem estar dos iguais, pois levam apenas a marca das normas centrais
seres humanos? Todo intelectual e líder político e uniformes. Identidade supõe uma inserção no meio
também deveria ser capaz de responder a essa social que leva à definição de vocações próprias, que
questão. Metade da legislação com a qual o se diversificam ao incorporar as necessidades locais e
Congresso Americano tem de lidar contém as características dos alunos e a participação dos
componentes científicos e tecnológicos professores e das famílias no desenho institucional
importantes. Muitos dos problemas que afligem considerado adequado para cada escola.
a humanidade diariamente – conflitos étnicos,
corrida armamentista, superpopulação, aborto,
meio ambiente, pobreza, para citar alguns dos É necessário que as escolas tenham identidade como
que mais persistentemente nos perseguem – não instituições de educação de jovens e que essa
podem ser resolvidos sem integrar identidade seja diversificada em função das
conhecimentos das ciências naturais com características do meio social e da clientela.
conhecimentos das ciências sociais e humanas. Diversidade, no entanto, não se confunde com
Somente a flexibilidade que atravessa as fragmentação, muito ao contrário. Inspirada nos ideais
fronteiras especializadas pode fornecer uma da justiça, a diversidade reconhece que para alcançar
visão do mundo tal como ele realmente é, e não a igualdade, não bastam oportunidades iguais. É
como é visto pela lente das ideologias, dos necessário também tratamento diferenciado. Dessa
dogmas religiosos ou tal como é comandado forma, a diversidade da escola média é necessária
pelas respostas míopes a necessidades para contemplar as desigualdades nos pontos de
imediatas. partida de seu alunado, que requerem diferenças de
E. O. Wilson, Consilience: The Unity of tratamento como forma mais eficaz de garantir a todos
Knowledge. um patamar comum nos pontos de chegada.
Não se pode educar sem ao mesmo tempo ensinar;
uma educação sem aprendizagem é vazia e portanto Será indispensável, portanto, que existam mecanismos
degenera, com muita facilidade, em retórica moral e de avaliação dos resultados para aferir se os pontos de
emocional. chegada estão sendo comuns. E para que tais
H. Arendt. Entre o Passado e o Futuro. mecanismos funcionem como sinalizadores eficazes,
De acordo com os princípios estéticos, políticos e deverão ter como referência as competências de
éticos da LDB, sistematizados anteriormente, as caráter geral que se quer constituir em todos os alunos
escolas de ensino médio observarão, na gestão, na e um corpo básico de conteúdos, cujo ensino e
organização curricular e na prática pedagógica e aprendizagem, se bem sucedidos, propiciam a
didática, as diretrizes expostas a seguir. constituição de tais competências. O Sistema de
Avaliação da Educação Básica (SAEB) e, mais
4.1 Identidade, Diversidade, Autonomia recentemente, o Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM), operados pelo MEC; os sistemas de avaliação
já existentes em alguns estados e que tendem a ser
criados nas demais unidades da federação; e os
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sistemas de estatísticas e indicadores educacionais pedagógica. Na verdade, a proposta pedagógica é a
constituem importantes mecanismos para promover a forma pela qual a autonomia se exerce. E a
eficiência e a igualdade. proposta pedagógica não é uma "norma", nem um
documento ou formulário a ser preenchido. Não
A análise dos resultados das avaliações e dos obedece a prazos formais nem deve seguir
indicadores de desempenho deverá permitir às especificações padronizadas. Sua eficácia depende de
escolas, com o apoio das demais instâncias dos conseguir pôr em prática um processo permanente de
sistemas de ensino, avaliar seus processos, verificar mobilização de "corações e mentes" para alcançar
suas debilidades e qualidades, e planejar a melhoria do objetivos compartilhados.
processo educativo. Da mesma forma, deverá permitir
aos organismos responsáveis pela política educacional As instâncias centrais dos sistemas de ensino precisam
desenvolver mecanismos de compensação que entender que existe um espaço de decisão privativo da
superem gradativamente as desigualdades escola e do professor em sala de aula que resiste aos
educacionais. controles formais. A legitimidade e eficácia de
qualquer intervenção externa nesse espaço privativo
Os sistemas e os estabelecimentos de ensino médio depende de convencer a todos do seu valor para a
deverão criar e desenvolver, com a participação da ação pedagógica. Vale dizer que a proposta
equipe docente e da comunidade, alternativas pedagógica não existe sem um forte protagonismo do
institucionais com identidade própria, baseadas na professor e sem que este dela se aproprie.
missão de educação do jovem, usando ampla e
destemidamente as várias possibilidades de Seria desastroso, nesse sentido, transformar em
organização pedagógica, espacial e temporal, e de obrigação a incumbência que a LDB atribui à escola de
articulações e parcerias com instituições públicas ou decidir sobre sua proposta pedagógica, porque isto
privadas, abertas pela LDB, para formular políticas de ativaria os sempre presentes anticorpos da resistência
ensino focalizadas nessa faixa etária, que contemplem ou da ritualização. Contrariamente, a proposta
a formação básica e a preparação geral para o pedagógica para cuja decisão a escola exerce sua
trabalho, inclusive, se necessário e oportuno, autonomia, deve expressar um acordo no qual as
integrando as séries finais do ensino fundamental com instâncias centrais serão parceiras facilitadoras do
o ensino médio, em virtude da proximidade de faixa árduo exercício de explicitar, debater e formar
etária do alunado e das características comuns de consenso sobre objetivos, visando potencializar
especialização disciplinar que esses segmentos do recursos. A autonomia escolar, portanto […]não
sistema de ensino guardam entre si. implica na omissão do Estado. Mudam-se os papéis. Os
órgãos centrais passam a exercer funções de
Os sistemas deverão fomentar no conjunto dos formulação das diretrizes da política educacional e
estabelecimentos de ensino médio, e cada um deles, assessoramento à implementação dessas políticas.
sempre que possível, na sua organização curricular,
uma ampla diversificação dos tipos de estudos Já se disse que, salvo exceções das grandes escolas de
disponíveis, estimulando alternativas que a partir de elite, acadêmicas ou técnicas, o ensino público médio
uma base comum, ofereçam opções de acordo com as no Brasil não tem identidade institucional própria.
características de seus alunos e as demandas do meio Expandiu-se às custas de espaços físicos e recursos
social: dos estudos mais abstratos e conceituais aos financeiros e pedagógicos do ensino fundamental, qual
programas que alternam formação escolar e passageiro clandestino de um navio de carências.
experiência profissional; dos currículos mais Contraditoriamente essa distorção pode agora ser uma
humanísticos aos mais científicos ou artísticos, sem vantagem.
negligenciar em todos os casos os mecanismos de
mobilidade para corrigir erros de decisão cometidos O futuro está aberto para o aparecimento de muitas
pelos alunos ou determinados por desigualdade na formas de organização do ensino médio, sob o
oferta de alternativas. princípio da flexibilidade e da autonomia consagrados
pela LDB. Teremos de usar essa vantagem para
A diversificação deverá ser acompanhada de sistemas estimular identidades escolares mais libertas da
de avaliação que permitam o acompanhamento padronização burocrática, que formulem e
permanente dos resultados, tomando como referência implementem propostas pedagógicas próprias,
as competências básicas a serem alcançadas por todos inclusive de articulação do ensino médio com a
os alunos, de acordo com a LDB, as presentes educação profissional.
diretrizes e as propostas pedagógicas das escolas.
O segundo risco potencial é o de que a autonomia
A eficácia dessas diretrizes supõe a existência de venha a reforçar privilégios e exclusões. Sobre este
autonomia das instâncias regionais dos sistemas de deve-se observar que a autonomia subordina-se aos
ensino público e sobretudo dos estabelecimentos. A princípios e diretrizes indicados na lei e apresentados
autonomia das escolas é, mais que uma diretriz, um nesta deliberação em seus desdobramentos
mandamento da LDB. As diretrizes, neste caso, pedagógicos, com destaque para o acolhimento da
buscam indicar alguns atributos para evitar dois riscos: diversidade de alunos e professores, para os ideais da
o primeiro seria burocratizá-la, transformando-a em política da igualdade e para a solidariedade como
mais um mecanismo de controle prévio, tão ao gosto elemento constitutivo das identidades. Como alerta
das burocracias centrais da educação; o segundo seria Azanha: […] a autonomia escolar, desligada dos
transformar a autonomia em outra forma de criar pressupostos éticos da tarefa educativa poderá até
privilégios que produzem exclusão. favorecer a emergência e o reforço de sentimentos e
atitudes contrários à convivência democrática.
Em relação ao risco de burocratização é preciso
destacar que a LDB vincula autonomia e proposta

29
A competência dos sistemas para definir e dos membros da comunidade escolar à opinião pública
implementar políticas de educação média legitima-se em geral.
na observação de prioridades e formas de
financiamento que contemplem o interesse da maioria. O exercício pleno da autonomia se manifesta na
No âmbito escolar a autonomia deve refletir o formulação de uma proposta pedagógica própria,
compromisso da proposta pedagógica com a direito de toda instituição escolar. Essa vinculação
aprendizagem dos alunos pelo uso equânime do deve ser permanentemente reforçada, buscando evitar
tempo, do espaço físico, das instalações e que as instâncias centrais do sistema educacional
equipamentos, dos recursos financeiros, didáticos e burocratizem e ritualizem aquilo que no espírito da lei
humanos. deve ser, antes de mais nada, expressão de liberdade
e iniciativa, e que por essa razão não pode prescindir
Na sala de aula, a autonomia tem como pressuposto, do protagonismo de todos os elementos da escola, em
além da capacidade didática do professor, seu especial dos professores.
compromisso e, por que não dizer, cumplicidade com
os alunos, que fazem do trabalho cotidiano de ensinar A proposta pedagógica deve refletir o melhor
um permanente voto de confiança na capacidade de equacionamento possível entre recursos humanos,
todos para aprender. O professor como profissional financeiros, técnicos, didáticos e físicos, para garantir
construirá sua identidade com ética e autonomia se, tempos, espaços, situações de interação, formas de
inspirado na estética da sensibilidade, buscar a organização da aprendizagem e de inserção da escola
qualidade e o aprimoramento da aprendizagem dos no seu ambiente social, que promovam a aquisição dos
alunos, e, inspirado na política da igualdade, conhecimentos, competências e valores previstos na
desenvolver um esforço continuado para garantir a lei, apresentados nestas diretrizes, e constantes da sua
todos oportunidades iguais de aprendizagem e proposta pedagógica.
tratamento adequado às suas características pessoais.
A proposta pedagógica antes de tudo deve ser simples:
Por essa razão, a autonomia depende de qualificação O projeto pedagógico da escola é apenas uma
permanente dos que trabalham na escola, em especial oportunidade para que algumas coisas aconteçam e
dos professores. Sem a garantia de condições para que dentre elas o seguinte: tomada de consciência dos
os professores aprendam a aprender e continuem principais problemas da escola, das possibilidades de
aprendendo, a proposta pedagógica corre o risco de solução e definição das responsabilidades coletivas e
tornar-se mais um ritual. E como toda prática pessoais para eliminar ou atenuar as falhas
ritualizada terminará servindo de artifício para detectadas. Nada mais, porém isso é muito e muito
dissimular a falta de conhecimento e capacitação no difícil.
fazer didático.
A proposta pedagógica deve ser acompanhada por
A melhor forma de verificar esses compromissos é procedimentos de avaliação de processos e produtos,
instituir mecanismos de prestação de contas que divulgação dos resultados e mecanismos de prestação
facilitem a "responsabilização" dos envolvidos. Alguém de contas.
já disse que precisamos traduzir para o português o
termo "accountability" com o pleno significado que
tem: processo pelo qual uma pessoa, organismo ou 4.2 Um Currículo Voltado para as Competências
instituição presta contas e assume a responsabilidade Básicas
por seus resultados para seus constituintes,
financiadores, usuários ou clientes. Do ponto de vista legal não há mais duas funções
difíceis de conciliar para o ensino médio, nos termos
Mesmo não dispondo de correspondência lingüística em que estabelecia a Lei nº 5.692/71: preparar para a
precisa, é disto que trata esta diretriz: continuidade de estudos e habilitar para o exercício de
"responsabilização", avaliação de processos e de uma profissão. A duplicidade de demanda continuará
resultados, participação dos interessados, divulgação existindo porque a idade de conclusão do ensino
de informações, que imprimam transparência às ações fundamental coincide com a definição de um projeto
dos gestores, diretores, professores, para que a de vida, fortemente determinado pelas condições
sociedade em geral e os alunos e suas famílias em econômicas da família e, em menor grau, pelas
particular participem e acompanhem as decisões sobre características pessoais. Entre os que podem custear
objetivos, prioridades e uso dos recursos. uma carreira educacional mais longa esse projeto
abrigará um percurso que posterga o desafio da
sobrevivência material para depois do curso superior.
Mais uma vez, portanto, destaca-se a importância dos Entre aqueles que precisam arcar com sua
sistemas de avaliação de resultados e de indicadores subsistência precocemente ele demandará a inserção
educacionais que já estão sendo operados, ou os que no mercado de trabalho logo após a conclusão do
venham a se instituir. Para a identidade e a ensino obrigatório, durante o ensino médio ou
diversidade, a informação é indispensável na garantia imediatamente depois deste último.
da igualdade de resultados. Para a autonomia, ela é
condição de transparência da gestão educacional e
clareza da responsabilidade pelos resultados. Vale lembrar, no entanto, que, mesmo nesses casos, o
percurso educacional pode não excluir,
necessariamente, a continuidade dos estudos. Ao
Mas os sistemas de avaliação e indicadores contrário, para muitos, o trabalho se situa no projeto
educacionais só cumprirão satisfatoriamente essas de vida como uma estratégia para tornar sustentável
duas funções complementares, se todas as financeiramente um percurso educacional mais
informações por eles produzidas – resultados de provas ambicioso. E em qualquer de suas variantes, o futuro
de rendimento, estatísticas e outras – forem públicas, do jovem e da jovem deste final de século será sempre
no sentido de serem apropriadas pelos interessados, um projeto em aberto, podendo incluir períodos de

30
aprendizagem – de nível superior ou não – intercalados teoria e a prática têm que ser construídas
com experiências de trabalho produtivo de diferente cuidadosamente e de forma explícita. Para Castro
natureza, além das escolhas relacionadas à sua vida essas pontes implicam em fazer a relação, por
pessoal: constituir família, participar da comunidade, exemplo, entre o que se aprendeu na aula de
eleger princípios de consumo, de cultura e lazer, de matemática na segunda-feira com a lição sobre atrito
orientação política, entre outros. A condução na aula de física da terça e com a sua observação de
autônoma desse projeto de vida reclama uma escola um automóvel cantando pneus na tarde da quarta. E
média de sólida formação geral. conclui afirmando que […] para a maioria dos alunos,
infelizmente, ou a escola o ajuda a fazer estas pontes
Mas o significado de educação geral no nível médio, ou elas permanecerão sem ser feitas, perdendo-se
segundo o espírito da LDB, nada tem a ver com o assim a essência do que é uma boa educação.
ensino enciclopedista e academicista dos currículos de
ensino médio tradicionais, reféns do exame vestibular. Para dar conta desse mandato, a organização
Vale a pena examinar o já citado artigo 35 da lei, na curricular do ensino médio deve ser orientada por
ótica pedagógica. alguns pressupostos indicados a seguir.

Enquanto aprofundamento dos conhecimentos já o Visão orgânica do conhecimento,


adquiridos, o perfil pedagógico do ensino médio tem afinada com as mutações
como ponto de partida o que a LDB estabelece em seu surpreendentes que o acesso à
artigo 32 como objetivo do ensino fundamental. informação está causando no modo de
Deverá, assim, continuar o processo de abordar, analisar, explicar e prever a
desenvolvimento da capacidade de aprender, com realidade, tão bem ilustradas no
destaque para o aperfeiçoamento do uso das hipertexto que cada vez mais
linguagens como meios de constituição dos entremeia o texto dos discursos, das
conhecimentos, da compreensão e da formação de falas e das construções conceituais.
atitudes e valores. o Disposição para perseguir essa visão
organizando e tratando os conteúdos
O trabalho e a cidadania são previstos como os do ensino e as situações de
principais contextos nos quais a capacidade de aprendizagem, de modo a destacar as
continuar aprendendo deve se aplicar, a fim de que o múltiplas interações entre as
educando possa adaptar-se às condições em mudança disciplinas do currículo.
na sociedade, especificamente no mundo das o Abertura e sensibilidade para
ocupações. A LDB, nesse sentido, é clara: em lugar de identificar as relações que existem
estabelecer disciplinas ou conteúdos específicos, entre os conteúdos do ensino e das
destaca competências de caráter geral, dentre as situações de aprendizagem e os muitos
quais a capacidade de aprender é decisiva. O contextos de vida social e pessoal, de
aprimoramento do educando como pessoa humana modo a estabelecer uma relação ativa
destaca a ética, a autonomia intelectual e o entre o aluno e o objeto do
pensamento crítico. Em outras palavras, convoca a conhecimento e a desenvolver a
constituição de uma identidade autônoma. capacidade de relacionar o aprendido
com o observado, a teoria com suas
Ao propor a compreensão dos fundamentos científico- conseqüências e aplicações práticas.
tecnológicos do processo produtivo, a LDB insere a o Reconhecimento das linguagens como
experiência cotidiana e o trabalho no currículo formas de constituição dos
do ensino médio como um todo e não apenas na conhecimentos e das identidades,
sua base comum, como elementos que facilitarão a portanto como o elemento-chave para
tarefa educativa de explicitar a relação entre teoria e constituir os significados, conceitos,
prática. Sobre este último aspecto, dada sua relações, condutas e valores que a
importância para as presentes diretrizes, vale a pena escola deseja transmitir.
deter-se. o Reconhecimento e aceitação de que o
conhecimento é uma construção
coletiva, forjada socio-interativamente
Os processos produtivos dizem respeito a todos os na sala de aula, no trabalho, na família
bens, serviços e conhecimentos com os quais o aluno e em todas as demais formas de
se relaciona no seu dia-a-dia, bem como àqueles convivência.
processos com os quais se relacionará mais o Reconhecimento de que a
sistematicamente na sua formação profissional. Para
aprendizagem mobiliza afetos,
fazer a ponte entre teoria e prática, de modo a
emoções e relações com seus pares,
entender como a prática (processo produtivo) está
além das cognições e habilidades
ancorada na teoria (fundamentos científico-
intelectuais.
tecnológicos), é preciso que a escola seja uma
experiência permanente de estabelecer relações entre
o aprendido e o observado, seja espontaneamente, no Com essa leitura, a formação básica a ser buscada no
cotidiano em geral, seja sistematicamente no contexto ensino médio se realizará mais pela constituição de
específico de um trabalho e suas tarefas laborais. competências, habilidades e disposições de condutas
do que pela quantidade de informação. Aprender a
aprender e a pensar, a relacionar o conhecimento com
Castro, ao analisar o ensino médio de formação geral,
dados da experiência cotidiana, a dar significado ao
observa: Não se trata nem de profissionalizar nem de
aprendido e a captar o significado do mundo, a fazer a
deitar água para fazer mais rala a teoria. Trata-se, isso
ponte entre teoria e prática, a fundamentar a crítica, a
sim, de ensinar melhor a teoria – qualquer que seja –
argumentar com base em fatos, a lidar com o
de forma bem ancorada na prática. As pontes entre a
sentimento que a aprendizagem desperta.
31
Uma organização curricular que responda a esses pesquisa e ação, que a interdisciplinaridade poderá ser
desafios requer: uma prática pedagógica e didática adequada aos
objetivos do ensino médio.
o desbastar o currículo enciclopédico,
congestionado de informações, O conceito de interdisciplinaridade fica mais claro
priorizando conhecimentos e quando se considera o fato trivial de que todo
competências de tipo geral, que são conhecimento mantém um diálogo permanente com
pré-requisito tanto para a inserção outros conhecimentos, que pode ser de
profissional mais precoce quanto para questionamento, de confirmação, de complementação,
a continuidade de estudos, entre as de negação, de ampliação, de iluminação de aspectos
quais se destaca a capacidade de não distinguidos.
continuar aprendendo;
o (re)significar os conteúdos curriculares Tendo presente esse fato, é fácil constatar que
como meios para constituição de algumas disciplinas se identificam e aproximam, outras
competências e valores, e não como se diferenciam e distanciam, em vários aspectos: pelos
objetivos do ensino em si mesmos; métodos e procedimentos que envolvem, pelo objeto
o trabalhar as linguagens não apenas que pretendem conhecer, ou ainda pelo tipo de
como formas de expressão e habilidades que mobilizam naquele que a investiga,
comunicação mas como constituidoras conhece, ensina ou aprende.
de significados, conhecimentos e
valores; A interdisciplinaridade também está envolvida quando
o adotar estratégias de ensino os sujeitos que conhecem, ensinam e aprendem,
diversificadas, que mobilizem menos a sentem necessidade de procedimentos que, numa
memória e mais o raciocínio e outras única visão disciplinar, podem parecer heterodoxos,
competências cognitivas superiores, mas fazem sentido quando chamados a dar conta de
bem como potencializem a interação temas complexos. Se alguns procedimentos artísticos
entre aluno-professor e aluno-aluno podem parecer profecias na perspectiva científica,
para a permanente negociação dos também é verdade que a foto do cogumelo resultante
significados dos conteúdos da explosão nuclear também explica, de um modo
curriculares, de forma a propiciar diferente da física, o significado da bomba atômica.
formas coletivas de construção do
conhecimento;
o estimular todos os procedimentos e Nesta multiplicidade de interações e negações
atividades que permitam ao aluno recíprocas, a relação entre as disciplinas tradicionais
reconstruir ou "reinventar" o pode ir da simples comunicação de idéias até a
conhecimento didaticamente integração mútua de conceitos diretores, da
transposto para a sala de aula, entre epistemologia, da terminologia, da metodologia e dos
eles a experimentação, a execução de procedimentos de coleta e análise de dados. Ou pode
projetos, o protagonismo em situações efetuar-se, mais singelamente, pela constatação de
sociais; como são diversas as várias formas de conhecer. Pois
o organizar os conteúdos de ensino em até mesmo essa "interdisciplinaridade singela" é
importante para que os alunos aprendam a olhar o
estudos ou áreas interdisciplinares e
mesmo objeto sob perspectivas diferentes.
projetos que melhor abriguem a visão
orgânica do conhecimento e o diálogo
permanente entre as diferentes áreas É importante enfatizar que a interdisciplinaridade
do saber; supõe um eixo integrador, que pode ser o objeto de
o tratar os conteúdos de ensino de modo conhecimento, um projeto de investigação, um plano
contextualizado, aproveitando sempre de intervenção. Nesse sentido ela deve partir da
as relações entre conteúdos e contexto necessidade sentida pelas escolas, professores e
para dar significado ao aprendido, alunos de explicar, compreender, intervir,
estimular o protagonismo do aluno e mudar, prever, algo que desafia uma disciplina
estimulá-lo a ter autonomia intelectual; isolada e atrai a atenção de mais de um olhar,
o lidar com os sentimentos associados às talvez vários. Explicação, compreensão, intervenção
situações de aprendizagem para são processos que requerem um conhecimento que vai
facilitar a relação do aluno com o além da descrição da realidade e mobiliza
conhecimento. competências cognitivas para deduzir, tirar inferências
ou fazer previsões a partir do fato observado.
A doutrina de currículo que sustenta a proposta de
organização e tratamento dos conteúdos com essas A partir do problema gerador do projeto, que pode ser
características envolve os conceitos de um experimento, um plano de ação para intervir na
interdisciplinaridade e contextualização que requerem realidade ou uma atividade, são identificados os
exame mais detido. conceitos de cada disciplina que podem contribuir para
descrevê-lo, explicá-lo e prever soluções. Dessa forma
o projeto é interdisciplinar na sua concepção, execução
4.3 Interdisciplinaridade e avaliação, e os conceitos utilizados podem ser
formalizados, sistematizados e registrados no âmbito
A interdisciplinaridade deve ir além da mera das disciplinas que contribuem para o seu
justaposição de disciplinas e, ao mesmo tempo, evitar desenvolvimento. O exemplo do projeto é interessante
a diluição delas em generalidades. De fato, será para mostrar que a interdisciplinaridade não dilui as
principalmente na possibilidade de relacionar as disciplinas, ao contrário, mantém sua individualidade.
disciplinas em atividades ou projetos de estudo, Mas integra as disciplinas a partir da compreensão das

32
múltiplas causas ou fatores que intervêm sobre a ciências humanas e o exercício destas últimas como
realidade e trabalha todas as linguagens necessárias forma de aperfeiçoar o emprego da linguagem verbal
para a constituição de conhecimentos, comunicação e formal; a matemática como um dos recursos
negociação de significados e registro sistemático de constitutivos dos conceitos das ciências naturais e a
resultados. explicação das leis naturais como exercício que
desenvolve o pensamento matemático; a informática
Essa integração entre as disciplinas para buscar como recurso que pode contribuir para reorganizar e
compreender, prever e transformar a realidade estabelecer novas relações entre conceitos científicos
aproxima-se daquilo que Piaget chama de estruturas e estes como elementos explicativos dos princípios da
subjacentes. O autor destaca um aspecto importante informática; as artes como constitutivas do
nesse caso: a compreensão dessas estruturas pensamento simbólico, metafórico e criativo,
subjacentes não dispensa o conhecimento indispensáveis no exercício de análise, síntese e
especializado, ao contrário. Somente o domínio de uma solução de problemas, competências que se busca
dada área permite superar o conhecimento desenvolver em todas as disciplinas.
meramente descritivo para captar suas conexões com
outras áreas do saber na busca de explicações. Outra observação feita pelos estudos de Vigotsky
refere-se à existência de uma interdependência entre
Segundo Piaget, a excessiva "disciplinarização" […] se e a aprendizagem dos conteúdos curriculares e o
explica, com efeito, pelos preconceitos positivistas. Em desenvolvimento cognitivo. Embora já não se aceitem
uma perspectiva onde apenas contam os observáveis, as idéias herbatianas da disciplina formal, que supunha
que cumpre simplesmente descrever e analisar para um associação linear entre cada disciplina escolar e
então daí extrair as leis funcionais, é inevitável que as um tipo específico de capacidade mental, também não
diferentes disciplinas pareçam separadas por é razoável supor que o desenvolvimento cognitivo se
fronteiras mais ou menos definidas ou mesmo fixas, já dá de forma independente da aprendizagem em geral
que estas se relacionam com a diversidade das e, em particular, da aprendizagem sistemática
categorias de observáveis que, por sua vez, estão organizada pela escola.
relacionadas com nossos instrumentos subjetivos e
objetivos de registro (percepções e aparelhos) [...] Por Investigações sobre a aprendizagem de conceitos
outro lado, logo que, ao violar as regras positivistas, científicos em crianças e adolescentes indicam que a
[...] se procura explicar os fenômenos e suas leis, ao aprendizagem funciona como antecipação do
invés de apenas descrevê-los, forçosamente se estará desenvolvimento de capacidades intelectuais. Isso
ultrapassando as fronteiras do observável, já que toda ocorre porque os pré-requisitos psicológicos para o
causalidade decorre da necessidade inferencial, isto é, aprendizado de diferentes matérias escolares são, em
de deduções e estruturas operatórias irredutíveis à grande parte, os mesmos; o aprendizado de uma
simples constatação [...] Nesse caso, a realidade matéria influencia o desenvolvimento de funções
fundamental não é mais o fenômeno observável, e sim superiores para além dos limites dessa matéria
a estrutura subjacente, reconstituída por dedução e específica; as principais funções psíquicas envolvidas
que fornece uma explicação para os dados no estudo de várias matérias são interdependentes –
observados. Mas, por isso mesmo, tendem a suas bases comuns são a consciência e o domínio
desaparecer as fronteiras entre as disciplinas, pois as deliberado, as contribuições principais dos anos
estruturas ou são comuns (tal como entre a Física e a escolares. A partir dessas descobertas, conclui-se que
Química [...]) ou solidárias umas com as outras (como todas as matérias escolares básicas atuam como uma
sem dúvida haverá de ser o caso entre a Biologia e a disciplina formal, cada uma facilitando o aprendizado
Físico-Química). das outras […]

A interdisciplinaridade pode ser também compreendida Essa "solidariedade didática" foi encontrada por
se considerarmos a relação entre o pensamento e a Chervel no estudo que realizou da história dos
linguagem, descoberta pelos estudos socio- "ensinos" ou das disciplinas escolares, no sistema de
interacionistas do desenvolvimento e da ensino francês. Um dado interessante encontrado por
aprendizagem. Esses estudos revelam que, seja nas esse autor foi o significado diferente que as disciplinas
situações de aprendizagem espontânea, seja naquelas vão adquirindo no decorrer de dois séculos, mesmo
estruturadas ou escolares, há uma relação sempre mantendo o mesmo nome nas grades curriculares.
presente entre os conceitos e as palavras (ou Nesse período, várias foram criadas, outras
linguagens) que os expressam, de tal forma que […] desapareceram, embora os conteúdos de seu ensino e
uma palavra desprovida de pensamento é uma coisa as capacidades intelectuais que visavam constituir
morta, e um pensamento não expresso por palavras tenham continuado a ser desenvolvidos por meio de
permanece na sombra. Todas as linguagens outros conteúdos com nomes idênticos ou por meio de
trabalhadas pela escola, portanto, são por natureza conteúdos idênticos sob nomes diferentes.
"interdisciplinares" com as demais áreas do currículo:
é pela linguagem – verbal, visual, sonora, matemática, Foi assim que durante quase um século a disciplina
corporal ou outra – que os conteúdos curriculares se "sistema de pesos e medidas" fez parte do currículo da
constituem em conhecimentos, isto é, significados que, escola primária e secundária francesa, até que se
ao serem formalizados por alguma linguagem, tornam- consolidasse o sistema métrico decimal imposto à
se conscientes de si mesmos e deliberados. França no início do século XIX. Uma vez cumprido seu
papel, desapareceu como disciplina escolar e os
Sem a pretensão de esgotar o amplo campo de conteúdos e habilidades envolvidos na aprendizagem
possibilidades que a interação entre linguagem e do sistema de medidas foram incorporados ao ensino
pensamento abre para a pedagogia da da matemática de onde não mais se separaram. Da
interdisciplinaridade, alguns exemplos poderiam ser mesma forma a disciplina "redação" apareceu,
lembrados: a linguagem verbal como um dos desapareceu, incorporada a outras, e reapareceu por
processos de constituição de conhecimento das diversas vezes no currículo. Essa transitoriedade das

33
disciplinas escolares mostra como é todos os significados pessoais, políticos e sociais que
epistemologicamente frágil a sua demarcação rígida números dessa natureza carregam.
nos planos curriculares e argumenta em favor de uma
postura mais flexível e integradora. Outro exemplo refere-se ao conhecimento científico.
Conhecer o corpo humano não é apenas saber como
4.4 Contextualização funcionam os muitos aparelhos do organismo, mas
também entender como funciona o próprio corpo e que
As múltiplas formas de interação que se podem prever conseqüências isso tem em decisões pessoais da maior
entre as disciplinas tal como tradicionalmente importância tais como fazer dieta, usar drogas,
arroladas nas "grades curriculares", fazem com que consumir gorduras ou exercer a sexualidade. A
toda proposição de áreas ou agrupamento das adolescente que aprendeu tudo sobre aparelho
mesmas seja resultado de um corte que carrega certo reprodutivo mas não entende o que se passa com seu
grau de arbitrariedade. Não há paradigma curricular corpo a cada ciclo mensal não aprendeu de modo
capaz de abarcar a todas. Nesse sentido seria significativo. O mesmo acontece com o jovem que se
desastroso entender uma proposta de organização por equilibra na prancha de surfe em movimento, mas não
áreas como fechada ou definitiva. Mais ainda seria relaciona isso com as leis da física aprendidas na
submeter uma área interdisciplinar ao mesmo escola.
amordaçamento estanque a que hoje estão sujeitas as
disciplinas tradicionais isoladamente, quando o Pesquisa recente com jovens de ensino médio revelou
importante é ampliar as possibilidades de interação que estes não vêem nenhuma relação da química com
não apenas entre as disciplinas nucleadas em uma suas vidas nem com a sociedade, como se o iogurte,
área como entre as próprias áreas de nucleação. A os produtos de higiene pessoal e limpeza, os
contextualização pode ser um recurso para conseguir agrotóxicos ou as fibras sintéticas de suas roupas
esse objetivo. fossem questões de outra esfera de conhecimento,
divorciadas da química que estudam na escola. No
Contextualizar o conteúdo que se quer aprendido caso desses jovens, a química aprendida na escola foi
significa, em primeiro lugar, assumir que todo transposta do contexto de sua produção original, sem
conhecimento envolve uma relação entre sujeito e que pontes tivessem sido feitas para contextos que
objeto. Na escola fundamental ou média o são próximos e significativos. É provável que, por
conhecimento é quase sempre reproduzido das motivo semelhante, muitas pessoas que estudaram
situações originais nas quais acontece sua produção. física na escola não consigam entender como funciona
Por esta razão quase sempre o conhecimento escolar o telefone celular. Ou se desconcertem quando têm de
se vale de uma transposição didática, na qual a estabelecer a relação entre o tamanho de um
linguagem joga papel decisivo. ambiente e a potência em "btus" do aparelho de ar-
condicionado que estão por adquirir.
O tratamento contextualizado do conhecimento é o
recurso que a escola tem para retirar o aluno da O trabalho é o contexto mais importante da
condição de espectador passivo. Se bem trabalhado experiência curricular no ensino médio, de acordo com
permite que, ao longo da transposição didática, o as diretrizes traçadas pela LDB em seus artigos 35 e
conteúdo do ensino provoque aprendizagens 36. O significado desse destaque deve ser
significativas que mobilizem o aluno e estabeleçam devidamente considerado: na medida em que o ensino
entre ele e o objeto do conhecimento uma relação de médio é parte integrante da educação básica e que o
reciprocidade. A contextualização evoca por isso áreas, trabalho é princípio organizador do currículo, muda
âmbitos ou dimensões presentes na vida pessoal, inteiramente a noção tradicional de educação geral
social e cultural, e mobiliza competências cognitivas já acadêmica ou, melhor dito, academicista. O trabalho já
adquiridas. As dimensões de vida ou contextos não é mais limitado ao ensino profissionalizante. Muito
valorizados explicitamente pela LDB são o trabalho e a ao contrário, a lei reconhece que, nas sociedades
cidadania. As competências estão indicadas quando a contemporâneas, todos, independentemente de sua
lei prevê um ensino que facilite a ponte entre a teoria origem ou destino socioprofissional, devem ser
e a prática. É isto também que propõe Piaget, quando educados na perspectiva do trabalho enquanto uma
analisa o papel da atividade na aprendizagem: das principais atividades humanas, enquanto campo
compreender é inventar, ou reconstruir através da de preparação para escolhas profissionais futuras,
reinvenção, e será preciso curvar-se ante tais enquanto espaço de exercício de cidadania, enquanto
necessidades se o que se pretende, para o futuro, é processo de produção de bens, serviços e
moldar indivíduos capazes de produzir ou de criar, e conhecimentos com as tarefas laborais que lhes são
não apenas de repetir. próprias.

Alguns exemplos podem ilustrar essa noção. Um deles A riqueza do contexto do trabalho para dar significado
refere-se ao uso da língua portuguesa no contexto das às aprendizagens da escola média é incomensurável.
diferentes práticas humanas. O melhor domínio da Desde logo na experiência da própria aprendizagem
língua e seus códigos se alcança quando se entende como um trabalho de constituição de conhecimentos,
como ela é utilizada no contexto da produção do dando à vida escolar um significado de maior
conhecimento científico, da convivência, do trabalho protagonismo e responsabilidade. Da mesma forma o
ou das práticas sociais: nas relações familiares ou trabalho é um contexto importante das ciências
entre companheiros, na política ou no jornalismo, no humanas e sociais, visando compreendê-lo enquanto
contrato de aluguel ou na poesia, na física ou na produção de riqueza e forma de interação do ser
filosofia. O mesmo pode acontecer com a matemática. humano com a natureza e o mundo social. Mas a
Uma das formas significativas para dominar a contextualização no mundo do trabalho permite
matemática é entendê-la aplicada na análise de focalizar muito mais todos os demais conteúdos do
índices econômicos e estatísticos, nas projeções ensino médio.
políticas ou na estimativa da taxa de juros, associada a
34
A produção de serviços de saúde pode ser o contexto conteúdos das ciências naturais no contexto da
para tratar os conteúdos de biologia, significando que cidadania pode significar um projeto de tratamento da
os conteúdos dessas disciplinas poderão ser tratados água ou do lixo da escola ou a participação numa
de modo a serem, posteriormente, significativos e campanha de vacinação, ou a compreensão de por que
úteis a alunos que se destinem a essas ocupações. A as construções despencam quando os materiais
produção de bens nas áreas de mecânica e utilizados não têm a resistência devida. E de quais são
eletricidade contextualiza conteúdos de física com os aspectos técnicos, políticos e éticos envolvidos no
aproveitamento na formação profissional de técnicos trabalho da construção civil.
dessas áreas. Do mesmo modo as competências
desenvolvidas nas áreas de linguagens podem ser Objetivo semelhante pode ser alcançado se a eleição
contextualizadas na produção de serviços pessoais ou do grêmio estudantil for uma oportunidade para
comunicação e, mais especificamente, no exercício de conhecer melhor os sistemas políticos, ou para
atividades tais como tradução, turismo ou produção de entender como a matemática traduz a tendência de
vídeos, serviços de escritório. Ou ainda os estudos voto por meio de um gráfico de barras, ou para discutir
sobre a sociedade e o indivíduo podem ser questões éticas relacionadas à prática eleitoral. Da
contextualizados nas questões que dizem respeito à mesma forma as competências da área de linguagens
organização, à gestão, ao trabalho de equipe, à podem ser trabalhadas no contexto da comunicação
liderança, no contexto de produção de serviços tais na sala de aula, da análise da novela da televisão, dos
como relações públicas, administração, publicidade. diferentes usos da língua dependendo das situações de
trabalho, da comunicação coloquial.
Conhecimentos e competências constituídos de forma
assim contextualizada compõem a educação básica, O contexto que é mais próximo do aluno e mais
são necessários para a continuidade de estudos facilmente explorável para dar significado aos
acadêmicos e aproveitáveis em programas de conteúdos da aprendizagem é o da vida pessoal,
preparação profissional seqüenciais ou concomitantes cotidiano e convivência. O aluno vive num mundo
com o ensino médio, sejam eles cursos formais, seja a de fatos regidos pelas leis naturais e está imerso num
capacitação em serviço. Na verdade, constituem o que universo de relações sociais. Está exposto a
a LDB refere como preparação básica para o trabalho, informações cada vez mais acessíveis e rodeado por
tema que será retomado mais adiante. bens cada vez mais diversificados, produzidos com
materiais sempre novos. Está exposto também a
O contexto do trabalho é também imprescindível para vários tipos de comunicação pessoal e de massa.
a compreensão dos fundamentos científico-
tecnológicos dos processos produtivos a que se refere O cotidiano e as relações estabelecidas com o
o artigo 35 da LDB. Por sua própria natureza de ambiente físico e social devem permitir dar significado
conhecimento aplicado, as tecnologias, sejam elas das a qualquer conteúdo curricular, fazendo a ponte entre
linguagens e comunicação, da informação, do o que se aprende na escola e o que se faz, vive e
planejamento e gestão, ou as mais tradicionais, observa no dia-a-dia. Aprender sobre a sociedade, o
nascidas no âmbito das ciências da natureza, só indivíduo e a cultura e não compreender ou reconhecer
podem ser entendidas de forma significativa se as relações existentes entre adultos e jovens na
contextualizadas no trabalho. A esse respeito é própria família é perder a oportunidade de descobrir
significativo o fato de que as estratégias de que as ciências também contribuem para a
aprendizagem contextualizada ou "situada", como é convivência e a troca afetiva. O respeito ao outro e ao
designada na literatura de língua inglesa, tenham público, essencial à cidadania, também se inicia nas
nascido nos programas de preparação profissional, dos relações de convivência cotidiana, na família, na
quais se transferiram depois para as salas de aula escola, no grupo de amigos.
tradicionais. Suas características, tal como descritas
pela literatura e resumidas por Stein, indicam que a
contextualização do conteúdo de ensino é o que Na vida pessoal há um contexto importante o
efetivamente ocorre no ensino profissional de boa suficiente para merecer consideração específica, que é
qualidade: Na aprendizagem situada os alunos o do meio ambiente, corpo e saúde. Condutas
aprendem o conteúdo por meio de atividades em lugar ambientalistas responsáveis subentendem um
de adquirirem informação em unidades específicas protagonismo forte no presente, no meio ambiente
organizadas pelos instrutores. O conteúdo é inerente imediato da escola, da vizinhança, do lugar onde se
ao processo de fazer uma tarefa e não se apresenta vive. Para desenvolvê-las é importante que os
separado do barulho, da confusão e das interações conhecimentos das ciências, da matemática e das
humanas que prevalecem nos ambientes reais de linguagens sejam relevantes na compreensão das
trabalho. questões ambientais mais próximas e estimulem a
ação para resolvê-las.
Outro contexto relevante indicado pela LDB é o do
exercício da cidadania. Desde logo é preciso que a As visões, fantasias e decisões sobre o próprio corpo e
proposta pedagógica assuma o fato trivial de que a saúde, base para um desenvolvimento autônomo,
cidadania não é dever nem privilégio de uma área poderão ser mais bem orientadas se as aprendizagens
específica do currículo nem deve ficar restrita a um da escola estiverem significativamente relacionadas
projeto determinado. Exercício de cidadania é com as preocupações comuns na vida de todo jovem:
testemunho que se inicia na convivência cotidiana e aparência, sexualidade e reprodução, consumo de
deve contaminar toda a organização curricular. As drogas, hábitos de alimentação, limite e capacidade
práticas sociais e políticas e as práticas culturais física, repouso, atividade, lazer.
e de comunicação são parte integrante do exercício
cidadão, mas a vida pessoal, o cotidiano e a Examinados os exemplos dados, é possível generalizar
convivência e as questões ligadas ao meio a contextualização como recurso para tornar a
ambiente, corpo e saúde também. Trabalhar os aprendizagem significativa ao associá-la com

35
experiências da vida cotidiana ou com os último, por sua vez, reorganiza o conhecimento
conhecimentos adquiridos espontaneamente. É espontâneo e estimula o processo de sua abstração.
preciso, no entanto, cuidar para que essa
generalização não induza à banalização, com o risco Quando se recomenda a contextualização como
de perder o essencial da aprendizagem escolar que é princípio de organização curricular, o que se pretende
seu caráter sistemático, consciente e deliberado. Em é facilitar a aplicação da experiência escolar para a
outras palavras: contextualizar os conteúdos escolares compreensão da experiência pessoal em níveis mais
não é liberá-los do plano abstrato da transposição sistemáticos e abstratos e o aproveitamento da
didática para aprisioná-los no espontaneísmo e na experiência pessoal para facilitar o processo de
cotidianeidade. Para que fique claro o papel da concreção dos conhecimentos abstratos que a escola
contextualização, é necessário considerar, como no trabalha. Isso significa que a ponte entre teoria e
caso da interdisciplinaridade, seu fundamento prática, recomendada pela LDB e comentada por
epistemológico e psicológico. Castro, deve ser de mão dupla. Em ambas as direções
estão em jogo competências cognitivas básicas:
O jovem não inicia a aprendizagem escolar partindo do raciocínio abstrato, capacidade de compreensão de
zero, mas com uma bagagem formada por conceitos já situações novas, que é a base da solução de
adquiridos espontaneamente, em geral mais problemas, para mencionar apenas duas.
carregados de afetos e valores por resultarem de
experiências pessoais. Ao longo do desenvolvimento Não se entendam, portanto, a contextualização como
aprende-se a abstrair e generalizar conhecimentos banalização do conteúdo das disciplinas, numa
aprendidos espontaneamente, mas é bem mais difícil perspectiva espontaneísta. Mas como recurso
formalizá-los ou explicá-los em palavras porque, pedagógico para tornar a constituição de
diferentemente da experiência escolar, não são conhecimentos um processo permanente de formação
conscientes nem deliberados. de capacidades intelectuais superiores. Capacidades
que permitam transitar inteligentemente do mundo da
É possível assim afirmar, reiterando premissas das experiência imediata e espontânea para o plano das
teorias interacionistas do desenvolvimento e da abstrações e deste para a reorganização da
aprendizagem, que o desenvolvimento intelectual experiência imediata, de forma a aprender que
baseado na aprendizagem espontânea é ascendente, situações particulares e concretas podem ter uma
isto é, inicia-se de modo inconsciente e até caótico, de estrutura geral.
acordo com uma experiência que não é controlada, e
encaminha-se para níveis mais abstratos, formais e De outra coisa não trata Piaget quando, a propósito do
conscientes. Ao iniciar uma determinada experiência ensino da matemática, observa que muitas operações
de aprendizagem escolar, portanto, um aluno pode até lógico-matemáticas já estão presentes na criança
saber os conceitos nela envolvidos, mas não sabe que antes da idade escolar sob formas elementares ou
os tem porque nesse caso vale a afirmação de que a triviais mas não menos significativas. Mas acrescenta,
análise da realidade com a ajuda de conceitos precede em seguida: Uma coisa é aprender na ação e assim
a análise dos próprios conceitos. aplicar praticamente certas operações, outra é tomar
consciência das mesmas para delas extrair um
Na escola, os conteúdos curriculares já são conhecimento reflexivo e teórico, de tal forma que
apresentados ao aluno na sua forma mais abstrata, nem os alunos nem os professores cheguem a
formulados em graus crescentes de generalidade. A suspeitar de que o conteúdo do ensino ministrado se
sua relação com esse conhecimento é, portanto, mais pudesse apoiar em qualquer tipo de estruturas
longínqua, mais fortemente mediada pela linguagem naturais.
externa, menos pessoal. Nessas circunstâncias, ainda
que aprendido e satisfatoriamente formulado em nível Para concluir estas considerações sobre a
de abstração aceitável, o conhecimento tem muita contextualização, é interessante citar a síntese
dificuldade para aplicar-se a novas situações concretas apresentada por Stein sobre as características da
que devem ser entendidas nos mesmos termos aprendizagem contextualizada: em relação ao
abstratos pelos quais o conceito é formulado. conteúdo, busca desenvolver o pensamento de ordem
superior em lugar da aquisição de fatos independentes
Da mesma forma como foi longo o processo pelo qual da vida real; preocupa-se mais com a aplicação do que
os conceitos espontâneos ganharam níveis de com a memorização; sobre o processo assume que a
generalidade até serem entendidos e formulados de aprendizagem é sócio-interativa, envolve
modo abstrato, é longo e árduo o processo inverso, de necessariamente os valores, as relações de poder, a
transição do abstrato para o concreto e particular. Isso negociação permanente do próprio significado do
sugere que o processo de aquisição do conhecimento conteúdo entre os alunos envolvidos; em relação ao
sistemático escolar tem uma direção oposta à do contexto, propõe não apenas trazer a vida real para a
conhecimento espontâneo: descendente, de níveis sala de aula, mas criar as condições para que os
formais e abstratos para aplicações particulares. alunos (re)experienciem os eventos da vida real a
partir de múltiplas perspectivas.
Ambos os processos de desenvolvimento, do
conhecimento espontâneo ao conhecimento abstrato e A reorganização da experiência cotidiana e espontânea
deliberado e deste último para a compreensão e tem assim um resultado importante para a educação,
aplicação a situações particulares concretas, não são pois é principalmente nela que intervêm os afetos e
independentes. Já porque a realidade à qual se valores. É com base nela, embora não exclusivamente,
referem é a mesma – o mundo físico, o mundo social, que se constróem as visões do outro e do mundo, pois
as relações pessoais – já porque em ambos os casos a uma parte relevante da experiência espontânea é feita
linguagem joga papel decisivo como elemento de interação com os outros, de influencia dos meios de
constituidor. Na prática, o conhecimento espontâneo comunicação, de convivência social, pelos quais os
auxilia a dar significado ao conhecimento escolar. Este
36
significados são negociados, para usar o termo de enfatizada: autonomia intelectual, criatividade, solução
Stein. de problemas, análise e prospecção, entre outras. Essa
afirmação é ainda mais verdadeira para jovens
Na medida em que a contextualização facilita o provenientes de ambientes culturais e sociais em que
significado da experiência de aprendizagem escolar e o uso da linguagem é restrito e a sistematização do
a (re)significação da aprendizagem baseada na conhecimento espontâneo raramente acontece.
experiência espontânea, ela pode – e deve –
questionar os dados desta última: os problemas Outra coisa não diz Piaget interpretando os
ambientais, os preconceitos e estereótipos, os mandamentos da Declaração Universal dos Direitos
conteúdos da mídia, a violência nas relações pessoais, Humanos no capítulo da educação: Todo ser humano
os conceitos de verdadeiro e falso na política, e assim tem o direito de ser colocado, durante sua formação,
por diante. Dessa forma, voltando a alguns exemplos em um meio escolar de tal ordem que lhe seja possível
dados, se a aprendizagem do sistema reprodutivo não chegar ao ponto de elaborar, até a conclusão, os
leva a questionar os mitos da feminilidade e da instrumentos indispensáveis de adaptação que são as
masculinidade, além de não ser significativa essa operações da lógica. E vai mais longe o mestre de
aprendizagem em nada colaborou para reorganizar o Genebra, ao relacionar a autonomia moral com a
aprendido espontaneamente. Se a aprendizagem das autonomia intelectual, que implica o pleno
ciências não facilitar o esforço para distinguir entre o desenvolvimento das operações da lógica.
fato e a interpretação ou para identificar as falhas da
observação cotidiana, se não facilitar a reprodução de Mesmo sem que a escola se dê conta, sua proposta
situações nas quais o emprego da ciência depende da pedagógica tem uma resposta para a pergunta que
participação e interação entre as pessoas e destas com tanto Sócrates quanto Protágoras procuram responder:
um conjunto de equipamentos e materiais, pode-se É possível educar pessoas que, além das "artes" –
dizer que não criou competências para abstrair de único talento que Prometeu conseguiu roubar aos
forma inteligente o mundo da experiência imediata. deuses para repartir à humanidade –, dominem
também a justiça e o respeito, que Zeus decidiu
4.5 A Importância da Escola acrescentar àquele talento por serem a base da
amizade, a fim de que os homens pudessem conviver
Interdisciplinaridade e Contextualização são para sobreviver. Vigotsky, com as capacidades
recursos complementares para ampliar as inúmeras intelectuais superiores, Piaget com as operações da
possibilidades de interação entre disciplinas e entre as lógica, Sócrates com a sabedoria afirmam que sim e
áreas nas quais disciplinas venham a ser agrupadas. dão grande alento para aqueles que teimosamente
Juntas, elas se comparam a um trançado cujos fios continuam apostando na borboleta.
estão dados, mas cujo resultado final pode ter infinitos
padrões de entrelaçamento e muitas alternativas para 4.6 Base Nacional Comum e Parte Diversificada
combinar cores e texturas. De forma alguma se espera
que uma escola esgote todas as possibilidades. Mas se Interdisciplinaridade e Contextualização formam o eixo
recomenda com veemência que ela exerça o direito de organizador da doutrina curricular expressa na LDB.
escolher um desenho para o seu trançado e que, por Elas abrigam uma visão do conhecimento e das formas
mais simples que venha a ser, ele expresse suas de tratá-lo para ensinar e para aprender que permite
próprias decisões e resulte num cesto generoso para dar significado integrador a duas outras dimensões do
acolher aquilo que a LDB recomenda em seu artigo 26: currículo, de forma a evitar transformá-las em novas
as características regionais e locais da sociedade, da dualidades ou reforçar as já existentes: base nacional
cultura, da economia e da clientela. comum/parte diversificada, e formação
geral/preparação básica para o trabalho.
Os ensinamentos da psicologia de Piaget e Vigotsky
foram convocados para explicar a interdisciplinaridade A primeira dimensão é explicitada no artigo 26 da LDB,
e a contextualização porque ambas as perspectivas que afirma: Os currículos do ensino fundamental e
teóricas se complementam naquilo que, para estas médio devem ter uma base nacional comum a ser
DCNEM, é o mais importante: a importância da complementada, em cada sistema de ensino e
aprendizagem sistemática, portanto da escola, para o estabelecimento escolar, por uma parte diversificada,
desenvolvimento do adolescente. exigida pelas características regionais e locais da
sociedade, da cultura, da economia e da clientela. À
A escola é a agência que especificamente está luz das diretrizes pedagógicas apresentadas, cabe
dedicada à tarefa de organizar o conhecimento e observar a esse respeito:
apresentá-lo aos alunos pela mediação das linguagens,
de modo a que seja aprendido. Ao professor – pela o tudo o que se disse até aqui sobre a
linguagem que fala ou que manipula nos recursos nova missão do ensino médio, seus
didáticos – cabe uma função insubstituível no domínio fundamentos axiológicos e suas
mais avançado do conhecimento que o aluno vai diretrizes pedagógicas se aplica para
constituindo. Este, por sua vez, estimula o próprio ambas as «partes», tanto a "nacional
desenvolvimento a patamares superiores. comum" como a "diversificada", pois
numa perspectiva de organicidade,
Se a constituição de conhecimentos com significado integração e contextualização do
deliberado, que caracteriza a aprendizagem escolar, é conhecimento não faz sentido que elas
antecipação do desenvolvimento de capacidades estejam divorciadas;
mentais superiores – premissa cara a Vigotsky – o o a LDB buscou preservar, no seu artigo
trabalho que a escola realiza, ou deve realizar, é 26, a autonomia da proposta
insubstituível na aquisição de competências cognitivas pedagógica dos sistemas e das
complexas, cuja importância vem sendo cada vez mais unidades escolares para contextualizar

37
os conteúdos curriculares de acordo Sobre esse aspecto é preciso destacar que a letra e o
com as características regionais, locais espírito da lei não identificam a preparação para o
e da vida dos seus alunos; assim trabalho ou a habilitação profissional com a parte
entendida, a parte diversificada é uma diversificada do currículo. Em outras palavras, não
dimensão do currículo, e a existe nenhuma relação biunívoca que faça sentido,
contextualização pode ser a forma de nem pela lei nem pela doutrina curricular que ela
organizá-la sem criar divórcio ou adota, identificando a base nacional comum com a
dualidade com a base nacional formação geral do educando e a parte diversificada
comum; com a preparação geral para o trabalho ou,
o a parte diversificada deverá, portanto, facultativamente, com a habilitação profissional. Na
ser organicamente integrada à base dinâmica da organização curricular descrita
nacional comum para que o currículo anteriormente elas podem ser combinadas de muitas e
faça sentido como um todo e essa diferentes maneiras para resultar numa organização
integração ocorrerá, entre outras de estudos adequada a uma escola determinada.
formas, por enriquecimento,
ampliação, diversificação, A segunda observação importante diz respeito ao uso,
desdobramento, podendo incluir todos pelos sistemas e pelas escolas, da possibilidade de
os conteúdos da base nacional comum preparar para o exercício de profissões técnicas
ou apenas parte deles, selecionados, (parágrafo 2o do artigo 36) ou da faculdade de oferecer
nucleados em áreas ou não, sempre de habilitação profissional (Parágrafo 4o artigo 36). Essa
acordo com a proposta pedagógica do questão implica considerar vários aspectos e deve ser
estabelecimento; examinada com cuidado, pois toca o princípio de
o a parte diversificada poderá ser autonomia da escola:
desenvolvida por meio de projetos e
estudos focalizados em problemas
o o primeiro aspecto refere-se à
selecionados pela equipe escolar, de
forma que eles sejam organicamente finalidade de educação básica do
integrados ao currículo, superando ensino médio que não está em
definitivamente a concepção do questão, pois a LDB é clara a respeito;
projeto como atividade "extra" o o segundo refere-se à duração do
curricular; ensino médio, que também não deixa
o entendida nesses termos, a parte dúvidas quanto ao mínimo de 2.400
diversificada será decisiva na horas, distribuídas em 3 anos de 800
construção da identidade de cada horas, distribuídas em pelo menos 200
escola, ou seja, pode ser aquilo que dias letivos;
identificará as "vocações" das escolas o o terceiro aspecto a considerar é que a
e as diferenciará entre si, na busca de LDB presume uma diferença entre
organizações curriculares que "preparação geral para o trabalho" e
efetivamente respondam à "habilitação profissional".
heterogeneidade dos alunos e às
necessidades do meio social e Essa diferença presumida deve ser explicitada. Por
econômico; opção doutrinária a lei não dissocia a preparação
o sempre que assim permitirem os geral para o trabalho da formação geral do
recursos humanos e materiais dos educando, e isso vale tanto para a "base nacional
estabelecimentos escolares, os alunos comum" como para a "parte diversificada" do currículo
deverão ter a possibilidade de escolher e é por essa razão que se dá ênfase neste parecer ao
os estudos, projetos, cursos ou tratamento de todos os conteúdos curriculares no
atividades da parte diversificada, de contexto do trabalho.
modo a incentivar a inserção do
educando na construção de seu próprio Essa preparação geral para o trabalho abarca,
currículo; portanto, os conteúdos e competências de caráter
o os sistemas de ensino e escolas geral para a inserção no mundo do trabalho e aqueles
estabelecerão os critérios para que a que são relevantes ou indispensáveis para cursar uma
diversificação de opções curriculares habilitação profissional e exercer uma profissão
por parte dos alunos seja possível técnica. No primeiro caso estariam as noções gerais
pedagogicamente e sustentável sobre o papel e o valor do trabalho, os produtos do
financeiramente; trabalho, as condições de produção, entre outras.
o se a parte diversificada deve ter nome
específico e carga identificável no No caso dos estudos que são necessários para o
horário escolar é uma questão a ser preparo profissional quer seja em curso formal, quer
resolvida no âmbito de cada sistema e seja no ambiente de trabalho, estariam por exemplo,
escola de acordo com sua organização conhecimentos de biologia e bioquímica para as áreas
curricular e proposta pedagógica; profissionais da saúde, a química para algumas
o em qualquer caso, a base nacional profissões técnicas industriais, a física para as
comum, objeto destas DCNEM, deverá atividades profissionais ligadas à mecânica ou
ocupar, no mínimo, 75% do tempo eletroeletrônica, as línguas para as habilitações ligadas
legalmente estabelecido como carga a comunicações e serviços, as ciências humanas e
horária mínima do ensino médio. sociais para as áreas de administração, relações
públicas, mercadologia, entre outras. Dependendo do
4.7 Formação Geral e Preparação Básica para o caso, essa vinculação pode ser mais estreita e
Trabalho específica, como seria, por exemplo, o conhecimento

38
de história para técnico de turismo ou de redação de educação básica de nível médio, que inclui – repita-se –
textos e cartas comerciais para alunos que farão a formação geral e a preparação para o trabalho:
secretariado e contabilidade.
o às escolas de ensino médio cabe
Enquanto a duração da formação geral, aí incluída a contemplar, em sua proposta
preparação básica para o trabalho, é inegociável, a pedagógica e de acordo com as
duração da formação profissional específica será características regionais e de sua
variável. Um dos fatores que afetará a quantidade de clientela, aqueles conhecimentos,
tempo a ser alocado à formação profissional será a competências e habilidades de
maior ou menor proximidade desta última com a formação geral e de preparação
preparação básica para o trabalho que o aluno adquiriu básica para o trabalho que, sendo
no ensino médio. Quanto maior a proximidade, mais os essenciais para uma habilitação
estudos de formação geral poderão propiciar a profissional específica, poderão ter os
aprendizagem de conhecimentos e competências que conteúdos que lhe deram suporte
são essenciais para o exercício profissional em uma igualmente aproveitados no respectivo
profissão ou área ocupacional determinada. Esses curso dessa habilitação profissional;
estudos podem, portanto, ser aproveitados para a o às escolas ou programas dedicados à
obtenção de uma habilitação profissional em cursos formação profissional cabe identificar
complementares, desenvolvidos concomitante ou que conhecimentos, competências e
seqüencialmente ao ensino médio. habilidades essenciais para cursar uma
habilitação profissional específica já
Essa é a interpretação a ser dada ao parágrafo único foram adquiridos pelo aluno no ensino
do artigo 5º do Decreto 2.208/97: a expressão caráter médio, e considerar as disciplinas ou
profissionalizante, utilizada para adjetivar as estudos que lhes deram suporte como
disciplinas cursadas no ensino médio que podem ser de caráter profissionalizante para essa
aproveitadas, até o limite de 25%, no currículo de habilitação e, portanto, passíveis de
habilitação profissional, só pode referir-se às serem aproveitados;
disciplinas de formação básica ou geral que, ao o como a articulação não se dá por
mesmo tempo, são fundamentais para a sobreposição, os estudos de formação
formação profissional e por isso mesmo podem ser geral e de preparação básica para o
aproveitadas em cursos específicos para obtenção de trabalho que sejam ao mesmo tempo
habilitações específicas. Não é relevante, para estas essenciais para uma habilitação
DCNEM, indicar se tais disciplinas seriam cursadas na profissional, podem ser incluídos na
parte diversificada ou no cumprimento da base duração mínima prevista para o ensino
nacional comum, se aceito o pressuposto de que médio e aproveitados na formação
ambas devem estar organicamente articuladas. profissional;
o estudos estritamente
Quando o mesmo Decreto 2.208/97 afirma em seu profissionalizantes,
artigo 2o: A educação profissional será desenvolvida independentemente de serem feitos na
em articulação com o ensino regular [...], e depois, no mesma ou em outra instituição,
já citado artigo 5o, reafirma que: A educação concomitante ou posteriormente ao
profissional terá organização curricular própria e ensino médio, deverão ser realizados
independente do ensino médio, podendo ser oferecida em carga horária adicional às 2.400
de forma concomitante ou seqüencial a este, previstas pela LDB como mínimas;
estabelece as regras da articulação, sem que nenhuma o as várias habilitações profissionais
das duas modalidades de educação, a básica, do terão duração diferente para diferentes
ensino médio, e a profissional de nível técnico, abram alunos, dependendo do perfil do
mão da especificidade de suas finalidades. profissional a ser habilitado, dos
estudos que cada um deles esteja
realizando ou tenha realizado no
Esse tipo de articulação entre formação geral e ensino médio e dos critérios de
profissional já foi considerada por vários educadores aproveitamento contemplados nas
dedicados à educação técnica, entre eles Castro, que suas propostas pedagógicas.
aponta ocupações para as quais o preparo é mais
próximo da formação geral. Este é o caso, entre
outros, de algumas ocupações nas áreas de serviços, As fronteiras entre estudos de preparação básica para
como as de escritório, por exemplo. Outras ocupações, o trabalho e educação profissional no sentido restrito
diz esse autor, requerem uma maior quantidade de nem sempre são fáceis de estabelecer. Além disso,
conhecimentos e habilidades que não são de formação como já se observou, depende do perfil ocupacional a
geral. Entre estas últimas estariam as profissões maior ou menor afinidade entre as competências
ligadas à produção industrial, cujo tempo de duração exigidas para o exercício profissional e aquelas de
dos cursos técnicos será provavelmente mais longo por formação geral.
envolverem estudos mais especializados e, portanto,
mais distantes da educação geral. É sabido, no entanto, que em cada habilitação
profissional ou profissão técnica existem conteúdos,
Assim, a articulação entre o ensino médio e a competências e mesmo atitudes, que são próprios e
educação profissional, se dará por uma via de mão específicos. Apenas a título de exemplo seria possível
dupla e pode gerar inúmeras formas de preparação mencionar: o domínio da operação de um torno
básica para o trabalho no caso do primeiro, e mecânico, ou do processo de instalação de circuitos
aproveitamento de estudos no caso do segundo, elétricos para os técnicos dessas áreas; a operação de
respeitadas as normas relativas à duração mínima da uma agência de viagens para o técnico de turismo; o
uso de aparelhagem de tradução simultânea para o
39
tradutor; a manipulação de equipamentos para o os estudos realizados em disciplinas de
diagnóstico especializado no caso do técnico de caráter profissionalizante, assim
laboratório; o domínio das técnicas de esterilização no entendidas, podem ser aproveitados,
caso do enfermeiro. até o limite de 25% da carga horária
total, para eventual habilitação
Conhecimentos e competências específicos tais como profissional, somando-se aos estudos
os exemplificados não devem fazer parte da formação específicos necessários para obter a
geral do educando e da preparação geral para o certificação exigida para o exercício
trabalho. Caracterizam uma habilitação profissional ou profissional;
o preparo para o exercício de profissão técnica.
Considerando que a LDB prioriza a formação geral o esses estudos específicos, que
quando define os mínimos de duração do ensino médio propiciam preparo para postos de
e apenas faculta o oferecimento da habilitação trabalho determinados ou são
profissional, garantida a formação geral, aquela só especializados para o exercício de
pode ser oferecida como carga adicional dos mínimos profissões técnicas, só podem ser
estabelecidos, podendo essa adição ser em horas oferecidos se e quando atendida a
diárias, dias da semana ou períodos letivos. formação geral do educando, e mesmo
assim facultativamente;
Caberá aos sistemas de ensino, às escolas médias e às
profissionais definir e tomar decisões, em cada caso, o em virtude da prioridade da formação
sobre quais estudos são de formação geral, aí incluída geral, a eventual oferta desses estudos
a preparação básica para o trabalho, e quais são de específicos de habilitação profissional,
formação profissional específica. Não há como ou de preparo para profissões técnicas,
estabelecer critérios a priori. Este é mais um aspecto não poderá ocupar o tempo de
no qual nenhum controle prévio ou formal substitui o duração mínima do ensino médio
exercício da autonomia responsável. previsto pela LDB, sem prejuízo do
eventual aproveitamento de estudos já
Em resumo: referido;
o o sistema ou escola que decida
o os conteúdos curriculares da base oferecer formação para uma profissão
técnica, usando a faculdade que a lei
nacional comum e da parte
outorga, deverá acrescentar aos
diversificada devem ser tratados
mínimos previstos, o número de horas
também, embora não exclusivamente,
diárias, dias da semana, meses,
no contexto do trabalho, como meio de
semestres, períodos ou anos letivos
produção de bens, de serviços e de
necessários para desenvolver os
conhecimentos;
estudos específicos correspondentes.
o de acordo com as necessidades da
clientela e as características da região,
contempladas na proposta pedagógica É interessante observar que essa diretriz já vem sendo
da escola média, os estudos de colocada em prática por sistemas ou escolas de ensino
formação geral e preparação básica médio que oferecem também habilitação profissional.
para o trabalho, tanto da base nacional Nesses casos, ainda poucos, os cursos já são mais
comum como da parte diversificada, longos, seja em termos de horas anuais, distribuídas
podem ser tratados no contexto do por cargas horárias diárias maiores, seja em termos do
trabalho em uma ou mais áreas número de anos ou semestres letivos, dependendo da
ocupacionais; conveniência em fazer os estudos especificamente
o segundo esses princípios, a preparação profissionalizantes em concomitância ou em seqüência
básica para o trabalho é, portanto, ao ensino médio. Esse fato é indicativo da adequação
parte integrante da educação básica desta diretriz e da convicção que vem ganhando
de nível médio e pode incluir, dentro terreno quanto à necessidade de dedicar mais tempo,
da duração mínima estabelecida pela esforços e recursos para a finalidade de educação
LDB, estudos que são também básica no ensino médio.
necessários para cursar uma
habilitação profissional e que, por essa Nos termos deste parecer, portanto, não há dualidade
razão, podem ser aproveitados em entre formação geral e preparação básica para o
cursos ou programas de habilitação ou trabalho. Mas há uma clara prioridade de ambas em
formação profissional; relação a estudos específicos que habilitem para uma
profissão técnica ou preparem para postos de trabalho
o em outras palavras, as disciplinas definidos. Tais estudos devem ser realizados em
pelas quais se realizam os estudos cursos ou programas complementares, posteriores ou
mencionados no item anterior são concomitantes ao ensino médio.
aquelas disciplinas de formação
geral ou de preparação básica Finalmente, é preciso deixar bem claro que a
para o trabalho necessárias para desvinculação entre o ensino médio e o ensino técnico
cursos profissionais com os quais introduzida pela LDB é totalmente coerente com a
mantêm afinidade e, portanto, são de concepção de educação básica adotada na lei.
caráter profissionalizante para esses Exatamente porque a base para inserir-se no mercado
cursos profissionais, ainda que de trabalho passa a ser parte integrante da etapa final
cursadas dentro da carga horária da educação básica como um todo, sem dualidades,
mínima prevista para o ensino médio; torna-se possível separar o ensino técnico. Este passa

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a assumir mais plenamente sua identidade e sua explicitada nos artigos 205 e 206 da Constituição
missão específicas de oferecer habilitação profissional, Federal.
a qual poderá aproveitar os conhecimentos,
competências e habilidades de formação geral obtidos R. Assis.. CNE. Parecer nº 04/98
no ensino médio. 5.1 Organização Curricular e Proposta
Pedagógica
5. A Organização Curricular Da Base Nacional
Comum Do Ensino Médio Se toda proposição de áreas ou critérios de
agrupamento dos conteúdos curriculares carrega certa
A construção da Base Nacional Comum passa dose de arbítrio, todo projeto ou proposta pedagógica
pela constituição dos saberes integrados à traduz um esforço para superar esse arbítrio e adaptar
ciência e à tecnologia, criados pela inteligência um desenho curricular de base, mandatório e comum,
humana. Por mais instituinte e ousado, o saber às características de seus alunos e de seu ambiente
terminará por fundar uma tradição, por criar socioeconômico recorrendo, entre outros recursos, à
uma referência. A nossa relação com o instituído interdisciplinaridade e à contextualização como
não deve ser, portanto, de querer destruí-lo ou recursos para lograr esse objetivo.
cristalizá-lo. Sem um olhar sobre o instituído,
criamos lacunas, desfiguramos memórias e Será, portanto, na proposta pedagógica e na qualidade
identidades, perdemos vínculo com a nossa do protagonismo docente que a interdisciplinaridade e
história, quebramos os espelhos que desenham contextualização ganharão significado prático pois, por
nossas formas. A modernidade, por mais crítica homologia, deve-se dizer que o conhecimento desses
que tenha sido da tradição, arquitetou-se a dois conceitos é necessário mas não suficiente. Eles só
partir de referências e paradigmas seculares. A ganharão sentido pleno se forem aplicados para
relação com o passado deve ser cultivada, desde reorganizar a experiência espontaneamente
que se exerça uma compreensão do tempo como acumulada por professores e outros profissionais da
algo dinâmico, mas não simplesmente linear e educação que trabalham na escola, de modo que os
seqüencial. A articulação do instituído com o leve a rever sua prática sobre o que e como ensinar
instituinte possibilita a ampliação dos saberes, seus alunos.
sem retirá-los da sua historicidade e, no caso do
Brasil, de interação entre nossas diversas etnias,
com as raízes africanas, indígenas, européias e A organização curricular apresentada a seguir
orientais. pertence, pois, ao âmbito do currículo proposto.
Contraditório que possa ser chamar as presentes
diretrizes curriculares, obrigatórias por lei, de currículo
A produção e a constituição do conhecimento, no proposto, essa é a forma de reconhecer que o
processo de aprendizagem, dá muitas vezes a desenvolvimento curricular real será feito na escola e
ilusão de que podemos seguir sozinhos com o pela escola. O projeto ou proposta pedagógica será o
saber que acumulamos. A natureza coletiva do plano básico desse desenvolvimento pelo qual o
conhecimento termina sendo ocultada ou currículo proposto se transforma em currículo em
dissimulada, negando-se o fazer social. Nada ação.
mais significativo e importante, para a
construção da cidadania, do que a compreensão
de que a cultura não existiria sem a socialização O currículo ensinado será o trabalho do professor em
das conquistas humanas. O sujeito anônimo é, sala de aula. Para que ele esteja em sintonia com os
na verdade, o grande artesão dos tecidos da demais níveis – o da proposição e o da ação – é
história. Além disso, a existência dos saberes indispensável que os professores se apropriem, não só
associados aos conhecimentos científicos e dos princípios legais, políticos, filosóficos e
tecnológicos nos ajuda a caminhar pelos pedagógicos que fundamentam o currículo proposto,
percursos da história, mas sua existência não de âmbito nacional, mas da própria proposta
significa que o real é esgotável e transparente. pedagógica da escola. Outro reconhecimento,
portanto, aqui se aplica: se não há lei ou norma que
possa transformar o currículo proposto em currículo
Por outro lado, costuma-se reduzir a produção e em ação, não há controle formal nem proposta
a constituição do conhecimento no processo de pedagógica que tenha impacto sobre o ensino em sala
aprendizagem, à dimensão de uma razão de aula, se o professor não se apropriar dessa proposta
objetiva, desvalorizando-se outros tipos de como seu protagonista mais importante.
experiências ou mesmo expressões de outras
sensibilidades.
Entre o currículo proposto e o ensino na sala de aula,
situam-se ainda as instâncias normativas e executivas
Assim, o modelo que despreza as possibilidades estaduais, legítimas formuladoras e implementadoras
afetivas, lúdicas e estéticas de entender o das políticas educacionais em seus respectivos
mundo tornou-se hegemônico, submergindo no âmbitos. O edifício do ensino médio se constrói, assim,
utilitarismo que transforma tudo em mercadoria. em diferentes níveis nos quais há que estabelecer
Em nome da velocidade e do tipo de mercadoria, prioridades, identificar recursos e estabelecer
criaram-se critérios para eleger valores que consensos sobre o que e como ensinar.
devem ser aceitos como indispensáveis para o
desenvolvimento da sociedade. O ponto de
encontro tem sido a acumulação e não a reflexão Uma proposta nacional de organização curricular
e a interação, visando à transformação da vida, portanto, considerando a realidade federativa e
para melhor. O núcleo da aprendizagem diversa do Brasil, há que ser flexível, expressa em
terminaria sendo apenas a criação de rituais de nível de generalidade capaz de abarcar propostas
passagem e de hierarquia, contrapondo-se, pedagógicas diversificadas, mas também com certo
inclusive, à concepção abrangente de educação grau de precisão, capaz de sinalizar ao país as

41
competências que se quer alcançar nos alunos do importante destacar que o agrupamento das
ensino médio, deixando grande margem de linguagens busca estabelecer correspondência não
flexibilidade quanto aos conteúdos e métodos de apenas entre as formas de comunicação – das quais as
ensino que melhor potencializem esses resultados. O artes, as atividades físicas e a informática fazem parte
roteiro de base para tal proposta será a LDB. Para inseparável – como evidenciar a importância de todas
introduzir a organização curricular da base nacional, é as linguagens enquanto constituintes dos
preciso recuperar o caminho percorrido por este conhecimentos e das identidades dos alunos, de modo
parecer. a contemplar as possibilidades artísticas, lúdicas e
motoras de conhecer o mundo. A utilização dos
Os princípios axiológicos que devem inspirar o códigos que dão suporte às linguagens não visa
currículo foram propostos para atender o que a lei apenas ao domínio técnico mas principalmente à
demanda quanto a: competência de desempenho, o saber usar as
linguagens em diferentes situações ou contextos,
considerando inclusive os interlocutores ou públicos.
o fortalecimento dos laços de
solidariedade e de tolerância recíproca;
o formação de valores; Na área das CIÊNCIAS DA NATUREZA E MATEMÁTICA
incluem-se as competências relacionadas à
o aprimoramento como pessoa humana;
apropriação de conhecimentos da física, da química,
o formação ética; da biologia e suas interações ou desdobramentos
o exercício da cidadania. como formas indispensáveis de entender e significar o
mundo de modo organizado e racional, e também de
A interdisciplinaridade e contextualização foram participar do encantamento que os mistérios da
propostas como princípios pedagógicos estruturadores natureza exercem sobre o espírito que aprende a ser
do currículo para atender o que a lei estabelece quanto curioso, a indagar e descobrir. O agrupamento das
às competências de: ciências da natureza tem ainda o objetivo de contribuir
para a compreensão do significado da ciência e da
tecnologia na vida humana e social, de modo a gerar
o vincular a educação ao mundo do
protagonismo diante das inúmeras questões políticas e
trabalho e à prática social;
sociais para cujo entendimento e solução as ciências
o compreender os significados;
da natureza são uma referência relevante. A presença
o ser capaz de continuar aprendendo; da matemática nessa área se justifica pelo que de
o preparar-se para o trabalho e o ciência tem a matemática, por sua afinidade com as
exercício da cidadania; ciências da natureza, na medida em que é um dos
o ter autonomia intelectual e principais recursos de constituição e expressão dos
pensamento crítico; conhecimentos destas últimas, e finalmente pela
o ter flexibilidade para adaptar-se a importância de integrar a matemática com os
novas condições de ocupação; conhecimentos que lhe são mais afins. Esta última
o compreender os fundamentos justificativa é, sem dúvida, mais pedagógica que
científicos e tecnológicos dos epistemológica, e pretende retirar a matemática do
processos produtivos; isolamento didático em que tradicionalmente se
o relacionar a teoria com a prática. confina no contexto escolar.

A proposta pedagógica da escola será a aplicação de Na área das CIÊNCIAS HUMANAS, da mesma forma,
ambos, princípios axiológicos e pedagógicos, no destacam-se as competências relacionadas à
tratamento de conteúdos de ensino que facilitem a apropriação dos conhecimentos dessas ciências com
constituição das competências e habilidades suas particularidades metodológicas, nas quais o
valorizadas pela LDB. As áreas que seguem, resultam exercício da indução é indispensável. Pela constituição
do esforço de traduzir essas habilidades e dos significados de seus objetos e métodos, o ensino
competências em termos mais próximos do fazer das ciências humanas e sociais deverá desenvolver a
pedagógico, mas não tão específicos que eliminem o compreensão do significado da identidade, da
trabalho de identificação mais precisa e de escolha dos sociedade e da cultura, que configuram os campos de
conteúdos de cada área e das disciplinas às quais eles conhecimentos de história, geografia, sociologia,
se referem em virtude de seu objeto e método de antropologia, psicologia, direito, entre outros. Nesta
conhecimento. Essa sintonia fina, que, se espera, área se incluirão também os estudos de filosofia e
resulte de consensos estabelecidos em instâncias dos sociologia necessários ao exercício da cidadania, para
sistemas de ensino cada vez mais próximas da sala de cumprimento do que manda a letra da lei. No entanto,
aula, será o espaço no qual a identidade de cada é indispensável lembrar que o espírito da LDB é muito
escola se revelará como expressão de sua autonomia e mais generoso com a constituição da cidadania e não a
como resposta à diversidade. confina a nenhuma disciplina específica, como poderia
dar a entender uma interpretação literal da
5.2 Os Saberes das Áreas Curriculares recomendação do inciso III do parágrafo primeiro do
artigo 36. Neste sentido, todos os conteúdos
curriculares desta área, embora não exclusivamente
Na área de LINGUAGENS E CÓDIGOS estão destacadas dela, deverão contribuir para a constituição da
as competências que dizem respeito à constituição de identidade dos alunos e para o desenvolvimento de um
significados que serão de grande valia para a aquisição protagonismo social solidário, responsável e pautado
e formalização de todos os conteúdos curriculares, na igualdade política.
para a constituição da identidade e o exercício da
cidadania. As escolas certamente identificarão nesta
área as disciplinas, atividades e conteúdos A presença das TECNOLOGIAS em cada uma das áreas
relacionados às diferentes formas de expressão, das merece um comentário mais longo. A opção por
quais a língua portuguesa é imprescindível. Mas é integrar os campos ou atividades de aplicação, isto é,

42
os processos tecnológicos próprios de cada área de que mais se identificam com os setores nos quais a
conhecimento, resulta da importância que ela adquire demanda de recursos humanos tende a crescer. Sem
na educação geral – e não mais apenas na profissional abrir mão do "discurso sobre as tecnologias", as
–, em especial no nível do ensino médio. Neste, a linguagens e as ciências humanas e sociais só se
tecnologia é o tema por excelência que permite enriquecerão se atentarem mais para as aplicações
contextualizar os conhecimentos de todas as áreas e dos conhecimentos e capacidades que querem
disciplinas no mundo do trabalho. constituir nos alunos do ensino médio.

Como analisa Menezes, no ensino fundamental, a 3. Descrição das Áreas


tecnologia comparece como "alfabetização científico-
tecnológica", compreendida como a familiarização com
o manuseio e com a nomenclatura das tecnologias de As três áreas descritas a seguir devem estar presentes
uso universalizado, como, por exemplo, os cartões na base nacional comum dos currículos das escolas de
magnéticos. ensino médio, cujas propostas pedagógicas
estabelecerão:
No ensino médio, a presença da tecnologia responde a
objetivos mais ambiciosos. Ela comparece integrada às o as proporções de cada área no
ciências da natureza uma vez que uma compreensão conjunto do currículo;
contemporânea do universo físico, da vida planetária e o os conteúdos a serem incluídos em
da vida humana não pode prescindir do entendimento cada uma delas, tomando como
dos instrumentos pelos quais o ser humano maneja e referência as competências descritas;
investiga o mundo natural. Com isso se dá o os conteúdos e competências a serem
continuidade à compreensão do significado da incluídos na parte diversificada, os
tecnologia enquanto produto, num sentido amplo. quais poderão ser selecionados em
uma ou mais áreas, reagrupados e
organizados de acordo com critérios
Mas a tecnologia na educação contemporânea do
que satisfaçam as necessidades da
jovem deverá ser contemplada também como
clientela e da região.
processo. Em outras palavras, não se tratará apenas
de apreciar ou dar significado ao uso da tecnologia,
mas de conectar os inúmeros conhecimentos com Linguagens, Códigos e suas Tecnologias,
suas aplicações tecnológicas, recurso que só pode objetivando a constituição de competências e
ser bem explorado em cada nucleação de conteúdos, e habilidades que permitam ao educando:
que transcende a área das ciências da natureza. A este
respeito é significativa a observação de Menezes: A o Compreender e
familiarização com as modernas técnicas de edição, de usar os sistemas
uso democratizado pelo computador, é só um exemplo simbólicos das
das vivências reais que é preciso garantir. diferentes linguagens
Ultrapassando assim o "discurso sobre as tecnologias", como meios de:
de utilidade duvidosa, é preciso identificar nas organização cognitiva
matemáticas, nas ciências naturais, nas ciências da realidade pela
humanas, na comunicação e nas artes, os elementos constituição de
de tecnologia que lhes são essenciais e desenvolvê-los significados,
como conteúdos vivos, como objetivos da educação e, expressão,
ao mesmo tempo, meio para tanto. comunicação e
informação.
Dessa maneira, a presença da tecnologia no ensino o Confrontar
médio remete diretamente às atividades relacionadas opiniões e pontos de
à aplicação dos conhecimentos e habilidades vista sobre as
constituídos ao longo da educação básica, dando diferentes linguagens e
expressão concreta à preparação básica para o suas manifestações
trabalho prevista na LDB. Apenas para enriquecer os específicas.
exemplos citados, é interessante lembrar do uso de o Analisar,
recursos de comunicação como vídeos e infográficos e interpretar e aplicar os
todo o mundo da multimídia; das técnicas de trabalho recursos expressivos
em equipe; do uso de sistemas de indicadores sociais e das linguagens,
tecnologias de planejamento e gestão. Para não relacionando textos
mencionar a incorporação das tecnologias e de com seus contextos,
materiais os mais diferenciados na arquitetura, mediante a natureza,
escultura, pintura, teatro e outras expressões função, organização e
artísticas. Se muitas dessas aplicações, como produto, estrutura das
têm afinidade com as ciências naturais, como manifestações, de
processos identificam-se com as linguagens e as acordo com as
ciências humanas e sociais. condições de produção
e recepção.
Estas e muitas outras facetas do múltiplo fenômeno o Compreender e
que é a tecnologia no mundo contemporâneo, usar a língua
constituem campos de aplicação – portanto, de portuguesa como
conhecimento e uso de produtos tecnológicos – ainda língua materna,
inexplorados pelos planos curriculares e projetos geradora de
pedagógicos. No entanto, além de sua intensa significação e
presença na vida cotidiana, essas tecnologias são as integradora da
43
organização do mundo o Entender e
e da própria aplicar métodos e
identidade. procedimentos próprios
o Conhecer e usar das ciências naturais.
língua(s) estrangeira(s)
moderna(s) como o Identificar
instrumento de acesso variáveis relevantes e
a informações e a selecionar os
outras culturas e procedimentos
grupos sociais. necessários para
o Entender os produção, análise e
princípios das interpretação de
tecnologias da resultados de
comunicação e da processos ou
informação, associá-las experimentos
aos conhecimentos científicos e
científicos, às tecnológicos.
linguagens que lhe dão
suporte e aos
problemas que se o Apropriar-se dos
propõem solucionar. conhecimentos da
o Entender a física, da química e da
natureza das biologia, e aplicar
tecnologias da esses conhecimentos
informação como para explicar o
integração de funcionamento do
diferentes meios de mundo natural,
comunicação, planejar, executar e
linguagens e códigos, avaliar ações de
bem como a função intervenção na
integradora que elas realidade natural.
exercem na sua
relação com as demais o Compreender o
tecnologias. caráter aleatório e não-
o Entender o determinístico dos
impacto das fenômenos naturais e
tecnologias da sociais e utilizar
comunicação e da instrumentos
informação na sua adequados para
vida, nos processos de medidas, determinação
produção, no de amostras e cálculo
desenvolvimento do de probabilidades.
conhecimento e na o Identificar,
vida social. analisar e aplicar
o Aplicar as conhecimentos sobre
tecnologias da valores de variáveis,
comunicação e da representados em
informação na escola, gráficos, diagramas ou
no trabalho e em expressões algébricas,
outros contextos realizando previsão de
relevantes para sua tendências,
vida. extrapolações e
interpolações, e
Ciências da Natureza, Matemática e suas interpretações.
Tecnologias. objetivando a constituição de o Analisar
habilidades e competências que permitam ao qualitativamente dados
educando: quantitativos,
representados gráfica
ou algebricamente,
o Compreender relacionados a
as ciências como contextos
construções humanas, socioeconômicos,
entendendo como elas científicos ou
se desenvolvem por cotidianos.
acumulação,
continuidade ou
ruptura de paradigmas, o Identificar,
relacionando o representar e utilizar o
desenvolvimento conhecimento
científico com a geométrico para o
transformação da aperfeiçoamento da
sociedade. leitura, da

44
compreensão e da humana com a
ação sobre a realidade. paisagem, em seus
o Entender a desdobramentos
relação entre o político-sociais,
desenvolvimento das culturais, econômicos e
ciências naturais e o humanos.
desenvolvimento o Compreender a
tecnológico, e associar produção e o papel
as diferentes histórico das
tecnologias aos instituições sociais,
problemas que se políticas e econômicas,
propuseram e propõem associando-as às
solucionar. práticas dos diferentes
o Entender o grupos e atores sociais,
impacto das aos princípios que
tecnologias associadas regulam a convivência
às ciências naturais na em sociedade, aos
sua vida pessoal, nos direitos e deveres da
processos de produção, cidadania, à justiça e à
no desenvolvimento do distribuição dos
conhecimento e na benefícios econômicos.
vida social. o Traduzir os
conhecimentos sobre a
o Aplicar as pessoa, a sociedade, a
tecnologias associadas economia, as práticas
às ciências naturais na sociais e culturais em
escola, no trabalho e condutas de
em outros contextos indagação, análise,
relevantes para sua problematização e
vida. protagonismo diante
o Compreender de situações novas,
problemas ou questões
conceitos,
da vida pessoal, social,
procedimentos e
política, econômica e
estratégias
cultural.
matemáticas, e aplicá-
o Entender os
las a situações diversas
no contexto das princípios das
ciências, da tecnologia tecnologias associadas
e das atividades ao conhecimento do
cotidianas. indivíduo, da sociedade
e da cultura, entre as
quais as de
Ciências Humanas e suas Tecnologias, planejamento,
objetivando a constituição de competências e organização, gestão,
habilidades que permitam ao educando: trabalho de equipe, e
associá-las aos
o Compreender problemas que se
os elementos propõem resolver.
cognitivos, afetivos, o Entender o
sociais e culturais que impacto das
constituem a tecnologias associadas
identidade própria e a às ciências humanas
dos outros. sobre sua vida pessoal,
o Compreender a os processos de
sociedade, sua gênese produção, o
e transformação, e os desenvolvimento do
múltiplos fatores que conhecimento e a vida
nela intervêm, como social.
produtos da ação o Entender a
humana; a si mesmo importância das
como agente social; e tecnologias
os processos sociais contemporâneas de
como orientadores da comunicação e
dinâmica dos informação para
diferentes grupos de planejamento, gestão,
indivíduos. organização,
o Compreender o fortalecimento do
desenvolvimento da trabalho de equipe.
sociedade como o Aplicar as
processo de ocupação tecnologias das
de espaços físicos e as ciências humanas e
relações da vida sociais na escola, no
45
trabalho e em outros incorporação dessa aprendizagem para construir
contextos relevantes modelos, práticas e alternativas curriculares novas,
para sua vida. mais adequadas à uma população que, pela primeira
vez, chegará ao ensino médio. Esse processo que se
6. A Implementação das Diretrizes Curriculares inicia formalmente, neste final de milênio, com a
Nacionais para o Ensino Médio: Transição e homologação e publicação destas Diretrizes
Ruptura Curriculares para o Ensino Médio, não tem data
Em nosso modo de ver, uma implicação que vale a marcada para terminar. Como toda reforma
pena destacar, derivada desta visão problemática, educacional, terá etapas de desequilíbrios, seguidas
incerta e imprevisível das mudanças em educação, por ajustes e reequilíbrios.
deveria afetar nosso modo de nos posicionarmos
frente às mesmas. Não procede esperar soluções Por mais que as burocracias e os meios de
salvadoras de reformas em grande escala, nem comunicação esperem a tradução destas diretrizes
tampouco extrair conclusões precipitadas de seus curriculares com lógica e racionalidade cartesianas, de
primeiros fracassos, para escudar atitudes derrotistas preferência por meio de uma tabela de dupla entrada
e desencantadas, fatalistas ou elusivas. Uma reforma que diga exatamente "como está" e "como fica" o
não é boa ou má pelos problemas e dificuldades que ensino médio brasileiro, nem mesmo com a ajuda de
possam surgir em seu desenvolvimento. Estes não só um martelo a realidade do futuro próximo caberia num
são naturais, como necessários. Só encarando as modelo desse tipo. O resultado de uma reforma
mudanças educacionais numa perspectiva de conflito, educacional tem componentes imprevisíveis, que não
evitaremos a tentação de considerá-las más só por permitem dizer com exatidão como vai ficar o ensino
terem vindo da administração ou de um grupo de médio no momento em que estas diretrizes estiverem
especialistas sisudos, e poderemos esquadrinhá-las implementadas.
pessoal e coletivamente em seus valores e propósitos,
em suas políticas concretas e decisões, em suas O produto mais importante de um processo de
incidências positivas ou naquelas outras que não o mudança curricular não é um novo currículo
sejam tanto, e que servirão para manter uma atitude materializado em papel, tabelas ou gráficos. O
permanente de crítica e reflexão, de compromisso e currículo não se traduz em uma realidade pronta e
responsabilidade com a tarefa de educar. Esta é, em tangível, mas na aprendizagem permanente de seus
última instância, a postura mais responsável que nós, agentes, que leva a um aperfeiçoamento contínuo da
profissionais da educação, podemos e devemos adotar ação educativa. Nesse sentido, uma reforma como a
diante das mudanças, sejam as propostas desde fora, que aqui se propõe será tanto mais eficaz quanto mais
sejam aquelas outras que somos capazes de provocar os sistemas, escolas e professores para a
orquestrar desde dentro: pensar e refletir, criticar e reflexão, análise, avaliação e revisão de suas práticas,
valorar o que está sendo e o que deve ser a educação tendo em vista encontrar respostas cada vez mais
que nos ocupa em nossos respectivos âmbitos adequadas às necessidades de aprendizagem de
escolares nos tempos em que vivemos e naqueles que nossos alunos. Em suma, o ensino médio brasileiro vai
estão por vir, e não iludir as responsabilidades ser aquilo que nossos esforços, talentos e
inescapáveis que nos tocam, a partir de uma circunstâncias forem capazes de realizar.
profissionalidade eticamente construída, que há de
perseguir a transformação e melhoria da sociedade
por meio da educação. Papel decisivo caberá aos órgãos estaduais
J. M. Escudero. Diseño y Desarrollo del Curriculum en formuladores e executores das políticas de apoio à
la Educación Secundária, 1997. implementação dos novos currículos de ensino médio.
O real não está nem na chegada nem na saída. Ele se E aqui é imprescindível lembrar dois eixos norteadores
dispõe prá gente no meio da travessia. da Lei nº 9.394/97, que deverão orientar a ação
A implementação destas DCNEM será ao mesmo executiva e normativa tanto dos sistemas como dos
tempo um processo de ruptura e de transição. Ruptura próprios estabelecimentos de ensino médio:
porque sinaliza para um ensino médio
significativamente diferente do atual, cuja construção . o eixo da flexibilidade, em torno do qual se articulam
vai requerer mudanças de concepções, valores e os processos de descentralização, desconcentração,
práticas, mas cuja concepção fundante está na LDB. desregulamentação e colaboração entre os atores,
culminando com a autonomia dos estabelecimentos
No entanto seria ignorar a natureza das mudanças escolares na definição de sua proposta pedagógica;
sociais, entre elas as educacionais, supor que o novo
ensino médio deverá surgir do vácuo ou da negação . o eixo da avaliação, em torno do qual se articulam os
radical da experiência até agora acumulada, com suas processos de monitoramento de resultados e
qualidades e limitações. De fato, como já se coordenação, culminando com as ações de
manifestou esta Câmara a respeito das diretrizes compensação e apoio às escolas e regiões que maiores
curriculares para o ensino fundamental, os saberes e desequilíbrios apresentem, e de responsabilização
práticas já instituídos constituem referência dos novos, pelos resultados em todos os níveis.
que operam como instituintes num dado momento
histórico: A nossa relação com o instituído não deve Esses papéis, complementares na permanente tensão
ser, portanto, de querer destruí-lo ou cristalizá-lo. Sem que mantêm entre si, desenham um novo perfil de
um olhar sobre o instituído, criamos lacunas, gestão educacional no nível dos sistemas estaduais. O
desfiguramos memórias e identidades, perdemos o aprendizado desse novo perfil de gestão será talvez
vínculo com a nossa história, quebramos os espelhos mais importante do que aquele que as escolas deverão
que desenham nossas formas. viver para converter suas práticas pedagógicas,
porque a autonomia escolar é, ainda, mais visão que
Dessa dinâmica entre transição e ruptura vai surgir a realidade. Depende, portanto, do fomento e do apoio
aprendizagem com os acertos e erros do passado e a das instancias centrais, executivas e normativas.

46
Tal como estão formuladas, a implementação destas O próximo Plano Nacional de Educação será uma
DCNEM, mais do que outras normas nacionais, requer oportunidade para discutir questões como a formação
esse fomento e apoio às escolas para estimulá-las, de professores, entre outras a serem equacionadas
fortalecê-las e qualificá-las a exercer uma autonomia durante a implementação destas DCNEM. Mas a
responsável por seu próprio desenvolvimento negociação de metas entre atores políticos para um
curricular e pedagógico. Em outras palavras, o plano dessa natureza não o torna necessariamente
paradigma de currículo proposto não resiste ao eficaz. Mais importante será a negociação que essas
enrijecimento e à regulamentação que compõem o metas terão de fazer com próprias as realidades
estilo dominante de gestão até o presente. diversas do país nas quais se incluem os gestores dos
sistemas e os agentes educativos que estão em cada
Do comportamento das universidades e outras escola.
instituições de ensino superior dependerá também, em
larga medida, o êxito da concretização destas Para finalizar, reconhecendo a limitação de inovações
diretrizes curriculares para o ensino médio, com o qual curriculares no nível de sua proposição, mas também
elas mantêm dois tipos de articulação importantes: convencida do imperativo de orientações propositivas
como nível educacional que receberá os alunos num país diverso socialmente e federativo
egressos e como responsável pela formação dos politicamente, a Câmara de Educação Básica do CNE
professores. reitera, a propósito destas DCNEM, aquilo que já
afirmou: As medidas legais representam, no entanto,
No primeiro tipo de articulação está colocada toda a passos preparatórios para as mudanças reais na
problemática do exame de ingresso no ensino superior, educação brasileira, em sintonia com as novas
que, até o presente, tem sido a referência da demandas de uma economia aberta e de uma
organização curricular do ensino médio. A continuidade sociedade democrática. Estará nas mãos das
de estudos é e continuará sendo – com atalhos instituições escolares e respectivas comunidades a
exigidos pela inserção precoce no mercado de construção coletiva e permanente de propostas e
trabalho, ou de modo mais direto – um percurso práticas pedagógicas inovadoras que possam dar
desejado por muitos jovens que concluem a educação resposta às novas demandas.
básica. E possível, com diferentes graus de
dificuldades, para uma parte deles. II. VOTO DA RELATORA

O ensino superior está, assim, convocado a examinar Em vista do exposto a relatoria propõe que se aprove o
sua missão e seus procedimentos de seleção, na Projeto de Resolução em anexo.
perspectiva de um ensino médio que deverá ser mais
unificado quanto às competências dos alunos e mais
diversificado quanto aos conhecimentos específicos a. Conselheira Guiomar Namo de Mello
que darão suporte à constituição dessas competências.
E deverão fazê-lo com a ética de quem reconhece o III. DECISÃO DA CÂMARA
poder que as exigências para ingresso no ensino
superior exercem, e continuarão exercendo, sobre a A Câmara de Educação Básica acompanha o Parecer
prática curricular e pedagógica das escolas médias. da Relatora

A preparação de professores, pela qual o ensino Sala das Sessões, em 2 de junho de 1998.
superior mantém articulação decisiva com a educação
básica, foi insistente e reiteradamente apontada como
a maior dificuldade para a implementação destas (aa) Conselheiro Ulysses de Oliveira Panisset –
DCNEM, por todos os participantes, em todos os Presidente
encontros mantidos durante a preparação deste
parecer. Maior mesmo que os condicionantes Conselheiro Francisco Aparecido Cordão – Vice
financeiros. Uma unanimidade de tal ordem possui Presidente
peso tão expressivo que dispensa maiores comentários
ou análises. Um peso que deve ser transferido às [Volta ao início do documento]
instituições de ensino superior, para que o considerem
RESOLUÇÃO CEB Nº 3, DE 26 DE JUNHO DE 1998(*)
quando, no exercício de sua autonomia, assumirem as
Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o
responsabilidades com o país e com a educação básica
Ensino Médio.
que considerem procedentes.
O Presidente da Câmara de Educação Básica do
Conselho Nacional de Educação, de conformidade com
É preciso lembrar, no entanto, que a deficiência o disposto no art. 9º § 1º, alínea "c", da Lei 9.131, de
quantitativa e qualitativa de recursos docentes para o 25 de novembro de 1995, nos artigos 26, 35 e 36 da
ensino fundamental e médio há muito se converteu Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e tendo em
num problema crônico. Essa deficiência afetará vista o Parecer CEB/CNE 15/98, homologado pelo
qualquer medida de melhoria ou reforma da educação Senhor Ministro da Educação e do Desporto em 25 de
que o país se proponha adotar. Resolver esse junho de 1998, e que a esta se integra,
problema, portanto, não é condição para a
implementação destas DCNEM. É questão de
RESOLVE:
sobrevivência educacional, cuja dimensão vai muito
além dos limites deste parecer, embora se inclua entre
os desafios, felizmente não exclusivos, do Conselho Art. 1º As Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino
Nacional de Educação. Das instituições de ensino Médio – DCNEM, estabelecidas nesta Resolução, se
superior se espera que sejam parceiras no constituem num conjunto de definições doutrinárias
enfrentamento do desafio e na solução, não apenas na sobre princípios, fundamentos e procedimentos a
denúncia do problema. serem observados na organização pedagógica e
47
curricular de cada unidade escolar integrante dos I - desenvolvimento da capacidade de aprender e
diversos sistemas de ensino, em atendimento ao que continuar aprendendo, da autonomia intelectual e do
manda a lei, tendo em vista vincular a educação com o pensamento crítico, de modo a ser capaz de prosseguir
mundo do trabalho e a prática social, consolidando a os estudos e de adaptar-se com flexibilidade a novas
preparação para o exercício da cidadania e propiciando condições de ocupação ou aperfeiçoamento;
preparação básica para o trabalho.
II - constituição de significados socialmente
Art. 2º A organização curricular de cada escola será construídos e reconhecidos como verdadeiros sobre o
orientada pelos valores apresentados na Lei 9.394, a mundo físico e natural, sobre a realidade social e
saber: política;

I - os fundamentais ao interesse social, aos direitos e III - compreensão do significado das ciências, das letras
deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à e das artes e do processo de transformação da
ordem democrática; sociedade e da cultura, em especial as do Brasil, de
modo a possuir as competências e habilidades
II - os que fortaleçam os vínculos de família, os laços necessárias ao exercício da cidadania e do trabalho;
de solidariedade humana e de tolerância recíproca.
IV - domínio dos princípios e fundamentos científico-
Art. 3º Para observância dos valores mencionados no tecnológicos que presidem a produção moderna de
artigo anterior, a prática administrativa e pedagógica bens, serviços e conhecimentos, tanto em seus
dos sistemas de ensino e de suas escolas, as formas produtos como em seus processos, de modo a ser
de convivência no ambiente escolar, os mecanismos capaz de relacionar a teoria com a prática e o
de formulação e implementação de política desenvolvimento da flexibilidade para novas condições
educacional, os critérios de alocação de recursos, a de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
organização do currículo e das situações de ensino
aprendizagem e os procedimentos de avaliação V - competência no uso da língua portuguesa, das
deverão ser coerentes com princípios estéticos, línguas estrangeiras e outras linguagens
políticos e éticos, abrangendo: contemporâneas como instrumentos de comunicação e
como processos de constituição de conhecimento e de
I - a Estética da Sensibilidade, que deverá substituir a exercício de cidadania.
da repetição e padronização, estimulando a
criatividade, o espírito inventivo, a curiosidade pelo Art. 5º Para cumprir as finalidades do ensino médio
inusitado, e a afetividade, bem como facilitar a previstas pela lei, as escolas organizarão seus
constituição de identidades capazes de suportar a currículos de modo a:
inquietação, conviver com o incerto e o imprevisível,
acolher e conviver com a diversidade, valorizar a I - ter presente que os conteúdos curriculares não são
qualidade, a delicadeza, a sutileza, as formas lúdicas e fins em si mesmos, mas meios básicos para constituir
alegóricas de conhecer o mundo e fazer do lazer, da competências cognitivas ou sociais, priorizando-as
sexualidade e da imaginação um exercício de sobre as informações;
liberdade responsável.
II - ter presente que as linguagens são indispensáveis
II - a Política da Igualdade, tendo como ponto de para a constituição de conhecimentos e competências;
partida o reconhecimento dos direitos humanos e dos
deveres e direitos da cidadania, visando à constituição
de identidades que busquem e pratiquem a igualdade III - adotar metodologias de ensino diversificadas, que
no acesso aos bens sociais e culturais, o respeito ao estimulem a reconstrução do conhecimento e
bem comum, o protagonismo e a responsabilidade no mobilizem o raciocínio, a experimentação, a solução de
âmbito público e privado, o combate a todas as formas problemas e outras competências cognitivas
discriminatórias e o respeito aos princípios do Estado superiores;
de Direito na forma do sistema federativo e do regime
democrático e republicano. IV - reconhecer que as situações de aprendizagem
provocam também sentimentos e requerem trabalhar
III - a Ética da Identidade, buscando superar dicotomias a afetividade do aluno.
entre o mundo da moral e o mundo da matéria, o
público e o privado, para constituir identidades Art. 6º Os princípios pedagógicos da Identidade,
sensíveis e igualitárias no testemunho de valores de Diversidade e Autonomia, da Interdisciplinaridade e da
seu tempo, praticando um humanismo Contextualização, serão adotados como estruturadores
contemporâneo, pelo reconhecimento, respeito e dos currículos do ensino médio.
acolhimento da identidade do outro e pela
incorporação da solidariedade, da responsabilidade e Art. 7º Na observância da Identidade, Diversidade e
da reciprocidade como orientadoras de seus atos na Autonomia, os sistemas de ensino e as escolas, na
vida profissional, social, civil e pessoal. busca da melhor adequação possível às necessidades
dos alunos e do meio social:
Art. 4º As propostas pedagógicas das escolas e os
currículos constantes dessas propostas incluirão I - desenvolverão, mediante a institucionalização de
competências básicas, conteúdos e formas de mecanismos de participação da comunidade,
tratamento dos conteúdos, previstas pelas finalidades alternativas de organização institucional que
do ensino médio estabelecidas pela lei: possibilitem:

48
a) identidade própria enquanto instituições de ensino III - as disciplinas escolares são recortes das áreas de
de adolescentes, jovens e adultos, respeitadas as suas conhecimentos que representam, carregam sempre
condições e necessidades de espaço e tempo de um grau de arbitrariedade e não esgotam
aprendizagem; isoladamente a realidade dos fatos físicos e sociais,
devendo buscar entre si interações que permitam aos
b) uso das várias possibilidades pedagógicas de alunos a compreensão mais ampla da realidade;
organização, inclusive espaciais e temporais;
IV - a aprendizagem é decisiva para o desenvolvimento
c) articulações e parcerias entre instituições públicas e dos alunos, e por esta razão as disciplinas devem ser
privadas, contemplando a preparação geral para o didaticamente solidárias para atingir esse objetivo, de
trabalho, admitida a organização integrada dos anos modo que disciplinas diferentes estimulem
finais do ensino fundamental com o ensino médio; competências comuns, e cada disciplina contribua para
a constituição de diferentes capacidades, sendo
indispensável buscar a complementaridade entre as
II - fomentarão a diversificação de programas ou tipos disciplinas a fim de facilitar aos alunos um
de estudo disponíveis, estimulando alternativas, a desenvolvimento intelectual, social e afetivo mais
partir de uma base comum, de acordo com as completo e integrado;
características do alunado e as demandas do meio
social, admitidas as opções feitas pelos próprios
alunos, sempre que viáveis técnica e financeiramente; V - a característica do ensino escolar, tal como
indicada no inciso anterior, amplia significativamente a
responsabilidade da escola para a constituição de
III - instituirão sistemas de avaliação e/ou utilizarão os identidades que integram conhecimentos,
sistemas de avaliação operados pelo Ministério da competências e valores que permitam o exercício
Educação e do Desporto, a fim de acompanhar os pleno da cidadania e a inserção flexível no mundo do
resultados da diversificação, tendo como referência as trabalho.
competências básicas a serem alcançadas, a legislação
do ensino, estas diretrizes e as propostas pedagógicas
das escolas; Art. 9º Na observância da Contextualização as escolas
terão presente que:
IV - criarão os mecanismos necessários ao fomento e
fortalecimento da capacidade de formular e executar I - na situação de ensino e aprendizagem, o
propostas pedagógicas escolares características do conhecimento é transposto da situação em que foi
exercício da autonomia; criado, inventado ou produzido, e por causa desta
transposição didática deve ser relacionado com a
prática ou a experiência do aluno a fim de adquirir
IV - criarão mecanismos que garantam liberdade e significado;
responsabilidade das instituições escolares na
formulação de sua proposta pedagógica, e evitem que
as instâncias centrais dos sistemas de ensino II - a relação entre teoria e prática requer a
burocratizem e ritualizem o que, no espírito da lei, concretização dos conteúdos curriculares em situações
deve ser expressão de iniciativa das escolas, com mais próximas e familiares do aluno, nas quais se
protagonismo de todos os elementos diretamente incluem as do trabalho e do exercício da cidadania;
interessados, em especial dos professores;
III - a aplicação de conhecimentos constituídos na
V - instituirão mecanismos e procedimentos de escola às situações da vida cotidiana e da experiência
avaliação de processos e produtos, de divulgação dos espontânea permite seu entendimento, crítica e
resultados e de prestação de contas, visando revisão.
desenvolver a cultura da responsabilidade pelos
resultados e utilizando os resultados para orientar Art. 10 A base nacional comum dos currículos do
ações de compensação de desigualdades que possam ensino médio será organizada em áreas de
resultar do exercício da autonomia. conhecimento, a saber:

Art. 8º Na observância da Interdisciplinaridade as I - Linguagens, Códigos e suas Tecnologias,


escolas terão presente que: objetivando a constituição de competências e
habilidades que permitam ao educando:
I - a Interdisciplinaridade, nas suas mais variadas
formas, partirá do princípio de que todo conhecimento a) Compreender e usar os sistemas simbólicos das
mantém um diálogo permanente com outros diferentes linguagens como meios de organização
conhecimentos, que pode ser de questionamento, de cognitiva da realidade pela constituição de
negação, de complementação, de ampliação, de significados, expressão, comunicação e informação.
iluminação de aspectos não distinguidos;
b) Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as
II - o ensino deve ir além da descrição e procurar diferentes linguagens e suas manifestações
constituir nos alunos a capacidade de analisar, específicas.
explicar, prever e intervir, objetivos que são mais
facilmente alcançáveis se as disciplinas, integradas em c) Analisar, interpretar e aplicar os recursos
áreas de conhecimento, puderem contribuir, cada uma expressivos das linguagens, relacionando textos com
com sua especificidade, para o estudo comum de seus contextos, mediante a natureza, função,
problemas concretos, ou para o desenvolvimento de organização, estrutura das manifestações, de acordo
projetos de investigação e/ou de ação; com as condições de produção e recepção.

49
d) Compreender e usar a língua portuguesa como h) Identificar, representar e utilizar o conhecimento
língua materna, geradora de significação e integradora geométrico para o aperfeiçoamento da leitura, da
da organização do mundo e da própria identidade. compreensão e da ação sobre a realidade.

e) Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) i) Entender a relação entre o desenvolvimento das
como instrumento de acesso a informações e a outras ciências naturais e o desenvolvimento tecnológico e
culturas e grupos sociais. associar as diferentes tecnologias aos problemas que
se propuseram e propõem solucionar.
f) Entender os princípios das tecnologias da
comunicação e da informação, associá-las aos j) Entender o impacto das tecnologias associadas às
conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão ciências naturais na sua vida pessoal, nos processos de
suporte e aos problemas que se propõem solucionar. produção, no desenvolvimento do conhecimento e na
vida social.
g) Entender a natureza das tecnologias da informação
como integração de diferentes meios de comunicação, l) Aplicar as tecnologias associadas às ciências
linguagens e códigos, bem como a função integradora naturais na escola, no trabalho e em outros contextos
que elas exercem na sua relação com as demais relevantes para sua vida.
tecnologias.
m) Compreender conceitos, procedimentos e
h) Entender o impacto das tecnologias da comunicação estratégias matemáticas e aplicá-las a situações
e da informação na sua vida, nos processos de diversas no contexto das ciências, da tecnologia e das
produção, no desenvolvimento do conhecimento e na atividades cotidianas.
vida social.
III - Ciências Humanas e suas Tecnologias, objetivando
i) Aplicar as tecnologias da comunicação e da a constituição de competências e habilidades que
informação na escola, no trabalho e em outros permitam ao educando:
contextos relevantes para sua vida.
a) Compreender os elementos cognitivos, afetivos,
II - Ciências da Natureza, Matemática e suas sociais e culturais que constituem a identidade própria
Tecnologias, objetivando a constituição de habilidades e dos outros.
e competências que permitam ao educando:
b) Compreender a sociedade, sua gênese e
a) Compreender as ciências como construções transformação e os múltiplos fatores que nelas
humanas, entendendo como elas se desenvolvem por intervêm, como produtos da ação humana; a si mesmo
acumulação, continuidade ou ruptura de paradigmas, como agente social; e os processos sociais como
relacionando o desenvolvimento científico com a orientadores da dinâmica dos diferentes grupos de
transformação da sociedade. indivíduos.

b) Entender e aplicar métodos e procedimentos c) Compreender o desenvolvimento da sociedade


próprios das ciências naturais. como processo de ocupação de espaços físicos e as
relações da vida humana com a paisagem, em seus
c) Identificar variáveis relevantes e selecionar os desdobramentos político-sociais, culturais, econômicos
procedimentos necessários para a produção, análise e e humanos.
interpretação de resultados de processos ou
experimentos científicos e tecnológicos. d) Compreender a produção e o papel histórico das
instituições sociais, políticas e econômicas,
d) Compreender o caráter aleatório e não associando-as às práticas dos diferentes grupos e
determinístico dos fenômenos naturais e sociais e atores sociais, aos princípios que regulam a
utilizar instrumentos adequados para medidas, convivência em sociedade, aos direitos e deveres da
determinação de amostras e cálculo de probabilidades. cidadania, à justiça e à distribuição dos benefícios
econômicos.
e) Identificar, analisar e aplicar conhecimentos sobre
valores de variáveis, representados em gráficos, e) Traduzir os conhecimentos sobre a pessoa, a
diagramas ou expressões algébricas, realizando sociedade, a economia, as práticas sociais e culturais
previsão de tendências, extrapolações e interpolações em condutas de indagação, análise, problematização e
e interpretações. protagonismo diante de situações novas, problemas ou
questões da vida pessoal, social, política, econômica e
cultural.
f) Analisar qualitativamente dados quantitativos
representados gráfica ou algebricamente relacionados
a contextos sócio-econômicos, científicos ou cotidianos f) Entender os princípios das tecnologias associadas ao
conhecimento do indivíduo, da sociedade e da cultura,
entre as quais as de planejamento, organização,
g) Apropriar-se dos conhecimentos da física, da gestão, trabalho de equipe, e associá-las aos
química e da biologia e aplicar esses conhecimentos problemas que se propõem resolver.
para explicar o funcionamento do mundo natural,
planejar, executar e avaliar ações de intervenção na
realidade natural. g) Entender o impacto das tecnologias associadas às
ciências humanas sobre sua vida pessoal, os processos

50
de produção, o desenvolvimento do conhecimento e a articulação com a educação profissional, mantida a
vida social. independência entre os cursos.

h) Entender a importância das tecnologias Artigo 13 Estudos concluídos no ensino médio, tanto da
contemporâneas de comunicação e informação para o base nacional comum quanto da parte diversificada,
planejamento, gestão, organização, fortalecimento do poderão ser aproveitados para a obtenção de uma
trabalho de equipe. habilitação profissional, em cursos realizados
concomitante ou seqüencialmente, até o limite de 25%
i) Aplicar as tecnologias das ciências humanas e (vinte e cinco por cento) do tempo mínimo legalmente
sociais na escola, no trabalho e outros contextos estabelecido como carga horária para o ensino médio.
relevantes para sua vida.
Parágrafo único. Estudos estritamente
§ 1º A base nacional comum dos currículos do ensino profissionalizantes, independentemente de serem
médio deverá contemplar as três áreas do feitos na mesma escola ou em outra escola ou
conhecimento, com tratamento metodológico que instituição, de forma concomitante ou posterior ao
evidencie a interdisciplinaridade e a contextualização. ensino médio, deverão ser realizados em carga horária
adicional às 2.400 horas (duas mil e quatrocentas)
horas mínimas previstas na lei.
§ 2º As propostas pedagógicas das escolas deverão
assegurar tratamento interdisciplinar e contextualizado
para: Artigo 14 Caberá, respectivamente, aos órgãos
normativos e executivos dos sistemas de ensino o
estabelecimento de normas complementares e
a) Educação Física e Arte, como componentes políticas educacionais, considerando as peculiaridades
curriculares obrigatórios; regionais ou locais, observadas as disposições destas
diretrizes.
b) Conhecimentos de filosofia e sociologia necessários
ao exercício da cidadania. Parágrafo único. Os órgãos normativos dos sistemas de
ensino deverão regulamentar o aproveitamento de
Artigo 11 Na base nacional comum e na parte estudos realizados e de conhecimentos constituídos
diversificada será observado que: tanto na experiência escolar como na extra-escolar.

I - as definições doutrinárias sobre os fundamentos Artigo 15 Esta Resolução entra em vigor na data de
axiológicos e os princípios pedagógicos que integram sua publicação e revoga as disposições em contrário.
as DCNEM aplicar-se-ão a ambas;

II - a parte diversificada deverá ser organicamente ULYSSES DE OLIVEIRA PANISSET


integrada com a base nacional comum, por Presidente da Câmara de Educação Básica
contextualização e por complementação, ____________
diversificação, enriquecimento, desdobramento, entre
outras formas de integração; (*) CNE/CEB. Resolução CEB nº 3/98. Diário Oficial,
Brasília, 5 ago. 1998. Seção 1, p. 21.
III - a base nacional comum deverá compreender, pelo
menos, 75% (setenta e cinco por cento) do tempo [Volta ao início do documento]
mínimo de 2.400 (duas mil e quatrocentas) horas,
estabelecido pela lei como carga horária para o ensino
médio; CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA

IV - além da carga mínima de 2.400 horas, as escolas Diretrizes Curriculares Nacionais para a
terão, em suas propostas pedagógicas, liberdade de Educação Infantil
organização curricular, independentemente de
distinção entre base nacional comum e parte PARECER CEB 22/98, aprovado em 17/12/98 (Processo
diversificada; 23001.000196/98-32)

V - a língua estrangeira moderna, tanto a obrigatória I – RELATÓRIO


quanto as optativas, serão incluídas no cômputo da
carga horária da parte diversificada.
Introdução

Artigo 12 Não haverá dissociação entre a formação


A Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
geral e a preparação básica para o trabalho, nem esta
Educação, no exercício de suas atribuições definidas
última se confundirá com a formação profissional.
pela Lei 9131/95, tem como uma de suas grandes
responsabilidades a elaboração de Diretrizes
§ 1º A preparação básica para o trabalho deverá estar Curriculares Nacionais para a Educação Básica.
presente tanto na base nacional comum como na parte
diversificada.
O direito à Educação Básica consagrado pela
Constituição Federal de 1988, representa uma
§ 2º O ensino médio, atendida a formação geral, demanda essencial das sociedades democráticas e,
incluindo a preparação básica para o trabalho, poderá vem sendo exigido, vigorosamente por todo o país,
preparar para o exercício de profissões técnicas, por

51
como garantia inalienável do exercício da cidadania Desta forma, as Diretrizes Curriculares Nacionais
plena. para a Educação Infantil contemplando o
trabalho nas creches para as crianças de 0 a 3
A conquista da cidadania plena, da qual todos os anos e nas chamadas pré-escolas ou centros e
brasileiros são titulares, supõe, portanto, entre outros classes de educação infantil para as de 4 a 6
aspectos, o acesso à Educação Básica, constituída pela anos, além de nortear as propostas curriculares
Educação Infantil, Fundamental e Média. e os projetos pedagógicos, estabelecerão
paradigmas para a própria concepção destes
programas de cuidado e educação, com
A integração da Educação Infantil no âmbito da qualidade.
Educação Básica, como direito das crianças de 0 a 6
anos e suas famílias, dever do estado e da sociedade
civil, é fruto de muitas lutas desenvolvidas A partir desta perspectiva, é muito importante que os
especialmente por educadores e alguns segmentos Conselhos Municipais e Estaduais de Educação e
organizados, que ao longo dos anos vêm buscando respectivas Secretarias, tenham clareza a respeito de
definir políticas públicas para as crianças mais novas. que as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil são mandatórias para todas as
instituições de cuidado e educação para as
No entanto uma política nacional, que se remeta à crianças dos 0 aos 6 anos , a partir do momento de
indispensável integração do estado e da sociedade sua homologação pelo Sr. Ministro da Educação, e
civil, como co-participantes das famílias no cuidado e conseqüente publicação no Diário Oficial da União.
educação de seus filhos entre 0 e 6 anos, ainda não
está definida no Brasil.
A iniciativa do MEC, através da ação da Coordenadoria
de Educação Infantil (COEDI), da Secretaria de
Uma política nacional para a infância é um Educação Fundamental (SEF), de produzir e divulgar
investimento social que considera as crianças Referenciais Curriculares para a Educação Infantil, é
como sujeitos de direitos, cidadãos em processo uma importante contribuição para o trabalho dos
e alvo preferencial de políticas públicas. A partir educadores de crianças dos 0 aos 6 anos, embora não
desta definição, alem das próprias crianças de 0 seja mandatória. Esta proposta do MEC vem se
a 6 anos e suas famílias, são também alvo de integrar aos esforços de várias Secretarias de Estados
uma política nacional para a infância, os e Municípios no sentido de qualificar os programas de
cuidados e a educação pré-natal voltados aos educação infantil, ficando no entanto, a critério das
futuros pais. equipes pedagógicas a decisão de adotá-la na íntegra
ou associá-la a outras propostas.
Só muito recentemente, a legislação vem se referindo
a este segmento da educação, e na própria Lei de O indispensável, no entanto, é que ao elaborar suas
Diretrizes e Bases da Educação Nacional ( Lei Propostas Pedagógicas para a Educação Infantil,
9394/96), o tratamento dedicado à Educação Infantil é os educadores se norteiem pelas Diretrizes
bastante sucinto e genérico. Curriculares Nacionais, aquí apresentadas.

Desta forma, confere-se a estas Diretrizes CUIDADO E EDUCAÇÃO NO ÂMBITO FAMILIAR E


Curriculares Nacionais para os programas que PÚBLICO
cuidem de crianças, educando-as de 0 a 6 anos,
em esforço conjunto com suas famílias, especial
importância, pelo ineditismo de seus propósitos A obra já clássica de Philipe Ariès, "A história social da
e pela relevância de suas conseqüências para a criança e da família" (1981), mostra como o conceito
Educação Infantil no âmbito público e privado. de criança tem evoluído através dos séculos, e
oscilado entre polos em que ora a consideram um
"bibelot" ou "bichinho de estimação" , ora um "adulto
Ao elaborar estas Diretrizes, a Câmara de Educação em miniatura", passível de encargos e abusos como os
Básica, além de acolher as contribuições prestadas da negligência, do trabalho precoce e da exploração
pelo Ministério da Educação e Cultura, através de sua sexual. Esta indefinição, trouxe como conseqüência,
Secretaria de Educação Fundamental e respectiva através das gerações, grandes injustiças e graves
Coordenadoria de Educação Infantil, vem mantendo prejuízos em relação às responsabilidades conjuntas
amplo diálogo com múltiplos segmentos responsáveis do estado, da sociedade civil e da família sobre os
por crianças de 0 a 6 anos, na busca de compreensão cuidados de higiene, saúde, nutrição, segurança,
dos anseios, dilemas, desafios, visões, expectativas, acolhimento, lazer e constituição de conhecimentos e
possibilidades e necessidades das crianças, suas valores indispensáveis ao processo de
famílias e comunidades. desenvolvimento e socialização das crianças de 0 aos
6 anos.
O aprofundamento da análise sobre o papel do estado
e da sociedade civil em relação às famílias brasileiras e A situação apresenta-se mais grave ainda em dois
seus filhos de 0 a 6 anos, tem evidenciado um grupos específicos: os das crianças portadoras de
fenômeno também visível em outras nações, que é o necessidades especiais de aprendizagem, como as
da cisão entre cuidar e educar. E este dilema, leva-nos deficientes visuais, auditivas, motoras, psicológicas e
a discutir "a importância da família versus estado"; aquelas originárias de famílias de baixa renda, que no
"poder centralizado versus descentralizado"; Brasil representam a maioria da população.
"desenvolvimento infantil versus preparação para a
escola"; "controle profissional versus parental sobre os
objetivos e conteúdos dos programas". Para o primeiro grupo, que de maneira dramática, é o
que mais necessita de cuidado e educação nesta etapa
inicial da vida, há inclusive, enorme carência de dados
para que se façam diagnósticos precisos a respeito de

52
demanda por programas qualificados de Educação educação, especialmente os municipais. Tudo isto
Infantil. deve ser feito nos marcos do regime de colaboração,
conforme define a Constituição Federal de 1988.
Campos, et allii ( 1992) na obra "Creches e Pré-Escolas
no Brasil", informam que,..."documento do Banco As chamadas pré-escolas, mais freqüentadas pelo
Mundial (World Bank, 1988,p.16) revela que as segmento de crianças de famílias de renda média e
crianças menores que 5 anos de idade, que constituem largo contigente das famílias de mais alta renda,
13% da população, recebem apenas 7% do total de trazem também uma contradição: a de não conseguir
benefícios sociais distribuídos. Como as famílias na qualificar, com precisão, a importância do trabalho
faixa de renda mais baixa (renda per capita mensal com cuidado e educação a ser realizado com as
menor que ¼ do salário mínimo), são aquelas com crianças de 4 a 6 anos, contribuindo, por isto, para
maior número de crianças (representando 19% da diminuir sua relevância no âmbito das políticas
população e recebendo apenas 6% do total dos públicas.
benefícios sociais), o documento identifica as crianças
de baixa renda como um dos grupos mais Embora a Lei 9394/96 assim se refira a este segmento
discriminados dentre os destinatários das políticas da Educação Infantil, o conceito de pré-escola, acaba
sociais no país." (Campos, 1992,p.11-12) por ser entendido como "fora da escola" ou do
"sistema regular de ensino", portanto, em termos de
Esta discriminação histórica explica, em boa medida, o políticas públicas, um "luxo" ou "supérfluo".
tipo de políticas públicas voltadas para a infância que,
desde o século XIX, abarcaram as iniciativas voltadas O art. 2º, II da LDB/96, ao destacar a prioridade para o
para a educação, saúde , higiene e nutrição no âmbito Ensino Fundamental , como responsabilidade dos
da assistência. Sem se constituir como uma prática municípios, embora cite a Educação Infantil, não o faz
emancipatória, a educação assistencialista com a mesma ênfase, o que ocasiona problemas de
caracterizou-se como uma proposta educacional para interpretação sobre atribuição de recursos, junto aos
os pobres vinculada aos órgãos assistenciais. prefeitos e secretários de educação.

A partir da década de 60, há uma crescente demanda Os artigos 10 e 11 da LDB representaram um esforço
por instituições de educação infantil associada a para disciplinar as responsabilidades de Estados e
fatores como o aumento da presença feminina no Municípios com a provisão de Educação Básica. O
mercado de trabalho e o reconhecimento da Ensino Fundamental, atribuído a ambos é prioridade
importância dos primeiros anos de vida em relação ao municipal.
desenvolvimento cognitivo/linguístico, sócio/emocional
e psico/motor, através da discussão de teorias
originárias especialmente dos campos da Psicologia, À esfera estadual cabe prioridade pelo Ensino Médio,
Antropologia, Psico e Sócio-Linguísticas. Com isto, os embora ainda em muitos casos aquele ainda
órgãos educacionais passam a se ocupar mais das compartilhe com os municípios a responsabilidade pelo
políticas públicas e das propostas para a educação da Ensino Fundamental.
infância, seja no caso das crianças de famílias de
renda média e mais alta, seja naquele das crianças Com isto, a Educação Infantil, enquanto atribuição dos
pobres. No entanto, muitas vezes ainda se observa municípios, não se definiu como prioridade de
uma visão assistencialista, como no caso da "educação nenhuma esfera governamental.
compensatória"de supostas carências culturais.
Para dar operacionalidade ao disposto pela LDB quanto
No entanto, os programas de Educação Infantil ao ensino obrigatório foi necessário criar o FUNDEF,
reduziram-se a currículos, limitando-se as experiências que deverá ordenar a atribuição de recursos e a
de ensino para crianças pequenas , ao domínio divisão de tarefas entre os dois entes federativos para
exclusivo da educação. Desta forma ainda não se prover o Ensino Fundamental.
observa o necessário e desejável equilíbrio entre as
áreas das Políticas Sociais voltadas para a infância e a Será preciso, daqui em diante, enfrentar o
família, como as da Saúde, Serviço Social, Cultura, problema da responsabilidade prioritária dos
Habitação, Lazer e Esportes articuladas pela Educação. municípios pela Educação Infantil, dentro
Equipes lideradas por educadores, contando com evidentemente, dos princípios maiores da
médicos, terapeutas, assistentes sociais, psicólogos e colaboração federativa constitucional, de acôrdo
nutricionistas, para citar alguns dos profissionais, que com o Art.30, incisoVI da Constituição Federal.
devem contribuir no trabalho das creches ou centros
de Educação Infantil, ainda são raros no país, já nos
dias de hoje. Para isto a própria operação continuada do
FUNDEF, seu acompanhamento e
aperfeiçoamento contínuos, poderão contribuir.
Assim, no Brasil, creche, ou seja, instituição que se Em primeiro lugar tornando mais claro a quanto
ocupa de crianças de 0 a 3 anos, conotada em larga montam os 10% de recursos que ficarão
medida, e errôneamente, como instituição para disponíveis aos municípios, uma vez satisfeita a
crianças pobres, tem sido em conseqüência, muitas sub-vinculação das receitas municipais. Isto
vezes, uma instituição que oferece uma educação permitirá, em cada realidade municipal,
"pobre para os pobres". A presença, nestas instituições considerar estes montantes à luz da prioridade
de adultos sem qualificação apropriada para o trabalho de provisão de cuidados e educação para as
de cuidado e educação, a ausência de propostas crianças de 0 a 6 anos.
pedagógicas, e alto grau de improvisação e
descompromisso com os direitos e necessidades das
crianças e suas famílias, exigem atenção e ação A importância da Educação Infantil implica a
responsáveis por parte de secretarias e conselhos de efetivação do Artigo 30, inciso VI da Constituição

53
Federal, do Estatuto da Criança e do As dramáticas transformações familiares ocasionando
Adolescente, da Consolidação das Leis do mudanças de papéis para pais e mães, a acentuada
Trabalho e a presença de outros recursos ausência dos pais no âmbito familiar, a crescente
advindos da sociedade. entrada das mães no campo de trabalho fora de casa,
a forte influência da mídia, especialmente da televisão,
Assim, o atendimento educacional das crianças de 0 a a urbanização crescente das populações e a
6 anos de idade, garantido pelo artigo 208, inciso IV da transformação de vínculos parentais e de vizinhança,
Constituição Federal, que estabelece, ainda, no art. criam novos contextos para a constituição da
211 a oferta da Educação Infantil como uma das identidade das crianças, que raramente são analisados
prioridades dos Municípios, dispõe que estes devem em profundidade e com competência nos citados
atuar prioritariamente no Ensino Fundamental e na cursos. A pesquisa, o estudo e a análise do impacto de
Educação Infantil. Isto significa, claramente, que ao todos aqueles aspectos sobre as crianças de 0 a 6
lado do Ensino Fundamental figura a Educação Infantil, anos, e as conseqüências sobre seus modos de ser e
em grau de igualdade, como prioridade de atuação na relacionar-se, certamente influenciarão as propostas
esfera municipal. pedagógicas e os processos de formação e atualização
dos educadores.
Além disso, os conhecimentos integrados a partir dos
Por sua vez, a LDB, no art.11, inciso V, embora campos da psicologia, antropologia, psico e sócio
disponha que a oferta da Educação Infantil seja linguística, história, filosofia, sociologia, comunicação,
incumbência dos Municípios, fixa como prioridade ética, política e estética são muito superficialmente
explícita para esta esfera administrativa o Ensino trabalhados nos cursos Normais e de Pedagogia, o que
Fundamental, por este ser obrigatório, conforme a ocasiona uma visão artificial sobre as formas de
Constituição Federal, art.212 e 213. Isto não significa, trabalho com as crianças. Daí surgem as tendências
entretanto, que estaria em segundo plano a prioridade que atribuem às didáticas e metodologias de ensino
constitucional relativa à Educação Infantil. Na verdade, um lugar todo poderoso, como panacéia para o "ensino
a LDB enfatiza o Ensino Fundamental como prioridade de qualidade", derivado de teorias quase milagrosas
em relação ao Ensino Médio e Superior. na consecução de resultados educacionais.

Como a Emenda Constitucional no. 14/96 que criou o O conhecimento sobre áreas específicas das ciências
FUNDEF, subvinculou 15% do total de impostos e humanas, sociais e exatas acopladas às tecnologias,
transferências à manutenção e desenvolvimento do cede lugar para o "como fazer" das didáticas e
ensino fundamental, restam pelo menos 10% ou o que metodologias de ensino, que reduzem e deixam de
resultou da ampliação de recursos vinculados pelas lado o "por que" , "para que", "para onde e quando",
leis orgânicas municipais (art. 69 da Lei 9394/96), para do cuidado e da educação com a criança pequena.
a atuação dos municípios na Educação Infantil ou
Ensino Fundamental, uma vez que o já citado artigo
11, inciso V da LDB dispõe que, aos Municípios só é Aqui é bom lembrar do que diz o escritor Paulo
permitida atuação em outros níveis, quando Leminsky: " Nesta vida pode-se aprender três coisas de
estiverem atendidas plenamente as uma criança: estar sempre alegre, nunca ficar inativo e
necessidades de sua área de competência, ou chorar com força por tudo que se quer."
seja, o Ensino Fundamental e a Educação
Infantil. Crianças pequenas são seres humanos
portadores de todas as melhores potencialidades
Uma intensa mobilização nacional terá que da espécie:
acompanhar a identificação dos recursos municipais,
que necessitam contar com o decisivo apoio da *inteligentes, curiosas, animadas, brincalhonas
imprensa, da mídia eletrônica, especialmente rádio e em busca de relacionamentos gratificantes, pois
televisão e do marketing social. Em primeiro lugar para descobertas, entendimento, afeto, amor,
criar um consenso com dirigentes municipais e a brincadeira, bom humor e segurança trazem bem
sociedade sobre a prioridade para a Educação Infantil. estar e felicidade;
Em segundo lugar para identificar e operacionalizar
fontes adicionais de financiamento, públicas e privadas *tagarelas, desvendando todos os sentidos e
que, nos marcos do regime federativo, e considerando significados das múltiplas linguagens de
a responsabilidade da sociedade com a Educação comunicação, por onde a vida se explica;
Infantil, apoiem prefeituras, conselhos municipais,
conselhos da criança e do adolescente, conselhos
tutelares, "ongs"e outras instituições na provisão deste * inquietas, pois tudo deve ser descoberto e
direito, primeira etapa da Educação Básica, à qual compreendido, num mundo que é sempre novo a
todos os cidadãos, inclusive as crianças mais novas e cada manhã;
suas famílias, devem ter acesso.
* encantadas , fascinadas, solidárias e
Além do problema orçamentário, a dificultar as cooperativas desde que o contexto a seu redor, e
políticas públicas para a Educação Infantil, há ainda o principalmente, nós adultos/educadores,
descaso e o despreparo dos Cursos de Formação de saibamos responder, provocar e apoiar o
Professores em nível médio, dos chamados Cursos encantamento, a fascinação, que levam ao
Normais, bem como os de Pedagogia em nível conhecimento, à generosidade e à participação.
Superior, na definição da qualificação específica de
profissionais para o trabalho com as crianças de 0 a 6 Por isto, ao planejar propostas curriculares dentro dos
anos. projetos pedagógicos para a Educação Infantil, é muito
importante assegurar que não haja uma antecipação
de rotinas e procedimentos comuns às classes de

54
Educação Fundamental, a partir da 1ª série, mas que relacionar-se com o mundo a seu redor, de maneira
não seriam aceitáveis para as crianças mais novas. construtiva, receptiva, positiva, passam a mover-se,
comunicar-se através de várias linguagens, criando,
No entanto, é responsabilidade dos educadores dos transformando e afetando suas próprias circunstâncias
centros de Educação Infantil, situados em escolas ou de interação com pessoas, eventos e lugares.
não, em tempo integral ou não, propiciar uma
transição adequada do contexto familiar ao escolar, As próprias crianças pequenas apontam ao estado, à
nesta etapa da vida das crianças, uma vez que a sociedade civil e às famílias a importância de um
Educação Fundamental naturalmente sucederá a investimento integrado entre as áreas de educação,
Educação Infantil, aconteça esta em classes escolares saúde, serviço social, cultura, habitação, lazer e
ou não, e em período contínuo ou não. esportes no sentido de atendimento a suas
necessidades e potencialidades, enquanto seres
Além disso, quando há professores qualificados, humanos.
horário, calendário para as instituições educacionais,
férias e proposta pedagógica que atendam a estes Este é pois o grande desafio que se coloca para a
objetivos, é ilógico defender que se trabalha numa Educação Infantil: que ela constitua um espaço e um
"pré-escola", pois o que de fato acontece, é o trabalho tempo em que, de 0 a 3 anos haja uma articulação de
em instituições que respeitam e operam políticas sociais, que lideradas pela educação,
competentemente programas de Educação Infantil, integrem desenvolvimento com vida individual , social
capazes de não antecipar uma formalização artificial e e cultural, num ambiente onde as formas de
indesejável do processo de cuidado e educação com a expressão, dentre elas a linguagem verbal e corporal
criança de 4 a 6 anos, mas intencionalmente voltados ocupem lugar privilegiado, num contexto de jogos e
para cuidado e educação, em complemento ao brincadeiras, onde famílias e as equipes das creches
trabalho da família. convivam intensa e construtivamente, cuidando e
educando.
Os programas a serem desenvolvidos em centros
de Educação Infantil, ao respeitarem o caráter E que, para as dos 4 aos 6 anos, haja uma progressiva
lúdico, prazeroso das atividades e o amplo e prazerosa articulação das atividades de comunicação
atendimento às necessidades de ações e ludicidade, com o ambiente escolarizado, no qual
planejadas, ora espontâneas, ora dirigidas, desenvolvimento, socialização e constituição de
ainda assim devem expressar uma identidades singulares, afirmativas, protagonistas das
intencionalidade e, portanto, uma próprias ações, possam relacionar-se, gradualmente,
responsabilidade correspondente, que deve ser com ambientes distintos dos da família, na transição
avaliada, supervisionada e apoiada pelas para a Educação Fundamental.
Secretarias e Conselhos de Educação,
especialmente os Municipais, para verificar sua Decisões sobre a adoção de tempo parcial ou integral
legitimidade e qualidade. no cuidado e educação das crianças de 0 a 6 anos,
requerem por parte das instituições flexibilidade nos
Desta forma estado, sociedade civil e famílias passam arranjos de horário de maneira a atender, tanto às
a descobrir múltiplas estratégias de atender, acolher, necessidades das crianças, quanto às de suas famílias.
estimular, apoiar e educar suas crianças, cuidando
delas. A parceria entre profissionais, instituições e famílias é
o que propiciará cuidado e educação de qualidade, e
Ao analisar as razões do estado, da sociedade civil e em sintonia com as expectativas dos que buscam
das famílias, quando propiciam Educação Infantil, estas instituições.
pode-se cair facilmente em argumentos sociológicos a
respeito das transformações e necessidades das A LEI 9394/96 E A EDUCAÇÃO INFANTIL
famílias, e em particular de pais e mães que trabalham
e têm uma carreira ou planos profissionais, exigindo
tempo longe dos filhos entregues a creches ou classes Além da LDBEN/96, a própria Constituição Federal de
escolares. 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente de
1990, consagram as crianças de 0 a 6 anos como
"sujeitos de direitos".
Pode-se pensar em argumentos econômicos de
diminuição de custos escolares, ao se constatar que os
índices de repetência e evasão diminuem, quando os O Art.1º da LDB define que : "A educação abrange os
alunos da Educação Fundamental são egressos de processos formativos que se desenvolvem na vida
boas experiências em Educação Infantil. familiar, na convivência humana,....", e seu Art. 2º
afirma que: "A educação dever da família e do
estado"..., pressupondo sempre a correlação entre os
Mas há que se pensar na própria natureza dos afetos, esforços de ambos, a família e o estado.
sentimentos e capacidades cognitivo/linguísticas,
sócio/emocionais e psico/motoras das crianças, que
exigem políticas públicas para si e suas famílias, De acôrdo com o Censo Escolar do MEC, a matrícula na
propiciando-lhes a igualdade de oportunidades de Educação Infantil e nas Classes de Alfabetização em
cuidado e educação de qualidade. 1996, foi de 5.714.313 crianças, sendo que 1.317.980
tinham 7 anos ou mais, correspondendo a 23% da
matrícula.
Pesquisas sobre crianças pequenas em várias áreas
das ciências humanas e sociais apontam para as
impressionantes mudanças que ocorrem nos primeiros Em 1998 a matrícula foi de 4.917.619 crianças,
cinco a seis anos de vida dos seres humanos, que verificando-se, pois, um decréscimo de 796.684
incapazes de falar, locomover-se e organizar-se, ao crianças, ou seja, de 14%.

55
Também em 1998, o número de crianças com 7 anos da Vara da Infância e das Associações de Pais,
ou mais foi de 786.179 crianças, correspondendo a entre outros.
16% do total da matrícula nas classes de Educação
Infantil e de Alfabetização. Ao analisar a questão das propostas pedagógicas, a Lei
atribui grande importância ao papel dos educadores
Na verdade, as estatísticas existentes sobre Educação em sua concepção, desenvolvimento, avaliação e
Infantil são mais camufladoras do que indicadoras, pois interpretação com as famílias, como se depreende dos
incluem um significativo contingente de crianças que, Arts. 13,I, II, VI; 14, I, II.
pela sua idade e por direito, deveriam estar
matriculadas no Ensino Fundamental. Por outro lado, Aqui é indispensável enfatizar a importância da
não registram creches não cadastradas pelo Censo do formação prévia e da atualização em serviço dos
MEC. educadores. Os Cursos de formação de docentes
para a Educação Infantil nos níveis médio e
Assim o decréscimo da matrícula pode ter sido apenas superior devem adaptar-se, com a maior
uma transferência para o Ensino Fundamental de urgência às exigências de qualificação dos
crianças indevidamente matriculadas em Classes de educadores para as crianças de 0 a 6 anos,
Alfabetização ou mesmo de Educação Infantil. considerando as transformações familiares e
sociais, as características sempre mais
Em relação à Educação Infantil, é, no entanto, muito acentuadas da sociedade de comunicação e
importante considerar, como alguns analistas o fazem, informação, e suas conseqüências sobre as
que à insuficiência de oportunidades em instituições crianças, mesmo as de mais baixa renda .
públicas, as famílias inúmeras vezes têm uma
percepção equivocada de seu papel com as crianças, A integração da Educação Infantil aos sistemas de
bem como com relação ao das creches e instituições ensino é esclarecida nos Arts. 17, § único; 18, I e II,
para as crianças de 4 aos 6 anos. Isto, sem contar com inclusive, no que se refere à rede privada. A respeito
a ausência de apoios eficazes para exercer suas da integração da Educação Infantil aos sistemas é
responsabilidades de cuidado e educação, junto com o muito importante verificar o que dizem as Disposições
estado e com a própria sociedade civil, através das Transitórias em seu Art. 89, a respeito dos prazos para
responsabilidades das empresas, associações de que as instituições para as crianças de 0 a 6 anos,
classe e organizações não governamentais, para citar existentes ou que venham a ser criadas, sejam
algumas. integradas a seus respectivos sistemas. Isto deverá,
portanto acontecer até 20/12/1999. Pelo estabelecido
Mas a própria Lei 9394/96 em seu Art.4º,IV, vem no Art. 90 ficam também definidos como foros de
garantir o dever do Estado com educação escolar resolução de dúvidas os respectivos Conselhos
pública, efetivada, mediante a garantia de Municipais, Estaduais e, em última instância o
atendimento gratuito em "creches e pré-escolas às Conselho Nacional de Educação.
crianças de 0 a 6". E em seu Art.12, VI e VII preconiza A organização da Educação Infantil deve também
que os estabelecimentos de ensino devem articular-se atender ao explicitado, inicialmente nos Arts. 29, 30 e
com as famílias e a comunidade, criando processos de 31, mas também no 23. É muito importante considerar
integração da sociedade com a escola. em consonância com estes o exposto no Art. 58, que
aborda a oferta de Educação Especial na Educação
Infantil.
A Lei propõe caminhos de interação intensa e
continuada entre as intituições de Educação Infantil e
as famílias, o que abre perspectivas a serem Um aspecto novo da organização tanto da Educação
exploradas pelos sistemas educacionais de maneira Infantil, quanto do Ensino Fundamental, e que exigirá
criativa e solidária, em regime de colaboração. medidas orçamentárias, administrativas e pedagógicas
Quanto menores as crianças, mais as famílias é o exposto nas Disposições Transitórias, art. 87,§ 3º, I
necessitam de apoios integrados das áreas de políticas que faculta a matrícula das crianças de 6 anos na 1ª
sociais integradas, principalmente as de saúde e série do Ensino Fundamental.
desenvolvimento social, articuladas pela educação, e
aqui nos referimos a todas as famílias e suas crianças, Em breve o CNE apresentará Parecer específico a
visando uma política nacional que priorize seus direitos respeito, porém é possível adiantar que, sob o ponto
a cuidados e educação. de vista psico/linguístico, sócio/emocional , psico/motor
e educacional, esta medida é desejável, pois vem ao
Esta política nacional deve incluir toda a etapa de encontro das verdadeiras capacidades das crianças e
cuidados e educação pré-natal aos futuros pais. das tendências mundiais em educação.

Será muito lenta e parcial a conquista por uma política Isto valorizará ainda mais a Educação Infantil e sua
nacional, caso a imprensa, a mídia eletrônica, pertinência como momento e lugar de transição entre
principalmente rádio , televisão e a Internet, e os a vida familiar e a Escola, encerrando a era das
profissionais de marketing social estejam ausentes "Classes de Alfabetização", desnecessárias e
deste processo. desaconselháveis, uma vez que se considere que o
processo de interpretação e produção de textos, de
compreensão de quantidades e operações de cálculo,
Em conseqüência a política nacional para assim como de situar-se em relação aos meios sociais
crianças de 0 a 6 anos e suas famílias se fará e naturais, relacionando-se com eles, não acontece
com o apoio e a participação de todos os nem se cristaliza em apenas um ano letivo. A
segmentos da sociedade, especialmente o dos sistematização que se busca nas "Classes de
profissionais da comunicação e da informação, Alfabetização" artificializa um processo de ensino que
dos Conselhos Municipais, Tutelares, dos Juízes só acontece ao longo dos anos, desejavelmente

56
durante a Educação Infantil e início do Ensino b. Princípios Políticos dos Direitos e
Fundamental. Deveres de Cidadania, do Exercício
da Criticidade e do Respeito à
Registre-se, inclusive, que as crianças de 7 anos Ordem Democrática;
não devem ser matriculadas em instituições ou c. Princípios Estéticos da
classes de Educação Infantil, mas Sensibilidade, da Criatividade, da
obrigatoriamente no Ensino Fundamental Ludicidade, da Qualidade e da
(LDB/96, Arts.6º e 87). Diversidade de manifestações
Artísticas e Culturais.
Menção especial deve ser feita em relação aos
educadores para a Educação Infantil, segundo o As crianças pequenas e suas famílias devem encontrar
prescrito nos arts. 62; 63, I, II; 64 e 67 e nas nos centros de educação infantil, um ambiente físico e
Disposições Transitórias, art. 87, § 1º, § 3º, III e IV; e § humano, através de estruturas e funcionamento
4º. adequados, que propiciem experiências e situações
planejadas intencionalmente, de modo a democratizar
Fica claro, que durante este período de transição os o acesso de todos, aos bens culturais e educacionais,
Cursos Normais de nível médio, de acordo com o art. que proporcionam uma qualidade de vida mais justa,
62, seguirão contribuindo para a formação de equânime e feliz. As situações planejadas
professores, bem como deverão ser feitos todos os intencionalmente devem prever momentos de
esforços entre estados e municípios para que os atividades espontâneas e outras dirigidas, com
professores leigos tenham oportunidades de se objetivos claros, que aconteçam num ambiente
qualificarem devidamente, como previsto pelos artigos iluminado pelos princípios éticos, políticos e estéticos
citados. das propostas pedagógicas.

Aqui se exigem medidas práticas e imediatas entre as Ao iniciar sua trajetória na vida, nossas crianças têm
universidades e centros de ensino superior, que em direito à Saúde, ao Amor, à Aceitação , Segurança, à
regime de colaboração com os sistemas públicos e Estimulação, ao Apoio, à Confiança de sentir-se parte
privados de instituições para as crianças de 0 a 6 anos, de uma família e de um ambiente de cuidados e
podem e devem contribuir através de formas criativas educação. E embora as radicais mudanças nas
e solidárias, com o grande esforço nacional, para estruturas familiares estejam trazendo maiores
potencializar e qualificar os profissionais de Educação desafios para as instituições de Educação Infantil, que
Infantil no Brasil. também se apresentam com grande diversidade de
propósitos, é indispensável que os Conselhos e as
O bom senso e a vontade política devem prevalecer Secretarias Municipais e Estaduais de Educação criem
em benefício das crianças brasileiras de 0 a 6 anos e condições de interação construtiva com aquelas, para
suas famílias, para que no afã do aperfeiçoamento não que os Princípios acima sejam respeitados e acatados.
se percam as grandes conquistas já obtidas,
principalmente junto às populações de mais baixa Nesta perspectiva fica evidente que o que se propõe é
renda e renda média. a negociação constante entre as autoridades
II - DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA constituídas, os educadores e as famílias das crianças
A EDUCAÇÃO INFANTIL no sentido de preservação de seus direitos, numa
sociedade que todos desejamos democrática, justa e
" Pois eu hei de inventar coisa muito melhor que o mel mais feliz.
humano, que o rádio, que tudo! – gritou Emília. Todos
ficaram atentos à espera da asneirinha. 2 – Ao definir suas Propostas Pedagógicas, as
Instituições de Educação Infantil deverão
- Vou inventar a máquina de fazer invenções. Bota-se a explicitar o reconhecimento da importância da
idéia dentro, vira-se a manivela e pronto – tem-se a identidade pessoal de alunos, suas famílias,
invenção que se quer". professores e outros profissionais e a identidade
de cada unidade educacional no contexto de
suas organizações.
Monteiro Lobato "A História das Invenções".
As crianças pequenas e suas famílias, mais do que em
1 – Educar e cuidar de crianças de 0 a 6 anos supõe qualquer outra etapa da vida humana, estão definindo
definir previamente para que sociedade isto será feito, identidades influenciadas pelas questões de gênero
e como se desenvolverão as práticas pedagógicas, masculino e feminino, etnia, idade, nível de
para que as crianças e suas famílias sejam incluídas desenvolvimento físico , psico/linguístico,
em uma vida de cidadania plena. sócio/emocional e psico/motor e situações sócio-
econômicas, que são cruciais para a inserção numa
Para que isto aconteça, é importante que as Propostas vida de cidadania plena.
Pedagógicas de Educação Infantil tenham qualidade e
definam-se a respeito dos seguintes fundamentos No momento em que pais e filhos, com o apoio das
norteadores: instituições de educação infantil, vivem nestes
primeiros tempos, a busca de formas de ser e
a. Princípios Éticos da Autonomia, da relacionar-se e espaços próprios de manifestação, é
Responsabilidade, da indispensável que haja diálogo, acolhimento, respeito
Solidariedade e do Respeito ao e negociação sobre a identidade de cada um, nestes
Bem Comum; ambientes coletivos.

57
As múltiplas trocas envolvem também os educadores, Este é um dos aspectos mais polêmicos dos programas
outros profissionais e os próprios sistemas aos quais se de Educação Infantil, uma vez que o que se observa,
relacionam as instituições de Educação Infantil. em geral, são duas tendências principais em seus
propósitos:
Neste sentido é indispensável enfatizar a necessidade
do trabalho integrado entre as áreas de Políticas a. ênfase nos aspectos do
Sociais para a Infância e a Família, como a Saúde, o desenvolvimento da criança, reduzindo
Serviço Social, o Trabalho, a Cultura, Habitação, Lazer suas oportunidades e experiências ao
e Esporte, que em alguns estados e municípios processo de "socialização" e
brasileiros assumem formas diferenciadas de especialização de aptidões em "hábitos
atendimento. e habilidades psicomotoras",
principalmente;
Além disso, a variedade das próprias instituições de b. ênfase numa visão de treinamento,
Educação Infantil, entre elas, creches familiares, mais "escolarizada" de preparação
atendimento a crianças hospitalizadas por longos para uma suposta e equivocada
períodos, ou com necessidades especiais de "prontidão para alfabetização e o
aprendizagem, por exemplo, podem criar desafios em cálculo", em especial.
relação ao cuidado e à educação.
Aqui há um campo fértil e amplo de trabalho a ser
No entanto, o que aqui se propõe, é que dentre os realizado por um conjunto de profissionais e
critérios para Licenciamento e Funcionamento de instituições: os cursos de formação de professores, as
Instituições de Educação Infantil, haja nas Propostas universidades e centros de pesquisa intensificando
Pedagógicas dos estabelecimentos, menção explícita suas investigações, cursos e estágios, de preferência
que acate as identidades de crianças e sua famílias em em parceria com as Secretarias Municipais e Estaduais,
suas diversas manifestações, sem exclusões devidas a apoiadas pelos respectivos Conselhos de Educação; e
gênero masculino ou feminino, às múltiplas etnias as próprias Secretarias desenvolvendo seus programas
presentes na sociedade brasileira, a distintas situações de atualização de recursos humanos, com vista à
familiares, religiosas, econômicas e culturais e a Educação Infantil.
peculiaridades no desenvolvimento em relação a
necessidades especiais de educação e cuidados, como
é o caso de deficientes de qualquer natureza. Como se abordou anteriormente, estes esforços devem
estar articulados com os de outros profissionais como
os médicos, enfermeiras, terapeutas, agentes de
A representatividade de identidades variadas entre os saúde, assistentes sociais, nutricionistas, psicólogos,
educadores e outros profissionais que trabalhem nas arquitetos e todos que atendam às crianças e suas
instituições de educação infantil, também deve estar famílias em centros de educação infantil.
enfatizada. Isto porque a riqueza que equipes
formadas por homens e mulheres, de diferentes etnias
e ambientes sócio/econômicos, pode proporcionar a Desta forma, gradualmente, será possível atingir um
um grande número de crianças pequenas é muito consenso a respeito da educação e cuidados para
grande, especialmente quando elas só convivem com a infância, entre 0 e 6 anos. Este consenso precisa
mãe, ou o pai, ou irmãos, ou outros responsáveis. Além contemplar o exposto nesta Diretriz 3, para garantir
disto nesta diversidade de representações de gênero, que as Propostas Pedagógicas atendam, integralmente
etnia e situações sócio/econômicas vão aprendendo a à criança em todos os seus aspectos.
conviver construtivamente com a riqueza das
diferenças entre os seres humanos. 4 – Ao reconhecer as crianças como seres
íntegros, que aprendem a ser e conviver consigo
Outro aspecto relevante sobre identidade é o das próprias, com os demais e o meio ambiente de
próprias instituições, algumas delas centenárias, maneira articulada e gradual, as Propostas
guardando a história das conquistas educacionais Pedagógicas das Instituições de Educação
deste país e constituindo-se em verdadeiro patrimônio Infantil devem buscar a interação entre as
cultural a ser valorizado por todos. diversas áreas de conhecimento e aspectos da
vida cidadã, como conteúdos básicos para a
constituição de conhecimentos e valores.
3 – As Propostas Pedagógicas para as
instituições de Educação Infantil devem
promover em suas práticas de educação e Desta maneira, os conhecimentos sobre espaço,
cuidados, a integração entre os aspectos físicos, tempo, comunicação, expressão, a natureza e as
emocionais, afetivos, cognitivo/lingüisticos e pessoas devem estar articulados com os
sociais da criança, entendendo que ela é um ser cuidados e a educação para a saúde, a
total, completo e indivisível. sexualidade, a vida familiar e social, o meio
ambiente, a cultura, as linguagens, o trabalho, o
lazer, a ciência e a tecnologia.
Desta forma ser, sentir, brincar, expressar-se,
relacionar-se, mover-se, organizar-se, cuidar-se,
agir e responsabilizar-se são partes do todo de Um dos grandes equívocos em relação à Educação
cada indivíduo, menino ou menina, que desde Infantil em nosso país é o de que seu alvo prioritário
bebês vão, gradual e articuladamente, são as crianças de famílias de baixa renda, e
aperfeiçoando estes processos nos contatos conseqüentemente a natureza de suas propostas deve
consigo próprios, com as pessoas, coisas e o ser "compensatória" de supostas carências culturais.
ambiente em geral.
Sem polemizar a respeito de reais necessidades de
saúde, nutrição e ambiente familiar favorável às

58
crianças de 0 a 6 anos, o que se defende aqui, é pedagógicas utilizadas devem atender àqueles
existência de Propostas Pedagógicas que dêem conta aspectos abordados na Diretriz 3, evitando a
da complexidade dos contextos em que as crianças monotonia, o exagero de atividades "acadêmicas" ou
vivem na sociedade brasileira, que como várias outras de disciplinamento estéril.
do Planeta, passa por vertiginosas transformações
econômicas e sociais. As múltiplas formas de diálogo e interação são o
eixo de todo o trabalho pedagógico, que deve
Por isso o que aqui se apresenta é a possibilidade primar pelo envolvimento e interesse genuíno
concreta de que as instituições de Educação Infantil dos educadores, em todas as situações,
articulem suas Propostas de maneira intencional, com provocando, brincando, rindo, apoiando,
qualidade, visando o êxito de seu trabalho, para que acolhendo, estabelecendo limites com energia e
todas as crianças e sua famílias tenham oportunidade sensibilidade, consolando, observando,
de acesso a conhecimentos valores e modos de vida estimulando e desafiando a curiosidade e a
verdadeiramente cidadãos. No entanto, um grande criatividade, através de exercícios de
alerta, aqui se coloca: tudo isto deve acontecer num sensibilidade, reconhecendo e alegrando-se com
contexto em que cuidados e educação se realizem de as conquistas individuais e coletivas das
modo prazeroso, lúdico, onde as brincadeiras crianças, sobretudo as que promovam a
espontâneas, o uso de materiais, os jogos, as danças e autonomia, a responsabilidade e a solidariedade.
cantos, as comidas e roupas, as múltiplas formas de
comunicação, expressão, criação e movimento, o A participação dos educadores é participação, e não
exercício de tarefas rotineiras do cotidiano e as condução absoluta de todas as atividades e
experiências dirigidas que exigem o conhecimento dos centralização das mesmas em sua pessoa.
limites e alcances das ações das crianças e dos adultos
estejam contemplados.
Por isso, desde a organização do espaço, móveis,
acesso a brinquedos e materiais, aos locais como
Embora, crianças de 0 a 6 anos comuniquem-se, de banheiros, cantinas e pátios até à divisão do tempo e
maneiras distintas, expressando suas emoções, do calendário anual de atividades, passando pelas
sentimentos, afetos, curiosidades e desejo de relações e ações conjuntas com as famílias e
compreender e aprender, gradualmente, todas estas responsáveis, o papel dos educadores deve legitimar
capacidades estão presentes desde o início de suas os compromissos assumidos através das Propostas
vidas, e manifestam-se, espontaneamente ou através Pedagógicas. Cuidado deve ser tomado em relação à
da interação entre elas próprias e com os adultos. O quantidade de crianças por educadores, atendendo às
papel dos educadores atentos, organizando, criando distintas faixas etárias.
ambientes e situações contribui decisivamente para
que os bebês e as crianças um pouco maiores,
exercitem sua inteligência, seus afetos e sentimentos,
constituindo conhecimentos e valores, vivendo e
convivendo ativa e construtivamente. 5– As Propostas Pedagógicas para a Educação
Infantil devem organizar suas estratégias de
Todos os que conhecemos e trabalhamos ou avaliação, através do acompanhamento e
convivemos com crianças de 0 a 6 anos sabemos de registros de etapas alcançadas nos cuidados e
seu imenso potencial, inesgotável curiosidade e desejo educação para crianças de 0 a 6 anos, "sem o
de aprender, ser aceitos, estimados e "incluídos", objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao
participar, ter seus esforços reconhecidos, ser ensino fundamental". (LDBEN, art. 31).
respeitados como os irmãos mais velhos e os adultos.
Esta medida é fundamental para qualificar as
Educação Infantil não é portanto um "luxo" ou um Propostas Pedagógicas e explicitar seus propósitos
"favor", é um direito a ser melhor reconhecido pela com as crianças dos 0 aos 3 anos e dos 4 aos 6.
dignidade e capacidade de todas as crianças
brasileiras, que merecem de seus educadores um É evidente que os objetivos serão diferentes para os
atendimento que as introduza a conhecimentos e distintos níveis de desenvolvimento, e de situações
valores, indispensáveis a uma vida plena e feliz. específicas, considerando-se o estado de saúde,
nutrição e higiene dos meninos e meninas.
Vários educadores brasileiros, entre os quais nos
incluímos, temos procurado elaborar currículos e No entanto, é através da avaliação, entendida como
programas para a Educação Infantil, buscando as instrumento de diagnóstico e tomada de decisões, que
conexões entre a vida destas crianças e suas famílias, os educadores poderão, em grande medida, verificar a
as situações da vida brasileira e planetária e o qualidade de seu trabalho e das relações com as
ambiente das instituições que freqüentam. famílias das crianças.

Algumas destas propostas curriculares enfatizam a A grande maioria dos pais aprende junto com os filhos
importância de, reconhecendo a intencionalidade de e seus educadores, independente de nível de
suas ações pedagógicas com qualidade, resguardar escolaridade ou de situação sócio-econômica; por isso
nos ambientes das instituições de educação infantil, a avaliação sobre os resultados de cuidados e
aspectos da vida, organizando os espaços para educação para as crianças de 0 aos 6 anos é parte
atividades movimentadas, semi-movimentadas e integrante das Propostas Pedagógicas e conseqüência
tranqüilas, como de modo geral lhes acontece fora de decisões tomadas pelas instituições de Educação
daqueles ambientes. Contudo, para muitas crianças, as Infantil.
creches ou escolas são os locais onde passam o maior
número de horas de seu dia, e por isso, as estratégias

59
É claro que nesta perspectiva, a avaliação jamais Para que todas as Diretrizes Curriculares Nacionais
deverá ser utilizada de maneira punitiva contra as para a Educação Infantil sejam realizadas com êxito,
crianças, não se admitindo a reprovação ou os são indispensáveis o espírito de equipe e as condições
chamados "vestibulinhos", para o acesso ao Ensino básicas para planejar os usos de espaço e tempo
Fundamental . A responsabilidade dos educadores ao escolar.
avaliar as crianças, a si próprios e a proposta
pedagógica, permitirá constante aperfeiçoamento das Assim, desde as ênfases sobre múltiplas formas de
estratégias educacionais e maior apoio e colaboração comunicação e linguagem, até as manifestações
com o trabalho das famílias. lúdicas e artísticas das crianças, passando pelas
relações com as famílias, seus bairros ou
6. As Propostas Pedagógicas das creches para as comunidades, a cidade, o país, a nação e outros países
crianças de 0 a 3 anosde classes e centros de serão objeto de um planejamento e de uma avaliação
educação infantil para as de 4 a 6 anos devem constante das Creches, Escolas e Centros de Educação
ser concebidas, desenvolvidas, supervisionadas Infantil. Por isso esforços e equipamentos adequados,
e avaliadas por educadores, com pelo menos o a organização de horários de atividades devem refletir
diploma de curso de Formação de Professores, propostas pedagógicas de qualidade sobre as quais as
mesmo que da Equipe Educacional participem Secretarias e Conselhos devem opinar, licenciando,
outros profissionais das áreas de Ciências supervisionando, avaliando e apoiando o
Humanas, Sociais e Exatas, assim como aperfeiçoamento das ações de cuidados e educação.
familiares das crianças. Da direção das
instituições de Educação Infantil deve participar, III – VOTO DA RELATORA
necessariamente um educador, também com, no
mínimo, Curso de Formação de Professores.
À luz das considerações anteriores, a Relatora vota no
sentido de que este conjunto de Diretrizes Curriculares
Quaisquer que sejam as instituições que se dedicam à Nacionais norteiem os rumos da Educação Brasileira,
Educação Infantil com suas respectivas Propostas garantindo direitos e deveres básicos de cidadania,
Pedagógicas, é indispensável que as mesmas venham conquistados através da Educação Infantil e
acompanhadas por planejamentos, estratégias e consagrados naquilo que é primordial e essencial: que
formas de avaliação dos processos de aperfeiçoamento as crianças de 0 a 6 anos sejam cuidadas e educadas
dos educadores, desde os que ainda não tenham pelos esforços comuns de suas famílias, da sociedade
formação específica, até os que já estão habilitados civil e do estado, o que lhes propiciará a possibilidade
para o trabalho com as crianças de 0 a 6 anos. de inclusão numa vida de participação e transformação
nacional, dentro de um contexto de justiça social,
As estratégias de atendimento individualizado às equilíbrio e felicidade.
crianças devem prevalecer. Por isto a definição da
quantidade de crianças por adulto é muito importante, Brasília, 17 de dezembro de 1998.
entendendo-se que no caso de bebês de 0 a 2 anos, a (a) Conselheira Regina Alcântara de Assis – Relatora
cada educador devem corresponder no máximo de 6 a
8 crianças. As turmas de crianças de 3 anos devem
limitar-se a 15 por adulto, e as de 4 a 6 anos de 20 IV – DECISÃO DA CÂMARA
crianças.
A Câmara de Educação Básica acompanha o Voto da
O trabalho dos Conselhos deve ser o de diagnosticar Relatora.
situações, criar condições de melhoria e supervisionar
a qualidade da ação dos que educam e cuidam das Sala das Sessões, 17 dezembro de 1998.
crianças em instituições de Educação Infantil.
(aa) Conselheiros: Ulysses de Oliveira Panisset –
Da mesma forma, atenção especial deve ser atribuída Presidente
às maneiras pelas quais as instituições se propõem ao
trabalho com as famílias, seja no desenvolvimento Francisco Aparecido Cordão – Vice- Presidente
normal de atividades derivadas das Propostas
Pedagógicas, seja no diálogo, apoio, orientação,
intervenção e supervisão em situações de risco e [Volta ao início do documento]
conflito para as crianças. RESOLUÇÃO CEB Nº 1, DE 7 DE ABRIL DE 1999(*)
Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação Infantil.
Cabe às instituições de Educação Infantil, além de
O Presidente da Câmara de Educação Básica do
cuidar e educar com qualidade e êxito, advogar
Conselho Nacional de Educação, de
sempre pela causa das crianças de 0 a 6 anos e suas
conformidade com o disposto no art. 9º § 1º,
famílias.
alínea "c", da Lei 9.131, de 25 de novembro de
1995, e tendo em vista o Parecer CEB/CNE 22/98,
7– As Instituições de Educação Infantil, devem, homologado pelo Senhor Ministro da Educação e
através de suas propostas pedagógicas e de do Desporto em 22 de março de 1999,
seus regimentos, em clima de cooperação,
proporcionar condições de funcionamento das
RESOLVE:
estratégias educacionais, do espaço físico, do
horário e do calendário, que possibilitem a
adoção, a execução, a avaliação e o Art. 1º - A presente Resolução institui as
aperfeiçoamento das demais diretrizes. ( LDBEN Diretrizes Curriculares Nacionais para a
arts 12 e 14). Educação Infantil, a serem observadas na
organização das propostas pedagógicas das

60
instituições de educação infantil integrantes dos na educação para crianças de 0 a 6 anos, "sem o
diversos sistemas de ensino. objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao
ensino fundamental".
Art. 2º - Diretrizes Curriculares Nacionais
constituem-se na doutrina sobre Princípios, VI – As Propostas Pedagógicas das Instituições
Fundamentos e Procedimentos da Educação de Educação Infantil devem ser criadas,
Básica, definidos pela Câmara de Educação coordenadas, supervisionadas e avaliadas por
Básica do Conselho Nacional de Educação, que educadores, com, pelo menos, o diploma de
orientarão as Instituições de Educação Infantil Curso de Formação de Professores, mesmo que
dos Sistemas Brasileiros de Ensino, na da equipe de Profissionais participem outros das
organização, articulação, desenvolvimento e áreas de Ciências Humanas, Sociais e Exatas,
avaliação de suas propostas pedagógicas. assim como familiares das crianças. Da direção
das instituições de Educação Infantil deve
Art. 3º - São as seguintes as Diretrizes participar, necessariamente, um educador com,
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil: no mínimo, o Curso de Formação de Professores.

I – As Propostas Pedagógicas das Instituições de VII - O ambiente de gestão democrática por


Educação Infantil, devem respeitar os seguintes parte dos educadores, a partir de liderança
Fundamentos Norteadores: responsável e de qualidade, deve garantir
direitos básicos de crianças e suas famílias à
educação e cuidados, num contexto de atenção
a. Princípios Éticos da Autonomia, da multidisciplinar com profissionais necessários
Responsabilidade, da para o atendimento.
Solidariedade e do Respeito ao
Bem Comum; VIII – As Propostas Pedagógicas e os regimentos
b. Princípios Políticos dos Direitos e das Instituições de Educação Infantil devem, em
Deveres de Cidadania, do Exercício clima de cooperação, proporcionar condições de
da Criticidade e do Respeito à funcionamento das estratégias educacionais, do
Ordem Democrática; uso do espaço físico, do horário e do calendário
c. Princípios Estéticos da escolar, que possibilitem a adoção, execução,
Sensibilidade, da Criatividade, da avaliação e o aperfeiçoamento das diretrizes.
Ludicidade e da Diversidade de
Manifestações Artísticas e Art. 4º - Esta Resolução entra em vigor na data
Culturais. de sua publicação, ficando revogadas as
disposições em contrário.
II – As Instituições de Educação Infantil ao definir
suas Propostas Pedagógicas deverão explicitar o ULYSSES DE OLIVEIRA PANISSET
reconhecimento da importância da identidade Presidente da Câmara de Educação Básica
pessoal de alunos, suas famílias, professores e ____________
outros profissionais, e a identidade de cada
Unidade Educacional, nos vários contextos em (*) CNE/CEB. Resolução CEB nº 1/99. Diário
que se situem. Oficial, Brasília, 13 abr. 1999. Seção 1, p. 18.

III – As Instituições de Educação Infantil devem [Volta ao início do documento]


promover em suas Propostas Pedagógicas,
práticas de educação e cuidados, que
possibilitem a integração entre os aspectos CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA
físicos, emocionais, afetivos,
cognitivo/lingüísticos e sociais da criança, Diretrizes Curriculares Nacionais para a
entendendo que ela é um ser completo, total e formação de Professores na Modalidade Normal
indivisível. em Nível Médio

IV – As Propostas Pedagógicas das Instituições PARECER CEB 1/99, aprovado em 29/1/99 (Processo nº:
de Educação Infantil, ao reconhecer as crianças 23001.000037/99-18)
como seres íntegros, que aprendem a ser e
conviver consigo próprios, com os demais e o
I – RELATÓRIO
próprio ambiente de maneira articulada e
gradual, devem buscar a partir de atividades
intencionais, em momentos de ações, ora Este Parecer dirige-se, especialmente, aos professores
estruturadas, ora espontâneas e livres, a que, inspirados nos ideais de solidariedade, liberdade e
interação entre as diversas áreas de justiça social, pretendem exercer a docência na
conhecimento e aspectos da vida cidadã, Educação Infantil e nas quatro primeiras séries do
contribuindo assim com o provimento de Ensino Fundamental, tendo como perspectiva a
conteúdos básicos para a constituição de educação escolar, direito de todos e dimensão
conhecimentos e valores. inalienável da cidadania plena, na sociedade
contemporânea.
V – As Propostas Pedagógicas para a Educação
Infantil devem organizar suas estratégias de É por essa convicção que os estudos e as reflexões
avaliação, através do acompanhamento e dos sobre a formação de docentes, encontram no
registros de etapas alcançadas nos cuidados e pensamento do Professor Paulo Freire pontos que são
61
fundamentais para a organização e o desenvolvimento Ao serem aprovadas e homologadas, essas diretrizes
das propostas pedagógicas das escolas. adquiriram, segundo a legislação vigente, a condição
de mandatórias. Essa condição, entretanto, não
(...) O espaço de que disponho não me permite ir além interrompeu as interlocuções que se instalaram, desde
de algumas rápidas considerações em torno de um ou as origens da sua elaboração; prosseguem as
dois pontos que me parecem fundamentais em nossa discussões e negociações, tendo em vista traduzir as
prática. Pontos, de resto, ligados entre si, um citadas diretrizes em efetivas possibilidades de
implicando no outro. articulação das diversas propostas pedagógicas das
escolas.
O primeiro deles é o da necessidade que temos,
educadoras e educadores, de viver, na prática, o Sabe-se, neste caso, que o exercício das
reconhecimento óbvio de que nem um de nós está só responsabilidades dos entes federativos com a
no mundo. Cada um de nós é um ser no mundo, com o universalização da educação de qualidade, nos termos
mundo e com os outros. Viver ou encarnar esta do que estabelecem as DCN, pressupõem,
constatação evidente, enquanto educadora ou simultaneamente, um efetivo regime de colaboração e
educador, significa reconhecer nos outros – os o controle público das políticas educacionais em curso
educandos no nosso caso – o direito de dizer a sua no país.
palavra. Direito deles de falar que corresponde ao
nosso dever de escutá-los. Com essa perspectiva, o presente parecer, ao propor
diretrizes curriculares nacionais para a formação de
Mas, como escutar implica em falar também, o dever professores na modalidade Normal, em nível médio,
que temos de escutá-los significa o direito que retoma os princípios das DCN até então aprovadas e
igualmente temos de falar-lhes. Escutá-los, no fundo, é observa as contribuições contidas nos referenciais para
falar com eles, enquanto simplesmente falar a eles formação de professores sugeridos pela Secretaria de
seria uma forma de não ouvi-los. Dizer-lhes sempre a Ensino Fundamental do MEC, as orientações da
nossa palavra, sem jamais nos oferecermos às proposta de Curso Normal Superior a distância,
palavras deles, arrogantemente convencidos de que formuladas pela Fundação Darcy Ribeiro e as
estamos aqui para salvá-los, é um boa maneira que discussões que subsidiaram o programa de formação
temos de afirmar o nosso elitismo, sempre autoritário. de professores em exercício, coordenado pela
Secretaria do Ensino a Distância do MEC. Também,
como não poderia deixar de ser, este parecer foi
Esta não pode ser, porém, a maneira de atuar de uma enriquecido pelo instigante e atual debate sobre a
educadora ou de um educador cuja opção é formação do educador. Cabe ainda destacar as
libertadora. Quem assim trabalha, consciente ou relevantes contribuições oferecidas pelos Conselheiros
inconscientemente, ajuda a preservação das estruturas da CEB, durante o processo de construção dessa
dominadoras. proposta, em especial as dos Conselheiros Regina
Alcântara de Assis e João Antônio Cabral de Monlevade
O outro ponto, ligado a este, e a que eu gostaria de me e da ex-Conselheira Hermengarda Ludke.
referir é o da necessidade que temos os educadores e
educadoras de "assumir" a ingenuidade dos educandos PROFISSIONALIZAÇÃO DO EDUCADOR:
para poder, com eles, superá-la. Estando num lado da IDENTIDADE E FORMAÇÃO
rua ninguém estará, em seguida, no outro, a não ser
atravessando a rua. Se estou do lado de cá, não posso
chegar ao lado de lá, partindo de lá, mas de cá. (...) O reconhecimento da centralidade da educação
escolar no contexto das transformações que
perpassam todas as dimensões da nação brasileira
Sejamos coerentes. Já é tempo. Fraternalmente, tem subsidiado um fecundo debate sobre os diversos
fatores que influenciam na democratização das
Paulo Freire políticas de Estado para o setor. O Brasil, em que pese
São Paulo, abril de 1982. ter assegurado o acesso de 95% das crianças e dos
INTRODUÇÃO jovens, dos 7 aos 14 anos, ao ensino obrigatório, ainda
convive com milhões de analfabetos, jovens e adultos.
A Lei 9131, de 20 de dezembro de 1996, que instituiu o Além disso, suas escolas registram significativos
atual Conselho Nacional de Educação, consignou, entre índices de evasão e repetência.
as competências da Câmara de Educação Básica –
CEB, deliberar sobre as Diretrizes Curriculares Assim, enquanto a humanidade já produziu tecnologias
Nacionais – DCN. Nessa atribuição, a CEB identifica de ponta que aproximam o local, o nacional e o
uma efetiva possibilidade de suas ações contribuírem internacional e se lança para o cosmo, o país ainda não
para consolidar o processo que busca um padrão de conseguiu cumprir a meta de universalização do
qualidade para a educação básica no país. No ensino fundamental de qualidade, reduzindo com isso
encaminhamento dessa missão, a Câmara iniciou as possibilidades de inserção de amplos segmentos da
estudos e solicitou, através de audiências públicas, a sociedade no espaço integrado e mundial do
valiosa colaboração de instituições e entidades com conhecimento e das informações. Acrescente-se,
tradição no planejamento, na execução e na avaliação ainda, que a agenda de mudanças para o setor
de políticas educacionais, bem como no educacional nem sempre contempla compromissos
desenvolvimento de pesquisas no campo educacional. com a modificação da feição excludente dos sistemas
de ensino. É o caso, por exemplo, das reformas que se
Até o momento, o processo de estudos e consultas processam no bojo dos programas de ajuste estrutural.
resultou na elaboração dos Pareceres, nos 22/98, 04/98 Esses, por sua vez, implicam enormes custos sociais e
e 15/98 que tratam das diretrizes norteadoras da dão especial destaque ao capital financeiro, repondo
educação infantil e do ensino fundamental e médio. com mais força a necessidade de se preservar direitos
sociais já conquistados.
62
Por outro lado, com o avanço do processo democrático, estabelecer as responsabilidades da Família e do
as demandas da população no campo educacional têm Estado com a educação, declara sua inspiração nos
um objetivo claro. Traduzem anseios por melhoria da princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade
qualidade de vida e exercício da cidadania plena, no humana. Com isto, possibilita a busca de espelhos e
âmbito da criação ininterrupta de novos direitos e imagens para o desenvolvimento de um projeto de
subversão contínua do estabelecido. Nesse aspecto, educação escolar que inclua a diversidade e elimine a
verifica-se que o reconhecimento da importância do discriminação em todos os níveis de ensino.
papel do professor nas mudanças educacionais
pretendidas tem estimulado a formulação de Por certo, essa perspectiva aponta para ambientes de
proposições inovadoras para os sistemas de formação aprendizagens colaborativas e interativas. Quer se
de docentes, com visibilidade na legislação considere os integrantes de uma mesma escola, quer
educacional e nos meios de comunicação. se eleja atores de projetos pedagógicos de diferentes
instituições, sistemas de ensino e lugares. Abre-se,
Em sintonia com essas expectativas, a Lei 9394/96 assim, um horizonte interinstitucional de colaboração
toma a escola como foco de suas preocupações (art. que é decisivo para a formação dos professores.
12), conferindo, quando comparada às demais, um
especial destaque às incumbências dos professores Neste particular, delineia-se um significado social para
(art.13). Ao mesmo tempo que a União, os Estados, o o uso de novas tecnologias e múltiplas linguagens,
Distrito Federal, os Municípios e os estabelecimentos tendo em vista um trabalho conjunto e solidário, com
de ensino (art. 9, 10, 11), os educadores são benefícios para comunidades locais, regionais,
convocados, em articulação com as famílias e a nacionais e intercontinentais. Numa cultura que cresce
comunidade, a assumirem um compromisso ético com em redes de conhecimento e em relações de escala
os alunos e as suas diferentes histórias de vida, no global, numa mídia em que verdades e mentiras se
contexto do atendimento escolar sob a ótica do direito. encontram justapostas, o discernimento de
A redescoberta do valor da escola, do professor e da conhecimentos e valores não prescinde do mestre, um
participação da sociedade, nos termos da citada lei, mestre distinto, afeito também a uma nova cultura, a
retira o processo de escolarização do isolamento social fim de desfazer equívocos e ressaltar informações
e da responsabilidade individual, insistindo na pertinentes.
dimensão coletiva do trabalho pedagógico e no caráter
democrático de seus propósitos, de sua execução e
avaliação. Na verdade, a LDBEN dá especial destaque ao papel do
professor, tornando público (art.13,III), que a sua
função social é zelar, no contexto do dever do Estado
Neste sentido, o processo de escolarização vai pela educação escolar, pelo exercício do direito de
adquirindo um novo significado social e cultural, aprender de cada aluno. Ao fazê-lo, a lei interpela o
claramente expresso nos princípios e fins da educação profissional da educação, enquanto um intelectual que
nacional, que estão inscritos nos termos da citada lei, tem poder, face às várias possibilidades de escolha, de
manifestando a vontade da nação. firmar compromissos com os interesses mais gerais do
conjunto do país. Assim, como a CEB já manifestou no
Trata-se de estimular formas de pensamentos e ações Parecer 04/98, a nação brasileira, através de suas
que conectem as instituições educacionais com as instituições, e no âmbito de seus entes federativos,
organizações da sociedade civil, possibilitando vem assumindo, vigorosamente, responsabilidades
interrogar sobre as relações do cotidiano escolar, as crescentes para que a Educação Básica, demanda
escolhas de conteúdos, programas e atividades à luz primeira das sociedades democráticas, seja prioridade
do jogo de interesses e respectivos valores que nacional como garantia inalienável do exercício da
moldam a educação e a sociedade. cidadania plena.

No art. 1º do Título I da Lei de Diretrizes e Bases da De fato, no estabelecimento desses compromissos


Educação Nacional (LDBEN) é explicitada a concepção encontra-se o valor intrínseco da atividade docente e a
de educação que orienta os dispositivos do conjunto do principal contribuição para tecer a sua legitimidade,
texto. De caráter abrangente, contempla os processos aproximando a dignidade da profissão dos ideais da
formativos que se desenvolvem na vida familiar, na democracia.
convivência humana, no trabalho, nas instituições de
ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e Como se vê, a LDBEN está distante da visão
organizações da sociedade civil e nas manifestações instrumental que confinava os professores ao papel de
culturais. Por sua vez, o segundo parágrafo do mesmo meros executores. Estabelece, para os mesmos, entre
artigo consagra a dimensão socialmente outras atribuições, a sua participação na elaboração da
contextualizada da educação escolar, estabelecendo proposta pedagógica (art. 13, I) e garante-lhes tempo
que deverá vincular-se ao mundo do trabalho e da remunerado para preparação e avaliação do trabalho
prática social. Há, portanto, o propósito social e a pedagógico (art. 67, V), no contexto de progressivos
referência a uma práxis. Pressupõe, simultaneamente, graus de autonomia da escola (art. 15). Nesse sentido,
saber, decidir e atuar. Desvenda, a partir de uma visão deve-se orientar a tarefa de repensar a formação
global e integrada do processo educacional, a falácia docente, considerada em toda a sua complexidade. A
da oposição entre saber e fazer, conhecer e aplicar. referida tarefa tem influenciado o estado do debate a
Fica definido, a partir desse Título, que a docência respeito do que se denominou "crise de identidade"
supõe a competência para remeter o conhecimento à dos professores. Nas últimas décadas, essa crise,
prática e ao conjunto das situações que enfrenta o provocada principalmente pela associação de fatores
profissional da educação no cotidiano escolar. como baixos salários e multiplicação de jornadas de
trabalho, reduziu a atividade docente à simples
No Título II, o propósito social que referenda a execução de atos fragmentados de "ensinar" ou "dar
educação, a partir do seu vínculo com o trabalho e a matéria". No caso, a formação desse profissional ficou
prática social, é ampliado. No caso, além de reduzida à transmissão de conteúdos e procedimentos
63
indispensáveis ao como fazer e o que fazer, avançadas e desafiantes perguntas que seus alunos
estabelecidos nos limites da abordagem tecnocrática. vão lhes propor. Alunos não idealizados, mas reais,
Em decorrência, retirou-se do foco dos debates e antecipados na trama dos ambientes de aprendizagem
estudos sobre a educação escolar as questões da que se constituem durante seu processo de formação.
natureza e do propósito da escolarização, da conexão
entre escola e sociedade, da relação entre poder e Trata-se, no caso da educação escolar, de fazer face a
ensino, da escola como organização social e da uma situação singular e complexa, construindo
natureza do conhecimento escolar, entre tantas, respostas que trazem, sem a exacerbação do passado,
esvaziando o domínio do educador sobre as suas as tonalidades do que já é conhecido e, sem o
condições de trabalho. Tal entendimento, no entanto, otimismo ingênuo, a radicalidade da utopia. Há sempre
teve que enfrentar os protestos da sociedade algo de inesperado que é próprio de uma sociedade
democrática, que reconhece a relevância da formação instituinte, onde a vivência da subjetividade ultrapassa
desses profissionais que desempenham tão a abordagem exclusivamente científica de um projeto
importantes papéis, notadamente no encaminhamento educacional. Assim, diversos e surpreendentes cantos
de políticas que estimulem a autonomia e valorizem a podem propagar o eco da vida cidadã, abrindo-se
diversidade, num contexto de responsabilidade e também para a multiplicidade e desigualdade de
liberdade. contextos e desafios que fluem a partir das relações de
gênero, etnia, trabalho, entre outras.
Aqui, deve-se ressalvar a contribuição das análises que
circunscrevem o reconhecimento social do magistério Neste processo, o educador compreende que os
no campo das relações entre educação e cultura. conhecimentos não podem ser simplesmente
Nunca é demais ressaltar a interação intrínseca entre transferidos. Ensinar e aprender é sempre um ato
ambas, dinâmica essa reconhecida no art. 1 o da único e criativo. Exige um esforço de construção
LDBEN. O mundo da cultura é o mundo das através de uma atividade que é simultaneamente
possibilidades, de um equilíbrio que nunca se teórica e prática, individual e coletiva.
completa, um território de riscos e ousadias, onde se
conflitam o que é tido como autorizado socialmente e
a insuficiência do estatuto da tradição, para legitimar Aliás, refletir sobre a prática reorientando a ação
sua incorporação na proposta pedagógica das docente constitui, segundo o art. 61 da LDBEN, um dos
unidades educacionais. Na verdade, "não se confere fundamentos da formação dos profissionais da
igual valor a todos os elementos constitutivos da educação. Nesse sentido, o ensino é uma atividade
cultura." complexa que supõe uma reflexão sistemática sobre a
prática, requerendo, para tanto, a constituição de
conhecimentos, valores e competências estimuladoras
Nesse cenário, o exercício da docência pressupõe uma de uma ação autônoma e, ao mesmo tempo,
arrojada tarefa, que não pode prescindir de estratégias colaborativa em face da responsabilidade coletiva,
interpretativas, na análise da pertinência social e dos com os procedimentos que deverão assegurar o direito
desdobramentos das escolhas que são processadas. dos alunos aprenderem.
Assim, passa a ser configurada, no mínimo, uma dupla
exigência, a partir da competência que tem o
profissional da educação inspirada nos ideais da Assim, no cumprimento do que estabelece o texto
educação nacional. legal, o professor conduz sua própria formação,
pensando a prática e tomando decisões sobre
ambientes de aprendizagem que concretizam o projeto
Em primeiro lugar, contribuir, no exercício da atividade pedagógico elaborado pelo conjunto da escola. Ao se
docente, para a produção de conhecimentos que tornar sujeito da formação, torna-se também sujeito de
favoreçam as leituras e as mudanças da realidade e, sua própria valorização, no âmbito do que está posto
também, influenciar no processo de seleção do que no art. 67 da LDBEN.
representa "a experiência coletiva e a cultura viva de
uma comunidade." Em função disso, o educador
compartilha das decisões a respeito de quais saberes e Em vista disso, sua preparação é permanente e dá
materiais culturais deverão ser socializados, tendo em concretude, na utopia do saudoso Gonzaguinha, à
vista o exercício pleno da cidadania. Dessa forma, o beleza de ser um eterno aprendiz. Só assim, torna-se
professor assume sua condição de intelectual face à fator determinante da dinâmica educativa, aliado
possibilidade de integrar-se no fecundo debate a inconteste das reformas que se apresentam como
respeito dos valores, das concepções e dos modos de alternativas de qualificação do processo educativo e,
convivência que deverão ser priorizados, através do ainda, como declaram os teóricos da educação
currículo. emancipatória, o intelectual que une, no contexto da
sala de aula, a análise crítica com a possibilidade de
mudança. Dessa forma, circunscreve o exercício da
Em segundo lugar, e como desdobramento, entende-se docência na inteligência maior a respeito dos
que o direito de aprender, assegurado inclusive pela problemas e das soluções encontradas coletivamente
garantia das condições do direito de ensinar, pela sociedade, assumindo de forma solidária sua
pressupõe por parte do docente a reelaboração da condição de profissional.
ciência do sábio, da obra do escritor ou do artista e,
ainda, do pensamento teórico e da paixão geradora do
sonho que se queira socializar, em situações Nesta direção, os legisladores consideram que a
específicas e nem sempre previsíveis. Direito de gestão democrática é uma das principais âncoras do
aprender, de futuros professores, que não respondem processo de seleção e reelaboração que se instala na
apenas a estímulos de seus formadores, mas organização dos ambientes de aprendizagem escolar.
exercitam a liberdade de crescer no conhecimento, Para tanto, retomam, no texto da LDBEN, através do
aprofundar as críticas, resolver os problemas, cultivar que estabelecem os arts. 14 e 15, o que está disposto
os desafios da prática; mas, também, o dever de se no parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal
preparar para a interlocução e para responder às mais

64
(CF), consagrando o princípio da gestão participativa e dispositivos a respeito das incumbências dos docentes
o controle público da qualidade da educação: (art. 13), as disposições gerais que orientam a
educação básica e também as determinações para a
Art. 1o educação infantil e o ensino fundamental (Seções II e
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o III do Título V, Capítulo II). Considere-se, ainda, o
exerce por meio de representantes eleitos ou estabelecido no art. 61 sobre os fundamentos da
diretamente, nos termos desta Constituição. formação e, no art. 67, sobre as condições pertinentes
à profissionalização dos docentes.

CURSO NORMAL NA TRAJETÓRIA DA FORMAÇÃO Por sua vez, a Resolução nº 03 do Conselho Nacional
DO PROFESSOR de Educação (CNE), que fixa Diretrizes para os Novos
Planos de Carreira e de Remuneração do Magistério
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
A complexa relação entre a formação dos professores retoma o que está determinado no art. 62 da LDBEN,
e a qualidade da Educação Infantil e do Ensino nos seguintes termos:
Fundamental (anos iniciais), vem sendo analisada,
predominantemente, sob a ótica da ‘universitarização’
da formação inicial. É uma abordagem que, pelo seu Art. 4º - O exercício da docência na carreira do
caráter específico, tem estimulado o debate e o magistério exige, como qualificação mínima:
surgimento de inovações a respeito dos processos
educacionais. I – ensino médio completo, na modalidade Normal,
para a docência na educação infantil e nas quatro
Do ponto de vista das organizações de educadores e primeiras séries do ensino fundamental.
das entidades que desenvolvem estudos e pesquisas
sobre a formação docente, o tema vem sendo Aproxima-se dessa linha o pronunciamento do Plano
rigorosamente tratado no contexto de uma política Nacional de Educação. Encaminhado ao Congresso
global que contempla, simultaneamente, formação pela União, reafirma a contribuição do curso de
inicial e continuada, condições de trabalho, salário e Magistério, propõe novas finalidades frente às
carreira. Com isso, formulam severas críticas às demandas presentes na sociedade e alerta para os
análises que privilegiam aspectos particulares de uma limites do seu atual formato.
problemática cuja solução pressupõe políticas de
natureza global. Vale ressaltar, no entanto, que ao Quanto à habilitação para o magistério em nível de 2º
abordarem explicitamente a formação inicial pleiteiam grau, a Lei n.º 5692/71 descaracterizou o antigo Curso
seja a mesma desenvolvida em níveis mais elevados, Normal, introduzindo o mesmo divórcio entre formação
tendo em vista a complexidade que consideram geral e específica que já ocorria nas licenciaturas.
inerente à tarefa de ensinar. Deve-se observar ainda que, apesar da ênfase
atribuída pela Lei de Diretrizes e Bases à formação em
No Brasil, em que pese o debate sobre a nível superior, não se pode descurar da formação em
profissionalização do magistério apontar para esse nível médio, que será, por muito tempo, necessária em
patamar de escolarização mais elevado, a LDBEN, em muitas regiões do País. Além disso, a formação em
seu art. 62, sem desconhecer a tendência mundial de nível médio pode cumprir três funções essenciais: a
formação docente em nível superior, admite a primeira é o recrutamento para as licenciaturas, a
preparação do professor da educação infantil e dos segunda, a preparação de pessoal auxiliar para
anos iniciais do Ensino Fundamental, tanto em nível creches e pré-escolas, e a última, servir como centro
médio, quanto em nível superior: de formação continuada.

Art. 62 – A formação de docentes para atuar na Ainda que parcial, o reconhecimento do curso atribui
educação básica far-se-á em nível superior, em curso significativa importância a essa modalidade de
de licenciatura, de graduação plena em universidades formação e recomenda mudanças em seu atual
e institutos superiores de educação admitida como modelo de organização. Opondo-se aos efeitos da Lei
formação mínima para o exercício do magistério na 5692/71 que, tornou obrigatória a profissionalização ao
educação infantil e nas quatro primeiras séries do nível do 2o grau e transformou a formação de
ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na professores em "Habilitação para o Magistério",
modalidade Normal. desprovida das condições necessárias ao atendimento
Tal flexibilidade é compatível com o esforço dos de suas reais finalidades, o PNE sugere rever a
legisladores no sentido de contemplar a diversidade e estrutura fragmentada dos cursos, recomendando
a desigualdade de oportunidades que perpassam a como princípio orientador de formação, a articulação
realidade educacional no país. Sem criar impedimentos teoria e prática.
formais para a oferta dessa modalidade de
atendimento educacional, de fato, a lei desafia os No âmbito do PNE, elaborado por diversos setores da
sistemas a repensá-la sob novas bases. A rigor, seu sociedade brasileira, ao qual foi apensa, no Congresso,
reconhecimento expressa um movimento em busca da a proposta da União, mantém-se a desejabilidade da
recuperação da sua identidade, na medida em que é a formação inicial em cursos de licenciatura, sem
única modalidade de educação profissional em nível desconhecer a formação admitida por lei. No caso
médio que a lei reconhece e identifica. As políticas específico dos professores, a formação mínima exigida
educacionais haverão de respeitar essa peculiaridade e por lei é a modalidade Normal do ensino médio,
envidar esforços para dar conseqüência à valorização para o trabalho pedagógico na educação infantil e nas
do magistério em todas as suas dimensões. séries iniciais do ensino fundamental. A formação
desejável, e que será exigida a curto para médio
Os indicadores dessas mudanças podem ser prazo, para todos os níveis e modalidades, far-se-á na
identificados no conjunto da LDBEN. Atente-se para os educação superior, em cursos de licenciatura plena.

65
Ao tratar da questão em pauta, a Associação Nacional numa sociedade perpassada por vertiginosas
de Pós-Graduação em Educação (ANPED) insiste em mudanças e crescente complexidade.
que a qualidade da formação docente e a valorização
da carreira devem ser consideradas de forma Mais recentemente, o curso Normal, em nível médio,
integrada pelas políticas públicas. Ao mesmo tempo foi inserido numa trajetória cujo horizonte é traduzido,
estabelece que essa formação superior deve ocorrer na sua forma mais atual, através dos arts. 62, 63, I e
nas universidades, pois é aí que se têm no Brasil 87, IV da LDBEN. Estes, preconizam sua abertura para
grande parte da pesquisa e da experiência acumulada o curso Normal superior e para as licenciaturas, sem
sobre o ensino. conferir, no entanto, amparo legal às iniciativas de
curso Normal que possam vir a ser definidas fora do
Não tem sido diferente o entendimento da Associação que está determinado nos níveis aqui especificados.
Nacional pela Formação dos Professores (ANFOPE) a Isto ocorre na lei sem descaracterizar sua identidade. É
respeito do tema. Em audiência pública do Conselho um curso próprio para a formação de professores da
Nacional de Educação (13/01/98 – PUC/Rio) sobre a educação infantil e dos anos iniciais do ensino
formação dos profissionais da educação, foi divulgado fundamental, que tem estrutura e estatuto jurídico
documento da entidade que reafirmava a importância específicos. Não é um ensino técnico adaptado. Sua
da universidade nesse processo e reconhecia a identidade, em face do que estabelecem os
tendência mundial de elevar a níveis cada vez mais dispositivos legais, é claramente definida pela
superiores, a formação inicial dos quadros do contextualização da sua proposta pedagógica, no
magistério. âmbito das escolas campo de estudo e das
experiências educativas às quais os futuros
Em certo sentido, identificam-se, no bojo de tais professores têm acesso, seja diretamente, seja através
análises, abordagens que se diferenciam quanto ao dos recursos tecnológicos disponíveis. Em função
reconhecimento, no momento, do papel histórico do dessa concepção, a formação de professores oferecida
curso Normal. Convergem, por sua vez, quanto ao nessa modalidade requer um ambiente institucional
entendimento de que a formação inicial está situada próprio, com organização adequada à sua proposta
no trajeto do desenvolvimento profissional permanente pedagógica. No caso, os professores formadores
tendo, em função disso, que manter vinculações deverão, ao longo do curso, orientar sua conduta a
efetivas com o processo de formação continuada. partir dos princípios a serem seguidos pelos futuros
Também revelam-se estreitamente afinadas com a professores. Exige, também, o nível de estudo do
preocupação de favorecer um processo de transição ensino médio, voltado para a educação, nos termos
que deverá ocorrer, no arco da diversidade que se propostos pela LDBEN, nos arts. 21 e 22, enquanto
configura no país, sem impedir a expansão da direito de todos e dimensão inalienável da cidadania,
educação infantil e a universalização do ensino na sociedade contemporânea.
fundamental.
Aliás, a importância da educação básica foi enfatizada
Isto não prejudica, obviamente, o reconhecimento que de forma clara, na Emenda Constitucional 14/96, cujo
os atuais dispositivos legais conferem ao atendimento texto declara o compromisso nacional com a
educacional através dessa modalidade de educação progressiva universalização do ensino médio gratuito,
profissional. Contudo, é preciso lembrar que diversos etapa conclusiva do primeiro nível da educação no
setores do poder público e da sociedade em geral, ao país. Assim, suas finalidades estão postas na
acolherem essa determinação, identificam nos citados perspectiva da educação enquanto direito, numa
dispositivos uma alternativa essencialmente provisória. sociedade que estabelece, do ponto de vista formal, a
Ademais, a nova LDBEN também incorpora a tendência possibilidade de universalização da Educação Básica
mundial de formação do professor, em nível superior, de qualidade, instaurando, sem dúvida, o campo
independente da etapa de sua atuação na educação histórico da luta para sua tradução ao nível das
básica. condições concretas.

Dessa forma, considera, sobretudo, que desde as Sob essa ótica, o Parecer 04-98 da Câmara da
origens do curso Normal o debate sobre a qualidade da Educação Básica do CNE (CEB-CNE) contextualizou as
educação nunca se afastou do entendimento que diretrizes curriculares para o ensino fundamental no
propugna por graus mais elevados de preparação dos âmbito da educação básica e, ao fazê-lo, associou a
profissionais que vão exercer a docência. Por certo, conquista da cidadania plena, fruto dos direitos e
este era o fundamento dos cursos de especialização deveres reconhecidos na Carta Magna, à garantia
que ao lado dos dois ciclos do ensino Normal, eram desse patamar educacional.
previstos no Decreto-Lei nº 8530/46 que instituiu a Lei
Orgânica dessa modalidade de ensino. Verifique-se Posteriormente, através das diretrizes curriculares
que o acesso a tais cursos, definido no art. 22, estava para o ensino médio, Parecer 15/98, a Câmara
vinculado ao exercício prévio da docência, situando-se reafirmou essa perspectiva, atribuindo a esta etapa da
na perspectiva da formação continuada. educação básica, a prerrogativa de direito de todo o
cidadão. Ainda, com base na legislação vigente,
Em função disso, o que vai sendo observado ao longo definiu que a sua natureza de formação básica e
da legislação subseqüente é, cada vez mais, a comum para todo os cidadãos, mesmo incluindo a
perspectiva de preparação do professor em níveis mais preparação básica para o trabalho, não pode ser
elevados. Em nome de uma formação mais sólida para ajustada ou aligeirada face a outros objetivos, mas
o magistério, os cursos normais de 4 e 5 anos, primeiro deve estabelecer permanentemente a relação teoria e
ciclo, para regentes do ensino primário, bem como os prática.
estudos adicionais, foram extintos. Posteriormente, a
supressão das licenciaturas curtas traduziram, no Sem dicotomizar, o citado parecer estabeleceu a
ordenamento jurídico, uma compreensão condizente diferença entre os estudos de formação básica e os de
com as novas competências requeridas do professor, natureza estritamente profissionalizante. Aos
66
primeiros, reservou, para assegurar o que está municipais ( tabela 1), exigindo, particularmente em
disposto nos arts. 35 e 36 da Lei 9394/96, 2.400 horas algumas regiões, uma política de formação continuada
de trabalho pedagógico, distribuídos no período de três que assegure a curto e médio prazo, condições
anos letivos com, no mínimo, 200 dias para cada um. mínimas para o exercício profissional.
Também estabeleceu que não há impedimentos, salvo
a exigência de um limite máximo de 25% da carga TABELA 1 – Funções Docentes, por Grau de
horária mínima deste nível de ensino Formação dos Respectivos Ocupantes, nas
(estabelecidas no Decreto 2208/97), para Quatro Séries Iniciais do Ensino Fundamental –
aproveitamento de tais estudos em cursos Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste – 1996
profissionais. O inverso não tem suporte legal.

Assim, é apropriado dizer que a formação geral


inerente ao ensino médio circunscreve-se no horizonte Nível de Fundamental Médio Supe
da cidadania de cada um e de todos. E, neste sentido,
é componente do curso Normal médio que subassume Formação
essa etapa da educação básica com função
habilitadora. Incomp Completo C/Magist. S/Magist. CC/
l. Licen
Com isto, o curso Normal, forma docentes para atuar
Região
na educação infantil e nos anos iniciais do ensino
fundamental, tendo como perspectiva o atendimento a Norte 33.911 15.211 46.369 2.967 1.684
crianças, jovens e adultos, acrescendo-se às
especificidades de cada um desses grupos, as Nordeste 60.765 38.417 189.255 9.672 20.36
exigências que são próprias das comunidades
indígenas e dos portadores de necessidades especiais Centro- 2.584 3.938 31.626 2.317 12.38
de aprendizagem. Assim, além de assegurar titulação Oeste
específica que habilita, o curso tem também a validade
do ensino médio brasileiro, para eventual Total 77.260 57.566 267.250 14.956 34.4
prosseguimento de estudos.

Na verdade, a legislação instaura um campo de tensão Fonte MEC/INEP/SEEC


entre o instituinte e o instituído. Ao acenar com a
formação inicial, no horizonte da "universitarização", a Face a essa realidade, mecanismos disciplinadores da
perspectiva confronta-se com as dificuldades de uma aplicação de recursos na manutenção e no
realidade que não dá conta, por inteiro, das condições desenvolvimento do ensino obrigatório admitem a
necessárias à implementação da inovação proposta. possibilidade de financiamento para a formação de
Depende, portanto, de negociações e decisões que professores leigos em exercício. É o caso da Lei
deverão contemplar as especificidade locais e os 9424/96 que dispõe sobre o Fundo de Manutenção e
procedimentos que fundamentam a convivência Desenvolvimento do Ensino Fundamental e da
democrática. Valorização do Magistério, que em seu art. 7o,
parágrafo único, estabelece: Nos primeiros cinco anos,
Certamente, cabe ao poder público, como gestor das a contar da publicação desta lei, será permitida a
políticas educacionais, "universalizar" o atendimento aplicação de parte dos recursos da parcela de 60%,
imediato do ensino obrigatório de qualidade e prevista neste artigo, na capacitação de professores
responder, simultaneamente, às exigências que leigos.
favoreçam a transição do estágio atual para um novo
padrão de formação inicial e continuada do professor. Na verdade, tanto do ponto de vista legal, quanto da
Atingir este patamar pressupõe, por sua vez, a diversidade que perpassa a realidade educacional do
possibilidade de ampliar o acesso às Instituições de país, considera-se que o ensino médio na modalidade
Educação Superior, bem como o desenvolvimento de Normal, incorporadas as contribuições advindas da
pesquisas que tenham seu foco nas necessidades das legislação educacional e dos estudos recentes a
escolas e seus respectivos contextos. respeito dessa habilitação, representa, no trajeto da
profissionalização do educador, uma das alternativas a
Entende-se, com o atendimento dessas exigências, serem consideradas na definição de políticas
que é possível ampliar o potencial de articulação a ser integradas para o setor.
alcançado entre a melhoria da Educação Básica e as
Instituições de Ensino Superior, reduzindo-se os riscos Desse modo, a oferta do curso Normal atende o que
das mesmas transformarem-se em locus de prescreve a lei e, além de tudo, possibilita ao poder
investigação e produção de conhecimentos voltados público proceder à passagem da formação inicial de
para a especialização exclusiva de seus próprios nível médio para a de nível superior, sem prejuízo da
docentes. Louvem-se, então, as iniciativas em curso expansão da educação infantil e da universalização do
que se anteciparam no engajamento das citadas IES ensino fundamental. Para tanto, deverá, no mínimo,
com as demandas dos sistemas de ensino. cumprir os requisitos de qualidade exigidos para
profissionais que têm a atribuição de definir, no
Trata-se, como se vê, de um patamar a ser alcançado exercício da atividade pedagógica, o quê e como
e de condições a serem criadas, num país que ainda ensinar.
conta com um grande contingente de professores
leigos, com escolarização no nível do Ensino Sobre o caráter autônomo dessa atividade, vale
Fundamental ou do Ensino Médio, sem a habilitação de também observar, seu compromisso com o princípio
Magistério. Exercem a docência nas redes estaduais e da liberdade e com o estatuto da convivência

67
democrática nos sistemas de ensino, ambos Constroem, utilizando abordagens condizentes com o
inspirados na LDBEN. Contudo, seu significado maior exercício da cidadania plena na sociedade
está dado, na mesma lei, pelos ideais de contemporânea, as identidades dos alunos (futuros
solidariedade e pela capacidade de vincular o professores), que deverão vivenciar situações de
mundo da escola ao do trabalho e da prática estudos e aprendizagens nas quais são consideradas
social. Para tanto, no curso Normal em nível médio, os as especificidades do processo de pensamento, a
princípios que fundamentam o projeto pedagógico e as realidade sócio-econômica, a diversidade cultural,
práticas escolares que concretizam os ambientes de étnica, de religião e de gênero.
aprendizagens deverão também ser coerentes com os
princípios que iluminam as Diretrizes Curriculares II – No exercício da autonomia, as escolas
Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM), as Diretrizes normais de nível médio deverão elaborar
Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental propostas pedagógicas mobilizadoras de mentes
(DCNEF) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a e afetos, propiciando, na perspectiva da
Educação Infantil (DCNEI). cidadania plena, a conexão entre
conhecimentos, valores norteadores da
educação escolar e experiências que provêm das
BASES PARA AS DIRETRIZES CURRICULARES realidades específicas de alunos e professores.
NACIONAIS Suas histórias de vida são importantes. Aqueles que
... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é ensinam e aprendem têm uma história que se
isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda expressa em todas as suas atitudes, na postura
não foram terminadas – mas que elas vão sempre profissional e no modo de ensinar, pensar e aprender.
mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o Ao considerar princípios éticos, políticos e estéticos na
que a vida me ensinou. reinterpretação de histórias que se influenciam e
modificam umas as outras, a escola reconhece as
João Guimarães Rosa – Grande Sertão: Veredas identidades pessoais e assegura a reelaboração crítica
do conhecimento de si e do seu relacionamento com
os demais durante o processo de formação.
O curso Normal, em função de sua natureza Ensinar/aprender é, portanto, um movimento sensível
profissional, requer um ambiente institucional próprio ao inesperado e aberto, numa sociedade instituinte, à
com organização adequada à identidade de sua singularidade dos pensamentos e sentimentos.
proposta pedagógica. À luz da legislação educacional, Pressupõe, nesse sentido, a competência dos
deverá prover a formação de professores, em nível professores para tomar decisões que nem sempre
médio, para atuar como docentes na educação infantil constam do elenco de saberes e experiências já vistos
e nos anos iniciais do ensino fundamental. Na LDBEN e conhecidos, por inteiro.
as incumbências dos professores estão claramente
definidas no art. 13. e, nesse dispositivo, a atividade
docente é essencialmente coletiva e contextualizada III – A clareza a respeito das competências e
numa gestão pedagógica cuja pretensão maior é capacidades cognitivas sociais e afetivas
provocar, apoiar e avaliar o processo de aprendizagem pretendidas como objetivos do curso normal de
dos alunos. nível médio, é decisiva para o diálogo entre os
integrantes da comunidade escolar, o conjunto
da sociedade e entre as áreas curriculares na
Tendo como horizonte essa perspectiva, o curso deve relação com os múltiplos aspectos da vida
formar professores autônomos e solidários, capazes de cidadã, com vista ao desenvolvimento da
investigar os problemas que se colocam no cotidiano proposta pedagógica. Na verdade, o diálogo é
escolar, utilizar os conhecimentos, recursos e proposto como a base do ato pedagógico,
procedimentos necessários às suas soluções, avaliar a caracterizando o princípio da autonomia da escola
adequação das escolhas que foram efetivadas, e, através de um modelo de gestão que é, de um lado,
ainda, devido às transformações por que passam as um convite para "sair do isolamento e romper
sociedades, deverão analisar as conseqüências dos fronteiras" e, de outro, um esforço especulativo e
novos paradigmas do conhecer. Implicam questionador da versão social do que vem sendo
conhecimentos gerados a partir de um modo de refletir considerado e aceito como aprendizagens
sobre a prática que mantém no direito do aluno significativas, num determinado contexto. De fato, o
aprender, no esforço nacional de construção de um diálogo reveste de especial importância, dada a
projeto de educação escolar de qualidade para o país, repercussão que tem na formação de futuros
e nas regras da convivência democrática, as professores, a experiência vivida na condição de
referências que norteiam permanentemente a ação alunos do curso Normal.
pedagógica.
IV – Na estruturação das propostas pedagógicas,
Assim, as diretrizes curriculares para o curso Normal a ênfase dada ao diálogo em todas as suas
em nível médio deverão ser inspiradas nos princípios formas deverá preparar os professores para lidar
éticos, políticos e estéticos já declarados nos Pareceres com um paradigma curricular que articule
de nos 22/98, 04/98 e 15/98, a respeito da educação conhecimentos e valores, em áreas ou núcleos
infantil e do ensino fundamental e médio. Na curriculares que interagem no processo de
organização das propostas pedagógicas, as escolas constituição de conhecimento, valores e
deverão assumi-los como ponto de partida e foco de competências necessárias ao exercício da
iluminação para todo o percurso da formação dos docência na educação infantil e nos anos iniciais
professores: do ensino fundamental. Dessa forma, as áreas ou
núcleos curriculares possibilitarão a formação básica
I - Na efetivação desses princípios, as práticas geral e comum, a compreensão da gestão pedagógica
educativas desenvolvidas no curso Normal são no âmbito da educação escolar contextualizada e a
constitutivas de sentimentos e consciências. produção de conhecimento a partir da reflexão

68
permanente sobre a prática. O diálogo também deve decisões que são tomadas pela instituição. A
ser instalado entre as áreas de conhecimento e o educação escolar, espaço de igualdade e de direitos, é
modo particular de inserção dos alunos (do curso uma prática social que se viabiliza sob a
normal) na vida social, considerando, nos termos das responsabilidade da Família e do Estado. Enquanto
DCN para a educação infantil e o ensino fundamental, atividade pública, que pretende assegurar as
os diversos aspectos da vida cidadã. condições necessárias ao exercício de um direito
socialmente conquistado e legalmente constituído,
V – A formação básica, geral e comum, deverá, através da proposta pedagógica da escola,
considerada direito inalienável e condição incorporar representantes de todos os segmentos da
necessária ao exercício da cidadania plena, escola, alunos da escola campo de estudo, futuros
deverá assegurar, no curso Normal, os professores, bem como as respectivas famílias, grupos
conhecimentos e competências previstos para a sociais e comunidade, num processo de avaliação que
terceira etapa da educação básica, nos termos envolva todas as dimensões dessa proposta.
do que estabelece a Lei 9394/96, nos arts. 35 e
36, explicitados, posteriormente, no Parecer no A perspectiva é construir a qualidade da educação
15/98 da CEB-CNE. Enquanto dimensão do processo escolar, ancorando-se, para tanto, nos princípios da
integrado de formação de professores em nível médio, gestão democrática, nos termos da CF e da LDBEN,
sua abordagem é remetida aos ambientes de garantindo o controle público das políticas dispostas.
aprendizagem planejados e desenvolvidos na escola
campo de estudo e investigação. Nesse sentido, além VIII – A gestão pedagógica, no âmbito da
de contemplar conteúdos e competências de caráter educação escolar contextualizada, deverá, em
geral, incluirá as áreas que integram o currículo diálogo com as demais áreas ou núcleos
destinado à educação infantil e aos anos iniciais do curriculares da proposta pedagógica,
ensino fundamental em níveis de abrangência e desenvolver práticas educativas que integram os
complexidade indispensáveis à (re)significação de múltiplos aspectos constitutivos da identidade
conhecimentos e valores nas situações pedagógicas dos alunos (futuros professores), que se deseja
em que são (des)construídos/(re)construídos por sejam afirmativas, responsáveis e capazes de
crianças, jovens e adultos. Assim sendo, é necessário protagonizar ações autônomas e solidárias no
em articulação com as demais áreas que constituem o universo das suas relações. Nessa abordagem, a
curso, expor os estudantes a situações do cotidiano problematização das escolhas e dos resultados que
escolar que sejam estimuladoras das competências e demarcam a identidade da proposta pedagógica das
capacidades cognitivas sociais e afetivas que serão escolas nas quais a gestão pedagógica da educação
exigidas, posteriormente, no exercício da docência. escolar observada é vivenciada, tomam como objeto
de análise a escola como instituição social
Por isso, o professor formador, independente de sua determinada e determinante, a legislação educacional
área de atuação levará em consideração as influências e os diversos sistemas de ensino no horizonte dos
do processo de comunicação na formação dos direitos dos cidadãos e do respeito ao bem e à ordem
docentes, pautando suas ações pelos mesmos democrática, os alunos em suas diversas etapas de
princípios que orientam a inserção dos alunos no desenvolvimento e suas relações com o universo
conjunto das atividades do projeto pedagógico das familiar, comunitário e social, o impacto dessas
escolas campo de estudo. relações sobre as capacidades, habilidades e atitudes
dos alunos em relação a si próprios, seus
VI – A reflexão sistemática sobre o saber do companheiros e aos objetos e materiais de estudo. Na
fazer de cada professor e da escola como um formação dos futuros docentes isto pode ser aprendido
todo é impulsionadora do processo de produção através de conteúdos da sociologia educacional,
do conhecimento que se instaura como uma psicologia educacional, antropologia cultural, história,
atividade crítica desde as origens da formação comunicação, informática, artes e cultura, entre
do professor. No curso Normal, a reflexão sistemática outras. Valendo-se dos conhecimentos específicos
sobre a prática deve conferir validade aos estudos e às dessas e de outras áreas, os professores poderão, ao
experiências a que são expostos alunos e professores. tratá-los de forma integrada, fazer escolhas a partir do
Ao eleger o fazer como o objeto da reflexão, a estudo crítico de diferentes orientações teórico-
formação é concebida a partir do envolvimento dos metodológicas. Portanto, as práticas educativas levam
alunos e professores em situações complexas, cuja em consideração, não só a realidade cultural, social,
intervenção exige a explicitação de conhecimentos e econômica, de gênero e de etnia, mas também a
valores que referenciam competências afinadas com centralidade da educação escolar no conjunto das
uma concepção de professor reflexivo, dotado da prioridades consensuadas no país.
capacidade intelectual, autonomia e postura ética,
indispensáveis ao questionamento das interpretações IX – A prática, circunscrita ao processo de
que apoiam, inclusive, suas intervenções no exercício investigação e participação dos alunos no
da atividade profissional. O professor, nesse caso, é conjunto das atividades que se desenvolvem na
sujeito do seu conhecimento e se define como escola campo de estudo, é instituída no início da
intelectual no âmbito de sua atividade profissional que formação, prolongando-se ao longo do curso e
é reconhecidamente ‘prática e contextualizada’. com duração mínima de 800 horas. Em função da
sua natureza, a prática antecipa situações que são
VII – As escolas, com seus desafios e soluções, próprias da atividade dos professores no exercício da
ao se tornarem campo de estudo e investigação docência, gerando conhecimento, valores e uma
dos alunos do curso Normal, devem enriquecer a progressiva segurança dos alunos do curso normal , no
sistematização da reflexão sobre a prática, domínio da sua futura profissão. Na verdade, deve
submetendo-se a um processo de avaliação estabelecer o contato dos alunos com o mundo do
permanente que identifique a adequação entre trabalho e a prática social, conforme determina o art.
as pretensões do curso e a qualidade das 1o da LDBEN. A tematização da prática oferece

69
4
informações para a compreensão dos problemas que MEC. 1998. Plano Nacional de Educação.
emergem do cotidiano escolar, gerando
conhecimentos para a formulação de soluções originais 5
Plano Nacional de Educação. Proposta da sociedade
e adequadas. Nesse processo, a proposta pedagógica brasileira. 1997.
da escola, utilizando os instrumentos tecnológicos
disponíveis deve oportunizar o acesso dos alunos, ao 6
espaço mundial e integrado de conhecimentos a ANPED. 1997.
respeito da qualidade social da educação escolar.
7
ANFOPE. 1997.
X – O curso, considerada a flexibilidade da
8
LDBEN, tem, a critério da proposta pedagógica Um dos ciclos estava voltado para a formação de
da escola, amplas e diversas possibilidades de regentes de ensino primário, em quatro anos, e o
organização. Sua duração, no entanto, será de no outro, o curso de formação de professores primários,
mínimo 3.200 horas, distribuídas em 4 (quatro) anos era desenvolvido em três anos, após o ginasial.
letivos. A possibilidade de cumprir a carga horária
mínima em 3 (três) anos, fica condicionada ao 9
Art. 22 – Os candidatos à matrícula em cursos de
desenvolvimento do curso em período integral, especialização de magistério primário deverão
contemplando o que está previsto nos termos da apresentar diploma de conclusão do curso de segundo
formação geral, básica e comum, estabelecida para o ciclo e prova de exercício do magistério primário por
ensino médio que será, por sua vez, desenvolvida no dois anos, no mínimo; os candidatos à matrícula em
contexto das incumbências do professor da educação cursos de administradores escolares, ou funções
infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental. auxiliares de administração, deverão apresentar igual
diploma, e prova do exercício do magistério por três
Assim, a formação inicial pressupõe conhecimentos e anos no mínimo.
competências referenciados às condições de
profissionalização de educadores capazes de estimular BIBLIOGRAFIA:
procedimentos e desenvolver práticas educativas que
sejam constituidoras de indivíduos autônomos e
protagonistas da construção mais significativa do ANFOPE. VIII Encontro Nacional. Documento gerador.
processo educativo: o exercício da sua liberdade no Formação de profissionais da educação. Desafios para
contexto das relações éticas que propugnam por uma o século XXI. Goiânia, 1996. (mimeo).
trajetória da humanidade no horizonte da democracia. ANPED

II – VOTO DA RELATORA BRASIL Constituição da República Federativa. 1988.

À luz do exposto e analisado, em obediência ao artigo _______. Emenda Constitucional nº 14 de 12 de


9º da Lei 9131/95 que incumbe à Câmara de Educação setembro de 1996.
Básica a deliberação sobre Diretrizes Curriculares
Nacionais, a relatora vota no sentido de que seja _______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
aprovado o texto ora proposto como base do Projeto – nº 9394/96.
de Resolução que fixa as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Curso Normal em nível médio. _______. Lei nº 9424, de 24 de dezembro de 1996.

Brasília(DF), 29 de Janeiro de 1999. _______. Leis Orgânicas do Ensino. O Ensino Normal.


1946.
(a) Conselheira Edla de Araújo Lira Soares - Relatora
_______. Plano Nacional de Educação. 1998.
III –DECISÃO DA CÂMARA
Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
A Câmara de Educação Básica acompanha, Educação e Diretrizes Curriculares para a Educação
unanimemente, o voto da Relatora e aprova o Projeto Básica. 1998.
de Resolução que se segue.
COLL, César. Psicologia y Currículum. Barcelona:
Brasília, 29 de janeiro de 1999. Paidós, 1991.

(aa) Ulysses de Oliveira Panisset – Presidente _______. Desenvolvimento Psicológico e Educação –


Psicologia da Educação, Porto Alegre: Artes Médicas,
Francisco Aparecido Cordão - Vice-Presidente 1996.

Notas Confederação Nacional dos Trabalhadores em


Educação. Educação, carinho e trabalho. Petrópolis:
1
Editora vozes, 1997.
GADOTTI, M. 1996. Paulo Freire – Uma Biobliografia.

2
CURY, Horta e Vera Lúcia. Medo à liberdade e
LEFORT, Claude. 1987. A invenção democrática – compromisso democrático: LDB e Plano Nacional de
os limites do autoritarismo. Educação. São Paulo, Ed. Brasil, 1997.
3
FORQUIN, Jean-Claude. 1993. Escola e cultura.

70
DOWBOR, Ianni e Rezende (orgs.) Desafios da _______. Profesionalización o Exclusion: Los educadores
globalização. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. frente a la realidad actual y los desafios futuros. Texto
apresentado na Conferência Internacional de
FERNANDES, Florestan. A formação política e o Educação, organizada pela Confederação de
trabalho do professor. In Universidade, Escola e Educadores da América (CEA), México, Mimeo, 1997.
Formação de Professores. São Paulo, Ed. Brasiliense,
1986. [Volta ao início do documento]
RESOLUÇÃO CEB Nº 2, DE 19 DE ABRIL DE 1999(*)
FORQUIN, Jean-Claude. Educação e Cultura. 1993. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Formação de Docentes da Educação Infantil e dos anos
iniciais do Ensino Fundamental, em nível médio, na
GADOTTI, M.: Paulo Freire: uma bibliografia. 1996.
modalidade Normal.
O Presidente da Câmara de Educação Básica do
GATTI, Bernadete Angelina. Formação de professores e Conselho Nacional de Educação, de conformidade com
carreira: problemas e movimentos de renovação – o disposto no art. 9º § 1º, alínea "c", da Lei 9.131, de
Coleção formação de professores. Campinas, São 25 de novembro de 1995, nos artigos 13, 26, 29, 35,
Paulo, Autores Associados, 1997. 36, 37, 38, 58, 59, 61, 62 e 65 da Lei 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, e tendo em vista o Parecer
GIROUX, Henry. Os professores como intelectuais: CEB/CNE 1/99, homologado pelo Senhor Ministro da
ruma a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Educação em 12 de abril de 1999,
Alegre: Artes Médicas, 1997.
RESOLVE:
GONÇALVES, Carlos Luiz e PIMENTA, Selma Garrido.
Revendo o ensino de 2º grau: propondo a formação de Art. 1º O Curso Normal em nível Médio, previsto no
professores. São Paulo, Ed. Cortez, 1997. artigo 62 da Lei 9394/96, aberto aos concluintes do
Ensino Fundamental, deve prover, em atendimento ao
KINCHELOE, Joe L. A formação do professor como disposto na Carta Magna e na Lei de Diretrizes e Bases
compromisso político. Porto Alegre: Artes Médicas, da Educação Nacional, LDBEN, a formação de
1997. professores para atuar como docentes na Educação
Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental,
acrescendo-se às especificidades de cada um desses
LEFOR. C. A invenção democrática – os limites do
grupos as exigências que são próprias das
autoritarismo. São Paulo: Brasiliense, 1987
comunidades indígenas e dos portadores de
necessidades educativas especiais.
MEC/SEF/COEDI – Por uma Política de Formação do
Profissional de Educação Infantil. Brasil, 1994.
§ 1º O curso, em função da sua natureza profissional,
requer ambiente institucional próprio com organização
MEC/SEF – Referenciais curriculares para a formação adequada à identidade da sua proposta pedagógica.
de professores. 1998
§ 2º A proposta pedagógica de cada escola deve
NÓVOA, Antônio. Para um estudo sócio-histórico e assegurar a constituição de valores, conhecimentos e
desenvolvimento da profissão docente. In: Teoria e competências gerais e específicas necessárias ao
Educação. Porto Alegre, Ed. Panorâmica, 1991. exercício da atividade docente que, sob a ótica do
direito, possibilite o compromisso dos sistemas de
PERRENOUD, Phillippe. Formar os professores do ensino com a educação escolar de qualidade para as
primeiro grau à Universidade: aposta de Genebra. crianças, os jovens e adultos.
Universidade de Genebra, Mimeo, 1996.
Art. 2º Nos diversos sistemas de ensino, as propostas
____________. Ensinar Saberes ou desenvolver pedagógicas das escolas de formação de docentes,
competências: a escola entre dois paradigmas. inspiradas nos princípios éticos, políticos e estéticos, já
Universidade de Genebra. Mimeo. declarados em Pareceres e Resoluções da Câmara de
Educação Básica do Conselho Nacional de Educação a
respeito das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
PIMENTA, Garrido Selma. Didática e Formação de
Educação Infantil, o Ensino Fundamental e Médio,
Professores: percursos e perspectivas no Brasil e em
deverão preparar professores capazes de :
Portugal. São Paulo, Ed. Cortez, 1997.

I - integrar-se ao esforço coletivo de elaboração,


Plano Nacional de Educação – Proposta da Sociedade
desenvolvimento e avaliação da proposta pedagógica
Brasileira. 1997
da escola, tendo como perspectiva um projeto global
de construção de um novo patamar de qualidade para
ROMANELLI, Oliveira O. História da Educação no Brasil. a educação básica no país;
Petrópolis, Vozes, 1978.
II - investigar problemas que se colocam no cotidiano
TORRES, Rosa Maria. Formación Docente: Clave de la escolar e construir soluções criativas mediante
reforma educativa. Texto apresentado no Seminário reflexão socialmente contextualizada e teoricamente
"Nuevas formas de aprender y de enseñar: Demandas fundamentada sobre a prática;
a la formación inicial del docente". CIDE/UNESCO-
OREALC/UNICEF, Chile, Santiago, Mimeo, 1985.
III - desenvolver práticas educativas que contemplem o
modo singular de inserção dos alunos futuros

71
professores e dos estudantes da escola campo de II – o aproveitamento de estudos realizados em nível
estudo no mundo social, considerando abordagens médio para cumprimento da carga horária mínima,
condizentes com as suas identidades e o exercício da após a matrícula, obedecidas as exigências da
cidadania plena, ou seja, as especificidades do proposta pedagógica e observados os princípios
processo de pensamento, da realidade sócio- contemplados nestas diretrizes, em especial a
econômica, da diversidade cultural, étnica, de religião articulação teoria e prática ao longo do curso.
e de gênero, nas situações de aprendizagem;
Art. 4º No desenvolvimento das propostas pedagógicas
IV - avaliar a adequação das escolhas feitas no das escolas, os professores formadores, independente
exercício da docência, à luz do processo constitutivo da área ou núcleo onde atuam, pautarão a abordagem
da identidade cidadã de todos os integrantes da dos conteúdos e as relações com os alunos em
comunidade escolar, das diretrizes curriculares formação, nos mesmos princípios que são propostos
nacionais da educação básica e das regras da como orientadores da participação dos futuros
convivência democrática; docentes nas atividades da escola campo de estudo,
bem como no exercício permanente da docência.
V - utilizar linguagens tecnológicas em educação,
disponibilizando, na sociedade de comunicação e Art. 5º A formação básica, geral e comum, direito
informação, o acesso democrático a diversos valores e inalienável e condição necessária ao exercício da
conhecimentos. cidadania plena, deverá assegurar, no curso Normal,
as competências gerais e os conhecimentos que são
Art. 3º Na organização das propostas pedagógicas para previstos para a terceira etapa da educação básica,
o curso Normal, os valores, procedimentos e nos termos do que estabelecem a Lei 9394/96 -
conhecimentos que referenciam as habilidades e LDBEN, nos arts. 35 e 36, e o Parecer CEB/CNE 15/98.
competências gerais e específicas previstas na
formação dos professores em nível médio serão § 1º Enquanto dimensão do processo integrado de
estruturados em áreas ou núcleos curriculares. formação de professores, os conteúdos curriculares
dessa área serão remetidos a ambientes de
§ 1º As áreas ou os núcleos curriculares são aprendizagem planejados e desenvolvidos na escola
constitutivos de conhecimentos, valores e campo de estudo.
competências e deverão assegurar a formação básica,
geral e comum, a compreensão da gestão pedagógica § 2º Os conteúdos curriculares destinados à educação
no âmbito da educação escolar contextualizada e a infantil e aos anos iniciais do ensino fundamental serão
produção de conhecimentos a partir da reflexão tratados em níveis de abrangência e complexidade
sistemática sobre a prática. necessários à (re)significação de conhecimentos e
valores, nas situações em que são (des)construídos/
§ 2º A articulação das áreas ou dos núcleos (re)construídos por crianças, jovens e adultos.
curriculares será assegurada através do diálogo
instaurado entre as múltiplas dimensões do processo Art. 6º A área ou o núcleo da gestão pedagógica no
de aprendizagem, os conhecimentos, os valores e os âmbito da educação escolar contextualizada, em
vários aspectos da vida cidadã. diálogo com as demais áreas ou núcleos curriculares
das propostas pedagógicas das escolas, propiciará o
§ 3º Na observância do que estabelece o presente desenvolvimento de práticas educativas que:
artigo, a proposta pedagógica para formação dos
futuros professores deverá garantir o domínio dos I – integrem os múltiplos aspectos constitutivos da
conteúdos curriculares necessários à constituição de identidade dos alunos, que se deseja sejam
competências gerais e específicas, tendo como afirmativas, responsáveis e capazes de protagonizar
referências básicas: ações autônomas e solidárias no universo das suas
relações;
I - o disposto nos artigos 26, 27, 35 e 36 da Lei
9.394/96; II – considerem a realidade cultural, sócio-econômica,
de gênero e de etnia, e também a centralidade da
II - o estabelecido nas diretrizes curriculares nacionais educação escolar no conjunto das prioridades sociais a
para a educação básica; serem consensuadas no país.

III - os conhecimentos de filosofia, sociologia, história e Parágrafo Único. Nessa abordagem, a problematização
psicologia educacional, da antropologia, da das escolhas e dos resultados que demarcam a
comunicação, da informática, das artes, da cultura e identidade da proposta pedagógica das escolas campo
da lingüística, entre outras. de estudo toma como objeto de análise:

§ 4º A duração do curso normal em nível médio, I - a escola como instituição social, sua dinâmica
considerado o conjunto dos núcleos ou áreas interna e suas relações com o conjunto da sociedade, a
curriculares, será de no mínimo 3.200 horas, organização educacional, a gestão da escola e os
distribuídas em 4 (quatro) anos letivos, admitindo-se: diversos sistemas de ensino, no horizonte dos direitos
dos cidadãos e do respeito ao bem comum e à ordem
democrática;
I – a possibilidade de cumprir a carga horária mínima
em 3(três) anos, condicionada ao desenvolvimento do
curso com jornada diária em tempo integral; II - os alunos nas diferentes fases de seu
desenvolvimento e em suas relações com o universo
familiar, comunitário e social, bem como o impacto

72
dessas relações sobre as capacidades, habilidades e (*) CNE/CEB. Resolução CEB nº 2/998. Diário Oficial,
atitudes dos estudantes em relação a si próprios, aos Brasília, 23 abr. 1999. Seção 1, p. 97.
seus companheiros e ao conjunto das iniciativas que
concretizam as propostas pedagógicas das escolas. [Volta ao início do documento]
[Volta para página LEGISLAÇÃO]
Art. 7º A prática, área curricular circunscrita ao
processo de investigação e à participação dos alunos
no conjunto das atividades que se desenvolvem na
escola campo de estudo, deve cumprir o que
determinam especialmente os artigos 1° e 61 da Lei
9.394/96 antecipando, em função da sua natureza,
situações que são próprias da atividade dos
professores no exercício da docência, nos termos do
disposto no artigo 13 da citada Lei.

§ 1º A parte prática da formação, instituída desde o


início do curso, com duração mínima de 800
(oitocentas) horas, contextualiza e transversaliza as
demais áreas curriculares, associando teoria e prática.

§ 2º O efetivo exercício da docência na educação


infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental,
pelos alunos em formação, é parte integrante e
significativa dessa área curricular.

§ 3º Cabe aos respectivos sistemas de ensino, em


cumprimento ao disposto no parágrafo anterior,
estabelecer a carga horária mínima dessa docência.

Art. 8º Os cursos normais serão sistematicamente


avaliados, assegurando o controle público da
adequação entre as pretensões do curso e a qualidade
das decisões que são tomadas pela instituição, durante
o processo de formulação e desenvolvimento da
proposta pedagógica.

Art. 9º As escolas de formação de professores em nível


médio na modalidade Normal, poderão organizar, no
exercício da sua autonomia e considerando as
realidades específicas, propostas pedagógicas que
preparem os docentes para as seguintes áreas de
atuação, conjugadas ou não:

I – educação infantil;

II – educação nos anos iniciais do ensino fundamental;

III – educação nas comunidades indígenas;

IV – educação de jovens e adultos;

V – educação de portadores de necessidades


educativas especiais.

Art. 10. Cabe aos órgãos normativos dos sistemas de


ensino, em face da diversidade regional e local e do
pacto federativo, estabelecer as normas
complementares à implementação dessas diretrizes.

Art. 11. Esta Resolução entra em vigor na data de sua


publicação.

Art. 12.Revogam-se as disposições em contrário.

ULYSSES DE OLIVEIRA PANISSET


Presidente da Câmara de Educação Básica
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