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“COMO FAREMOS PARA DESAPARECER?

Rafael Mófreita Saldanha


Graduando em Filosofia da UFRJ

RESUMO

O jovem Nietzsche, ao criticar a linguagem da representação e elevar a linguagem


literária/metafórica de seu segundo plano usual para a única possibilidade de linguagem,
acaba por prender todos nós num jogo de relações onde simplesmente nos
transportamos entre metáforas sem nunca poder sair da linguagem. Pretende-se aqui
comentar a sequência dada a essa reflexão Nietzschiana da linguagem que se extende
tanto pela própria literatura do final do século XIX e do século XX quanto na filosofia
pós-nietzschiana, pelo pensamento de Maurice Blanchot. Este irá nos propor uma saída
da linguagem através da observação do uso simbólico da linguagem, diferente da
alegoria que simplesmente nos deixa ainda presa a linguagem, por parte,
principalmente, da literatura.

Palavras-chave: Blanchot. Linguagem. Símbolo.

Preâmbulo

Antes de começar preciso confessar um defeito meu. Faço isso pois aquilo que vou falar
não passa de uma justificativa para persistir nessa errância. Não se trata de um defeito
singular, só meu – muitos outros também devem ter tomado essa via canhestra que se
caracteriza por um demorar-se junto ao literário. Para mim, para nós, o mundo é, antes
de qualquer coisa, palavra, o mundo é ficção, o mundo é desvio. Se desviar para sempre
pelo labirinto da palavra literária é o meu, o nosso destino. Portanto, se estou aqui, é
para dar voz àqueles, que como eu, escolheram silenciosamente, sem anúncios, essa
trilha de desvios.
Mas a nós, que não somos nem cavaleiros da fé nem super-homens,
só resta, por assim dizer, trapacear com a língua, trapacear a
língua.

Roland Barthes

Se só falamos das coisas para dizer por que não são nada, pois bem,
nada dizer – eis a única esperança de dizer tudo delas.

Maurice Blanchot

1. Introdução

Se tradicionalmente somos educados no espírito cartesiano para expressar nossos


pensamentos, sob (ADORNO, 2004, p.31) “os ideais de clara et distinctia perceptio e
da certeza livre de dúvida”, a tentativa de alcançar a verdade através de uma forma que
privilegia justamente o desvio da certeza e a dissimulação pela forma não será tomada
como método válido. Mais longe, porém, ficará a ficção; além de qualquer possibilidade
de participar da binariedade válido-inválido/correto-incorreto. Contra o espírito
cartesiano de correção, esse espírito que se auto-postula guardião da verdade, contra
esse espírito que teima em exilar a literatura, se insurgirão pensadores, que, se não são
dessa tradição, ao menos, provêm dela. Estes que não se cansarão de denunciar os
limites desse pensamento claro, objetivo, limitado.

Maurice Blanchot será um desses rebeldes. Escritor, no sentido mais forte do termo,
Blanchot não será um mero pensador que por acaso escreve ficção. Muito menos um
pensador que pensa simplesmente a linguagem. É através da linguagem que atua esse
insurgente. Escrever com uma linguagem literária será, na verdade, sua única salvação –
caminho que também leva a sua morte. Cabe a nós, portanto, tentar entender sua
linguagem como fuga da representação – mas fuga para onde? Tentarei traçar aqui a
rota de seu desaparecimento.
2. Nietzsche armado de metáforas

Outro dos interventores que buscará denunciar a suposta polidez do cartesianismo


moderno será Friedrich Nietzsche. Se para Descartes não há outra forma do pensamento
que não seja ideal e clara, como ele declara em seu Discurso do método (1983, pp. 31-
32, grifo nosso):

Eu apreciava muito a eloqüencia e estava enamorado da poesia; mas


pensava que uma e outra eram dons do espírito, mais do que frutos
do estudo. Aqueles cujo raciocínio é mais vigoroso e que melhor
digerem seus pensamentos, a fim de torná-los claros e inteligíveis,
podem sempre persuadir melhor os outros daquilo que propõem,
ainda que falem apenas baixo bretão e jamais tenham aprendido
retórica.

Para Nietzsche a forma será justamente uma das questões principais do pensamento,
visto que sem aquela este simplesmente não teria como aparecer. A questão da
expressão, portanto, é fundamental.

Isso fica muito claro em Introdução teorética sobre a verdade e a mentira no sentido
extramoral onde ao pensar as origens, não da verdade, mas de um instinto de verdade
((NIETZSCHE, 2001, p. 66) “De onde, nesta constelação, poderia vir ao mundo o
instinto de verdade?”) surge a necessidade de se pensar a relação entre verdade e
linguagem. Ao buscar esse instinto a conclusão com que Nietzsche vai se deparar é que
antes da própria idéia de verdade surge uma necessidade de verdade. Se antes os
homens estão (NIETZSCHE, 2001, p. 65) “profundamente mergulhados nas ilusões e
devaneios” não tardará para que surja no homem uma voz que queira dar ordem a toda
essa desordem a fim de que se possa alcançar um termo mínimo de entendimento. O
homem busca esse entendimento não por desgosto à dissimulação, qualidade importante
ao homem, mas pelas (NIETZSCHE, 2001, p. 66) “conseqüências deploráveis e
adversas de certos tipos de ilusão”. Da mesma maneira, inversamente, é querida a
verdade, onde o desejado são (NIETZSCHE, 2001, p. 66) “as conseqüências agradáveis
da verdade, as que conservam a vida”. Nietzsche continua: o homem (2001, p. 66) “é
indiferente ao conhecimento puro e sem desdobramentos”. Seria então, desde a
necessidade de um entendimento, na busca por uma equivalência entre a língua e as
coisas que se estabeleceriam convenções determinadoras de designações válidas e
inválidas para as coisas. Começa a surgir assim os primeiros critérios daquilo que
posteriormente se transformará – pelo esquecimento do pacto inicial – em verdade e
mentira.

Mas se o homem procura na linguagem a sua salvação, isto só é possível, como já foi
antecipado, por um esquecimento. Esquecer que a linguagem é arbitrária, que ela não
possui nenhuma relação com as coisas de que fala, é o que faz o homem pensar em
verdade e mentira. Nietzsche dirá que a linguagem é, desde o seu início, metafórica e
que, por isso mesmo, já sempre distante da coisa-em-si e de uma possível adequação, ou
correspondência, entre o discurso e a coisa-em-si. O movimento que se dá na linguagem
é justamente o contrário de uma adequação, é um transporte: (NIETZSCHE, 2001, p.
67) “a cada vez um salto completo de uma esfera a outra esfera”. Nem mesmo podemos
falar da metáfora como essência da linguagem, visto que pensar o conceito já é se opor
a essa radicalidade metafórica da linguagem. (NIETZSCHE, 2001, p. 67, grifo nosso)

Toda palavra imediatamente torna-se conceito pelo fato de que não


deve servir de forma precisa à experiência original [...], que permitiu
o seu nascimento, quer dizer, como lembrança que deve servir ao
mesmo tempo a inúmeras experiências mais ou menos análogas, isto
é, falando com rigor, jamais idênticas, não devendo pois convir
senão a casos diferentes. Todo conceito nasce da identificação do
não idêntico.

Armado, nesse momento, Nietzsche ataca a verdade objetiva (2001, p. 69):

O que é então a verdade? Uma multiplicidade incessante de


metáforas, de metonímias, de antropomorfismos, em síntese, uma
soma de relações humanas que foram poética e retoricamente
elevadas, transpostas, ornamentadas, e que, após um longo uso,
parecem a um povo firmes, regulares e constrangedoras; as verdades
são ilusões cuja origem está esquecida, metáforas que foram usadas e
que perderam a sua força sensível
Não haverá portanto, como fugir da metáfora. Qualquer movimento que fizermos dentro
da linguagem, qualquer expressão, será sempre um transporte de sentido, sempre
distante, tão distante1, de sua origem, essa que já não passa de inalcançável, tão tarde
que sempre chegamos.

3. Assassinato e sobrevivência

Com o pensamento Nietzschiano parece que de certa formas acabamos enclausurados


na linguagem. Acaba-se com o acesso a verdade através da linguagem ao fechá-la em si
mesma. Mas barrando uma saída da linguagem através da mera representação –
mantemo-nos irremediavelmente na esfera da linguagem – ele acaba por abrir caminhos
mais interessantes mas também mais perigosos. Seguindo uma espécie de zeitgeist,
Nietzshce, junto a Flaubert, Mallarmé e, porque não, Rilke, começa a observar que esse
horizonte em que atuamos, a língua, não é tão natural quanto se pensava. Aqui surge o
momento de falarmos de Maurice Blanchot, que ainda que reconheça a nossa prisão na
linguagem irá apontar para nós uma saída impossível de seus domínios.

Em seu ensaio A literatura e o direito a morte o autor irá abordar, entre outras questões,
as condições de possibilidade da linguagem e, mais especificamente, da linguagem
literária. Para ele não haverá uma naturalidade na língua pois para que ela aconteça ao
se impor um nome às coisas é preciso que haja um movimento de choque contra a
realidade. Como a palavra só se faz na distância do objeto referido é preciso que antes
se force uma ausência. Só através do aniquilamento da realidade de um objeto é que se
cria a distância para o aparecimento da palavra. Blanchot diz (1997, p. 311):

O sentido da palavra exige, portanto, como preâmbulo a qualquer


palavra, uma espécie de imensa hecatombe, um prévio dilúvio,
mergulhando num mar completo toda a criação. Deus havia criado os
seres, mas o homem teve de aniquilá-los.

1
Distância melancólica para o homem moderno, cartesiano.
Aí entra uma idéia fundamental para Blanchot que será a idéia de morte na linguagem.
O que não quer dizer que haja uma morte no sentido tradicional. Blanchot continua
(1997, pp. 311-312):

Certamente a linguagem não mata ninguém. No entanto: quando digo


“essa mulher”, a morte real é anunciada e já está presente em minha
linguagem; quer dizer que essa pessoa que está ali agora pode ser
separada dela mesma, subtraída à sua existência e à sua presença e
subitamente mergulhada num nada de existência e de presença;
minha linguagem significa essencialmente a possibilidade dessa
destruição; ela é, a todo momento, uma alusão resoluta a esse
acontecimento. Minha linguagem não mata ninguém. Mas, se essa
mulher não fosse capaz de morrer, se ela não estivesse a cada
momento de sua vida ameaçada de morte, ligada e unida a ela por um
laço de essência, eu não poderia cumprir essa negação ideal, esse
assassinato diferido que é minha linguagem.

Quando se diz, portanto, morte, fala-se de um desaparecimento do objeto real para que
haja espaço para o discurso se formar. Há aqui um movimento traiçoeiro que se insinua
já que falar depende justamente da ausência daquilo que se fala. Não há vida completa –
a presença do objeto desaparece – e nem morte final – o objeto ainda se anuncia, como
um por-vir ou até mesmo um fantasma. O poder da linguagem, antes de anunciar uma
potência, irá nos pôr num eterno confronto com a morte revelando tão somente a própria
impotência de se morrer. Irá revelar que há apenas sobrevivência.

Mas enquanto a linguagem corrente irá ainda tomar como possível que se ressucite
aquilo que se matou através da restituição como idéia e como sentido da palavra – ainda
haverá aqui uma crença na realização das intenções da linguagem, visto que, por razões
pragmáticas, não se questionará o valor da própria – no caso da linguagem literária esse
contato com o nada, essa ausência será ainda mais radical. É na linguagem literária que
a própria linguagem entrará em questão. Em oposição a linguagem cotidiana que tomará
a representação como um ato infalível, a linguagem literária será justamente aquela que
se dá conta da precariedade da linguagem. Não basta, porém, simplesmente dizer que a
linguagem é falha, precária, pobre, falível – apenas falar é crer na representação, é ainda
crer que se está realizando uma transmissão pura. É preciso mostrar a impostura da
linguagem.
Há uma frase de Merleau-Ponty sobre Cézanne que irá expressar bem a tarefa do
escritor do fim do século XIX e do século XX (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 127):
“ele visa a realidade e proíbe-se os meios de alcançá-la”. Esses autores querem
denunciar a linguagem – ao escancarar suas aporias que nos jogam para além dela – mas
ao mesmo tempo a única forma que se propõem a fazer isso é escrevendo. Benjamin,
Rilke, Proust, Joyce, Beckett, Blanchot, todos eles, de uma forma ou de outra (aqui não
há metodo) irão tentar trazer o silêncio à escrita.

A linguagem fictícia, também em oposição à linguagem cotidiana, não será uma


referência a algo que existe: ela vem do nada. O movimento da palavra fictícia, diz
Blanchot (1997, p. 315), “transpôs a irrealidade da coisa para a realidade da
linguagem”. Se a linguagem tenta trazer à presença aquilo que ela faz referência, a
linguagem fictícia, por fazer referência a um nada, irá tentar trazer a tona a ausência, o
vazio que precede e possibilita a linguagem. A linguagem da literatura quer
(BLANCHOT, 1997, p. 315) “o que é fundamento da palavra e que a palavra exclui
para dizê-lo, o abismo, o Lázaro do túmulo, e não o Lázaro devolvido ao dia, aquele que
já tem mau cheiro, que é o Mal, o Lázaro perdido, e não o Lázaro salvo e ressucitado”.

4. Nota sobre o fora.

Uma nota é necessária, antes de continuarmos, sobre essa ausência, esse vazio, que
precede a linguagem. Ele é essencialmente um fora da linguagem e do expressável. É
uma experiência do nada – esta que acontece no símbolo devido ao caráter fictício da
linguagem literária. Enquanto no âmbito cotidiano a linguagem é um elemento que
busca representar objetos ausentes, na literatura não faz referência a nenhuma realidade.
Há um movimento de criação de um novo mundo que só se mostra como possível a
partir da negação da realidade. Somente através desse ato negativo é que se instaura a
palavra literária. Situação paradoxal, como já foi dito: a palavra se realiza no seu
desaparecimento. Daí a constante referência de Blanchot a literatura como experiência
da morte. O símbolo nos leva ao nada, salto que se dá pela morte na negação da
realidade através da linguagem.
5. O Salto para fora/para dentro

A linguagem da ficção e do símbolo será a via de (in)acesso ao fora. Antes porém de


nos atentarmos a isso é preciso fazer um breve comentário a cerca da diferença entre
alegoria e símbolo para Blanchot. Penso também que essa distinção acaba por
radicalizar o movimento da metáfora nietzschiana.. Ainda que nenhum dos dois seja
chamado própriamente de metáfora, em ambos está presente o mecanismo de transporte
que atua nestas.

Essa distinção se faz (BLANCHOT, 2005, pp. 125-126) “pela necessidade de subtrair o
símbolo à alegoria”. Blanchot dirá que a alegoria se faz sempre por um transporte numa
ordem do exprimível. Ele diz (BLANCHOT, 2005, p. 126): “a alegoria se desenvolve
(....) sem mudar de nível, segundo uma riqueza que podemos qualificar de horizontal”.
Tem-se uma expressão que acabará remetendo, sem desvios, a outra igualmente
exprimível. Não há possibilidade de se perder nessa teia (BLANCHOT, 2005, p. 126)
“infinita de correspondências” pois (BLANCHOT, 2005, p. 126) “desde o início, temos
o infinito à nossa disposição. Somente esse infinito é precisamente disponível”. O
movimento que ela percorre será bastante parecido com o da representação, quando uma
presença já definida apenas assume outra forma sem deixar de remeter numa ligação
reta e segura à presença original. Exemplo disso é a famosa alegoria da caverna de
Platão: o importante ali não é a jornada do homem saindo da caverna. É evidente que o
filósofo fala de algo maior (assim ele entende) – o que ele quer que se entenda é uma
jornada do homem rumo ao conhecimento e ao saber. Como se vê, na alegoria mantêm-
se um centro que acaba por subordiná-la a um sentido prévio.

(BLANCHOT, 2005, p. 127) “O símbolo tem pretensões muito diferentes”. Ao


contrário da alegoria, cujo remetimento é horizontal, o símbolo é (BLANCHOT, 2005,
p. 127, grifo nosso) “um salto, uma mudança de nível, mudança brusca e violenta, há
exaltação, há queda”, sempre para fora do exprimível. Seria, inclusive, fora da lógica
da compreensibilidade e do entendimento esse salto – é um erro querer compreende-lo.
Seria ir contra o movimento próprio do símbolo levá-lo a outra presença – seria
transforma-lo em alegoria. Blanchot também nos previne de pensar no símbolo como
um buraco numa parede que nos daria acesso à algo além do símbolo. Muito pelo
contrário, diz Blanchot (2005, p. 127),

Se o símbolo é uma parede, é então como uma parede que, longe de


se abrir, se tornaria não somente mais opaca mas de uma densidade,
de uma espessura, de uma realidade tão poderosas e exorbitantes que
ele nos modifica, transforma num instante a esfera de nossos
caminhos e de nossos usos, retira-nos de todo saber atual ou latente,
nos torna maleáveis, nos perturba, nos revira e nos expõe, por essa
nova liberdade, à aproximação de um outro espaço.

E será sempre um (BLANCHOT, 2005, p. 128) “movimento perigoso para baixo, ainda
mais perigoso para cima” pois não há garantias nesse salto. Corre-se, inclusive, grandes
riscos ao se experienciar o símbolo, riscos que comentarei adiante. Não é possível,
também, exemplificar o símbolo – Blanchot até tenta nos dar um exemplo mas de
antemão nos previne que essa tentativa é destinada ao fracasso (BLANCHOT, 2005, p.
128) “porque quando o símbolo é particular, fechado e usual, ele já se degradou”. Não
há mediação possível na experiência simbólica, onde o símbolo age como
(BLANCHOT, 2005, p. 127, grifo nosso) “trampolim para nos elevar, ou nos
precipitar, em direção a uma região outra à qual falta todo acesso”. Eis a grande
dificuldade de se refletir a idéia de símbolo

Não é portanto um simples remeter a outra presença o símbolo. Ele não se confunde
com a representação como a alegoria – Se ele é alguma coisa é justamente um remeter-
nos para fora da linguagem.

Do símbolo, teremos, então, sua experiência: Este nos jogar no fora absoluto, um espaço
que é a própria condição de possibilidade para a literatura2. Não representando nada e
2
A possibilidade para a literatura, a grande questão de Maurice Blanchot, merece uma atenção própria e
aprofundada que não se pode atender nessa breve remissão ao seu pensamento. Nos manteremos apenas
numa citação do artigo A literatura e o direito à morte que possa servir como ponto de partida de um
trabalho futuro: “Então, tomando consciência de que a obra não pode ser projetada, mas apenas realizada,
que ela só tem valor, de verdade e de realidade, pelas palavras que a desenvolvem no tempo e a
inscrevem no espaço, ele [o escritor] começará a escrever, mas a partir do nada e em vista do nada – e, de
acordo com uma expressão de Hegel, como um nada trabalhando no nada.” (BLANCHOT, Maurice. A
parte do fogo. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. p. 294)
não nos levando a lugar algum – isto é, nos levando ao nada –, o símbolo nos jogará
radicalmente para dentro da sua origem, o nada.

Pensando na literatura, que é o nosso propósito, aquele que percorre a trilha do símbolo
será o leitor, e cada experiência será sempre uma experiência singular que irá permitir
que o leitor vá (BLANCHOT, 2005, p. 129) “se unir à obra, por uma paixão que chega
às vezes até a iluminação”. Compelido pela possibilidade de uma revelação iminente o
leitor procurará com cada vez mais força experienciar esse fora que o símbolo
proporciona. Corre-se um risco aqui, que é de o leitor tomar essa experiência simbólica
como a revelação de um outro mundo – mundo que seria da ordem do compreensível e
capturável – (BLANCHOT, 2005, p. 129) “que está por detrás do quadro, por detrás da
narrativa, aquilo que pressentimos vagamente como um segredo eterno”. Justamente
aquilo que é incapturável por essência será caçado pelo leitor que se perdeu
demasiadamente no símbolo: (BLANCHOT, 2005, p. 130) “o resultado disso é a
destruição da obra, como se ela se tornasse uma espécie de peneira, perfurada
incansavelmente pelos insetos do comentário, com o objetivo de facilitar a visão desse
país interior”.

A experiência simbólica ((BLANCHOT, 2005, p. 126) “não há, (...), símbolo, mas uma
experiência simbólica”) se mostrará muito mais fiel à metaforicidade da linguagem ao
manter suas referências irrastreáveis, sempre remetendo a um totalmente outro. A
literatura será, destarte, uma das vias que com mais força se apropriará da idéia de
símbolo.

Quem revelará, porém, mais sobre essa experiência será o autor 3. Diferente do leitor que
sente uma distância a se percorrer para se encontrar o segredo da obra, para o escritor
(BLANCHOT, 2005, p. 130) “o além da obra só é real na obra, é apenas a realidade de
própria obra”. Aquilo que é visto como um salto para fora, será muito mais um salto
para dentro da obra, pois aquilo que (BLANCHOT, 2005, p. 131) “deporta para um
ponto infinitamente exterior é o movimento que a traz de volta a seu próprio segredo, a

3
É possível falar de autor nesses dias?
seu centro, em direção à intimidade a partir da qual ela sempre se gera e é seu prórpio
eterno nascimento”.

A distância para o fora é um caminho que só remete à obra. Salto que ao mesmo tempo
que pula para fora cai sempre cada vez mais para dentro da própria obra.
(BLANCHOT, 2005, p. 131)

É no interior da obra que se encontra o fora absoluto – exterioridade


radical à prova da qual a obra se forma, como se o que está mais fora
dela fosse sempre, para aquele que escreve, seu ponto mais íntimo, de
modo que ele precisa, por um movimento muito arriscado, ir
incessantemente até o extremo limite do espaço

Esse remetimento para fora que o símbolo provoca nos joga cada vez mais para o seu
ponto mais íntimo, sua origem. Esse movimento do símbolo não faz referência a nada
de real, apenas faz-nos percorrer o seu movimento de significação que nos põe em
contato com uma ausência. Esta que é, como foi visto, necessidade do movimento da
linguagem. Não há nada a expressar na obra, como já foi dito, há apenas um vazio que
circunda e assombra a possibilidade da obra. Se podemos dizer qualquer coisa é apenas
que falamos sobre o nada.

E esse nada que somos jogados, esse fora, que é a própria condição do acontecimento
linguístico revela-se a própria impossibilidade do seu acontecimento. Como qualquer
remetimento a um fora definido joga a obra pra fora do símbolo e pra dentro do
alegórico – volta a subordinação – caminhamos através da obra cada vez mais para o
seu interior, que se constrói sempre sobre um nada. A única realidade possível que o
símbolo nos deixa é justamente o vazio sob o qual a linguagem se constrói. Mas não,
não estamos fora da linguagem. Tão logo o vislumbramos a única coisa que se enxerga
é sua carcaça, o fantasma dessa origem. (Para roubar uma imagem de blanchot) Tal
como Orfeu ao olhar para Eurídice na saída do hades e esta já é fantasma, quando nos
libertamos da linguagem e alcançamos o fora já estamos novamente presos a
linguagem.
6. Epílogo

A linguagem, a despeito do que pode-se pensar, não é nem imóvel e nem mero
instrumento de uso. Essa língua que usamos, essa língua que nos leva de uma palavra a
outra, será sempre mais do que um ato de comunicação. Para aquele que simplesmente
dispõe de palavras, seja para transmitir idéias ou para concatenar conteúdos de forma
logicamente compreensíveis, esse instrumento obviamente não terá valor algum. Para o
comércio da mercearia ou o bilhete que se vai deixar ao seu colega de trabalho não faz-
se nada com ela a não ser usa-la da maneira como o simples motorista dirige o seu
carro. Quer-se da maneira mais simples chegar do ponto A ao ponto B – mas pergunte
aos corredores de Fórmula 1 se encaram sua função de motorista assim –. É só quando
se começa a desconfiar dessa simplicidade, dessa arquitetura fechada, tão concatenada
em si mesmo é que começa a se abrir um buraco nesse círculo que se fecha
silenciosamente a nossa volta. Não, sair da linguagem é impossível, desde o momento
em que pensamos, em que imaginamos, qualquer fala será traduzida para algum signo,
seja o portugês, seja imagens, seja a matemática. Impossível sair do círculo, embora
impossível seja também, querer ficar dentro dele quando se percebe seu traçado lento e
dissimulado nos envolvendo, nublando nossas vistas, nossa fala.

Uma via excêntrica se anuncia, porém. Se há uma lição que podemos tomar de Roland
Barthes (e há muitas) é de que é possível lutar. De novo: não é possível nunca pular fora
desse círculo, outra lição de Barthes, mas há um caminho, uma saída que nos põe frente
a frente com o movimento que traça nossa prisão. literatura. Sem letra maiúscula para
não traí-la de sua discrição. A literatura se imporá como a grande célula revolucionária
que ameaça esse domínio lingüístico, fingindo estar nos conformes, sempre com
aparência de representação, quando o que está realmente em jogo para ela será sua
encenação. Jogando com as palavras, jogando com a forma, agindo como se estivesse
nos conformes, a literatura irá arriscar a língua, anunciar o seu fim e, por fim, fazer-nos
sonhar com um além-linguagem. Assim agirá o texto que nos fascina. Ele nos promete,
não um caminho para fora da linguagem, mas uma via que não nos leva a lugar algum:
para o nada – aí desponta o horizonte da linguagem. Através das suas encenações
subverte-se as estruturas da linguagem no momento em que a escritura aponta para
linguagem. Joga-se a luz no iluminador que antes buscava esconder-se embaixo de seu
brilho, tão brilhante que impedia que o iluminado olhasse em direção a luz. A
encenação quebra a pretensão da linguagem ao revelar seu caráter de construção e
anuncia uma distância infinita entre palavra e verdade – distância que antes era
dissimulada agora é denunciada.

Nossa segurança é posta em jogo, em perigo. Não há mais como se esquivar do círculo
que se fecha ao nosso redor, vêmo-lo e nos imaginamos presos, para sempre, sem volta
caso ele consiga se fechar. Linguagem interrompida. Texto interrompido, sem fim, sem
fechamento, sem destino final, para que não nos percamos. Nos jogamos no abismo da
palavra interrompida para poder ao menos enxergar que a palavra se fecha, que a mão
que traça esse círculo em nossa volta não é invisível.

7. Bibliografia

ADORNO, Theodor. Notas de literatura I. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34. 2003.
BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Editora Cultrix, 2007.
BLANCHOT, Maurice. A parte do fogo. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
__________________. O livro por vir. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
DESCARTES, René. “Discurso do método”. In: Descartes (Col. Os pensadores). São
Paulo: Abril, 1983.
MERLEAU-PONTY, Maurcie. O olho e o espírito. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
NIETZSCHE, Friedrich. “Introdução teorética sobre a verdade e a mentira no sentido
extramoral”. In: O livro do filósofo. São Paulo: Centauro, 2001.

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