Resumo
Neste estudo se aborda o bullying, um fenômeno que se refere a comportamentos agressivos
entre alunos(as) e que engloba uma grande diversidade de ações, entre as quais algumas que,
muitas vezes, passam despercebidas dos professores. Estes comportamentos dizem respeito a:
insultar, ignorar, bater, empurrar, tirar dinheiro ou o lanche, ameaçar, falar mal etc.
Comportamentos estes que se intensificam no recreio que é considerado e deveria ser um
momento de lazer, de encontros, de brincadeiras, mas que pode assumir outra característica e
se constituir em um momento de grande stress para as crianças. O estudo tem como objetivo
identificar a percepção que as crianças, das séries iniciais do ensino fundamental, têm sobre a
ocorrência deste fenômeno no espaço escolar. A pesquisa foi realizada em uma escola
pública, junto a 76 crianças que se encontram, em sua maioria, na faixa etária de 10 a 12 anos
e que estão cursando a 5ª ou a 6ª série do ensino fundamental. Os resultados demonstram que
o recreio é na percepção das crianças o espaço em que o bullying ocorre com maior
freqüência, sendo o local citado em 54.4% das respostas e as crianças gostariam de ter um
professor (63,2%) ou um funcionário (72,4%) cuidando, para evitar brigas. Entre os
alunos(as) 53,9% consideram que tem pouco espaço para brincar, 53,9 afirmam não existir
nenhum material de jogo, 42,1% dizem ter pouco material, e, ainda, 13,2% afirmam que os
colegas somente gostam de brincar de lutas e empurrões. Considera-se a partir dos dados
apresentados que, por constituir-se em momento propício para o bullying, o recreio deve
planejado pela escola em termos de espaço, materiais e acompanhamento. Para tanto é
fundamental que os professores tenham uma formação adequada para lidar com as situações
de bullying sempre que este fenômeno se manifesta na escola.
que ocorrem no espaço escolar entre alunos(as), não tendo relação, portanto, com
comportamentos agressivos dirigidos a professores e/ou ao patrimônio. Mas indicar, tão-
somente, que este fenômeno se refere a comportamentos agressivos entre pares ainda não é
suficiente, é necessário compreender desde o início que tais comportamentos englobam uma
grande diversidade de ações e entre estas existem algumas que, muitas vezes, passam
totalmente despercebidas pelos adultos, sejam eles professores ou outros profissionais que
atuam no ambiente escolar. Estes comportamentos dizem respeito a: insultar, ignorar, bater,
empurrar, tirar dinheiro ou o lanche, ameaçar, falar mal etc. e que podem ocorrer em
diferentes espaços da escola, inclusive na própria sala de aula. (PEREIRA, 2002), ou ainda,
segundo Arandinga (2007, p.21), intimidação, agressão, ofensas, discriminação, imposição,
desafios e acusações.
Segundo ABRAMOVAY e RUA (2004, p.236),
Tal situação ocorre porque o bullying se caracteriza, segundo Sharp; Smith, (1994 In:
Pereira, 1999b, p.20) como sendo “uma forma de comportamento agressivo, entre pares,
usualmente maldosa, deliberada e com freqüência persistente, podendo durar semanas, meses
ou anos, sendo difícil às vítimas defenderem-se a si próprias”. E, este fato, de dificuldade de
defesa, se intensifica quando não existe um adulto observando o que gera grande tensão. Esta
tensão trás conseqüências que se fazem sentir em vários aspectos da vida da criança, na escola
e fora dela e na vida adulta em que pode se relacionar com depressão. Tais conseqüências,
segundo Pereira (1999b), não se limitam a vítima, também, afetam o agressor que pode
envolver-se na idade adulta em condutas anti-sociais ou com a criminalidade, motivo pelo
qual o estudo sobre este fenômeno se torna de fundamental importância.
Em relação ao contexto Vicens (2004, p.31) afirma que
las personas deben sentir-se acogidas, queridas; deben sentir que pertenecen al
grupo, que tienen um papel dentro del mismo [...] Cada conducta individual está
relacionada com las necesidades del contexto. Cuando las necesidades del contexto
no encajan con las individuales, se pueden producir distorciones emocionales. Por
exemplo, [...] la rabia em violencia.
cultural, sexual, o respeito ao outro (colega, professor(a) dirigentes etc.). Tais questões
merecem estudos para uma melhor compreensão do fenômeno.
Neste estudo buscou-se focalizar, especificamente, a percepção das crianças sobre o
bullying, no momento do recreio, em uma escola pública de educação básica, tendo-se a
clareza da sua relação com várias outras situações vivenciadas pelas crianças e que, portanto,
não se trata de uma questão simples.
O bullying é um conceito que pode ser definido como a agressividade entre pares de
forma continuada, intencional, em que existe diferença de poder devido a fatores
externos, dos quais um deles é uma constante, o predador ataca sempre de surpresa,
elemento este que lhe dá maior poder, pois escolhe o lugar e o momento de o seu par
estar indefeso. A criança vítima é apanhada de surpresa, o que determina menor poder.
O tempo de reação é suficiente para garantir mais poder ao atacante.
Era muito comum um dos garotos sair batendo nos outros, e os que apanhavam
corriam atrás dele. Não era propriamente uma briga, pois pareciam estar se
divertindo. Os gritos eram ensurdecedores e, às vezes, eu tinha a impressão que
aquele aglomerado de alunos não iria sobreviver ao recreio. Mas, dado o sinal, todos
iam para a fila, suados, alguns até machucados, e pedindo à professora para irem ao
banheiro, pois nem tiveram tempo para isto.
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É verdade que esta não é a realidade de todas as escolas públicas, pois, também, entre
elas existem muitas diferenças em termos de espaço, de existência de materiais, de alguém
que acompanha o recreio, mas existem aquelas que são idênticas ao relatado por Guimarães,
demonstrando que, neste caso, as condições existentes na escola em nada colaboram para
diminuir o bullying na hora do recreio.
É preciso lembrar que os direitos da criança estão assegurados na Declaração
Universal dos Direitos Humanos, estabelecendo que a maternidade e a infância têm direito a
cuidados e assistência especiais, além de que toda pessoa tem direito à segurança pessoal e
que ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou
degradante.
Estes direitos foram ratificados no dia 20 de novembro de 1959, por aprovação
unânime, quando a Assembléia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração dos
Direitos da Criança estabelecendo que, a criança gozará de proteção especial e ser-lhe-ão
proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em
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condições de liberdade e dignidade. Garante ainda que a criança tenha ampla oportunidade
para brincar e divertir-se, visando os propósitos mesmos da sua educação. Atribui à sociedade
e as autoridades públicas a garantia deste direito (ONU, 1959). No Estatuto da Criança e do
Adolescente, o artigo 5º, estabelece que nenhuma criança ou adolescente será objeto de
qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão,
punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos
fundamentais. Mais adiante, os artigos 15 a 18, estabelecem que a criança e o adolescente têm
direito à liberdade, que compreende o brincar, praticar esportes e divertir-se. O direito ao
respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do
adolescente. A garantia do cumprimento destes direitos é dever de todos, principalmente da
escola em velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer
tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. (BRASIL, 1990).
Os direitos da criança não significam, no caso da educação, apenas a possibilidade de
ser matriculado em uma escola, é preciso que a criança tenha além do acesso ao
conhecimento, que o espaço da sala de aula seja apropriado, que existam materiais e
equipamentos adequados e que os professores estejam preparados para atuar no nível e na
modalidade de ensino em que atuam. E, no caso deste estudo, que busca estudar o bullying o
momento do recreio, é importante lembrar que não basta apenas ter um pátio é preciso que
neste espaço existam recursos que motivem as crianças a aproveitar o momento para, por
exemplo, brincar, fazer amigos. Como indica Pereira (2009, p.86): “As crianças têm direito a
ver melhorados os recursos nas escolas: bibliotecas acessíveis e com literatura adequada [...] e
recreios melhor equipados, proporcionando tempos de recreação e educação informal”.
Metodologia
A pesquisa de campo foi realizada em uma escola pública de educação básica junto a
76 estudantes da 5ª e 6ª séries do ensino fundamental, mediante aplicação de questionários. A
escola foi selecionada tomando como base a ocorrência de comportamentos agressivos e a
disponibilidade da direção da escola para a realização da pesquisa.
Antes de iniciar a pesquisa o questionário elaborado para o estudo, foi aplicado a
alunos com o mesmo perfil daquele desejado para a pesquisa. O objetivo foi: “[...] evitar
possíveis vieses contidos nas questões; corrigir possíveis falhas existentes quando da
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Como pode ser observado na tabela 01, os(as) estudantes que participaram do estudo
tem, na sua maioria, entre 10 e 12 anos, sendo 50% do sexo masculino e 50% do sexo
feminino e também como pode ser observado na tabela 02, estão cursando a 5ª (17,1%) ou a
6ª série (82,9%) do ensino fundamental. Frequentaram creche ou pré-escola 82,9%. Já
reprovaram ao menos uma vez 23,7% e 18,4% freqüentam aulas de reforço.
Considerações Finais
Observa-se a partir dos dados apresentados que o momento do recreio, por constituir-
se em um espaço propício para o bullying, deverá ser planejado pela escola em termos de
espaço, materiais e acompanhamento. Para tanto é fundamental que os professores tenham
uma formação adequada para lidar com as situações de bullying em todos os momentos em
que se manifesta na escola.
Neste ponto é preciso perguntar-se sobre como vem sendo propiciada a formação dos
professores, em especial, a formação inicial. Quando se observa a orientação para esta
formação nos documentos relativos a reforma educacional, que se iniciou após aprovação da
Lei nº 9394/96, observa-se indicações claras sobre a necessidade de formar professores
competentes, indicando-se as competências necessárias a serem atingidas. Isto consta em
diretrizes curriculares que são indicativas para a formulação dos projetos pedagógicos dos
cursos de licenciatura. No entanto, no atual contexto da escola pública, com a ampliação do
acesso, muitas outras necessidades precisam ser atendidas como é o caso da formação para
lidar com a diversidade cultural, com necessidades educativas especiais e com os
comportamentos agressivos, neste caso, entre pares e, em especial, nos recreios.
Estes comportamentos agressivos são também o reflexo da insatisfação com o
cotidiano escolar, da falta de um projeto de vida, da falta de significado, da falta de alegria em
viver e conviver. Seres humanos felizes não agridem fisicamente e nem moralmente. Resgatar
o sentido da vida e os valores humanos perenes é o início de um plano de ação para evitar o
bullying. É importante ter presente que as ações relacionadas ao bullying implicam em ações
globais na escola, como bem indica Olweus (1993 In: Pereira, 1999, p.364 b) um programa de
intervenção requer o envolvimento de todo corpo docente e de medidas a serem
implementadas na escola, na sala de aula e com alunos individualmente tais como:
diagnóstico da situação, melhoramento e supervisão dos recreios, aprendizagem cooperativa e
atividades positivas, conversa com os agressores, com as vítimas e com os pais.
A revisão e atualização constante dos projetos pedagógicos, por meio de amplas
discussões envolvendo todos os segmentos da comunidade escolar resultam na melhoria das
relações na escola. Há necessidade de ouvir os alunos e incluir as sugestões no que diz
respeito às regras de convivência escolar, dos direitos e deveres de todos. A participação
implica em responsabilização dos envolvidos. Atividades orientadas durante o recreio como
esportes, campeonatos, apresentações de grupos musicais, de teatro, clubes de leituras,
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a cultura da paz é uma iniciativa de longo prazo que deve levar em conta os
contextos histórico, político, econômico, social e cultural de cada ser humano. É
necessário aprendê-la, desenvolvê-la e colocá-la em prática no dia-a-dia familiar,
regional ou nacional. É um processo sem fim.É esse o desafio que lançamos:
construir, em nossa sociedade, uma cultura de paz. Trabalhar na educação, na
construção solidária de uma nova sociedade mais igual e justa, onde o respeito aos
direitos humanos e à diversidade se traduzam, concretamente, na vida de cada
cidadão, onde haja espaço para a pluralidade e a vida possa ser vivida sem violência.
REFERÊNCIAS
ONU. Assembléia Geral das Nações Unidas. Declaração dos Direitos da Criança, de 20 de
novembro de 1959.
ONU. Assembléia Geral das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos,
de 10 de dezembro de 1948.
PEREIRA, Beatriz Oliveira. Para uma escola sem violência: estudo e prevenção das práticas
agressivas entre crianças. Porto: Fundação Calouste Gulbenkian; Fundação para a Ciência e a
Tecnologia, 2002.
____Os tempos livres na escola, os recreios e a prevenção das práticas agressivas. In:
PRECIOSO, José et al. Educação para a saúde. Braga: Fundação Calouste Gulbenkian;
Fundação para a Ciência e a Tecnologia, p.361-376, 1999a.
PEREIRA, Beatriz Oliveira; PINTO, Adelina Paula. Dinamizar a Escola para prevenir a
violência entre pares. Sonhar, v. 1, mai.ago. p. 10-33, 1999b.
RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1999.