O conceito de modo de produção 1
Cesar Mangolin de Barros
Introdução
O presente texto tem por objetivo auxiliar aos que se iniciam no estudo
do pensamento marxista na compreensão específica do conceito de modo de
produção.
Para tanto, está dividido em duas partes principais. A primeira trata do
conceito de modo de produção propriamente dito e a segunda é o comentário
de alguns trechos selecionados do prefácio a “Crítica da Economia Política”, de
Karl Marx (1859).
Na primeira parte se tratou dos principais elementos teóricos do conceito
de modo de produção e também do de formação social; os comentários da
segunda parte têm por função acrescentar alguns aspectos e exemplos que
parecem importantes para essa introdução.
Procurouse indicar obras de referência para que um estudo mais
aprofundado possa ser iniciado.
1
Este texto foi escrito exclusivamente como material de apoio e introdutório aos participantes
do Módulo Marxismo, do Curso Livre de Humanidades – UMESP.
2
A ciência da história, ou o materialismo histórico, novo campo científico
aberto por Marx, tem alguns conceitos fundamentais. Dentre eles figuram os de
modo de produção, o de formação social e de transição de um modo de
produção a outro. Todos se interligam e, ao mesmo tempo, internos a cada um
deles, há uma série de outros conceitos fundamentais.
O conceito de modo de produção é um dos mais importantes do
pensamento marxista. Conhecêlo significa compreender parte essencial da
obra teórica de Marx e Engels.
Quando tratamos do conceito de modo de produção temos que abordar,
necessariamente, o papel das estruturas, a determinação em última instância
do econômico e a estrutura dominante, as relações de produção e forças
produtivas, além da transição de um modo de produção a outro, embora esse
último possa ser separado.
Também é interessante ressaltar desde o início que o conceito de modo
de produção, bem como o materialismo histórico, é resultado de uma trajetória
intelectual e militante de Marx e Engels, que passaram por outras influências
teóricas antes de desenvolver sua própria e original teoria, portanto, estão
presentes e se desenvolvem a partir de um determinado momento do
pensamento de ambos, particularmente a partir de 1845.
Pegando o exemplo de Marx: em 1845, quando ocorre o que se chamou
aqui de corte epistemológico, ele tinha apenas 27 anos! Um jovem que já havia
passado e produzido obras de profundidade em outras correntes do
pensamento filosófico e que, ainda que tão jovem, chegava a um nível de
maturidade intelectual que lhe permitiu o desenvolvimento de uma nova e
fecunda teoria. É absurdo procurar nesse jovem uma única e mesma teoria.
Como todo e qualquer mortal que se aventura nesse campo, é razoável que ele
tenha permanecido durante algum tempo sob a influência de outras correntes
até que sua própria reflexão teórica, à luz de sua prática política e do processo
histórico, lhe permitiu o descortinar de um novo campo. Isso nos remete ao
segundo aspecto mencionado: foi ligando o processo real à reflexão teórica
que Marx galgou esse caminho.
2
Ver o texto indicado: “Prefácio para a Crítica da Economia Política”, de 1859.
3
Ver: ALTHUSSER, Louis. Sobre o Jovem Marx. In: ALTHUSSER, Louis. Análise crítica da
teoria marxista (Pour Marx). Rio de janeiro: Zahar, 1967. p.3974
ALTHUSSER, Louis. Marxismo e humanismo. In: ALTHUSSER, Louis. Análise crítica da
teoria marxista (Pour Marx). Rio de janeiro: Zahar, 1967. p.194220.
4
cumprisse seu papel de condutor do humano à sua essência, que era a
liberdade e a razão 4 , daí sua insistência inicial na liberdade de imprensa.
Por fim, (1845 em diante) Marx rompe “com a teoria que funda a história
e a política em uma essência do homem” 7 , compreende qual o papel real do
Estado, seu caráter de classe, que as relações sociais de produção e a
estrutura econômica ocupam um papel fundamental na configuração de uma
formação social e vão surgindo assim os novos conceitos de modo de
produção, de luta de classes, de revolução etc.
Nessa nova fase, na qual se desenvolve o materialismo histórico, os
homens não são tratados mais como indivíduos alienados ou uma classe alienada,
4
Cf. ALTHUSSER, Louis. Marxismo e humanismo. In: ALTHUSSER, Louis. Análise crítica da
teoria marxista (Pour Marx). Rio de janeiro: Zahar, 1967. p197.
5
Idem. Ibidem. p.199
6
Idem. Ibidem. p.199
7
Idem. Ibidem. p.200
5
que bastaria tomar consciência de classe para que emancipe não somente a si
própria, mas por uma predestinação da história, a humanidade inteira.
Na introdução a primeira edição de “O Capital”, de 1867, o próprio Marx
expressa como percebe os homens ou os indivíduos e, portanto, o rompimento
com a fase anterior:
“aqui só se trata de pessoas à medida que são personificações
de categorias econômicas, portadoras de determinadas
relações de classe e interesses. Menos do que qualquer outro,
o meu ponto de vista, que enfoca o desenvolvimento da
formação econômica da sociedade como um processo
históriconatural, pode tomar o indivíduo responsável por
relações das quais ele é, socialmente, uma criatura, por mais
que ele queira colocarse subjetivamente acima delas.” 8
1 – O conceito de modo de produção
Marx diz que mais importante do que o que produz a humanidade num
certo momento é como a humanidade se organiza para executar essa
produção. Em outras palavras, para se compreender o conceito de modo de
produção é preciso considerar esse aspecto central: as relações específicas
8
MARX, Karl. O Capital. 3ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. p.19.
6
que são postas em movimento pelos humanos numa dada sociedade, com a
intenção de produzir e reproduzir sua vida material.
Isso quer dizer que as relações sociais de produção sempre ocorrem
debaixo de uma estrutura jurídicopolítica (forma de Estado, sistema jurídico,
conjunto de leis, aparelho repressivo) que tem por papel legitimar e garantir a
reprodução do modo de produção, ou seja, dar possibilidade constante das
condições necessárias para sua continuidade, inclusive frustrando a
organização política das classes antagônicas. Também a estrutura ideológica
tem o papel de gerar representações das próprias práticas e da inserção dos
grupos e dos indivíduos nessas práticas, no sentido de tornar essas relações
viáveis aos olhos das classes, permitindo assim a coesão social, a resignação
e a possibilidade de a classe dominante exercer plenamente sua dominância.
Podese dizer, portanto, que um modo de produção é um “todo
complexo com dominante” 9 . O que isso quer dizer?
Quer dizer que um modo de produção é determinado pela existência de
estruturas, pelo menos três: a econômica, a jurídicopolítica e a ideológica,
sendo que a estrutura econômica é sempre determinante em última instância.
“(...) a estrutura com determinação do todo comanda a própria
constituição a natureza – das estruturas regionais, atribuindo
lhes o lugar respectivo e distribuindolhes funções: por
9
Cf. POULANTZAS, Nicos. Poder político e classes sociais. Porto: Portucalense, 1971. p.08.
7
conseguinte, as relações que constituem cada nível nunca são
simples, mas antes sobredeterminadas pelas relações dos
outros níveis” 10
Isso quer dizer que, ainda que sempre determinante em última instância,
a estrutura econômica, dependendo do modo de produção, atribui a uma das
outras estruturas o papel dominante, ou seja, as duas outras estruturas, ou a
estrutura econômica mesma, tem um papel dominante no sentido de cumprir
uma tarefa especial para a reprodução das relações sociais de produção
específicas de um modo de produção especifico.
“a determinação, em última instância, da estrutura do todo pelo
econômico não significa que o econômico aí detenha sempre o
papel dominante. Se é verdade que a unidade, representada
pela estrutura com dominante, implica que todo modo de
produção possui um nível ou uma instância dominante, de fato
o econômico só é determinante na medida em que atribui a
esta ou aquela instância o papel dominante” 11
A definição de um modo de produção depende, portanto, da análise da
articulação especifica das estruturas, sempre considerando a determinação em
última instância pela estrutura econômica.
Portanto, podese dizer que a caracterização de um modo de produção
depende do reconhecimento de como as relações sociais de produção são
reproduzidas, ou seja, quais as determinações da permanência contínua da
reprodução do modo de produção, o que nos leva, necessariamente, a ter que
desvendar: quais são as características essenciais dessas relações sociais de
produção; como estão distribuídos os meios de produção (propriedade dos
meios de produção); como se dá a apropriação do que é produzido; como
estão dispostos os humanos nessas relações sociais de produção (as classes
sociais); a forma de Estado e de todo o aparelho jurídicopolítico derivado
dessas relações e essenciais para a reprodução, bem como as representações
ideológicas que permitem até certo ponto a coesão social.
10
Idem. Ibidem. p. 0809.
11
Idem. Ibidem. p.09
8
Na análise da história podese perceber a existência de diversos modos
de produção. Essa teoria, apenas esboçada, do modo de produção é somente
uma teoria geral, que não existe em estado puro concretamente, daí a
necessidade de acrescentar outro conceito: o de formação social.
2 – Modo de produção e formação social.
Foi dito acima que a teoria até aqui esboçada do modo de produção é
apenas uma teoria geral, válida para todos os modos de produção, assim como
também existem teorias particulares, ou seja, a teoria geral serve de referência
para a construção de teorias especificas de vários modos de produção que já
existiram (por ex.: comunidade primitiva, escravismo, feudalismo, capitalismo
etc), assim como possibilita a construção, apenas teórica, de modos de
produção inexistentes concretamente (por ex., o modo de produção
comunista).
“O modo de produção constitui um objeto abstratoformal que,
no sentido rigoroso do termo, não existe na realidade. Os
modos de produção capitalista, feudal, escravagista,
constituem igualmente objetos abstratoformais, visto também
não possuírem essa existência. De fato, existe apenas uma
formação social historicamente determinada, isto é, um todo
social – no sentido mais vasto – num dado momento de sua
existência histórica” 12
12
Idem. Ibidem. p.09
9
“Podemos, pois, finalmente traçar o quadro dos elementos de
qualquer modo de produção, invariantes da análise das formas:
1. Trabalhador;
2. Meios de produção;
1. Objeto de trabalho;
2. Meio de trabalho;
3. Nãotrabalhador;
A. relação de propriedade;
B relação de apropriação real ou material “ 13
Se as teorias dos modos de produção se constituem em objetos
abstratoformais, as formações sociais são objetos reaisconcretos, originais
sempre porque são singulares. 14
Isso quer dizer que numa formação social específica sempre há mais de
um modo de produção num mesmo momento, que coexistem, embora também
aí exista um que exerça o papel dominante. Por isso foi dito acima que os
modos de produção não ocorrem na forma pura.
Lênin, no início do século XX, percebia a existência de vários modos de
produção na Rússia. Poulantzas indica que a Alemanha na época de Bismarck
possuía o modo de produção capitalista, feudal e patriarcal. Pegando o
exemplo do Brasil atual, podemos encontrar outros modos de produção que
não somente o capitalista: escravista, relações nãocapitalistas no campo, que
podem caracterizar um modo de produção específico; comunidade primitiva
(em alguns poucos povos que insistimos em chamar de “índios”).
13
BALIBAR, Etienne. Os conceitos fundamentais do materialismo histórico. In: ALTHUSSER,
Louis; BALIBAR, Etienne; ESTABLET, Roger. Para ler o capital. Vol.02. Rio de janeiro: Zahar,
1980. p.170.
14
POULANTZAS, op. cit.. p.09
10
3 – Comentários sobre os trechos extraídos 15 do texto indicado. 16
O prefácio à obra “Crítica da Economia política”, de Karl Marx, foi escrito
em 1859.
Numa tentativa de síntese, Marx expõe ali seu caminho ao materialismo
histórico e procura identificar seus principais aspectos.
15
Os trechos do texto selecionados estão nos slides da aula.
16
O texto indicado referido aqui é o “Prefácio para a Crítica da Economia Política”, de Karl
Marx. Uma cópia do texto pode ser obtida em:
http://cesarmangolin.files.wordpress.com/2010/02/marxprefaciocriticadaeconomia
politica1.pdf e também em: http://cursohumanidades.files.wordpress.com/2010/02/curso
marxismoaulaoconceitodemododeproducaotextoindicadomarxprefaciocriticada
economiapolitica.pdf
Os trechos comentados aqui estão nos slides da aula e podem ser obtidos em:
http://cursohumanidades.files.wordpress.com/2010/02/cursomarxismoaulaoconceitode
mododeproducaoprofcesarmangolin.ppt
11
Essa concepção teve e continua a ter interferências graves na tática das
organizações revolucionárias. Diversos autores já combateram o desvio
economicista (esse e o que deriva das concepções idealistas, geralmente
sustentadas pelas obras de juventude de Marx).
Não há espaço aqui para uma discussão maior sobre as teorias da
transição de um modo de produção a outro, bem como para o correto
tratamento das forças produtivas e das relações sociais de produção..
Remetemos, portanto, o leitor ao texto citado de Balibar 17 para, a partir dele, e
de suas indicações, aprofundar o tema.
Dito isto, são reproduzidos abaixo os trechos extraídos do texto indicado
como leitura complementar com seus respectivos e sintéticos comentários.
17
BALIBAR, Etienne. Os conceitos fundamentais do materialismo histórico. In: ALTHUSSER,
Louis; BALIBAR, Etienne; ESTABLET, Roger. Para ler o capital. Vol.02. Rio de janeiro: Zahar,
1980. p.170.
Uma cópia desse texto pode ser obtida em:
http://cesarmangolin.files.wordpress.com/2010/02/balibarsobreosconceitosfundamentaisdo
materialismohistorico.pdf
12
3.1. Comentários.
As relações estabelecidas de antemão, portanto, tornamse as relações de
todos, que são distribuídos em determinados lugares sociais específicos (as
classes sociais). São as relações sociais predominantes que determinam as
classes sociais e, por conseguinte, a inserção dos indivíduos nessas relações
de acordo com seu pertencimento de classe, ou seja, ocupando um lugar e
desempenhando um papel específico no processo produtivo.
Essas relações de produção têm ligação com o desenvolvimento das forças
produtivas (conhecimento técnico, meios de produção de uma forma geral,
além do próprio humano). Ao mesmo tempo em que as forças produtivas
delimitam as possibilidades das relações de produção, elas têm certo ritmo de
desenvolvimento relacionado às necessidades e características próprias
dessas relações de produção, ou seja, pode ocorrer, como, por exemplo, no
modo de produção capitalista, que as forças produtivas se desenvolvam
rapidamente (o que corresponde a necessidades específicas da própria
reprodução desse modo de produção e também gera contradições)
13
O que Marx chama aqui de superestrutura são as estruturas jurídicopolítica
e ideológica que mencionamos mais acima. É preferível, para não correr o risco
do desvio economicista, como tratamos no início desse ponto, abandonar a
metáfora da base ou estrutura e superestrutura e referirse a elas apenas como
estruturas, ainda que sempre lembrando a determinação em última instância da
estrutura econômica.
Feito isso, o trecho apenas quer dizer que determinadas relações sociais de
produção (que determinam a divisão do trabalho, propriedade dos meios de
produção e apropriação real do que é produzido, formas de exploração do
trabalho, divisão de classes etc.) possuem também formas de Estado
específicas, um conjunto de leis e um aparelho jurídicopolítico, dotado também
de forças coercitivas (forças armadas, sistema penal etc.), voltados para
garantir as condições da produção e, portanto, também as condições de
reprodução do modo de produção. Os modos de produção possuem formas
diversificadas do direito, organização diversa do Estado, que atendem aos
requisitos básicos da reprodução e de sua legitimação. Há a interferência da
estrutura jurídicopolítica também na estrutura econômica, o que explica porque
se insiste aqui que ela não é somente uma derivação mecânica desta última.
Como exemplo, no modo de produção capitalista, através do pensamento
liberal, do pensamento positivista e outras bases teóricas que fundamentam e
legitimam teoricamente a ordem burguesa, o tema das classes sociais ao
menos aparece. Na raiz disso está a percepção de que são as relações
mercantis 18 que regulam todas as relações, tornando a todos os indivíduos
livres, formalmente iguais, proprietários privados de mercadorias que, nessas
condições, se encontram no “mercado” ora para vender sua mercadoria (no
caso dos trabalhadores, sua força de trabalho em troca de salário), ora como
compradores (dos gêneros necessários para sua subsistência e reprodução).
18
Para ler um estudo breve sobre o papel das relações mercantis na base das ideologias
próprias do modo de produção capitalista ver: BARROS, Cesar Mangolin de. Ideologia e
mercado nos quatro primeiros capítulos de “ O Capital” . Há uma versão digital em:
http://cesarmangolin.files.wordpress.com/2010/02/mangolinideologiaemercadonosquatro
primeiroscaptulosdeocapital2009.pdf
Sobre a ideologia ver também: ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado.
Versão digital:
http://cesarmangolin.files.wordpress.com/2010/02/luis_althusser_ideologia_e_os_aparatos_do_
estado1.pdf
Ver também o capítulo sobre a ideologia na obra citada de Nicos Poulantzas e os quatro
primeiros capítulos de “O Capital”, de Marx.
15
ü “ Ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento, as forças
produtivas materiais da sociedade se chocam com as relações de
produção existentes” “ E se abre, assim, uma época de revolução
social” .
Novamente aqui o esforço de síntese de Marx oferece o risco do
economicismo. Esse é um tema bastante polêmico e resta apenas indicar
algumas possibilidades de saída da armadilha do puro e simples
desenvolvimento das forças produtivas.
Como dito mais acima, as forças produtivas (contando aí o próprio
humano) se desenvolvem num ritmo mais ou menos associado às
necessidades da reprodução do próprio modo de produção. Ocorre que a
reprodução de um modo de produção, assim como o desenvolvimento das
forças produtivas não são também lineares, obedecendo a uma definição
positivista de desenvolvimento (associado a progresso e evolução), no sentido
sempre do pior para o melhor.
poder entre as classes e frações de classe dominantes; uma crise que piora as
condições de vida dos trabalhadores; a ação política autônoma dos
trabalhadores. Tais elementos constituem um momento de crise revolucionária,
que é quando nenhuma das classes pode prosseguir nas mesmas condições
sem mudanças mais ou menos radicais. Isso não indica ainda que a revolução
seja fatalmente vitoriosa, mas apenas que, havendo a ação política autônoma
dos trabalhadores e caso estes consigam alcançar organização e força
suficiente, a tomada do poder político é possível e um processo de transição
pode se abrir.
Tampouco a tomada do poder político representa a vitória da revolução. Esse
período, no qual se procura transformar as relações sociais de produção, é
iniciado sobre a base material do modo de produção capitalista que é
lentamente transformado, mantendo ainda não somente a burguesia, que
acaba de sofrer uma derrota política séria, mas também as ideologias próprias
do modo de produção capitalista em atividade, até que a transformação das
relações sociais de produção produza novas representações e,
conseqüentemente, uma nova forma de compreensão do próprio humano, de
sua vida e sua inserção das relações sociais de produção transformadas. Isso
significa que a transição exige um período longo de transformação permanente,
sempre com o risco da restauração da velha ordem ou de novas formas do
capitalismo, como o capitalismo de Estado. Como dizia Mao Tse Tung, a
transição é marcada pelo acirramento da luta de classes.
que apenas critérios internos da organização que se julga resultado de um
aprimoramento da sociedade humana podem servir como critério comparativo
entre esta e outra do passado, na qual se vai buscar o que está ausente nesta
e presente na primeira. Por isso o positivismo tem que insistir tanto na questão
da técnica e da ciência para justificar sua compreensão de que a sociedade
industrial é o nível mais elevado do desenvolvimento das sociedades humanas.
Segundo, os modos de produção não seguem uma escala sucessória em todos
os cantos do mundo e igual para todos os povos. Os modos de produção são
possibilidades históricas apenas e nada pode ser utilizado para se sustentar
que ao modo de produção capitalista sucederá, necessariamente, a transição
socialista e o modo de produção comunista. Estes últimos aparecem como
possibilidades históricas, que dependem de fatores objetivos e subjetivos (a
ação política dos trabalhadores) para se concretizarem. Não se pode esquecer
que, nesse momento, também é uma possibilidade histórica a autodestruição
humana (por conta da crise ambiental provocada pela reprodução do
capitalismo e também pelas poderosas armas desenvolvidas pelas potências
capitalistas para salvaguardar e garantir seus interesses de qualquer ameaça,
ou seja, os interesses do capital).
Portanto, o socialismo e o comunismo são possibilidades abertas e não
um destino histórico determinado pelo desenvolvimento lógico do modo de
produção capitalista e seu esgotamento (seja por causa do desenvolvimento
das forças produtivas, seja por causa da interpretação um tanto quanto
messiânica do proletariado que, ao tomar consciência de classe, emancipa não
somente a si mesmo como classe, mas a toda sociedade humana. Isso parece
fazer acreditar que o proletariado tem uma função redentora, um papel histórico
a ser cumprido, assim como o filho de Deus o tinha ao tornarse homem: salvar
a humanidade do pecado e da distância com seu Deus, nesse caso; salvar a
humanidade da alienação, no outro. Em ambos, a promessa da sociedade
perfeita e da felicidade infinita: o Reino dos Céus ou o comunismo!)
Tendo ficado isso mais ou menos elucidado, ainda que de forma rápida,
se retoma o trecho citado para insistir que há ali uma inversão. As experiências
18
revolucionárias, tanto as burguesas (ver os casos da Inglaterra, EUA e França,
também o desenvolvimento do capitalismo no Brasil, por exemplo) quanto as
proletárias ao longo do século XX, demonstram que ocorre, antes, uma
defasagem entre as estruturas do modo de produção até então vigente. Essa
defasagem se dá entre a estrutura jurídicopolítica e a econômica e é marcada
pela tomada do poder político e pela transformação da estrutura jurídico
política antes da transformação na estrutura econômica. Não há indício do
surgimento das relações de produção próprias da sociedade comunista dentro
dos marcos do modo de produção capitalista. O que pode haver é a
contradição, ou seja, a possibilidade objetiva de se chegar àquela, mas a
continuidade das contradições desse último.
É, de qualquer forma, somente após a tomada do poder político que se
inicia a transformação da estrutura econômica. Somente os que confundem a
expansão comercial e as contradições que gera dentro da ordem feudal com o
modo de produção capitalista já estruturado (produto, portanto, da revolução
industrial) é que podem tentar procurar o surgimento do capitalismo já dentro
da ordem feudal. Alguns autores tentam demonstrar que a existência de
cooperativas de produção poderia ser a evidência de que surgem relações que
já apontam para a nova sociedade dentro da ordem capitalista. Tanto a
revolução inglesa, do século XVII, quanto a revolução francesa, do fim do
século XVII, ainda a guerra de secessão da segunda metade do século XIX,
nos EUA e o movimento que põe fim à escravidão e marca o advento da
República no Brasil, no fim do século XIX, são eventos que marcam a
constituição de um novo tipo de Estado (o Estado burguês), que cria as
condições para que o capitalismo propriamente dito se desenvolva. Em alguns
casos, como no inglês mesmo, primeiro país capitalista, esse novo Estado abre
caminho para que a possibilidade histórica que era o capitalismo se
desenvolvesse e se concretizasse, sendo seguido por outros tantos países
depois, abarcando quase que todo o planeta na atualidade.
19
Considerações finais
Pôde ser visto que o conceito de modo de produção assume importância
central para a compreensão do materialismo histórico.
Vale estudálos para entender a cada um, embora o modo de produção
capitalista e suas especificidades seja mais importante, pelo menos pelo fato
de vivermos em uma formação social capitalista e em um mundo capitalista.
Esse texto, portanto, que teve apenas a intenção de servir de introdução
e suporte para a aula do curso, pode servir também para o início do
aprofundamento do tema. A bibliografia indicada e utilizada aqui pode ser um
bom começo para esses estudos.