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EXCELENTÍSSIMO DOUTOR JUIZ FEDERAL DA

SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SINOP/MT

AUTOS N. 384-67.2011.4.01.3603

JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS e


LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR, já qualificados nos autos em
epígrafe, com supedâneo no artigo 403 § 3º do Código de Processo Penal,
por seu Procurador, vêm, respeitosamente, apresentar suas

ALEGAÇÕES FINAIS ESCRITAS

EM MEMORIAIS

com vistas à demonstração de inocência e pleito final de absolvição das


imputações improcedentes que lhes foram feitas pelo Ministério Público,
por sua Ilustre Procuradora, que, em Memoriais, aponta-lhes a prática de
condutas delituosas, assim capitulando-as:“§ 3º do artigo 261, combinado
com os artigos 258 e 121 §, todos do Código Penal, materializados na
conduta culposa, por imperícia e negligência, de, na condição de
controladoes de vôo, sem os devidos cuidados causar a queda do
Boeing/737-800, prefixo PR-GTD, da Companhia Gol Transportes Aéreos
S/A, em 29 de setembro de 2006.

Em 29 de setembro de 2006, a aeronave identificada


sob o prefixo N600XL, um Jato Legacy de propriedade da empresa
americana ExcelAire decolou de São José dos Campos, Estado de São
Paulo, em direção aos Estados Unidos da América, tendo recebido
aprovação do seu Plano de Vôo no território nacional para sua primeira
escala no Aeroporto Eduardo Gomes, este localizado na cidade de Manaus.

1
Segundo o referido plano de vôo, o nível de altitude
autorizado até Brasília era o FL370 (Fligth Level 370), correspondente a
37.000 pés. Após o referido marco a aeronave deveria descer para 36.000
pés (FL 360) até o marco aeronáutico identificado como TERES, quando
deveria subir para o FL380, até a chegada no Aeroporto Eduardo Gomes,
em Manaus.
Logo após ultrapassar a cidade de Brasília, contudo, a
aeronave teve o seu Transponder desativado, não se sabendo se voluntária
ou involuntariamente pelos pilotos, resultando, a partir daquele momento,
em tráfego incompatível com a aerovia em que se encontrava, esta
controlada sob critérios de espaçamento mínimo de mil pés de altitude, a
chamada RVSM (Reduced Vertical Separation Minimum). Esse
espaçamento reduzido foi criado pela moderna cultura Aeronáutica para
permitir maior número de vôos nesses espaços aéreos, somente sendo
possível neles trafegar aeronaves suficientemente equipadas para tanto,
estando o transponder dentre os requisitos indispensáveis para tal
permissão.
Tem-se como fato incontestável, que, em decorrência
da desativação do referido transponder, o Sistema X-4000 - nome dado ao
Sistema Operacional de Controle de Tráfego Aéreo mantido pela Comando
da Aeronáutica – promoveu a troca do nível exibido na console então
operada pelo acusado JOMARCELO, substituindo o indicador de nível em
que efetivamente voava o N600XL Legacy, o FL 370, para o nível em que
deveria estar voando a aeronave segundo o seu plano de vôo. Em outras
palavras, ali se produziu o mesmo que de ordinário ocorria nos centros de
controle de tráfego aéreo brasileiros, todas as vezes que, por qualquer
motivo, se perdia a comunicação/detecção radar: sem qualquer
interferência do Controlador de Tráfego Aéreo o Sistema alterou o nível
real em que se encontra a aeronave pelo nível em que deveria estar,
segundo o Plano de Vôo cadastrado na origem. Daí em diante, no console
em que operava o acusado JOMARCELO, passou-se a exibir o nível 360,
ao lado do qual aparecia o indicativo da letra “Z”, com que se indicava a
falta de comunicação radar.
Naquela tarde, o Acusado JOMARCELO assumiu,
sozinho, sem Assistente, o controle dos setores 6, 7 e 8 – segmentos do

2
espaço aéreo sob a responsabilidade do CINDACTA I 1. Nesta condição, às
18:51:14 (Volume IV, fls 917) recebeu o controle de tráfego da aeronave
N600XL que ingressava no setor 7, estando disponível em seu Console a
visualização daquele tráfego na altitude de 37.000 pés, FL370, nível este
apropriado para aquela Aerovia UW2, conforme display abaixo:

(Momento 18:51:13 – Recebimento do tráfego – Fl. 917 e Fl. 97 do Relatório do CENIPA)

A partir daquele momento as ações do acusado


JOMARCELO foram as que se seguem, conforme registros coletados a
partir do log de seu console, trazidos aos autos no Apenso II, fls. 22 e 23:

1
1º Centro Integrado de Defesa Aér ea e Controle de Tráfego Aér eo.

3
4
Logo em seguida a esta última intervenção em que
atendia um vôo TAM, o acusado JOMARCELO deixa de ter a visualização
da comunicação radar-transponder do N600XL, passando a tornar-se
disponível no console somente a evolução daquela aeronave através do
radar primário, já sob a informação automatizada pelo X4000 de que a
altitude de vôo seria a de 36.000 pés, nível este compatível com a aerovia
em que passou a trafegar, a aerovia UZ6. Observa-se que a aeronave
N600XL havia entrado na UZ6 pouco mais de dois minutos antes, às
18:58:48, conforme visualizado abaixo:

(Momento 18:58:48 – Entrada do Legacy na UZ6 – Rejog o. O Relatório do CENIPA – fl. 97 - indica
um momento anterior em 18:57:54)

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Abaixo tem-se a visualização da hora 19:01:53,
momento em que já não se tinha o sinal do radar secundário, em face da
desativação do transponder:

(Momento 19:01:53 – Perda do sinal radar secundário – Fl. 917)

Verifica-se, na visualização acima, esta obtida a partir


das gravações automáticas do sistema, que foram exaustivamente
examinadas por diversas ocasiões2, que, correspondente à crucial
informação ali trazida com relação ao nível de vôo do N600XL, exibida em
verde no lado esquerdo de sua visualização, conforme aqui se reproduz,

, a etiqueta (ou strip eletrônica), destacada em branco do lado direito


do console, reproduzia de modo síncrono e coerente a informação
equivalente:

Assim na coluna encimada pela sigla BRS tem-se, logo


abaixo, a hora estimada de passagem no fixo Brasília (1855) e a altitude
programada para este setor, 360, conforme o plano de vôo, seguida na
mesma linha pela informação 360, campo este de informação ali projetado
para exibir a altitude real. Abaixo, a frequência de rádio a ser utilizada:
125.05. H-PCL, ou seja a partir de Poços de Caldas.
2
Todas as imagens acima, que foram recuperadas das gravações do Sistema, em processos de
revisualização, também chamada de “rejogo”, foram exaustivamente examinadas pelo corpo técnico da
Comando da Aeronáutica durante a investigação do CENIPA, pelos peritos da Polícia Federal quando da
elaboração do laudo do Inquérito Policial, bem assim durante as investigações da Comissão Parlamentar
de Inquérito que culminou em um processo de auditagem realizado pelo Tribunal de Contas da União.

6
Do momento 19:01:44, acima exibido, em diante,
enquanto o N600XL evoluía em seu tráfego para Manaus, até a hora
19:17:00, momento em que o controle foi transferido para o segundo
acusado, LUCIVANDO, as ações de JOMARCELO foram assim
registradas:

Essas informações acima detalhadas, todas


constantes dos autos e todas disponíveis para os investigadores, vez que
gravadas e exibidas dentro do CINDACTA I para todos os interessados,
foram omitidas no relatório final da investigação produzida pelo
CENIPA – Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes
Aeronáuticos, instituição militar integrante da Força Aérea Brasileira, e,
consequentemente, igualmente omitidas no Inquérito Policial, este que
se produziu com informações igualmente produzidas pelo CENIPA ou
por este Órgão repassadas.

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Assim, no Inquérito Policial, a cronologia dos eventos
a partir do momento em que o N600XL sobrevoou Brasília, limitou-se ao
que se segue:
18:57:54 UTC
- O N600XL voou sobre o VOR/DM E BRASíLlA, curvando para interceptar
o curso da aerovia UZ6, co m o bloco de dados no console radar de
BRASíLlA mostrando "370=360";
- Não houve nenhuma ação do controlador de tráfego aéreo no sentido de
verificar a previsão de mudança de nível de vôo para 360 que se apresentava
na tela para ele.
- A manobra de mudança de aerovia foi conduzida suavemente pelo Piloto
Automático e a aeronave foi da UW2 (mão única) para a UZ6 (mão dupla).
- O N600XL interceptou o centro da aerovia UZ6, ru mo 336°, e a tripu lação
não comentou o andamento do vôo em co mparação co m o planejado
(mudança de proa, pró ximo fixo , co mbustível utilizado, tempo de vôo, etc).
- Saindo de Brasília, nenhuma co municação foi feita entre a aeronave e o
ATC. A tripulação poderia ter chamado o Centro Brasília para confirmar o
nível 370 "na contramão" (UZ6, proa 336'), u ma vez que o entendim ento era
permanecer naquele nível.
- PIC e SIC mudaram de aerovia, sobrevoando Brasília, mas continuaram
com a atenção fixada para o notebook.
- O N600XL estava fora do nível padrão, no FL370, no sentido contrário da
aerovia UZ6.
- Neste mo mento, o PIC e o SIC continuavam focados no cálculo da
decolagem de Manaus com o co mputador.
[...]
19:01 :53 UTC (horário ATC)
- O radar do ATC mostrou que o Transponder do N600XL estava sem sinal
poucos segundos depois, devido ao tempo de varredura radar, quando o
Transponder já estava possivelmente em "STANDBY" (condição de
"espera", que resulta em mensagem de TCAS OFF).
(Fls. 97/99)

Às 19:17 o controle de tráfegos dos setores 6,7 e 8 a


coordenação foi transferido de JOMARCELO para o segundo acusado,
LUCIVANDO, que passou a assumir a coordenação deste espaço aéreo,
também sozinho, sem Assistente.

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Enquanto isso, procedendo de Manaus, a aeronave de
Prefixo PR-GTD, da companhia Gol Linhas Aéreas, transportando 154
pessoas, dentre passageiros e tripulantes, trafegava na mesma aerovia sob
regime RVSM, em sentido contrário e na mesma altitude.
Então, conforme narrado pelo MPF: “Precisamente às 19
horas, 56 minutos e 54 segundos UTC1, as duas aeronaves passaram uma pela outra a
37.000 pés de altitude no espaço correspondente ao norte do Estado do Mato Grosso,
próximo ao Município Peixoto de Azevedo. No cruzamento, a ponta da asa esquerda
(winglet) do aparelho N600XL tocou o equipamento PR-GTD, provocando danos que
acarretaram a desestabilização e queda deste último”.

Com a precipitação do PR-GTD, Boeing 737 que


realizava o Vôo 1907 da Gol Linhas Aéreas, 154 pessoas pereceram,
enquanto o Legacy N600XL, apenas avariado, seguia para pouso de
emergência na Base Aérea da Serra do Cachimbo, região sul do Estado do
Pará, o que veio a se dar sem registro de quaisquer danos físicos a seus
ocupantes.

II – DA IMPUTAÇÃO DOS FATOS AOS ACUSADOS (em uma


síntese do processo).
O Relatório do Inquérito Policial levado a efeito pela
Polícia Federal, produzido a partir de informações fornecidas pelo
Comando da Aeronáutica, Força Armada institucionalmente incumbida no
Brasil de proceder às investigações de acidentes Aeronáuticos, em relação
ao acusado JOMARCELO, concluiu o que se segue:
Sargento Jomarcelo Fernandes dos Santos.

a) Co municou -se diretamente co m a aeronave, tendo verificado que a mes ma


estava no nível 370, sem que fizesse qualquer observação sobre o fato;
b) no período compreendido entre 18:55:48 e 19:02:08 ( UTC) deveria ter
observado que a visualização radar da aeronave indicava star ela voando a
37.000 pés quando deveria estar a 36.000 pés, pois tal in formação lhe era
visível na tela;
c) não se alarmou co m a perda de sinal de radar secundário, contentando-se
com as informações de radar primário, que não são fidedignas quanto à
altitude;
d) não teria tomado as providências previstas nos seguintes itens da ICA 100-
12: (i) item 14.4.9, que obriga ao controlador informar quando o transponder
da aeronave está inoperante ou deficiente; ( ii ) item 14.4.10 que obriga ao
controlador informar tal situação ao centro de controle seguinte, em

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Manaus,·para que este tomasse as providências; ( iii ) item 14.4.11,
que obriga o controlador a exigir do piloto que verifique o funcionamento do
transponder;
e) informou ao controlador que o sucedeu que a aeronave, que hoje sabemos
estava a 37.000 pés, estava a 36.000 pés conforme previsto no plano de vôo;
f) Não procedeu ao cancelamento do vôo em condições RVSM , que somente
pode ocorrer com o t ransponder funcionando.

(Fls. 963/964)

Em relação ao Acusado LUCIVANDO:


Sargento Lucivando Tibúrcio de A lencar.

a) recebeu a aeronave no nível 360, e não questionou, não obstante sabermos


que havia somente o sinal de radar primário, sendo a altitude da aeronave
incerta, portanto;
b) afirmou ter suspeitado do funcionamento do transponder, tentou 08
contatos com a aeronave, mas não tomou nenhuma providência prevista nos
itens 7.14.1 e 7.14.2 da ICA 100-12, que tratam dos procedimentos relativos
a aeronave com falha nas comunicações.
(Fl. 964)

O Ministério Público Federal, por sua vez, com


supedâneo no Inquérito Policial Federal e ênfase no Laudo Pericial ali
trazido, ofereceu denúncia contra os dois Acusados nos termos que se
seguem:
[...]
O denunciado JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS
percebeu antes, muito antes, o desligamento do transponder. Percepção essa,
aliás, inevitável para quem, como ele, monitorava a evolução da aeronave
N600XL. Exp licando: o funcionamento do transponder é representado, no
monitor do console, por um círculo ao redor da aeronave. Quando o
transponder é desligado, o círculo desaparece, ficando a aeronave sinalizada
apenas por uma pequena cruz. Logo, para que o controlador detecte algum
problema co m o t ransponder, basta que olhe para o monitor. Se en xergar u ma
cruz co m u m circulo em volta, é porque o transponder está ligado. Se
visualizar somente a cruz, sem o círculo; é porque o transpoder está
.inoperante. Ora, essa visualização da tela é ato elementar, conditio sine qua
non para prestação de serviço de vigilância radar. O controlador de vôo que
opera vigilância radar não pode deixar de observar o monitor. Mutatis
mutandis, seria o mesmo que um inspetor pretender coordenar o trânsito com
uma venda nos olhos
A ICA 100-12, no item 14.4 e respectivos sub-itens, estabelece
vários procedimentos que o controlador de tráfego aéreo deve cumprir,
quando verificar falha de transponder. A atitude básica, que chega mesmo a
ser intuitiva, é comunicar-se com o piloto da aeronave, pedindo-lhe que
acione o equipamento e, se a falha persistir, que realize testes específicos.
Tais procedimentos mostravam-se ainda mais cogentes ao denunciado
JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS, quando se tem presente
que, como já ressaltado, ele sabia que a aeronave N600XL mantinha nível de
cruzeiro inco mpatível co m o plano de.vôo e impróprio para o sentido a ser
percorrido na aerovia UZ6.. Voltando à analogia anterior, a o missão, nessas

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circunstâncias, é equivalente à de um guarda de trânsito que visse um ônibus
trafegando pela contra-mão de uma rodovia, à noite, com os faróis apagados,
e nada fizesse!
A despeito do patente perigo imp licado na situação -perigo esse
que podia e devia evitar-, o denunciado JOMARCELO FERNANDES DOS
SANTOS não fez contato algum co m a aeronave, tão pouco tomou qualquer
providência para que os pilotos acionassem o transponder ou adequassem o
nível de vôo. Pior: ao passar o posto para o denunciado LUCIVANDO
TIB ÚRCIO DE ALENCAR, o denunciado JOMARCELO FERNANDES
DOS SANTOS forneceu-lhe, consciente e dolosamente, falsa informação
sobre o nível de cruzeiro da aeronave N600XL, afirmando,
peremptoriamente, que ela se encontrava em F360.
LUCl VANDO TIB ÚRCIO DE ALENCAR assumiu o console nº
8 do CINDA CTA I às 19h 17m. Foi o misso quanto à falha do transponder da
N600XL, assim co mo, seu antecessor. Com u ma diferença: ao contrário
deste, não sabia que a aeronaveN600XL estava na "contra-mão"da UZ6.
O denunciado LUCIVANDO TIB ÚRCIO DE ALENCAR tentou
quatro contatos com a aeronave N600XL. O primeiro deles, apenas às
19h 26m56s, cerca de dez minutos, portanto, depois de assumir o posto. Essa
demora fo i relevante, caracterizando negligência. A uma, pela situação de
inoperância do transponder, que, só por si, reclamava pronta intervenção. A
duas, porque , quando ele tomou assento no console n° 8, a aeronave estava
na iminência de ingressar em u ma área crít ica, pelos próprios controladores
considerada como “não-radar" (área em que a cobertura radar é falha ou
inexistente). Por isso, providências imed iatas faziam-se ainda mais urgentes.
A segunda tentativa, também frustrada, veio em seguida, às 19h27m12s.
Após sete minutos (19h34m07s), ocorreu nova chamada, .igualmente sem
resposta. A última mensagem fo i passada às cegas, às 19h53m38s, para
informar.a.freqüência do Centro de Controle Amazônico, a que a aeronave
estaria, dali em d iante, vinculada
O denunciado LUCIVANDO TIB ÚRCIO DE ALENCAR, foi
igualmente displicente quanto aos procedimentos previstos na lCA 100-12
para casos de falha de comunicação. A partir da primeira tentativa de contato
frustrada, ele deveria ter-se utilizado das demais freqüências válidas para o
setor, consoante preconiza o item 7.14.2 daquele instrumento normativo. Para
tanto, bastaria programar em seu console as cinco freqüências auxiliares
existentes (f. 867). Suas mensagens passariam, então, transmitidas
concomitantemente em todas elas, ao passo que também captaria mensagens
emitidas em qualquer uma. Isso propiciaria contato com a aeronave N600XL,
vez que o piloto, entre as 19h48m13s e as 19h52m56, fez nada menos do que
doze tentativas de comunicação com o CINDACTA I, utilizando várias
freqüências que, malgrado listadas na carta de rota, não estavam programadas
no console n° 8. O denunciado LUCIVANDO TIB ÚRCIO DE ALENCAR
insistiu numa mes ma e única freqüência, até a última chamada, apesar de vê-
la malograr repetidamente.

(Fls 11/ 13)

Denúncia recebida, conforme oferecida, em 1º de


junho de 2007. Além dos dois acusados que ora se defendem também
foram oferecidas denúncias contra Felipe, Leandro, João Batista, todos
controladores de tráfego aéreo, bem assim em desfavor dos pilotos do
N600XL, Jean Paladino e Joseph Lepore.
As Alegações Preliminares oferecidas pela Defesa em
relação aos que ainda remanescem como acusados, seguindo a inovação

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legislativa processual penal disposta no artigo 396-A do CPP, veio com o
seguinte teor (Fls 2086 e 2087):
Co mpreensível que uma denúncia oferecida e, ao final,
recebida, em tempo tão exíguo, não pudesse facear, ab initio, a enorme
mu ltip licidade de importantes detalhes de uma tão complexa causa, quanto a
que envolve uma colisão de aeronaves em pleno espaço aéreo e a
subseqüente morte de 154 pessoas.

Igualmente compreensível que o recebimento da denúncia


contra os quatro acusados acima identificados tenha se dado em homenagem
ao princípio que norteia esta fase exordial: in dubio pro societatis.

Contudo, dois anos passados desde a fatídica tragédia,


avolumam-se elementos probatórios a evidenciarem situações já esclarecidas,
aptos a embasarem u m novo posicionamento judicial, especialmente quando
o legislador, através da Lei nº 11.719, de 2008, passou a conferir a
possibilidade de apresentação de “alegações preliminares”, decerto
oportunidade defensiva muito mais ampla do que o instituto da “defesa
prévia”. E o espírito da Lei volta-se para permitir a abreviação do curso do
processo, possibilitando ao Juiz, de plano, proceder à absolvição sumária
quando cabível, o que incentiva a produção antecipada de provas e
apresentação de teses defensivas, desde o início.

Tendo-se, assim, oportunidade de colaborar para tornar célere este


processo - que tenderia a estender-se por mais de década, a exemp lo de caso
similar ocorrido em 1992, em Faro, e que só agora em 2008 está sendo
julgado em Portugal – e sem temo r de adiantar as provas já levantadas,
porquanto se compreende que na missão do Ministério Público não se inclui
a injusta perseguição, aqui são trazidos os fundamentos de fato e de direito
que já se têm co mo d isponíveis.

Ainda das Alegações Preliminares retiram-se (fls. 2090


a 2099):
Co m relação ao primeiro acusado, o denunciado JOMARCELO
FERNANDES DOS SANTOS, que se encontrava na função de controle,
setor 07 da console n.º 08 , no ACCBS, eis os termos da denúncia a ser
refutada:
[...]
Enfat izando-se que a conduta do Acusado, na data do fato atuando
como Controlador do Tráfego aéreo do ACC/ BS, estava adstrita ao espaço e
ao comando da região Brasília, setores 7, 8 e 9, seguem-se as seguintes
considerações:
Jomarcelo, naquela oportunidade, tinha sob sua responsabilidade a
maior área de controle do Centro Brasília, co mpreendendo distâncias que se
irradiam de Brasília, co mo centro, até Três Marias / MG, Bo m Jesus da Lapa
/ BA, Barreiras / BA, Palmas / TO, Gurupi / TO e São Félix do Araguaia /
MT, compreendendo porções territoriais dos Estados do Mato Grosso,
Go iás, Minas Gerais, Tocantins, Bahia e Distrito Federal.
1. O trabalho do controlador caracteriza-se por complexidade que
não permite avaliação por um tráfico isolado, uma vez que se
encontra submetido à necessidade de dar tratamento concomitante
a uma expressiva variedade de informações.

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2. Naquela tarde fatídica o controlador Jo marcelo não contava com
um assistente, fato possível no Brasil, quando ocorrente baixa
demanda de tráfego. Tal permissão de controle sem assistente, em
verdade, somente começou a ser admit ida em razão da falta de
controladores em número suficiente à manutenção do padrão
controlador-assistente.
3. Contudo, a carga de trabalho do controlador sem assistente
aumenta de modo considerável, pois fica responsável em receber
e fazer as coordenações com os outros órgãos de controle –
tarefas realizadas pelos assistentes - além de ter que gerenciar os
supostos conflitos de tráfego.
4. No mo mento em que a aeronave Legacy, identificada como
N600XL, estava progredindo no setor controlado por Jomarcelo
havia uma aeronave militar realizando um vôo de prospecção de
imagens-radar próximo a cidade de Formosa-GO. Este vôo já
havia se repetido pelo turno da manhã e o serviço fora
prejudicado devido a falhas nas coordenações entre a defesa
aérea e o centro de controle. Por isso, no início do turno da tarde
houve um briefing (1) diferenciado, onde se pediu maior atenção
para o vôo da defesa aérea. Em verdade, Jomarcelo teve em seu
console por pouco mais de 3 minutos a visualização de
progressão daquele vôo, sem qualquer sinalização do sistema que
chamasse sua atenção para alguma falha.
5. É absolutamente curial que os pilotos devem ter conhecimento da
rota, antes de iniciar o vôo. O óbvio encontra-se regulado
segundo a ICA 100-12(Reg ras do ar e serviços de tráfego aéreo):
“...
3.4 RESPONSABILIDADES QUANTO AO CUMPRIMEN TO
DAS REGRAS DO AR: 3.4.1 RESPONSABILIDADE DO
PILOTO EM COMANDO - O piloto em comando, quer esteja
manobrando os comandos ou não, será responsável para que a
operação se realize de acordo com as Regras do Ar, podendo
delas se desviar somente quando absolutamente necessário ao
atendimento de exigências de segurança. 3.4.2
PLANEJAMENTO DO VÔO - 3.4.2.1 Antes de iniciar um vôo,
o piloto em comando de uma aeronave deve ter ciência de
todas as informações necessárias ao planejamento do vôo.
3.4.2.3 Os órgãos ATS considerarão, por ocasião do
recebimento do plano de vôo, que as condições verificadas
pelo piloto em comando atendem às exigências da
regulamentação em vigor para o tipo de vôo a ser realizado.”
6. Ou seja: se os pilotos não preencheram, pessoalmente, o plano de
vôo, teriam que receber o briefing(1) a partir de quem elaborou o
plano de vôo. O que, evidentemente, é de ser feito antes da
decolagem. Consabido que a Embraer, empresa fabricante do
Legacy, após entregar a nova aeronave aos pilotos da companhia
Excelaire, apresentou o plano de vôo para o N600XL, co m base
nas informações trazidas pela Universal Weather and Aviation,
Inc.. O trecho a ser voado dentro da FIR BS (Região de
Informação de Vôo de Brasília) fo i apresentado da seguinte
forma: Nível de Vôo (FL) 370 até Brasília, após descida para o
FL360 até a posição TERES e após subida para o FL380 até
Eduardo Gomes, Manaus.
7. Portanto, o Plano de vôo encaminhado/solicitado ao órgão de
controle assinalava a altitude 370, nível de vôo planejado para a
primeira parte da rota. Entretanto, nas sucessivas etapas da rota,
conforme acima apontado, havia indicativos do planejamento de
mudança de nível após Brasília. Desta forma, o piloto, ao tomar
ciência do Plano de Vôo, sabia – se não sabia, deveria saber - que

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as mudanças de altitude deveriam ser solicitadas após o “bloqueio
de Brasília”1, coisa que não fez;
8. O controlador Jomarcelo realizou o primeiro contato com o
N600XL dois minutos antes do bloqueio de Brasília, às
18:55:16Z, ainda no eixo da aerovia UW2. Desta forma o n ível de
vôo 370 ainda estava correto, não havendo necessidade de
mudança de nível até aquele mo mento.
9. Antes de chegar a Brasília, a segunda linha do bloco de dados da
etiqueta eletrônica da pista exibida na tela do console do radar,
referente à progressão do Legacy N600XL, mudou de 370=370
para 370=360. A UTOMATICAM ENTE, POR FA LHA DO
SISTEMA. E ao contrário do que se tem divulgado, o campo à
direita do bloco de dados não se refere ao nível de vôo proposto
pelo piloto, mas sim ao nível de vôo autorizado pelo controlador,
conforme manual de operações do Controlador e Assistente do
Sistema de Controle de Tráfego Aéreo em Rota – ACC
CINDACTA I – C.A.006.13.TV.710.AT02.M O.001.01. (em
anexo). E em nenhum mo mento o controle de tráfego aéreo
autorizou o nível de vôo 360.
10. E aqui, é de se enfatizar que a modificação automática de nível
sem interferência do controlador é fato que contraria o mais
fundamental dos princípios reitores do controle de tráfego, qual
seja: nenhuma alteração de plano de vôo, sobretudo em aerovia
RVSM - Reduced Vertical Separating Minimu m, pode se dar sem
anuência do controlador. E se o Sistema X4000, software de
controle de tráfego aéreo, não tivesse modificado de modo
automático o nível de vôo autorizado, “facilidade” reconhecida
pela Co mando da Aeronáutica, a informação constante na strip
eletrônica apontaria o nível de vôo autorizado 370, o que indicaria
a rota de colisão.

E aqui é de se repetir com toda a ênfase: o Tribunal de Contas da


União, em relatório de auditoria, aponta a falha da mudança automática de
nível (que, de modo absurdo, depois do acidente passou a ser tratado pela
Co mando da Aeronáutica como uma “facilidade tecnológica”), que até hoje
não foi corrigida por mot ivação que merece ser denunciada como elemento
subjetivo do crime de PREVA RICA ÇÃO, fato que desde já se pede seja
levado ao conhecimento do Ministério Público. Assim é o que extrai da pg.
57, item 27 do Relatório de Auditoria do Tribunal de Contas da União: TC-
020.840/ 2007-4:

“Em reunião realizada no gabinete do relator os gestores alegaram


que não promovem essa alteração por temerem que isso possa ser
usado na esfera judicial, uma vez que os controladores envolvidos no
acidente do GOL 1907 usaram, como linha de defesa no processo sob
o caso, a tese de que essa funcionalidade teria sido uma das causas
do acidente”.

O que equivale a dizer: de ordem do Co mando da Aeronáutica,


sempre pressuroso em ocultar a verdade quanto as causas reais do acidente,
deixa-se de corrigir u m grave problema funcional, medida indispensável de
segurança para evitar novas tragédias, para atender sentimento/interesse de
vingança/condenação daqueles que apontam as falhas existentes, essas
decorrentes da incúria dos gestores, seus superiores hierárquicos.

11. REPISE-SE: Antes de chegar a Brasília, a segunda linha do bloco


de dados do N600XL mudou de 370=370 para 370=360.
AUTOMATICAM ENTE, POR FA LHA DE CONCEPÇÃO DO
SISTEMA. ISSO NÃO A CONTECE EM LUGA R NENHUM
DO MUNDO. NENHUM SISTEMA DE CONTROLE A LTERA

19
NÍVEL DE VÔO SEM INTERVENÇÃO DO CONTROLADOR.
Por se tratar de um campo de intervenção do controlador, uma
indevida alteração automática ali registrada não pode ser
interpretada como u m av iso de mudança de nível 3 .

12. E MAIS: no Brasil, tal mudança ocorre sem que exista qualquer
sinal de ênfase no console para chamar a atenção do controlador,
tais como um sinal sonoro ou uma mudança de cor da pista radar.
Nenhum sinal de alerta para chamar a atenção sobre uma situação
excepcional naquela determinada pista. Nada que apontasse de
modo ostensivo uma perda de sinal t ransponder, ou um tráfego
em nível incorreto. Em lugar disso, uma diminuta troca de um
único dígito, o 7 pelo 6, em lu z verde esmaecida, e o acréscimo
também evanescido de uma letra Z. Tudo sem a interveniência do
controlador.

13. Às 18:57:53Z a aeronave N600XL “bloqueou Brasília” e às


19:01:48Z o controle de tráfego aéreo deixou de receber o sinal
de transponder do Legacy. Desta forma a aeronave voou apenas
pouco mais de 3 (três) minutos em u m n ível de vôo incorreto(1),
o que para o controle de tráfego aéreo não significava risco
algum, pois até o presente mo mento os controladores de Brasília
não tinham qualquer informação sobre o vôo da aeronave PR-
GTD, GOL 1907, cuja entrada na área de controle de Brasília
deveria se dar às 19:57Z, ou seja 1 hora após o bloqueio do
Legacy - N600XL em Brasília.

14. Destaque-se que a troca de informações entre os centros de


controles, chamada de coordenação, é feita até 15 minutos para a
aeronave adentrar no espaço aéreo sob o controle de cada Centro,
portanto o controlador de Brasília não tinha nenhuma informação
a respeito do vôo Gol 1907, prefixo PR-GTD, procedente de
Manaus.

EM FACE DISSO, COM O, ENTÃ O, ADM ITIR UMA CONDUTA


DOLOSA POR PA RTE DO CONTROLA DOR JOMA RCELO? COMO SE
PODE FALA R EM DOLO, AUSENTE O INDISPENSÁ VEL ELEM ENTO
COGNITIVO, CONHECIM ENTO DA EXISTÊNCIA DAQUELA
AERONA VE NAQUELA AEROVIA, PORQUANTO O SISTEMA NÃO
EXIBIA QUA LQUER SINA L OU QUA LQUER INFORMAÇÃ O NESTE
SENTIDO?
15. Fato é que às 19:01:48Z, apenas 3 minutos após passar por
Brasília, o controle de tráfego aéreo deixou de receber o sinal de
transponder do Legacy. Considerando que o serviço radar
prestado ao N600XL era o de “vigilância radar” e, conforme a
ICA 100-12, Regras do Ar e Serviços de Tráfego Aéreo, a
responsabilidade da navegação da aeronave é do piloto, o mesmo
deveria estar ciente que navegava em aerovia de mão dupla em
um nível de vôo incorreto e solicitar ao centro de controle
autorização para descida ou subida para um nível compatível co m
o ru mo magnético da aerovia. Não tendo agido assim passou a
voar como se transitasse em u ma pista na contramão, co m os
faróis apagados.

3
Ver documento .pdf nomeado como: Manual de Operação ATECH, sobre CFL na etiqueta p.8 e CFL na
STRIP p.18. Neste manual a ATECH induz ao erro ao utilizar conceito de CFL (Cleared Flight Level) para
um campo onde o que se reproduz é um FL proposto em PLN para a execução do referido vôo. Quando
a aeronave desliga o transponder, porém, a única informação que se tem é esta, que induz o
controlador a aceita-la como verdadeira, CFL, conforme escrito no manual da ATECH.

20
16. Foi nessa situação, com a exib ição errônea do nível de vôo do
N600XL, que veio a se operar a mudança de controladores no
setor 7. Ao assumir a posição de controle do Jomarcelo o
Controlador Lucivando recebeu a seguinte informação sobre o
nível de vôo do N600XL: “O nível de vôo é o que consta na Ficha
de Progressão de Vôo”, onde se exib ia “360 360”, informação
coerente com aquela exib ida na tela do console “360z360”.
Registre-se que o 360 aqui sublinhado, informação sempre
disposta à esquerda da expressão, indica altitude real aferida por
um radar primário, que chegou a exib ir oscilações cerca de 9 mil
pés, vez que mostrava altitudes alternantes entre o nível 320 (32
mil pés) e o 410, quando o aceitável para a sensibilidade de u m
radar primário seria u ma variação de no máximo 3.000 pés.
Estranhamente, contudo, a “caixa preta” do Legacy, aberta pela
Co mando da Aeronáutica, veio a reg istrar que nenhuma mudança
acentuada de nível fora procedida pelos pilotos do Legacy. O
fato de no interior do Legacy encontrar-se representante da
EM BRA ER, empresa brasileira orig inada da Aeronáutica, e com
a qual esta se mantém estreitada por inúmeros vínculos pessoais
dos dois quadros, talvez sirva de fonte de investigação para o
Ministério Público, quanto ao real comportamento na efetiva
progressão daquele vôo.
Sem qualquer leviandade, apenas para que se cumpra com rigor
o devido processo de investigação, merece renovado exame a
hipótese possível de desligamento intencional do equipamento, o
que se tem como plausível porquanto operou-se tal “turn off”
depois de se passar por Brasília, em d ireção à Amazônia, espaço
que pode ter sido considerado como adequado para teste de
comportamento de variação de atitudes da aeronave, em
exercícios próprios de quem quer experimentar u m equipamento
novo, de excepcional qualidade como u m Legacy.
MM. Juiz, co m tudo que já se coligiu sobre essa tragédia, desde a data
do recebimento da denúncia até o presente, resulta inaceitável a manutenção
de uma persecução criminal nos termos dessa em que aqui se imputa, ao
acusado Jomarcelo, a prát ica de dois crimes dolosos, em concurso formal:
“Há de responder por dois crimes dolosos de atentado contra a segurança de
transporte aéreo, em concurso formal (Art . 70 do CP). Um, na modalidade
fundamental (art. 261, caput, CP), quanto à periclitação da aeronave
N600XL. O outro, qualificado por cento e cinqüenta e quatro mortes (art.
261, parágrafo 1º, c/c art. 263, CP), em relação ao avião sinistrado de prefixo
PR-GTD”.
Desde a primeira imputação – “O denunciado JOMARCELO
FERNANDES DOS SANTOS, absteve-se dolosamente de corrigir a altitude
da aeronave N600XL, sabendo-a em patamar imp róprio para a rota
programada” – o Ilustre membro do Parquet registra entendimento quanto a
um co mportamento doloso por parte de Jomarcelo. E prossegue: “Por isso, e
por, nessas condições, ter também deixado de adotar as providências
regulamentares para falha de transponder, omitiu-se quanto a risco intolerável
de colisão, que podia e devia imped ir, a que ambas as aeronaves envolvidas
se expuseram. O conhecimento da discrepância de altitude e, portanto, do
perigo de colisão, é o ponto que diferencia a sua conduta da dos demais
controladores. Enquanto estes supunham que a aeronave estava no nível de
cruzeiro correto, Jomarcelo Fernandes dos Santos sabia que ela não estava, e,
assim, concorreu, conscientemente, para a instalação e permanência da
situação de risco”.
Observa-se que a imputação trazida na exo rdial acusatória é, a u ma
primeira vista, de dolo direto, na med ida em que as expressões “absteve-se
dolosamente de corrigir a altitude da aeronave N600XL, sabendo-a em
patamar impróprio para a rota programada” e “concorreu, conscientemente,

21
para a instalação e permanência da situação de risco” apontam para
consciência e vontade de não evitar e manter o risco proibido de colisão da
aeronave que voava na aerovia sob sua monitoração.
A fortíssima imputação, que resultaria em u ma pena de reclusão de 8 a
24 anos, sem contar o acréscimo decorrente do concurso formal, impõe u ma
delimitação técnico-doutrinária do instituto do “Dolo”, ainda que brevíssima
como a que se passa a esboçar.
Assente, no Brasil, que a Teoria da Vontade fundamenta o “Dolo
Direto” e que a Teoria do Assentimento, ou Consentimento, define os
requisitos do “Dolo Eventual”, é de se examinar cada u m dos requisitos de
cada conceito.
Dois requisitos elementares são indispensáveis ao dolo direto: o
conhecimento, elemento cognitivo, e a vontade, elemento volitivo. O que
importa exigir para o reconhecimento de uma ação dolosa, que o agente sabe
o que faz e quer fazer. Segundo Hans Welzel, a quem se atribui a paternidade
do sistema finalista, este que se tem como adotado desde a Reforma da Parte
Geral do Cód igo Penal, de 1984, o dolo deve abranger: os objetivos
efetivamente pretendidos pelo agente, a seleção dos meios necessários para a
produção do resultado pretendido e as conseqüências secundárias da conduta.
O dolo eventual, por sua vez, objeto de definição da Teoria do
Assentimento, traz co mo elemento cognitivo a “representação mental”
deveras menos acentuado que o saber direto, consciente. Quem representa
mentalmente a possibilidade de ocorrência de um resultado decerto não o
tem co mo certo, senão como uma probabilidade. E a aceitação do resultado,
como provável, é elemento volitivo, por sua vez, igualmente atenuado em
comparação co m u m querer direto, determinado.
De se observar que o elemento cognitivo do dolo eventual – a
“representação mental” – também se encontra presente na chamada “culpa
consciente”, radicando a diferença no elemento volitivo: no dolo eventual
aceita-se o resultado, com indiferença; na culpa consciente, embora
representado mentalmente a possibilidade de ocorrência do resultado, não há
aceitação do resultado, antes, o agente atua com a absoluta convicção de que
o resultado não sobrevirá, acreditando sinceramente que o seu agir é seguro,
inobstante a previsão do risco.
Talvez em face da grandiosa dificuldade de oferecer denúncia em
prazo recorde, considerada a extensão do desastre e a complexidade da
atividade probatória, tudo a requerer um acurado exame pericial, todavia não
disponível em tempo tão curto, o Ministério Público, segundo o que lhe
chegava às mãos, entendeu conduta dolosa por parte do Jomarcelo.
Hoje, repita-se, passados mais de dois anos da tragédia, são fartos os
elementos probatórios a demonstrar a responsabilidade dos pilotos e dos
integrantes do mais alto escalão de militar da Co mando da Aeronáutica, estes
já denunciados por crime de Omissão de Eficiência, conforme a Ação Penal
Privada Subsidiária que se encontra protocolada no Supremo Tribunal
Federal, onde se demonstra (cópia integral no Anexo 4) toda a
responsabilidade criminal por u ma situação inacreditável de falhas
sistêmicas, sobejamente conhecidas e ignoradas pelos Oficiais gestores do
Sistema de Controle do Espaço Aéreo Brasileiro.
Bastaria considerar a absurda mudança automática de nível, por parte
do Sistema X4000, falha que criminosamente se deixa de corrigir para
prejudicar a defesa do Jomarcelo, conforme acima se apontou, em registro de
relatório oficial produzido pelo TCU, para que se desmorone qualquer
suporte lógico à sustentação de dolo na conduta do controlador.
E a in justiça que se perpetra contra Jomarcelo não se resume aos
poucos mais de 3 minutos que ele dispunha para identificar u m sinal
esmaecido de mudança automática de n ível de vôo – impensável em qualquer
país que leve a sério esta atividade. Três minutos logo transformados,
fraudulentamente, em longos 7 minutos por parte desonesta da imprensa
(segundo fala de jornalista:“7 minutos em aviação, é muuuito tempo!”),
ocultamente paga por empresa de relações públicas, essa contratada para

22
“melhorar a imagem” dos pilotos do Legacy, conforme exped iente bem ao
estilo Americano.
A dolorosa injustiça que se pratica contra este controlador já destruído
em auto-estima, em possibilidades profissionais, desesperadamente carente
de tudo que signifique um alívio em face das mortes ocorridas, e que lhes são
covardemente imputadas (covardia que aqui não se atribui ao douto membro
do Ministério Público Federal, mas aos comandantes da Comando da
Aeronáutica, estes verdadeiros conhecedores do conjunto de falhas que
produziram a tragédia), se mostra exacerbada quando se considera que o
Jomarcelo encontrava-se em posição operacional de controle de vôo de uma
aeronave pilotada por estrangeiro, quando, assim co mo grande parte dos
controladores brasileiros, apresentava sérias restrições de domínio da língua
inglesa.
Dificu ldade que se exprime de modo trágico-irônico no informat ivo
AEROESPA ÇO do DECEA (Departamento de Controle do espaço Aéreo),
de nº 14, editado em janeiro de 2006, página 8, em u ma matéria escrita pelo
Capitão Especialista em Controle de Tráfego Aéreo, Eduardo Silvério de
Oliveira, que tem co mo título: "THE BOOK IS ON THE TA BLE (mas os
controladores precisam mais que isso!)". O título por si só revela, para quem
o lê, a certeza de que este é o nível de proficiência inglesa da grande maioria
dos controladores em atividade no tráfego aéreo brasileiro, situação crítica
para quem voa, uma vez que a língua inglesa é a internacionalmente adotada
pelas tripulações de outros países. Salvo aqueles que tiveram a oportunidade
de investir num curso de inglês às suas próprias expensas, o restante tem
exatamente o nível criticado na matéria publicada, ironicamente, pelo próprio
órgão central da Co mando da Aeronáutica responsável pelo tráfego aéreo.
Coloque-se no lugar dele, quem quer que pretenda imputar seriamente
um crime a Jo marcelo. Ho mem simp les e humilde, sentado em frente a um
console de controle de tráfego aéreo, forçado pelo estamento militar a
cumprir ordens, dentre as quais a de controlar aeronave pilotada por alguém
com quem não conseguirá se comunicar, senão pela repetição mecânica de
limitadíssima fraseologia, pobre mimet ização de comunicação humana,
insuficiente para lidar co m qualquer evento que fuja dos estreitos comandos
aprendidos.
É assim, Excelentíssimo Senhor Juiz, que o novel instituto das
Alegações Preliminares, aqui expendidas, permitirá a Vossa Excelência
corrig ir, de plano, de pronto, de imediato a ignominiosa injustiça. Co mo
admitir presentes os elementos psíquicos de “conhecimento” e “vontade” na
manutenção de risco,por parte do Jomarcelo, este que é vítima, assim como
os mortos e seus familiares, da covarde negligência dos verdadeiros
responsáveis pela tragédia?
Co mo Jo marcelo poderia adiv inhar que naquela aeronave Legacy se
encontravam aeronautas irresponsáveis, igualmente acompanhados por
irresponsável representante da Embraer, todos a voar alegremente sem a
menor observância das regras mín imas de navegação exig idas para um piloto
amador?
Co mo Jomarcelo poderia adivinhar que desligariam o transponder,
logo o transponder, curiosamente após deixarem Brasília em direção ao
“vazio do céu amazônico”, como de ordinário se representa este imenso
espaço ermo?
Co mo Jomarcelo poderia representar mentalmente, muito pior,
aquiescer, que o Piloto não obedeceria o plano de vôo por eles apresentado, e
que voariam em n ível diverso daquele representado pelo sistema que os seus
chefes não querem corrigir para condená-lo?
Em raríssimos mo mentos da vida jurídica de qualquer profissional vai
se encontrar situação tão absurda: a de ter que empregar argu mentação da
Ciência do Direito para repulsar coisa tão evidente, tão cristalina quanto
estapafúrdia, a inacreditável acusação de que alguém co mo Jo marcelo,
formado para ser controlador de vôo, destinado a assegurar vôo seguro aos
que estão sob seus cuidados profissionais, pudesse ser acometido de tão

23
mórb ido sentimento de indiferença com a v ida humana que o conduzisse a
manter em risco uma aeronave, conscientemente, indiferente ao que daí
sobreviesse.
E o devido respeito ao Excelentíssimo Procurador da República, que
ora oficia em Sinop, impõe que se lhe faça justiça, em ho menagem à douta
formação que marca todos aqueles que ascendem, mercê de méritos próprios,
aos elevados misteres do Parquet Federal. Tivesse o douto Procurador acesso
ao que aqui se trouxe, sem dúvida, outro seria, como será, o seu
posicionamento.
Apenas para reforçar, rep isar, tudo que tem sido ru minado, remo ído
por todos os controladores indignados com a covarde perseguição movida
pelos comandantes militares da Comando da Aeronáutica, envolvidos nessa
indigna conjuntura: a quantidade de informações geridas simultaneamente
por um controlador em operação é mu ito grande. Assim, não se podendo
confiar simples mente em sua memória, a ele é disponibilizado um conjunto
de informações registradas nas Fichas de Progressão de Vôo. É
HUMANAM ENTE IMPOSSÍVEL QUE O CONTROLA DOR SAIBA
QUA L O NÍVEL DE VÔO DE TODAS AS A ERONA VES SOB SEU
CONTROLE SEM O AUXÍLIO DAS FICHAS DE PROGRESSÃO DE
VÔO 4 .
Desta forma, resta evidente que o controlador Jomarcelo foi induzido
ao erro pela troca automát ica do nível de vôo, do autorizado pelo solicitado,
não cabendo a ele outra atitude senão a de confiar nos registros disponíveis
na Ficha de Progressão de Vôo, que na hora da mudança de controlador
acusava o nível de vôo 360 co mo sendo o nível autorizado e, portanto, o nível
em que deveria estar mantida a aeronave.
Jomarcelo, ao contrário do que se lhe imputou na denúncia, adotou a
conduta que qualquer controlador em seu lugar adotaria, pois tinha a certeza
natural de que lidava com informações confiáveis, como a que lhe
apresentava a altitude da aeronave Legacy em 36.000 pés – nível de vôo 360
(FL 360).
São as razões pelas quais se pede absolvição sumária para Jo marcelo,
de modo a que se repare a brutal injustiça contra ele perpetrada. Na pior das
hipóteses, Excelentíssimo Senhor Juiz, convole-se em acusação culposa, para
a qual igualmente se demonstrará inocência, mas desde já se retire tão
gravosa atribuição de responsabilidade dolosa, que o discrimina e fere em
duríssima antecipação de pena, sem que sequer tenha sido julgado.

Em relação ao acusado LUCIVANDO, aduziu-se em


Alegações Preliminares o que se segue (fls. 2101 a 2104):
Também co m relação ao acusado LUCIVA NDO TIBÚRCIO DE
ALENCA R, denunciado por violar “normas que regem o exercício de sua
profissão, negligenciando procedimentos previstos para os casos de falha de
comunicação e de transponder” e por sonegar “informação dessas falhas ao
CINDACTA 4”, assim inviabilizando “a adoção, por parte daquele órgão, de
ações corretivas, como, por exemp lo, o desvio do avião PR-GTD”, co m o que
teria deixado “de evitar ou minorar...riscos não-permitidos que culminaram
com a periclitação e o sinistro da citada aeronave, e co m a conseqüente morte
das pessoas nela embarcadas” , a denúncia há de ser refutada pelas razões que
se seguem:

4
Cabe o lembrete. A concepção originária do sistema era para ser totalmente eletrônico (sem papel).
Por exigência dos controladores, adotou-se a FPV de papel como redundância para falhas do console
(apagão ou sumiço dos dados). Só que as FPV impressas replicam às eletrônicas. Assim, carregando seus
vícios. Erros de concepção originária (facilidades ?).

24
1. Lucivando, conforme mais acima apontado, recebeu a
informação de progressão de vôo do Legacy N600XL ao assumir
o serviço do controlador Jomarcelo, quando da mudança de
controladores no setor 7: “O nível de vôo é o que consta na Ficha
de Progressão de Vôo”, foi o que ouviu. Naquele mo mento
coincidiam a FPV, em sua versão digital exibida na tela – onde
se lia “360 360” (respectivamente, níveis autorizado e
solicitado), a cópia imp ressa da FPV e, ainda, a informação da
etiqueta eletrônica da pista radar exib ida na tela do console,
agora como “360z360”. OU SEJA: INFORMA ÇÕES
COERENTES, CONGRUENTES COM O
PLANEJADO/ ESPERADO PARA A PROGRESSÃO DE UM
AERONA VE NA QUELA A EROVIA 5 .
2. Portanto, para o controlador Lucivando a aeronave sempre esteve
no FL360.
3. As informações altimétricas da aeronave, durante o controle de
Lucivando, estavam sendo fornecidas pela antena de radar
primário e não pelo secundário. O radar primário não tem função
técnica de emitir alt itude precisa, antes destina-se às ações de
controle relativas à DEFESA AÉREA , permitindo a detecção de
aeronave não identificada, que vier a adentrar o espaço aéreo
brasileiro com seu transponder desligado, tentando fugir do
alcance dos radares de cobertura do território nacional. Para
essas situações, o Comando de Defesa Aérea instalou antenas de
radares PRIMÁRIOS em diversos pontos do território nacional.
Assim, esses radares, denominados de TRS, fazem u ma leitura,
uma espécie de cálculo sobre a altitude da aeronave
desconhecida, todavia, sem pretensão de precisão altimétrica. Em
verdade, representa equívoco a manutenção e exibição dessa
informação para o controle de tráfego da aviação civ il, razão pela
qual esse dado é suprimido em todos os países desenvolvidos, na
atividade.
4. Fato é, que independente da detecção primária da pista radar do
N600XL não ser de uso para o controle de tráfego aéreo, aí se
encontrava mais um fator de indicação de normalidade para
aquela progressão de vôo, em tudo indicada como ocorrente no
nível de vôo 360. Esta era a convicção do Lucivando, como de
resto seria para qualquer controlador deste planeta que atuasse no
sistema brasileiro.
5. Quanto às imputações de negligência nas falhas de comunicação,
registra-se que, no Brasil, segundo a ICA 100-12, item 14.4.2,
pág.155, do Co mando da Co mando da Aeronáutica: "As
aeronaves que dispuserem de equipamento transponder em
funcionamento, quando em vôo, deverão mantê-lo acionado
durante todo tempo de vôo, independentemente de se
encontrarem em espaço aéreo com cobertura radar secundário e
deverão selecionar seu equipamento no modo 3/A da seguinte
forma: ... ...c) 7600 – co m falhas de comunicações".
6. Ora, ev idente que se o piloto em comando não deixasse de
observar regra tão comezinha, de observação compulsória no
mundo inteiro, perceberia que seu transponder estava desligado,
situação em que a tragédia não ocorreria, pois o últ imo filtro de
segurança, o TCAS – TCAS Traffic Collision Avoidance
System, funcionaria.

5
Cabe o lembrete. A concepção originária do sistema era para ser totalmente eletrônico (sem papel).
Por exigência dos controladores, adotou-se a FPV de papel como redundância para falhas do console
(apagão ou sumiço dos dados). Só que as FPV impressas replicam às eletrônicas. Assim, carregando seus
vícios. Erros de concepção originária (facilidades ?).

25
7. E toda operação de controle de tráfego aéreo alicerça-se no
Princípio da Confiança, hoje tão prestigiado pelo Direito Penal,
onde os órgãos de tráfego aéreo esperam que a conduta a ser
desenvolvida pelo piloto com falha de co municações seja aquela
preconizada nos termos do item 14.5.5, pág. 156, da ICA 100-12:
"Quando uma aeronave, equipada com t ransponder apresentar
falha de comunicações espera-se que o piloto selecione o código
7600. Quando o controlador observar a apresentação do código
7600, deverá aplicar o procedimento de falhas de
comunicações".
8. Ora, de todas as degravações das conversas dos pilotos, que já
foram levadas a esse Juízo, depreende-se a ausência de
experiência e familiaridade com o avião, bem co mo desprezo
pela leg islação de tráfego aéreo, pois ao detectarem a falha de
comunicações com o ACC-BS – Centro Brasília – deveriam ter
modificado o código transponder para 7600, código
correspondente a problemas de falhas de comunicações, aplicado
no mundo inteiro e constante do Doc. 4444, da ICAO –
International Civil Aviat ion Organization, regulação a qual se
submetem Brasil e Estados Unidos.
9. Agrava o quadro exposto a repetitiva ocorrência de falhas de
comunicação, tão abundantes, tão comuns no cotidiano do
controle de tráfego aéreo brasileiro (ver anexos 1 e 3) que
induzem à banalização de novas falhas, o que não se tolera em
uma at ividade que deve ser intolerante co m relação às falhas. E
não há como negar que a perda do sinal transponder de uma
aeronave é algo comum na região de controle de Brasília. Quer
seja por pane de radares ou por sinais enviados erroneamente
para os controladores. Também tão comu m são as falhas de
comunicações na região do acidente que uma eventual perda de
comunicação, por si só, não chega a criar uma consciência
situacional de alerta.
MM Juiz, avultam os indícios e provas que apontam como
responsáveis pelo trágico acidente os pilotos da aeronave Legacy N600XL. A
imperícia na pilotagem daquele equipamento, o desprezo pelo plano de vôo,
tudo a encontrar-se suficiente demonstrado só pelo que levantou a Polícia
Federal, ao degravar o conteúdo registrado nas caixas “Cockpit Voice
Recorder” e “Flight Data Recorder” do avião da ExcelAire. As gravações
demonstraram que os pilotos não tinham o domínio co mp leto da aeronave e
tiveram por d iversos mo mentos, dificu ldade de controlar o avião e manter
seus equipamentos em funcionamento (a exemp lo do transponder,
EQUIPAM ENTO QUE EVITARIA A COLISÃ O).
Em culpa concorrente aponta-se o Ex-Co mandante Geral da Co mando
da Aeronáutica, o Tenente Brigadeiro do Ar R/1 Luís Carlos Bueno, pelos
crimes de Omissão de Eficiência da Força e Omissão de Providências para
Ev itar Danos, capitulados respectivamente nos artigos 198 e 199 do Código
Penal Militar Brasileiro, na conformidade da Ação Penal Privada, subsidiária
da Ação Penal Pública que não foi proposta pelo Procurador-Geral da
República, a despeito de todas as informações terem sido a ele encaminhadas.
Sob a relatoria do Ministro Celso de Mello, esta Ação será submetida ao
Plenário do Supremo Tribunal Federal onde se acha protocolada. A cópia da
referida Ação, com o nú mero de protocolo do STF em sua capa, encontra-se
anexada às presentes Alegações, e constitui importante documento a
comprovar a inexistência de responsabilidade dos controladores na tragédia
do Vôo 1907. Esses que aqui se encontram denunciados, somente estão sendo
processados em razão da extrema covardia dos seus comandantes, os quais,
desonrando a melhor trad ição militar, abandonaram os seus subordinados
para ocultar os próprios erros.

26
Sobreveio a Sentença em Alegações Preliminares, nos
termos que se seguem: ...
2) Jomarcelo Fernandes dos Santos, diz a defesa, era responsável, no
dia do acidente, ao comando da região de Brasília, setores 7, 8 e 9.
Naquela oportunidade, tinha sob seu comando "a maior área de
controle do Centro de Brasília" e não contava com assistente, fato que
somente passou a ser admitido em razão da falta de controladores em
número suficiente à manutenção do padrão controlador-assistente. No
momento em que a aeronave Legacy estava progredindo no setor
controlado por Jomarcelo havia uma aeronave militar realizando um
vôo de prospecção de imagens-radar próximo à cidade de Formosa-
GO, vôo que já houvera sido realizado pela manhã e que não fora bem
sucedido, "devido a falhas nas coordenações entre a defesa aérea e o
centro de controle. Por isso, no início da tarde houve um briefing
diferenciado, onde se pediu maior atenção ao vôo de defesa aérea. Em
verdade, Jomarcelo teve em seu console por pouco mais de 03
minutos a visualização de progressão daquele vôo, sem qualquer
sinalização do sistema que chamasse sua atenção para alguma falha".
Como os pilotos não preencheram o plano de vôo, teriam que receber
o briefing de quem elaborou o plano, para que desse modo pudessem
se certificar da rota prevista, com os níveis de cruzeiro respectivos.
Em outras palavras, os pilotos sabiam - se não sabiam, deveriam saber
- que as mudanças de altitude deveriam ser solicitadas após o
"bloqueio de Brasilia". O controlador Jomarcelo realizou o primeiro
contato com a aeronave dois minutos antes do bloqueio de Brasília
(18:55:16Z), ocasião em que o nível de vôo (370) ainda estava
correto. Antes que a aeronave chegasse a Brasília, a segunda linha do
bloco de dados da etiqueta eletrônica da pista exibida na tela do
console do radar, referente à progressão do Legacy, mudou de
370=370 para 370=360, "automaticamente, por falha do sistema”. "E
ao contrário do que se tem divulgado, o campo à direita do bloco de
dados não se refere ao nível de vôo proposto pelo piloto, mas sim ao
nível de vôo autorizado pelo controlador". Faz a defesa, nesse ponto,
nova menção às falhas apontadas pelo Tribunal de Contas quanto à
"mudança automática" de nível de vôo. Observa que "tal mudança
ocorre sem que exista qualquer sinal de ênfase no console para chamar
a atenção do controlador, tais como sinal sonoro ou mudança de cor".
Diz a defesa também que a aeronave voou pouco mais de 03 minutos
em um nível de vôo incorreto, "o que para o controle de tráfego não
significava risco algum, pois até aquele momento os controladores de
Brasília não tinham qualquer informação sobre o vôo da aeronave PR-
GTD, GOL 1907, cuja entrada na área e controle de Brasília deveria
se dar às 19:57Z, ou seja, 01 hora após o bloqueio do Legacy". Sendo
de vigilância radar o serviço prestado, "a responsabilidade pela
navegação era do piloto". Ao assumir a posição de controle de
Jomarcelo, o controlador Lucivando recebeu a seguinte informação:
"O nível de vôo é o que consta da Ficha de progressão de vôo", que
era "360 360", "informação coerente com aquela exibida na tela
"360z360". A defesa, em seguida, chama a atenção para a baixa
confiabilidade do radar primário, "que chegou a exibir oscilações de
9.000 pés", e levanta a hipótese de que o equipamento tenha sido
desligado intencionalmente, com o propósito de executar manobras no
espaço aéreo amazônico. Reputa inaceitável que sobre Jomarcelo

27
pesem duas acusações em concurso formal, pela prática de crimes
dolosos. Faz, por fim, incursões doutrinárias sobre o dolo e sustenta
ser injusta a acusação feita a Jomarcelo, pessoa que tem conhecimento
limitado da língua inglesa e que não tinha condições de saber "qual o
nível de vôo de todas as aeronaves sob o seu controle sem o auxílio
das fichas de progressão de vôo" .
4) Lucivando Tibúrcio de Alencar, segundo a defesa, ao assumir a
posição de Jomarcelo, ouviu a informação de que "o nível de vôo é o
que consta da Ficha de Progressão de Vôo", dado que constava, de
resto da etiqueta eletrônica, que marcava "360z360". Essa informação,
portanto, era coerente "com o planejado/esperado para a progressão de
uma aeronave naquela aerovia". As informações altimétricas, durante
o período em que Lucivando permaneceu no controle, eram fornecidas
pelo radar primário, que não tem função técnica de emitir altitude
precisa, destinando-se precipuamente à defesa aérea.
Independentemente da "detecção primária da pista radar N600XL não
ser de uso para controle de tráfego aéreo, aí se encontra mais um fator
de indicação de normalidade para aquela progressão de vôo, em que
tudo indicava como ocorrente o nível de vôo 360". Quanto à alegada
negligência em tomar as medidas necessárias em caso de falha de
comunicação, diz a defesa que, se o transponder não tivesse sido
desligado, a colisão não aconteceria, pois "o último filtro de segurança
o TACS funcionaria". Ademais, quando uma aeronave apresenta
falhas de comunicação, o que se espera do piloto é que acione o
código 7600.
É o relatório. Decido.
Defesa escrita. Algumas considerações
A Lei n° 11.719, de 20 de junho de 2008, alterou de modo
significativo o rito dos procedimentos ordinário e sumário. Antes do
advento do novo diploma legislativo, o que se tinha era, basicamente,
o seguinte: oferecimento da denúncia, recebimento dela (se fosse
ocaso), citação do réu para o interrogatório e apresentação de defesa
prévia. Ouvia-se, depois, as testemunhas de acusação e, em seguida,
aquelas apresentadas pela defesa. Apresentadas as alegações finais
pelas partes, o processo estaria concluso para sentença, a menos que
as partes requeressem eventualmente diligências necessárias ao
esclarecimento dos fatos - prova pericial, por exemplo. Esse era, em
suma, de modo resumido, o rito processual adotado anteriormente à
modificação da lei processual.
Agora, após a alteração do procedimento, oferecida a denúncia, o juiz
deverá rejeitá-Ia liminarmente nas hipóteses do art. 395 do CPP:
inépcia manifesta (inciso I), falta de pressuposto processual ou
ausência de condição da ação (inciso lI) ou falta e justa causa (inciso
IlI). Não configurada nenhuma dessas hipóteses, a renúncia será
recebida e o juiz, então, ordenará a citação do acusados "para à
acusação , por escrito, no prazo de 10 dias" (art. 396).
[...]
Passo, então, à análise dos fatos.
O Ministério Público admite que o denunciado Lucivando foi
"omissivo quanto à falha do transponder da N600XL, assim como o
seu antecessor (Jomarcelo)". Apenas com a diferença de que não sabia
que a aeronave voava na "contra-mão". Essa circunstância exigia
providências de comunicação que não foram realizadas a contento
pelo denunciado, providências que eram ainda mais urgentes em se

28
considerando que o avião sobrevoava uma "área crítica", consideradas
pelos próprios controladores como área de "não-radar".
Não compartilho, no ponto, da afirmação feita pelo órgão ministerial.
Não vejo uma relação direta entre a possível falha do sistema aéreo e a
necessidade de que se tomasse providências urgentes. Se é que se quer
admitir que a área é de não-radar (o Ministério Público mesmo a
chama de "área crítica"), poder-se-ia, em verdade, chegar a raciocínio
diverso. Quando um dado sistema de comunicação é marcado pela
eficiência, pela característica de não apresentar defeitos, pelo
funcionamento normal, regular, contínuo e permanente no tempo, a
falha se torna exceção e, na sua ocorrência (da falha), o que se espera
é que o agente que o opere tome, diante da situação inusitada, uma
iniciativa rápida, para se informar sobre o ocorrido ou para corrigir o
defeito - se tiver no seu âmbito de atribuição a solução do "problema
inesperado". Mas se um sistema se caracteriza, ao contrário, pela nota
da "precariedade" (é o próprio MPF que fala em "área crítica"), do
mau funcionamento, de defeitos sucessivos, essa circunstância,
quando repetida no tempo, tende a criar na pessoa encarregada de
operá-lo um certo descrédito ­ para não dizer total descrédito. Se a
regra, em suma, é a ocorrência do defeito, a atividade imediata
necessária à sua correção é que passa a ser exceção. Para ser bem
claro: se o sistema seguidamente "vai e volta", é natural que, durante o
decurso de tempo, acabe se "acostumando" e não tome as providências
imediatas baseado na convicção de que o equipamento falho voltará,
enfim, a funcionar. Mas esse não é um aspecto decisivo.
É preciso reconhecer que tentativa de comunicação houve. Foram
quatro tentativas de comunicação feitas pelo denunciado Lucivando
com a aeronave: 19h26m56s (a primeira), 19h27m12s (a segunda),
19h34m07s (a terceira), 19h53m38s (a quarta). Não se pode afirmar,
portanto, que o agente omitiu-se. Pode-se até dizer eventualmente que
as comunicações não se deram exatamente na forma como previsto no
regulamento de regência. Esse intervalo entre uma ligação e outra
certamente tem relação com as falhas que o sistema de comunicação
apresentava no momento. Se área era "crítica", como diz o MPF, então
o espaçamento encontra uma justificação plausível. A exigência de
que, a cada comunicação não completada, fosse adotado um
procedimento de emergência é incompatível com o regular
funcionamento do sistema.
Aqui cumpre fazer uma observação. Lucivando foi interrogado, assim
como os demais controladores. O fato de este juízo ter oferecido aos
controladores o direito de apresentação de defesa escrita ­ quando já
efetivado o interrogatório -, por uma questão e tratamento igualitário
no processo não o impede, evidentemente, de investigar o que naquele
ato declarou o acusado. O interrogatório foi ato legítimo, já integra o
processo e contou com participação de todos os interessados - MPF,
assistentes de acusação, defesa dos pilotos e defesa dos controladores.
O mesmo procedimento seria utilizado se a situação fosse inversa -
pilotos já ouvidos em juízo e controladores ainda não ouvidos.
Nenhum problema teria se se todos os réus já tivessem sido
interrogados antes do advento da lei nova. Aí não estaríamos falando
em defesa escrita. O ato já teria se consumado, em relação a todos os
réus, antes do advento do novo procedimento.

Questionado no interrogatório pelo Ministério Público sobre a partir


de que momento poderia ficar configurada uma falha de comunicação,

29
Lucivando respondeu o seguinte: "não existe um número x de:, de, de
... não há, são vinte, quinze, dez tentativas, não o regulamento não cita
isso. O que existe é tentar comunicação, não conseguindo, prover
separação, como foi ocorrido, mais uma vez, eu deixo bem claro, a
aeronave Legacy November, meio, zero, zero, X-Ray Lima, estava
mantendo o nível três, meia, zero, nível correto para aquele rumo
magnético e a aeronave gol no nível três, sete, zero, já havia
separação, garanti essa separação através das informações do cenário
que me foi apresentado" (fl. 1356 do volume VI da ação penal). Essa
declaração coincide com o que foi dito no inquérito policial: "que,
naquele momento, a informação essencial em relação à aeronave era
seu nível de vôo, ou seja, 360, o estimado de passagem pelo ponto da
notificação compulsória NABOL, que significa o limite de espaço
aéreo controlado pelo ACC/BS e pelo ACC/ AZ e que essas as
informações relevantes para o sobrevôo em uma área não radar como
aquela em que a aeronave já estava prestes a adentrar" (fls. 253 do
Volume II da ação penal).
O importante a extrair da declaração de Lucivando é, em primeiro
lugar, a alegação de que o regulamento não prevê um critério, "aberto"
que fosse, a partir do qual o agente operador do sistema pudesse
concluir pela existência de uma situação configuradora de falta ou
falha de comunicação. O regulamento é omisso a respeito (item 7.14.e
e 7.14.2). Isso quer dizer que cumpre ao agente, na situação
"concreta", definir, segundo a sua avaliação, quando ocorre a falha e
decidir pelas providências a serem tomadas. A norma deixa, portanto,
uma margem de atuação, de modo que não se pode falar sobre
existência de falha "em abstrato", somente sendo legítima a conclusão
pela sua ocorrência quando essa conclusão for retirada do contexto
fático em que se desenvolveu a ação.
É nesse ponto que parece ter relevância a segunda declaração feia pelo
denunciado Lucivando. Como está dito na denúncia e é fato
incontroverso no processo, o denunciado Jomarcelo passou-lhe a
informação de que a aeronave encontrava-se no nível F360,
compatível para o trecho monitorado pelo acusado - afirmação que
nem a defesa de Jomarcelo nega. Disso se pode concluir,
legitimamente, que para ele, embora houvesse problemas de
comunicação, a situação era de "normalidade", pois, afinal de contas,
na "sua cabeça" o avião não se encontrava em rota de colisão.
Ora, essa situação de "normalidade" quanto ao nível do Legacy não
pode ser desprezada quando se analisa os procedimentos que
Lucivando adotou - e tentou "quatro vezes" - para se comunicar com o
avião.· Um comportamento mais ativo e mais expedito certamente
poderia dele ser exigido acaso houvesse algum motivo que fosse para
desconfiar que a aeronave voava em nível de "colisão". Aí, sim, seria
o caso de analisar com muito mais rigor os procedimentos adotados
para o estabelecimento de contato com o Legacy. Mas onde estariam
esses elementos que pudessem levar a uma desconfiança sequer? Em
nenhum lugar. O próprio MPF diz, na denúncia, que Lucivando não
sabia que a aeronave voava na "contra-mão", sendo essa afirmação de
extrema importância - pois feita pelo próprio órgão de acusação - para
que se examine de maneira menos rigorosa a censura feita pelo MPF
ao comportamento do acusado na condução dos trabalhos de
comunicação com o avião.
Lucivando, em verdade, atuava em erro de fato. Estava
completamente iludido a respeito de uma situação de fato de suma

30
importância para que se analise não apenas eventual falta de cuidado
como também, e principalmente, a sua capacidade de previsão do
risco. Lucivando tinha como certo que o Legacy voava em altitude
360, perfeitamente compatível para o trecho que monitorava; Leciona
Piarengeli que "dentro da dogmática penal moderna, a
responsabilidade se assenta prioritariamente sobre o descumprimento
de dever de cuidado, de natureza objetiva, com a necessidade de se
fixar uma relação de causa e efeito entre a conduta descumpridora do
dever de cuidado e o resultado. A previsibilidade vem a formar o tipo
subjetivo. enquanto o dever de diligência vai compor o tipo objetivo"
(op. cit, p. 455). Não basta, portanto, examinar a questão apenas pelo
ângulo da falta de cuidado objetivo. A previsibilidade, com
componente do "tipo subjetivo", deve, necessariamente, ser levada em
consideração. Caso contrário, cairíamos no risco de fixação de uma
responsabilidade penal objetiva.
Mas eu quero insistir em uma observação. Não se pode sequer afirmar
categoricamente que Lucivando tenha faltado com dever de cuidado
no que diz respeito às comunicações com a aeronave Legacy. O que se
poderia dizer, eventualmente, é que ele não foi diligente como deveria
ter sido. Não teria cumprido com eficiência a norma regulamentar de
regência - O ICA 100-12. Convém, no ponto, deixar bem claro que o
regulamento das atividades aéreas dispõe sobre os procedimentos a
serem dotados em situação de falha de comunicação. O ato normativo
não contém, no entanto, nem um artigo que deixe ao operador um
critério - mínimo que seja - a partir do qual ele possa chegar à
conclusão não de que há falha, pois isso ele pode perceber, mas de
necessidade pôr em funcionamento os procedimentos emergenciais. É
nesse contexto que vejo configurado, de modo aceitável, o dever de
cuidado em relação à conduta do acusado (Lucivando). A
previsibilidade objetiva, leciona Fernando Capez, "é a possibilidade de
qualquer pessoa dotada de prudência mediana prever o resultado. É
elemento da culpa. Conforme anota Mirabete, "a rigor, porém, quase
todos os fatos naturais podem ser previstos pelo homem comum
(inclusive uma pessoa poder atirar-se sob as rodas do automóvel que
está dirigindo). É evidente, porém, que não é essa a previsibilidade em
abstrato de que se fala. Se não se interpreta o critério da
previsibilidade informadora da culpa com certa flexibilidade, o
resultado lesivo sempre, seria atribuído ao causador. Não se pode
confundir dever de prever, fundado na diligência ordinária de qualquer
homem, com poder de previsão. Diz-se então que estão fora do tipo
penal dos delitos culposos os resultados que estão fora da
previsibilidade objetiva de um homem razoável, não sendo culposo o
ato quando o resultado só teria sido evitado por pessoa extremamente
prudente" (op. cit, pp. 208/9).
Mesmo que se considerasse ausente o dever de cuidado quanto à
tentativa de comunicação com o Legacy, ainda assim a punibilidade
por esse fato não seria possível. Falta, como se vê, o requisito da
previsibilidade. E ele não estaria configurado por outra razão. Já se
disse que Lucivando estava atuando em erro de fato. Já se disse que
para ele a aeronave voava "360". Erro de tipo, na lição de Damásio de
Jesus, "é o que incide sobre as elementares ou circunstâncias da figura
típica, sobre os pressupostos de fato de uma causa de justificação ou
dados secundários da norma penal incriminadora ..... Não há
consciência da conduta e do resultado, a consciência do nexo de
causalidade e nem a vontade de realizar a conduta contra a vítima e de

31
produzir o resultado. Há desconformidade entre a realidade e a
representação do sujeito que, se a conhecesse, não realizaria a
conduta" (op. cit, p. 265). Damásio está comentando a situação
hipotética de um homicídio. É certo, diz o artigo 20 do Código Penal,
que o erro sobre elemento constitutivo do tipo, embora exclua o dolo
,"permite a punição por crime culposo, se previsto em lei". A conduta
culposa pela qual foi denunciado Lucivando encontra-se prevista em
lei (regulamento). Mas o erro em relação à altitude da aeronave era o
que a doutrina chama de erro invencível. A altitude ("360") era
compatível com a rota. Além do mais, foi confirmada a Lucivando por
Jomarcelo. Qual o motivo que teria Lucivando para "desconfiar" que,
em vez de trafegar no nível correto, a aeronave Legacy estaria em
outro nível? Nos dados constantes do processo não existe prova
alguma que permitisse uma afirmação no sentido de que essa
"desconfiança" lhe pudesse ser exigida. Então, ele tomou aquelas
providências de comunicação com convicção de que a situação não
era de emergência. Ele não tinha dúvida sobre o nível de vôo da
aeronave. "O erro invencível que recai sobre elementar exclui, além
do dolo, também a culpa. Se o erro não podia ser vencido, nem mesmo
com emprego de cautela, não se pode dizer que o agente procedeu de
forma culposa" (CAPEZ. Fernando. Op. cit, p. 224).
O exame do caso também permite que se recorra ao chamado
princípio da confiança, de utilidade indiscutível para solucionar
principalmente problemas decorrentes de delitos culposos. "Na ciência
penal contemporânea", afirmam Zaffaroni e P ierangeli, "esses
problemas são solucionado com recurso ao "princípio da confiança",
segundo a qual desenvolve-se de acordo com o dever de cuidado a
conduta daquele que, em qualquer atividade compartilhada, mantém
confiança em que o outro se comportará conforme ao dever de
cuidado, enquanto não tenha razão suficiente para duvidar ou acreditar
o contrário. Assim o condutor que vê que um pedestre está cruzando a
rua fora da faixa de segurança tem motivo suficiente para crer que está
violando o dever de cuidado, do mesmo modo e aquele que vê um
grupo de crianças jogando futebol na calçada" (op. cit, 512). Usando o
exemplo dos eminentes doutrinadores, pode-se dizer que o avião, para
Lucivando, não estava "atravessando a rua". Antes pelo contrário,
tudo indicava que a aeronave estava no nível compatível com o trecho.
E ele não tinha nem um dado concreto que o permitisse duvidar disso.
E não estava no seu âmbito de previsão que a aeronave pudesse de
repente mudar o nível de vôo. Não se pode exigir do agente que
preveja o extraordinário, o inusitado. Não se pode, enfim, exigir que o
agente preveja a exceção. A regra é que as aeronaves permaneçam no
nível autorizado. Estou absolvendo, portanto, o acusado Lucivando da
conduta relacionada com as comunicações que tentou realizar com a
aeronave, na análise das quais o MPF chegou à conclusão de que
deveria o acusado ter toma o providências de emergência.
Aqui cumpre um outro esclarecimento. Estou tomando essa conduta
como um fato autônomo. É certo que a acusação diz que, malograda a
tentativa, o acusado Lucivando teria de "programar em seu console as
cinco freqüências existentes". Disso poderia se entender que o ato
culposo teria sido não propriamente o que o MPF reputa negligência
nas tentativas de comunicação, mas a conduta posterior exigida, que
era o acionamento das freqüências de comunicação disponíveis. Vejo;
no entanto, que o Ministério Público, já quando narra as tentativas de
comunicação feitas, reputa "negligente a conduta de Lucivando".

32
Então, entendo que são, em princípio, ao menos duas as condutas
atribuídas e concluo, pelas razões já expostas, pela absolvição do
acusado Lucivando em relação à primeira.
Quando à alegada negligência relaciona a com a obrigatoriedade de
manter, no console, as freqüências indicadas para o setor, devo
reconhecer que, após detido exame dos dados probatórios colhidos até
o momento, não há espaço para absolvição sumária. Extraído, para o
que interessa ao exame do caso, o seguinte excerto do laudo elaborado
pela autoridade policial: "A carta de rota é um mapa, publicado pelo
Comando da Comando da Aeronáutica, que mostra as aerovias, os
fixos, os radioauxílios e outros elementos relevantes à navegação
aérea. Essa carta de rota mostra, ainda, as freqüências utilizadas pelo
controle de tráfego aéreo em cada um dos setores representados. A
Carta de Rota H3, que contém a aerovia UZ6, apresenta freqüências
utilizadas pelo controle de tráfego aéreo no setor 7 UTA Brasília". E
aí são indicadas as seqüências válidas para o setor: a) 123,30, b)
133,05, c) 121,50, d) 128,00 e e) 135,90. Em seguida diz o laudo que
"a freqüência 121,50 é utilizada internacionalmente como freqüência
de emergência, não sendo utilizada em condições normais" 6 .
"Observe-se", prossegue dizendo o trabalho pericial, "que, entre as
freqüência indicadas na carta para uso no setor 7 da UTA Brasília,
apenas uma, a 135,90, encontrava­ se programada no console que
controlava o setor. Note-se, ainda, que o piloto da aeronave N600XL
tentou estabelecer contato, pelo menos através das freqüências 123,30,
133,05 e 135,90, conforme previsto na tabela 8. Isso indica que o
piloto possivelmente dispunha de uma listagem das freqüências
utilizadas no setor e estava tentando estabelecer contato através de
cada uma delas" (fls. 894 da ação penal). Em uma passagem anterior,
o laudo faz referência a três tentativas de comunicação da aeronave
com o sistema aéreo que não teriam ficado devidamente registradas.
Em seguida, no entanto, consigna-se o seguinte: "As duas tentativa
seguintes, listadas sob o índice 27 da tabela 8, foram recebidas pelo
ACC-BS, de modo que foi possível determinar a freqüência utilizada:
123,3, conforme indicado na tabela”.
Embora essas comunicações tenham sido recebidas pelo ACC, elas
não foram ouvidas pelo controlador responsável pela aeronave
N600XL, pois a freqüência 123,3 não se encontrava programada no
console utilizado pelo controlador. De acordo com a informação
forecida pelo Comando da Comando da Aeronáutica, e presente à
folha 238 do Apenso V, as freqüências presentes na transcrição n°
134, corresponde ao áudio do console 8, que controlava os setores 7,
8, 9 eram: a) 135,9, b) 125,2, c) 125,05, d) 133,1, e) 122,25 e f)
125,45" (fls. 892/3 da ação penal).
Há, ao menos nesse exame preliminar, prova bastante para que se diga
que os pilotos tentaram estabelecer comunicação com a aeronave em
freqüência válida para o setor e que não estava programada na console
do controlador, sendo esse, em princípio, o motivo pelo qual a
comunicação bilateral frustrou-se, pois a mensagem "foi recebida pelo

6
Sobre alocação de frequências no posto de comunicação SITTI M-600. Só podemos configurar 8 (oito)
em cada posto. Sendo assim, se haviam 3 (três) setores agrupados no console nº 8 e 10 frequências a
serem dispostas (incluindo 121,5 MHZ). Nor malmente as frequências que sobram ficam em outra
console (lado controlador). Ou seja, o sistema propõe associações operacionais, mas não garante a
condição mínima de alocação de frequências.

33
ACC-BS". Se a comunicação foi registrada no "centro" e não chegou
ao console - ou não foi ouvida, conforme o termo utilizado no laudo -
é porque a freqüência nele não estava programada. Essa é a conclusão
do laudo pericial.
Lucivando teve oportunidade de se pronunciar sobre o interrogatório.
Perguntado pelo Procurador da República se "todas as freqüências"
estavam sintonizadas, respondeu o seguinte: "Sim, pelo que eu lembre
sim. Isso é checado durante a passagem de serviço, o supervisor na
abertura de setor, no momento de rendição, de um turno para outro, o
supervisor vai lá e seleciona as freqüências apropriadas, que vão
cobrir aqueles setores que vão ser controlados". O Ministério Público
Federal fez uma outra pergunta em seguida, querendo decerto deixar
bem esclarecida a questão. Perguntou o seguinte: "Seleciona?" ... O
acusado respondeu categoricamente: "o supervisor seleciona" (fls.
1374/5 da ação penal).
Bem, a primeira resposta do controlador, quando diz "pelo que eu me
lembre sim", indica, ao menos, que ele não tinha certeza sobre a
sintonização das freqüências. E, quanto ao fato de a sintonização das
freqüências não ser de responsabilidade do controlador, mas do
supervisor, essa é uma questão que merece maiores esclarecimento no
curso do processo penal. Mesmo a admissibilidade de que essa seja
uma função do órgão de supervisão - por meio de seus agentes - não
afastaria, em princípio, a responsabilidade do controlador - que, afinal
de contas, tem por função "controlar". Controlar não apenas aspectos
relacionados com as comunicações a serem efetivas com as aeronaves,
mas com o funcionamento mesmo do sistema que opera. Isso não
significa conclusão definitiva, evidentemente. Mas o fato é que da
simples declaração unilateral do acusada não se pode extrair que não
houve, de sua parte, nenhuma responsabilidade pela ausência, no
console, das freqüências utilizadas para o setor controlado ­ isso
tomando-se em consideração a conclusão pericial realizada
extrajudicialmente. A matéria, portanto, requer a produção de provas.
Quanto ao fato relacionado com a exigência de que constasse do
console as freqüências "alternativas", deve a ação penal prosseguir em
relação ao acusado Lucivando Tibúrcio de Alencar.
[...]
Passo à análise à análise da conduta relacionada com parte final do
vôo e atribuída, na denúncia, aos acusados Lucivando Tibúrcio de
Alencar e Leandro José Santos de Barros.
Diz o Ministério. Público Federal, primeiramente, que ambos
"incorreram, juntos, na omissão do aviso ao Cindacta 4 sobre as falhas
de transponder e de comunicação com a aeronave N600XL". Aqui
cumpre uma análise da prova produzida.
[...]
Quanto à alegação de que a omissão, quando feita a passagem de um
centro a outro, da falha do transponder contribuiu para a corrência do
acidente, essa não é uma conclusão a que se possa chegar depois da
análise de prova pericial produzida. A falha do radar secundário de
Sinop, que cobria a região do fixo Nabol, já era de conhecimento do
controlador de Manaus antes mesmo de assumir, de fato, o serviço.
Além disso, a falha do transponder da aeronave Legacy era
perfeitamente visualiza (ou visualizável) por ele desde 19:51:55, cerca
de dois minutos antes da transmissão da mensagem que lhe passada
pelo "centro" de Brasília. Analisado assim a prova, pode-se dizer que
omissão quanto à falha do transponder na mensagem assado por

34
Lucivando e Leando não influiu em nada no comportamento do
servidor de Manaus, que - é bom observar - já tinha na tela de seu
console essa informação. Assim como tinha, e aí com a precisão, a
posição do avião da Gol: identificação, altitude e direção (proa). O
servidor de Manaus, portanto, sabia dos problemas do transponder,
tinha exato conhecimento da altitude e rumo da aeronave da Gol e
recebeu a mensagem de Brasília de que o avião Legacy voava no nível
"360".
No que diz respeito à omissão quanto à impossibilidade que o "centro"
de Brasília teve para se comunicar com o Legacy, cumpre fazer, uma
vez mais, considerações sobre o que de fato ocorreu - matéria já
abordada quando da análise da conduta de Lucivando. Essa alegação,
de rigor, não está na denúncia. Há quem possa considerá-Ia, no
entanto, implicitamente narrada. O fato que é que, ainda que o
servidor de Manaus tivesse sido advertido da "falha de comunicação",
não teria ele como estabelecer contato efetivo com o Legacy. O
Legacy, depois daquela mensagem que recebeu denunciado
Lucivando (e única), em que este transmitiu "às cegas" a freqüência de
Manaus, ficou tentando estabelecer contato com o "centro" de Brasília
até o momento da colisão. Os pilotos não entenderam a mensagem que
indicava a freqüência. Como não a entenderam, não a sintonizaram no
avião. Se o controlador de Manaus tentasse algum contato - e isso
supondo que ele tentaria -, não conseguiria realizá-lo, por absoluta
descoincidência entre a freqüência do "centro" que operava e aquela -
ou aquelas - que estavam sendo utilizados pelo avião.
É importante aqui transcrever diálogo havido a cabine da aeronave
Legacy, que demonstra que, depois de terem recebido a mensagem às
cegas, não entendida, os pilotos continuaram tentando contato com
Brasília: "Ele não está me respondendo de volta. Então, eu estou
tentando pegá-Io de volta no rádio exatamente agora. Mas essa
freqüência que eu tinha ele disse para trocar”. O piloto está dizendo
que não entendera a mensagem passada por Lucivando. E continuava,
por isso, chamando "centro" de Brasília. Há, nos autos, prova de que
ele fazia seguidas tentativas de contato com Brasília (fl. 351/2).
E há um aspecto decisivo que demonstra que a tentativa de
comunicação que se pudesse imaginar que seria feita pelo controlador
do centro Amazônico seria mal sucedida. Depois do acidente , ele
tentou estabelecer, por seis vezes, comunicação com a aeronave.
Todas frustradas. Nenhuma delas chegou ao avião Legacy (fls. 886/7
da ação penal).
Ainda que o servidor de Manaus tivesse sido avisado da falha de
comunicação, nada indica que ele conseguiria estabelecer contato com
o Legacy, antes pelo contrário. E isso na pressuposição de que ele
agiria prontamente, considerando-se que ele recebeu a informação e
Manaus ­ informação de passagem - cerca de 02 minutos antes do
acontecimento fatal.
A tese do "desvio do avião" pelo "centro" Manaus, após saber das
falhas de comunicação me parece - com todo o respeito - que está
situada no campo da mera suposição. O controlador tinha duas
informações indiscutíveis: 1) que o avião da Gol voava no nível "370"
e 2) que a aeronave Legacy voava no nível "360", informação esta que
lhe foi repassada pelo denunciado Leandro - November meia zero zero
X-Ray Lima - denúncia. Somente por suposição se pode imaginar que
o controlador de Manaus, tendo a altitude das duas aeronaves, fosse,
ao ser informado de que "centro" de Brasília encontrara problemas de

35
comunicação com o Legacy, adotar procedimento de "desvio" do
avião da Gol. Para o controlador de Manaus, embora inoperante o
sistema, os aviões voavam em altitude compatível com o setor. E aqui
caberia uma pergunta. Ele faria a tal "manobra evasiva" determinando
o desvio do avião para onde? Se ele tivesse porventura dúvida sobre a
posição vertical do jato Legacy, como escolheria a altura para a qual
mandaria o avião da Gol? E como prever que o controlador de Manaus
agiria daquela forma rápida que a denúncia sugere? Note-se que ele já
sabia da falha do transponder desde 19:51:55. Assim como o
Ministério Público exigiu que Lucivando atuasse "prontamente" no
sentido de se comunicar com o Legacy, pois sabia que o equipamento
de segurança não estava funcionando, a mesma exigência poderia ser
feita em relação ao controlador de Manaus. Tão-logo houvesse a
transmissão de controle, ele deveria tentar entrar em contato com o
Legacy. Não foi assim que procedeu. Ainda que tivesse tentado
contato, já se viu que ele não realizaria. Enfim, imaginar que o agente
de Manaus agiria rapidamente para desviar o avião da Gol (e não se
sabe para onde, porque a eficácia de procedimento de desvio
imaginado dependeria de que ele prévio conhecimento sobre a altitude
do Legacy) é uma afirmação que somente pode ser feita mediante um
exercício de conjectura. Esse exercício não serve, no meu entender,
para que se impute a alguém conduta delituosa, ainda que por crime
culposo. Deixo, por fim, a ressalva de que todas as conclusão feitas
no curso da presente decisão que tenham, por assim dizer, um
conteúdo mais categórico - estou falando daquelas afirmações feitas
para rejeitar a defesa, não para acolhê-Ia, que dessas últimas se exige
mesmo afirmações contundentes - podem, evidentemente, ser desditas
no julgamento final. Entendo - como já demonstrei no início - que o
juiz, na análise da defesa escrita, tem que enfrentar sem receios as
questões postas pelas partes. Se conclui que os elementos do processo
permitem a absolvição sumária, deve absolver desde logo. Se acha que
eles são insuficientes para que se atinja tal desiderato, então deve
explicar as razões pelas quais não absolve o acusado, enfrentando as
teses trazidas pela defesa. As decisões judiciais devem ser
fundamentadas (art. 93, IX, CF). Sempre.
[...]
Com essas considerações:
1) absolvo sumariamente, de modo integral, os acusados Felipe Santos
dos Reis e Leandro José Santos de Barros.
2) desclassifico, para a modalidade culposa, a conduta atribuída a
Jomarcelo Fernades dos Santos.
3) absolvo sumariamente o acusado Lucivando Tibúrcio de Alencar
relativamente às condutas relacionadas com negligência no
estabelecimento de comunicação com a aeronave Legacy e com
negligência que teria havido na transmissão de um centro a outro.
Como a absolvição, no ponto, é parcial, continuará o denunciado
Lucivando a responder à ação penal quanto à conduta relacionada com
omissão havida na configuração das freqüências no console.
[...]
5) determino a remessa de cópia dos autos a Procurador­ Geral da
Republica para que sua Excelência avalie se os elementos colhidos
permitem, ou não, o oferecimento de denúncia contra o servidor João
Batista da Silva.
Publique-se. Após, retomem os autos para deliberação sobre os
pedidos de produção de prova.

36
Sinop (MT), 08 de dezembro de 2008.

Em Memoriais, o Ministério Público apresentou as


suas alegações finais, nos termos seguintes:
Cuida-se de persecução penal intentada em face de
JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS e LUCIVANDO
TIBÚRCIO DE ALENCAR pela prática do delito descritos no §3° do
artigo 261, combinado com os artigos 258 e 121 J §4ü, todos do
Código Penal, materializados na conduta culposa, por imperícia e
negligência, de, na condição de controladores de voa, sem os devidos
cuidados, causar a queda do Boeing/737-800, prefixo PR-GTO, da
companhia Gol Transportes Aéreos S/A, em 29 de setembro dê 2006.
[...]
Segundo a denúncia, LUCIVANDO TIBÚRCIO DE
ALENCAR violou normas que regem o exercício de sua profissão,
negligenciando procedimentos previstos para os casos de falha de
comunicação e de transponder. Ao sonegar a informação dessas falhas
ao CINOACTA 4, inviabilizou a adoção, por parte daquele órgão, de
ações corretivas, como, por exemplo, o desvio do avião PR-GTO.
Dessa forma, deixou de evitar ou minorar, quando podia fazê-Ia,
riscos não-permitidos que culminaram com a periclitação e o sinistro
da citada aeronave, e com a conseqüente morte das pessoas nela
embarcadas.
O denunciado JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS
absteve-se dolosamente de corrigir a altitude da aeronave N600XL,
sabendo-a em patarna: impróprio para a rota programada. Por isso, e
por, nessas condições, ter também deixado de adotar as providências
regulamentares para 'falha de transponder, omitiu­ se quanto a risco
intolerável de colisão, que podia e devia impedir, a que ambas as
aeronaves envolvidas se expuseram. O conhecimento da discrepância
de altitude E, portanto, do perigo de colisão, é o ponto que diferencia a
sua conduta da dos demais controladores. Enquanto estes supunham
que a aeronave estava no nível de cruzeiro correto, JOMARCELO
FERNANDES DOS SANTOS sabia que ela não estava, e, assim,
concorreu, conscientemente, para a instalação e permanência da
situação de risco. Há de responder por dois crimes dolosos de atentado
contra a segurança de transporte aéreo, em concurso formal (art. 70 do
CP). Um, na modalidade fundamental (art. 261, caput, CP), quanto à
periclitação da aeronave N600XL. O outro, qualificado por cento e
cinqüenta e quatro mortes (art. 261, § 1 o c/c art. 263, CP), em relação
ao avião sinistrado de prefixo PR-GTD.
[...]
LUCIVANDO TlBÚRCIO DE .ALENCAR, JOMARCELO
FERNANDES DOS SANTOS apresentaram justificação da
necessidade de prova pericial às fls. 2.753/2.784.
[...]
Manifestação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contrária
à oitiva de testemunhas e à realização de prova pericial às fls.
2.813/2.815.
Decisão do Juízo indeferindo a produção de prova testemunha
via rogatória e a nomeação de peritos (fls. 2.816/2.822).
[...]

37
Os réus LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR,
JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS, FELlPE SANTOS
DOS REIS e LEANDRO JOSÉ SANTOS DE BARROS apresentaram
Recurso em Sentido Estrito contra a decisão de indeferimento da
prova pericial (fls. 2.851).
Ofício da Universidade de Brasília informando que o Professor
LI Weigang possui amplo entendimento acerca do sistema de controle
aéreo brasileiro (fls. 2.854/2.872).
O Departamento de Controle do Espaço Aéreo (OECEA)
informou, às tis. 2.875/2.876, que o Comando da Comando da
Aeronáutica possui profissionais detentores de conhecimento acerca
do sistema de controle aéreo brasileiro.
[...]
Razões do Recurso em Sentido Estrito interposto pelos
denunciados LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR,
JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS, visando a produção da
prova pericial, às fls. 3.000/3.022.
[...]
1. JUNTADA DO RELATÓRIO DO CENIPA
Quando do oferecimento da segunda denúncia em desfavor dos
réus JOSEPH LEPORE e JAN PAUL PALADINO, juntou-se o
relatório final produzido pelo CENIPA e requereu-se o julgamento
conjunto das duas ações. Não obstante, a primeira ação penal (nº
2007.36.03.002400-5) foi desmembrada para que os controladores de
voa tossem julgados em processo apartado.
Diante disso, faz necessária a juntada do relatório do CENIPA,
já de conhecimento de todas as partes envolvidas, também nesta ação
penal.
[...]
3. CRIME CULPOSO
Os denunciados são acusados de incorrerem no crime culposo
previsto no §3° do artigo 261, combinado com os artigos 258 e 121,
§4°, todos do Código Penal, in verbis:
Atentado contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo
Art. 261 - Expor a perigo embarcação ou aeronave, própria ou
alheia, ou praticar qualquer ato tendente a impedir ou dificultar
navegação marítima, fluvial ou aérea:
Pena - reclusão, de dois a cinco anos.
( ... )
Modalidade culposa
§ 3° - No caso de culpa, se ocorre o sinistro.
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
Formas qualificadas de crime de perigo comum
Art. 258 - Se do crime dolos o de perigo comum resulta lesão corporal
de natureza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de
metade; se resulta morte. é aplicada em dobro. No caso de culpa, se
do fato resulta lesão corporal, a pena aumenta-se de metade, se
resulta morte, aplica-se a pena cominada ao homicidio eu/poso,
aumentada de um terço.
Art. 121 - ( ... )
Homicídio eu/poso
§ 3° Se o homicídio é eu/poso:
Pena - detenção, de um a três anos. Aumento de pena
§ 4º No homicidio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se
o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte
ou oficio, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro a vítima,
não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para

38
evitar prisão em flagrante. Sendo culposo o homicídio, a pena é
aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa
menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos.
A culpa, elemento integrante dos crimes culposos, diz respeito à
inobservância do dever de diligência. "Explicando. A todos, no
convívio social é determinada a obrigação de realizar condutas de
forma a não produzir danos a terceiros. É o denominado cuidado
objetivo. A conduta torna-se típica 'a partir do instante em que não se
tenha manifestado o cuidado necessário nas relações com outrem, ou
seja, a partir do instante em que não corresponda ao comportamento
que teria adotado uma pessoa dotada de discernimento e prudência,
colocada na mesma circunstâncias que o agente (Welsel, Culpa e
delitos de circulação, Revista de Direito Penal, Rio de Janeiro, Borsoi,
1971, p. 38). A inobservância do cuidado necessário objetivo é
elemento do tipo"
São elementos do fato típico culposo:
a) conduta humana voluntária, de fazer ou não fazer: enquanto o
tipo doloso se detém no resultado ilícito pretendido, o tipo culposo,
por outro lado, pune o comportamento mal direcionado a um resultado
sempre lícito ou irrelevante, ou seja, a conduta humana voltada a um
fim moralmente aceito mas conduzida sem observância da perícia,
prudência ou diligência necessária;
b) inobservância do cuidado objetivo (imputação objetiva),
manifestada pela imprudência, negligência ou imperícia: a doutrina
leciona que a imprudência é positiva e a negligência, negativa. Sobre
o assunto, Capez refere: "O negligente deixa de tomar, antes de agir,
as cautelas que deveria". A imperícia, por sua vez, é a falta de aptidão
para o exercício de arte ou profissão. Consiste na incapacidade ou
falta de conhecimento necessário para o exercício de determinado
mister. "O químico, o eletricista, o motorista, o médico, o engenheiro,
o farmacêutico etc. necessitam de aptidão teórica e prática para o
exercício de suas atividades. É possível que, em face de ausência de
conhecimento técnico ou de prática, essas pessoas, no desempenho de
suas atividades, venham a causar dano a interesses jurídicos de
terceiros. Fala-se, então, em imperícia. De observar que se o sujeito
realiza uma conduta fora de sua arte, ofício, profissão, não se fala em
imperícia, mas em imprudência ou negligência. A imperícia pressupõe
que o fato tenha sido cometido no exercício desses misteres. Além
disso, é possível que, não obstante o fato tenha sido cometido no
exercício da profissão, ocorra imprudência ou negligência.'" Nesse
sentido, a lição de Capez é extremamente pertinente: "Se, além da
demonstração da falta de habilidade, for ignorada pelo agente regra
técnica específica de sua profissão, haverá ainda aumento da pena,
sendo essa modalidade de imperícia ainda mais grave."
c) previsibilidade objetiva: é a possibilidade de antevisão do
resultado por uma pessoa de prudência e discernimento mediano. A
previsibilidade subjetiva, por outro lado, é a possibilidade do próprio
agente, segundo suas capacidades, de antever o resultado. Enquanto a
previsibilidade objetiva opera no plano na tipicidade, a previsibilidade
subjetiva atua na culpabilidade. Dessa forma, o grau de culpa (grave,
leve ou levíssima) não influi na fixação da pena concreta, mas a
intensidade da reprovabilidade, censurabilidade, ao agente afasta
proporcionalmente a pena-base do seu patamar mínimo. Nesse
sentido, leciona José Paulo Baltazar Júnior: " ( ... ) a culpabilidade é a
reprovabilidade da conduta, que é tida como elemento do crime ou

39
pressuposto de aplicação da pena, conforme a teoria adotada, de modo
que, afastada a culpabilidade, a sentença será absolutória e não será
aplicada pena. Assim, no momento da aplicação da pena, já não mais
se investiga se o réu é ou não culpável, o que foi objeto anterior da
sentença (TRF 2, AC 200102010145990/RJ, Paul Erik Dirlund, 6a. T.,
V.U., -10.12.03). ( ... ) Tendo em vista, porém, o sistema de
cominação das penas, que é de relativa determinação, bem como a
imposição constitucional da individualização, isso não impede o
reconhecimento de níveis diversos de culpabilidade, a partir de um
patamar mínimo em que é ela reconhecida. É nesse nível, então, o
grau de culpabilidade, é que poderá ela ser considerada no momento
de aplicação da pena, conforme varie, nos crimes dolosos, vontade
reprovável e, nos culposos, a maior ou menor violação do cuidado
objetivo. Ou seja, se o crime resultou de culpa do acusado ao mesmo
deve ser imputada a conduta criminosa, independentemente do "grau
da culpa". A pena, por sua vez, deve ser majorada proporcionalmente
ao grau de violação das normas e do dever de cuidado, atendendo à
circunstância judicial da culpabilidade prevista no artigo 59 do Código
Penal. E lembre-se que as circunstâncias judiciais devem ser
consideradas quando da aplicação da pena independentemente de
menção expressa na denúncia, especialmente porque a intensidade da
violação do dever de cuidado e das normas será analisada durante a
instrução processual.
d) ausência de previsão (culpa inconsciente) ou previsão do
resultado, esperando, sinceramente, que ele não aconteça (culpa
consciente): diz-se que a. culpa é a imprevisão do previsto. Fala-se,
nesse caso, da culpa inconsciente. Na culpa consciente, de outra mão,
o agente prevê o resultado mas acredita, sinceramente, que, por sua
habilidade ou outra circunstância impeditiva, não se produzirá.
Novamente percuciente a lição de Capez: "de acordo com a lei penal,
não existe diferença de tratamento penal entre a culpa com previsão e
a inconsciente, 'pois tanto vale não ter consciência da anormalidade da
própria conduta, quanto estar consciente dela, mas confiando,
sinceramente, em que o resultado lesivo não sobrevirá' (Exposição de
Motivos do CP de 1940). Além disso, não há diferença quanto à
cominação da pena abstratamente no tipo. Entretanto, parece-nos que
no momento da dosagem da pena, o grau de culpabilidade
(circunstância judicial prevista no art. 59, caput, do CP), deva o juiz,
na primeira fase da dosimetria, elevar um pouco mais a sanção de
quem age com a culpa consciente, dada a maior censurabilidade desse
comportamento"
e) resultado involuntário: sem resultado não há falar-se em
crime culposo.
f) nexo de causalidade entre a conduta e resultado;
g) tipicidade: conforme artigo 18, parágrafo único, do Código
Penal, salvo nos casos expressos em lei, ninguém poder ser punido por
fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.
Ultrapassadas as breves considerações de natureza teórica,
passa-se à análise de cada uma das condutas imputadas aos réus que
resultaram na queda do avião Boeing/737-BOO, prefixo PR-GTO, da
companhia Gol Transportes Aéreos S/A, aos 29 de setembro de 2006,
todas suficientes de, por si só, tipificar o crime previsto no §3° do
artigo 261, combinado com os artigos 258 e 121, §4°, todos do Código
Penal.
4. DA CONDUTA DOS DENUNCIADOS

40
a) IMPERíCIA E NEGLIGÊNCIA DE JOMARCELO
Consta da denúncia:
Às 18h51 m07s, após ingressarem no setor 07 do CINDACTA 1, os
denunciados JOSEPH LEPORE e JAN PAUL PALADINO
contactaram o órgão de controle do tráfego aéreo, informando o nível
de cruzeiro F37Q, então compatível com o plano de vôo. Foram
atendidos pelo denunciado JOMARCELO FERNAN DES DOS
SANTOS, que estava responsável por aquele setor e, por meio do
console n.l 08, passou a monitorar a aeronave N600XL. O trá fego,
naquele horário, era bastante tranqüilo, consoante avaliação
unânime dos controladores que prestaram depoimento na fase
inquisitiva.
Poucos minutos depois, precisamente às 18h55m28s, a aeronave
N600XL transpôs o ponto até o qual poderia voar no nível de cruzeiro
F370. Dali em diante, ingressaria na aerovia UZ6, devendo nivelar-se
em altitude compatível com o sentido de deslocamento Brasília-
Manaus. O nível a ser observado, de acordo com CI plano de vôo, era
o F360. Essa informação, de Que já tinha conhecimento 'J
denunciado JOMARCELO FERNAN DES DOS SAN TOS, porquanto
constava na strip (resumo do plano de vôo) que é permanentemente
exibida no lado direito do monitor do console, ficou ainda mais nítida
para o controlador, na medida em que passou a ser assinalada na
etiqueta que, também no monitor, identifica e acompanha o marcador
de posição da aeronave.
O CD anexo, com a inscrição "Anexo OF. N. 6/SIPACEA/97 Telas
ACC BS", contém arquivos digitalizados com as imagens exibidas
pelos monitores do CINDACTA " durante todo o período em que a
aeronave N600XL esteve sob :1 vigilância daquele órgão. De sua
análise, extrai-se que, quando ocorreu a mudança do nível de
cruzeiro devido (plano de vôo), a aeronave estava com o transponder
ligado, informando a sua altitude real. Esse dado (altitude real)
constava na mencionada etiqueta exatamente ao lado da indicação do
nível de cruzeiro devido (plano de vôo). de modo que a
desconformidade entre um e outro (altitude real 2 plano de vôo) era
visualizada, primus ictu ocuti, pelo denunciado JOMARCELO
FERNANDES DOS SANTOS, sempre que observava a aeronave
N600XL na tela do radar.
( ... )
O denunciado JOMARCELO FERNAN DES DOS SAN TOS percebeu
antes, muito antes, o desligamento do transponder. Percepção essa,
aliás, inevitável para quem, como ele, monitorava a evolução da
aeronave N600XL. Explicando: o funcionamento do transponder é
representado, no monitor do console, por um círculo ao redor da
aeronave. Quando o transponder é desligado, o círculo desaparece.
Ficando a aeronave sinalizada apenas por uma pequena cruz. Logo,
para que o controlador detecte algum problema com o transponder,
basta que olhe para o monitor. Se enxergar uma cruz com um círculo
em volta, é porque o transponder está ligado. Se visualizar somente a
cruz, sem o círculo, é porque o transpoder está inoperante. Ora, essa
visualização da tela é ato elementar, conditio sine qua non para
prestação de serviço de vigilância radar. O controlador de vôo que
opera vigilância radar não pode deixar de observar o monitor,
Mutatis mutandis, seria o mesmo que um inspetor pretender
coordenar o trânsito com uma venda nos olhos.
A ICA 100-12, no item 14.4 e respectivos sub-itens, estabelece vários
procedimentos que o controlador de tráfego aéreo deve cumprir,
quando verifica I' falha de transponder. A atitude básica, que chega
mesmo a ser intuitiva, é comunicar-se com o piloto da aeronave.
pedindo-lhe que acione o equipamento e, se a falha persistir, que
realize testes específicos, Tais procedimentos mostravam-se ainda

41
mais cogentes ao denunciado JOMARCELO FERNAN DES DOS
SANTOS, quando se tem presente que, como já ressaltado, ele sabia
que a aeronave N600XL mantinha nível de cruzeiro Incompatível com
o plano de vôo e impróprio para o sentido a ser percorrido na aerovia
UZ6. Voltando à analogia anterior, a omissão, nessas circunstâncias,
é equivalente à de um guarda de trânsito que visse um ônibus
trafegando pela contra-mão de uma rodovia, à noite, com os faróis
apagados, e nada fizesse!
A despeito do patente perigo implicado na situação - perigo esse que
podia e devia evitar-, o denunciado JOMARCELO FERNAN DES DOS
SANTOS não fez contato algum com a aeronave, tampouco tomou
qualquer providência para que os pilotos acionassem o transponder
ou adequassem o nível de vôo. Pior: ao passar o posto para o
denunciado LUCIVAN DO TIBÚRCIO DE ALENCAR, o denunciado
JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS forneceu-lhe, consciente
e dolosamente, falsa informação sobre o nível de cruzeiro da
aeronave N600XL, afirmando, peremptoriamente, que ela se
encontrava em F360.
Todos os depoimentos dos controladores de voo que
trabalharam no dia 29 de setembro de 2006, inclusive do próprio
denunciado JOMARCELO em sede policial (fI. 243) e no
interrogatório, e daqueles que analisaram as imagens das telas radar
em momento posterior, confirmam que o tráfego de aeronaves na
região operada pelo denunciado era tranquilo, que controlava cerca de
5 (cinco) aeronaves. Neste sentido, o depoimento de Antônio
Francisco Costa de Castro, controlador de vôo supervisor da região
Brasília, às fls. 235/237 ("QUE o tráfego aéreo por ocasião da
passagem da aeronave N600XL por Brasília não era intenso,
permanecendo assim até a rendição de declarante") e também
judicialmente (fls. 1724/1730). Os investigadores da Comando da
Aeronáutica, quanto ao ponto, mencionam: "Sua atenção estava
direcionada para outros dois tráfegos, contudo nada que indicasse algo
além da rotina normal de verificação ou sobrecarga de trabalho" (fI.
170 do relatório final do CENIPA).
Às 18:51:07 UTC, após ingressarem no setor 07 do
CINDACTA 1, os pilotos da aeronave informaram a JOMARCELO
que utilizavam o nível de cruzeiro F370, então compatível com o
plano de vôo. Às 18:55:28 o console do controlado indicava
explicitamente que o jato, em breve, passaria a voar em altitude
incorreta (370=360). Às 18:55:48 a aeronave Legacy N600XL atingiu
Brasília, quando deveria alterar seu nível de voo para F360. Às
19:01:53 o transponder da aeronave deixou de transmitir informações
ao controle de tráfego aéreo (dados do laudo policial). Ou seja,
durante sete minutos e imediatamente após informar o nível atual de
voo JOMARCELO tinha a informação precisa de que o jato Legacy
voava em rota de colisão e não estava com o transponder operante,
não obstante, não solicitou alteração de nível ou informou a
inoperância do transponder ao piloto, conforme determinam os Itens
14.6.3 e 14.4.9 do ICA 100-12:
14.6.3 O controlador deverá informar ao piloto sempre que o
contato radar for perdido.
14.4.9 O controlador deverá informar ao piloto quando (I
interrogador de terra ou transponder da aeronave estiver
inoperante, ou operando com deficiência.
mais distante do Centro de Controle Brasília, próxima ao limite
com a área do Centro de Controle Amazônia, a própria aeronave da

42
GOL (PR-GTO), trafegando na mesma aerovia da aeronave Legacy,
era Entre 18:51:14, momento do recebimento da aeronave N600XL
pelo setor 7, até 19:17, momento da substituição do controlador de
voo, não foi realizada nenhuma comunicação do ACC-BS com a
aeronave, a despeito da indicação de mudança do nível de voo
planejado e da perda do Sinal do transponder.
JOMARCELO, não bastassem as atitudes acima referida,
passou informação falsa ao seu substituto quanto ao nível de voo,
informando, sem espaço para dúvidas, que a aeronave voava no F360.
O relatório do CENIPA, à ·fI. 150, também constatou a
situação: "Verifica-se, assim que o ATCO 1 dos setores 7, 8 e 9
deixou de contatar o N600XL quando este deveria mudar de nível,
deixou de solicitar a troca de frequencia 125.05 Mhz do setor 9, para
uma frequência adequada para o setor 7 e supõe-se que não percebeu a
perda do modo C do Transponder, deixando de realizar os
procedimentos previstos na ICA 100-12 (itens 14.2, 14.6 e 14.11),
além de passar a aeronave para o seu substituto com informações
imprecisas". E acrescentou que o réu também não observou o modelo
operacional do Centro de Controle Brasília, o qual estabelece que
deverão ficar bastante claras ao controlador que assume a posição as
seguintes situações: tráfegos sem contato rádio, tráfegos sem
transponder, com transponder inoperante ou com informações
errôneas.
Quando o Legacy perdeu contato com o radar secundário
(desligamento do transponder), distante cerca de 56 quilômetros de
Brasília, às 19:01 :53, as demais aeronaves da região, inclusive mais
distantes do radar, eram captadas pelo controle de tráfego aéreo,
conforme relatado e demonstrado no laudo pericial da Polícia Federal,
especialmente às fls. 869/870 e na figura nº 8 desta última, na qual
percebe-se que a aeronave denominada PPEJG, embora mais distante
do Centro Brasí!ia, era perfeitamente captada. No mesmo sentido, o
relatório do CENIPA (fI. 39).
Leandro José Santos de Barros, também denunciado,
mencionou à fI. 256:
"QUE também por conta da observação da visualização radar
pode perceber que a única aeronave que não se tinha o "plote"
no radar era o N600XL;( ... )"
Conforme fI. 24 do laudo da Polícia Federal, a primeira falha do
radar ocorreu apenas às 19:30:08, ou seja, cerca de 425 quilômetros
mais distante do local em que o sinal do transponder deixou de ser
recebido (considerando que a aeronave voava a 460 nós).
Segundo fI. 25 do laudo policial e fI. 103 do relatório do
CENIPA, aindaperfeitamente captada pelos radares.
Desta forma, inevitável concluir que a falta de recepção do sinal
do transponder do N600XL não era decorrente de falhas dos radares,
razão pela qual JOMARCELO tinha a obrigação de contactar a
aeronave e informar que não recebia sinal do transponder, conforme
seus diligentes colegas fariam. Antônio Francisco Costa de Castro,
controlador de voo supervisor da região Brasilia, às fls. 235/237
também ouvido judicialmente, oportunidade em que reiterou seu
depoimento (fls 1724/1730), disse:
"QUE, sobre perda de sinal trensponder ou indicação de redar
secundário, quando a perda de sinal ocorre com todas as aeronaves
que estejam evoluindo em determinado setor, costuma-se suspeitar de
falhas momentâneas do sistema, razão pela qual se aguarda maiores

43
informações sobre o que está acontecendo; QUE, quando essa perda
se dá em relação a uma específica aeronave, tenta-se contato com a
aeronave para averiguar o que está acontecendo; ( ... ) QUE. quanto
ao sistema de radar para a região norte de Brasília, este geralmente
funciona com confiabilidade até uma faixa de 200 milhas contadas a
partir da posição do equipamento que se situa no Gama;
Antônio Barbosa de Oliveira Neto, controlador em Brasília, as
tls. 238/240 referiu:
"QUE por sua experiência como controlador, entende que essa
situações de falha de recepção de sinal de transponder, o controlador
deve estabelecer contato com a aeronave e adotar medidas para a
identificação efetiva da existência do problema e em seguida divulgar
o que foi identificado para os controladores que terão contato com a
aeronave;"
A situação era ainda mais urgente, considerando que a aeronave
ingressaria, em breve, numa região onde as falhas de comunicação ,
eram consideradas constantes. Nesse sentido, também refere Antônio
Barbosa de Oliveira Neto:
"QUE, no caso de falha de comunicação, geralmente se fazem testes
para se detectar se a aeronave consegue, ao menos, receber
orientações do controle 8, no caso negativo, passa-se a considerar a
ausência efetiva de qualquer contato com a aeronave; ( ... ) QUE
quanto as comunicações rádio nessa região, funcionam elas de
maneira melhor que a cobertura radar, porém, com falhas; QUE o
declarante, com conduta preventiva, quando atua nesse setor,
informa, com a possível antecedência. a aeronave que segue para o
norte e que está sendo controlada, a perda do centeio radar; (. . .)"
No mesmo sentido o depoimento de Antônio Francisco Costa
de Castro, controlador de voo supervisor da região Brasília, às fls.
235/237, também ouvido judicialmente.
Inexorável a conclusão de que "A cobertura radar não teve, por
falhas técnicas, contribuição para o acidente", conforme fl. 250 do
relatório do CENIPA.
A defesa dos controladores de voo invoca as diversas falhas do
sistema em seu favor e as posteriores alterações como forma de
exculpação dos denunciados. Seus argumentos, ao contrário do
pretendido, apenas reforçam a acusação, uma vez demonstram
cabalmente que todos os envolvidos no tráfego aéreo na época sabiam
das deficiências dos sistemas, o que impunha aos controladores de voo
diligências redobradas. Seria o mesmo que, trafegando numa estrada
sem sinalização e com muitos buracos, o motorista dirigir com a
mesma tranquilidade e imprimir a mesma velocidade que emprega
quando trafega numa estrada duplicada, com pavimentação recente e
bem sinalizada. Da mesma forma, quando se pretende viajar numa
longa estrada que se sabe carente de postos de abastecimento, é
imprescindível que a jornada seja iniciada com o tanque completo e,
caso necessário, com combustível extra, caso contrário, é lógico que
teremos problemas na metade do caminho.
JOMARCELO agiu com culpa consciente - o agente prevê o
resultado mas acredita, sinceramente, que, por sua habilidade ou outra
circunstância impeditiva, não se produzirá -, situação que impõe, além
da condenação, a elevação da apenação. Comprovando a ciência das
falhas dos radares e do sistema de comunicação, JOMARCELO
também demonstra alto grau de previsibilidade objetiva, pois sabia
que, na área que operava, se não fossem tornados todos os cuidados
necessários com a antecedência pertinente, havia possibilidades reais
de choque entre duas aeronaves. Culpa consciente e alto grau de

44
previsibilidade conduzem, necessariamente, a um alto grau de
inobservância do cuidado objetivo por imperícia e negligência - que
também impõe penas mais severas.
Desta forma, resta não apenas comprovada a culpa de
JOMARCELO, mas também demonstrado o alto grau de
culpabilidade com que agiu.
b) IMPERÍCIA E NEGLIGÊNCIA DE LUCIVANDO QUANTO ÀS
FALHAS DE COMUNICAÇÃO
Consta da denúncia:
LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR assumiu o console n° 8 do
CINDACTA 1 às 19h17m. Foi omisso quanto à falha do transponder
da N600XL, assim como seu antecessor. Com uma diferença: ao
contrário deste, não sabia que a aeronave N600XL estava na "contra-
mão" da UZ6.

O denunciado LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR


tentou quatro contatos com a aeronave N600XL. O primeiro
deles, apenas às 19h26m56s cerca de dez minutos, portanto,
depois de assumir o posto. Essa demora foi relevante,
caracterizando negligência. A uma, pela situação de
inoperância do transponder, que, só por si, reclamava pronta
intervenção: A duas, porque, quando ele tomou assento no
console nº 8, a aeronave estava na iminência de ingressar em
uma área crítica pelos próprios controladores considerada
como "não-radar" (área em que a cobertura radar é falha ou
inexistente). Por isso, providências imediatas faziam-se ainda
mais urgentes. A segunda tentativa, também frustrada, veio em
seguida, às 19h27m12s. Após sete minutos (19h34m07s),
ocorreu nova chamada, igualmente sem resposta. A última
mensagem foi passada às cegas, às 19h53m38s para informar a
freqüência do Centro de Controle Amazônico, a que a aeronave
estaria, dali em diante, vinculada.
O denunciado LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR
foi igualmente displicente quanto aos procedimentos previstos
na ICA 100-12 para casos de falha de comunicação. A partir da
primeira tentativa de contato frustrada, ele deveria ter-se
utilizado das demais freqüências válidas para o setor, consoante
preconiza o item 7.14.2 daquele instrumento normativo. Para
tanto, bastaria programar em seu console as cinco freqüências
auxiliares existentes (f. 867). Suas mensagem passariam, então,
a ser transmitidas concomitantemente em todas elas, ao passo
que também captaria mensagens emitidas em qualquer uma.
Isso propiciaria contato com a aeronave N600XL, vez que o
piloto, entre as 19h48m13s e as 19h.52m56, fez nada menos do
Que doze tentativas de comunicação com o CINDACTA 1,
utilizando várias freqüências que, malgrado listadas na carta de
rota, não estavam programadas no console nº 8. O denunciado
LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR insistiu numa mesma e
única freqüência, até a última chamada, apesar de vê-Ia
malograr repetidamente.

45
LUCIVANDO, às fls. 2.392/2.443, foi absolvido
sumariamente das condutas de negligência quanto às falhas de
transponder e de comunicação e quanto à omissão de aviso ao
CINDACTA IV das falhas de transponder e de comunicação.
Persiste a acusação quanto à negligência relacionada às
frequências previstas no console,
A aeronave N600XL fez 12 tentativas de comunicação com
o centro de controle na frequência indicada pelo controlado r
do setor 5 (125,05, fI. 885), bem como em todas as demais
frequências adequadas para o setor 7, não obstante,
considerando que as frequências devidas não estavam
programadas no console por LUCIVANDO, as chamadas,
embora recebidas pelo Centro de Controle, não foram ouvidas
pelo denunciado (fls. 45/46 do laudo policial). Sequer a
frequência de emergência 121.50MHZ estava programado no
console do demandado, o que o impedia de ouvir o chamado de
emergência de alguma aeronave, como ocorreu com o próprio
Legacy após a colisão (fls. 60 e 152 do relatório da Comando
da Aeronáutica),
Conforme fI. 892 (laudo policial), a única frequência
programa no console do réu que estava prevista na Carta de
Rota H3, que contém a aerovia UZ6 e apresenta as frequências
utilizadas pelo controle de tráfego, era a 135,9, as demais foram
absolutamente ignoradas por LUCIVANDO, a despeito do
mesmo ter conhecimento da Carta de Rota H3, conforme referiu
no interrogatório.
Como os setores 7, 8 e 9 estavam agrupados na console nº
8, o controlador desta poderia selecionar frequências de todos
os setores (fI. 149 do relatório do CENIPA), Não foi o que o réu
fez, preferindo insistir em apenas uma.
O CENIPA, após constatar a falha de procedimento,
recomendou ao Departamento de Controle do Espaço Aéreo -
DECEA que assegure que os controladores de voo cumpram, na
íntegra, todos os procedimentos previstos para falha de
comunicação e perda do sinal de transponder e contato radar
(fI. 14 do relatório final). No ponto, é pertinente a transcrição
dos itens 7.14.1 e 7.14.2 do ICA 100-12:
ICA 100-12
7.14 FA LHA DE COM UNICAÇÕES AEROTERRESTRES
7.14.1 Quando os órgãos ATC não puderem manter co municação
bilateral co m u ma aeronave em vôo, deverão tomar as seguintes
med idas:
a) verificar se a aeronave pode receber as transmissões do órgão,
pedindo-lhe que execute manobras específicas que possam ser
observadas na apresentação radar ou que transmita, caso possível, um
sinal especificado com a finalidade de acusar o recebimento da
mensagem; e
b) se a aeronave nada acusar, o controlador deverá manter a separação
entre a aeronave com falha de comunicação e as demais, supondo que
0:1 aeronave adotará os procedimentos estabelecidos para falha de
comunicações.
7.14.2 Tão logo se constatar uma falha de comunicação bilateral,
todos os dados pertinentes e relacionados com as medidas tomadas

46
pelo órgão ATC, ou com as instruções que a situação justificar, serão
transmitidos às cegas, para conhecimento da aeronave na escuta,
inclusive nas freqüências dos auxílios à navegação e aproximação.
Também in formar-se-ão:
a) condições meteorológicas que permitam u ma descida visual,
evitando, conseqüentemente, regiões de tráfego congestionado; e
b) condições meteorológicas dos aeródromos convenientes.
( .. )
LUCIVANDO, consciente da perda do transponder e,
posteriormente. de qualquer sinal radar do jato Legacy (plote
primário), buscou contato com a aeronave, mas não executou os
procedimentos previstos no ICA 100-12 para a perda do
transponder e de contato radar (itens 14.2.1, 14.4.9, 14.4.10,
14.4.11, 14.6.3 e 14.6.4) e manteve o N600XL voando em
RVSM. Frente à dificuldade de contato com a aeronave,
observa-se que também não executou os procedimentos para
falhas de comunicação, previstos no ICA 100··12 (item 4:1.2,
7.14.1, 7.14.2 e 7.14.6) (fI. 152 do relatório do CENIPA).
Ademais, a fim de obter sucesso nas tentativas de contato
com a aeronave, também estava ao seu alcance a realização de
uma "ponte", por exemplo, com as aeronaves DRD1451 ou
A6760, próximas ao Legacy e com informações do radar
secundário (transponder), conforme se verifica nas imagens
192959 e 193428 extraídas do monitor do CINDACTA I e
arquivadas na mídia digital que embasou o laudo da Polícia
Federal.
Estabelecido contato bilateral, o controle de tráfego aéreo
teria condições de, solicitando o ligamento do transponder e
informações sobre a altitude, evitar a colisão.
Diante disso, a conduta imperita e negligente de
LUCIVANDO também foi causa do acidente ocorrido entre
duas aeronaves no dia 29 de setembro de 2006.
Considerando que o réu tinha plena consciência da Carta
de Rota que previa as frequências para o setor 7 e ampla
possibilidade de agir de modo contrário, a sua culpabilidade é
grave, impondo-se a majoração da pena.
5. APLICAÇÃO DA PENA
Quando da aplicação da pena, deve ser considerado:
a) Culpabilidade: gravíssima para JOMARCELO e grave para
LUCIVANDO, conforme acima exposto.
b) Antecedentes: a verificar.
c) Conduta Social: indiferente.
d) Personalidade: indiferente.
e) Motivos: indiferente.
f) Circunstâncias: indiferente.
g) Conseqüências do crime: gravíssimas, considerando os 154
óbitos.
h) Comportamento da vítima: desfavorável aos denunciados,
uma vez que, conforme relatório do CENIPA, a análise do que
ocorreu após o impacto na cabine do PR-GTD, não traz
ensinamentos no sentido de contribuir para a prevenção de
novos acidentes, mas traz o registro da não percepção da
47
tripulação quanto às dificuldades do choque, ao ambiente na
cabine durante o mergulho da aeronave e do alto grau de
profissionalismo dos pilotos nas últimas tentativas de gerenciar
a emergência e controlar a aeronave" (fI. 231). Ademais, é
inconteste que o Boeing 737/800 atingido manteve todos os
equipamentos de segurança ativos e adotou todos os
procedimentos regulamentares.
6. REPARAÇÃO CIVIL
Deverá ser fixado, na sentença, o valor mínimo para reparação
dos danos causados pela infração às 154 famílias que foram
destruídas no dia 29 de setembro de 2006, nos termos dos inciso
IV do artigo 387 do Código de Processo Penal, in verbis:
Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória:
IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela
infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido;
7. PEDIDO
Face ao exposto, ° MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer:
a) a juntada do relatório final do CENIPA;
b) o retorno dos autos a este MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL,
quando da juntada dos antecedentes dos denunciados;
c) a condenação dos denunciados JOMARCELO FERNANDES DOS
SANTOS e LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR como
incursos no delito descritos no §3° do artigo 261, combinado com os
artigos 258 e 121, §4°, todos do Código Penal.
d) a fixação, na sentença, do valor mínimo para reparação dos danos
causados pela infração, considerando os prejuízos, sofridos pelas 154
famílias;

III – DAS RAZÕES PARA AS ABSOLVIÇÕES DE JOMARCELO


FERNANDES DOS SANTOS E DE LUCIVANDO TIBÚRCIO DE
ALENCAR.

Excelentíssimo Juiz, tivesse a Douta Procuradora da


República completo conhecimento do que aqui se passa a aduzir, não fora
subtraída do seu direito de ter amplo conhecimento dos fatos, mercê da má
fé com que os encarregados da investigação daquela trágica colisão aérea
esmeraram-se em sonegar informações importantes e decisivas, a seguir
reveladas, possivelmente estaríamos diante de mais uma bela página
Ministerial em que o Parquet findaria por pedir a absolvição dos acusados,
neste caso com supedâneo em mais de um fundamento.
O que se diz em face do provável desconhecimento da
Douta Procuradora quanto aos crimes que foram cometidos por aqueles
que, integrando o oficialato superior e até o Alto Comando da Aeronáutica,

48
passaram a construir um cenário de imputação unilateral da
responsabilidade sobre a trágica colisão aérea aqui examinada, imputações
que vieram a recair sobre as pessoas humildes sob seus comandos. Tais
crimes foram alvos de “notitias criminis” levadas aos conhecimentos do
Ministro da Defesa, do Ministério Público Militar, do Procurador Geral da
República e até do Supremo Tribunal Federal, conforme se vê na
abundante documentação anexada aos presentes autos, e que não permite
desqualificação para o campo das aleivosias e da retórica vazia o que com
imensos esforços e cuidados foram criteriosamente coligidos.
Infelizmente a assoberbada Suprema Corte entendeu
que o dogma do “dominus litis” deve prevalecer sobre o Princípio
insculpido no inciso XXXV do art. 5º da CF que prescreve: “a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. De
má sorte que foram rejeitadas, sob argumento de ilegitimidade ativa, as
Ações Penais Subsidiárias propostas pela Federação Brasileira das
Associações de Controladores de Tráfego Aéreo, em face das Ações Penais
Públicas não oferecidas pelo leniente Ministério Público Militar.
Contudo, o que ao final aqui restará demonstrado é que
à sociedade brasileira tem sido ocultado quem são os verdadeiros
responsáveis pela perpetuação da situação de perigo que vivem todos que
voam e são sobrevoados por uma aviação civil absurdamente gerenciada
por militares, estes que sobrepõem o binômio hierarquia-disciplina ao
critério SEGURANÇA DE VÔO.
O que não significa, entretanto, artifício para exculpar
os controladores acusados nos autos deste processo, como disse a Douta
Procuradora (“A defesa dos controladores de voo invoca as diversas falhas do
sistema em seu favor e as posteriores alterações como forma de exculpação dos
denunciados”), talvez equivocadamente entendendo que os advogados que
atuam nesta causa desconheçam o significado da “culpa concorrente”. Em
verdade, o que também restará demonstrado é que NÃO HÁ CRIME
CULPOSO PRATICADO PELOS ACUSADOS JOMARCELO E
LUCIVANDO, conforme a abundante coleção de provas e consistente
argumentação jurídica nesta peça expendidos.

49
Em sentido diverso, contudo, as Alegações Finais do
MP colimaram por trazer o pedido de condenação dos dois acusados nos
seguintes termos:
Face ao exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer:
...

c) a condenação dos denunciados JOMARCELO FERNANDES


DOS SANTOS e LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR
como incursos no delito descritos no §3° do artigo 261,
combinado com os artigos 258 e 121, §4°, todos do Código
Penal.

Impõe-se, aqui, o exame da tipologia aplicada, verbis:


Atentado contra a segurança de transporte maríti mo, fluvi al ou aéreo
Art. 261 - Expor a perigo embarcação ou aeronave, própri a ou alheia, ou
praticar qual quer ato tendente a i mpedir ou di ficultar naveg ação
maríti ma, fl uvi al ou aérea:
Pena - reclusão, de dois a cinco anos.
( ... )
Modali dade cul posa
§ 3° - No caso de cul pa, se ocorre o sinistro.
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
Formas qualificadas de cri me de perigo comum
Art. 258 - Se do cri me dol oso o de perigo comum resulta lesão corporal
de natureza grave, a pena pri vati va de liberdade é aumentada de
metade; se resulta morte. é aplicada em dobro. No caso de cul pa, se do
fato resulta lesão corporal, a pena aumenta-se de metade, se resulta
morte, aplica-se a pena cominada ao homicí dio cul poso, aumentada de
um terço.
Art. 121 - ( ... )
Homicí dio cul poso
§ 3° Se o homicí dio é cul poso:
Pena - detenção, de um a três anos.
Aumento de pena
§ 4º No homicí dio cul poso, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o
crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou
oficio, ou se o agente deixa de prestar i mediato socorro a ví ti ma, não
procura di minuir as conseqüênci as do seu ato, ou foge para evitar prisão
em flagrante. Sendo dol oso o homicídi o, a pena é aumentada de 1/3 (um
terço) se o cri me é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou
maior de 60 (sessenta) anos.

Sabe-se que delito culposo é um tipo penal aberto,


incerto, sujeito a valorações do Juiz no que concerne à verificação dos
requisitos normativos indispensáveis a essa espécie de crime: a
inobservância de cuidado objetivo e a previsibilidade objetiva, sem os
quais não há como caracterizar conduta típica culposa.

50
Colacionando doutrina de Fernando Capez, a Douta
Procuradora dedica 22 linhas ao conceito de inobservância de cuidado
objetivo, e, em relação ao requisito da previsibilidade objetiva, inobstante
as quase trinta e duas linhas dedicadas ao tema, em seu Memorial,
oferecido à guisa de Alegações Finais, quase não tratou desta relevante
ficção jurídica senão quando disse, com acerto, que “previsibilidade objetiva:
“é a possibilidade de antevisão do resultado por uma pessoa de prudência e
discernimento mediano”. As demais considerações situaram-se no plano da
Culpabilidade e da medida de Culpabilidade a ser considerada em uma
dosimetria, aqui improvável.
Das considerações teóricas acima expendidas em
abstrato e em face do que lhe foi disponibilizado como meios de prova, a
Douta Procuradora passou às imputações concretas que se seguem:
JOMARCELO agiu com culpa consciente - o agente prevê o
resultado mas acredita, sinceramente, que, por sua habilidade ou outra
circunstância impeditiva, não se produzirá -, situação que impõe, além
da condenação, a elevação da apenação. Comprovando a ciência das
falhas dos radares e do sistema de comunicação, JOMARCELO
também demonstra alto grau de previsibilidade objetiva, pois sabia
que, na área que operava, se não fossem tornados todos os cuidados
necessários com a antecedência pertinente, havia possibilidades reais
de choque entre duas aeronaves. Culpa consciente e alto grau de
previsibilidade conduzem, necessariamente, a um alto grau de
inobservância do cuidado objetivo por imperícia e negligência - que
também impõe penas mais severas.
Desta forma, resta não apenas comprovada a culpa de
JOMARCELO, mas também demonstrado o alto grau de
culpabilidade com que agiu.
...
Diante disso, a conduta imperita e negligente de
LUCIVANDO também foi causa do acidente ocorrido entre
duas aeronaves no dia 29 de setembro de 2006.

Reafirma-se, neste ponto, que a Defesa dos acusados


demonstrará, ao final do que passa a aduzir, que, considerando a ambiência
e circunstâncias em que se desenvolve a atividade de controle de tráfego
aéreo brasileiro, não há lógica jurídico-penal no reconhecimento da
inobservância de cuidado objetivo nem de previsibilidade objetiva da
ocorrência do resultado danoso no momento em que se desenvolviam as
condutas dos acusados. Restará claro que, na situação do primeiro, ainda
que, desprezando a lógica, fosse reconhecida a tipicidade não haveria
culpabilidade, e, já como um argumento que decerto estará superado pelo
51
juízo de absolvição, também restará demonstrado a inutilidade da aplicação
de qualquer pena pelo não preenchimento dos requisitos da prevenção ou
ressocialização para ambos, vez que o Estado estaria a aplicar odiosa pena
perdida, desnecessária e sem finalidade preventiva ou ressocializadora.
Uma pena meramente retributiva, neste caso, seria mera vingança a
legitimar a covardia e irresponsabilidade deste resquício de Estado Militar
na gestão da aviação civil.
Conforme a lógica jurídico-penal, portanto, incumbe
enfrentar a imputação de tipicidade culposa.
Neste passo, cumpre destacar como inadequada
qualquer analogia entre a especialíssima atividade realizada pelos acusados
no controle de tráfego aéreo com aquelas praticadas por pessoas comuns,
como foram assim trazidas pelo MP, verbis:
A defesa dos controladores de voo invoca as diversas falhas do
sistema em seu favor e as posteriores alterações como forma de
exculpação dos denunciados. Seus argumentos, ao contrário do
pretendido, apenas reforçam a acusação, uma vez demonstram
cabalmente que todos os envolvidos no tráfego aéreo na época
sabiam das deficiências dos sistemas, o que impunha aos
controladores de voo diligências redobradas.

Seria o mesmo que, trafegando numa estrada sem sinalização e


com muitos buracos, o motorista dirigir com a mesma
tranquilidade e imprimir a mesma velocidade que emprega
quando trafega numa estrada duplicada, com pavimentação
recente e bem sinalizada. Da mesma forma, quando se pretende
viajar numa longa estrada que se sabe carente de postos de
abastecimento, é imprescindível que a jornada seja iniciada com o
tanque completo e, caso necessário, com combustível extra, caso
contrário, é lógico que teremos problemas na metade do caminho.

Previsibilidade objetiva não pode ser parametrizada em


condutas tão díspares como as que acima se descreveu. O “homem médio
em prudência e discernimento” há de ser examinado em relação ao
ambiente em que se desempenha. Para uma pessoa comum pode não haver
previsibilidade objetiva de resultado danoso em uma determinada conduta
médica, todavia a comunidade médica será capaz de apontar a inadequação
da conduta.

52
Neste sentido, Hans Welzel, de quem se reconhece a
autoria da concepção dogmática do Sistema Finalista Jurídico-Penal,
inclusa no qual se situa a Teoria Finalista da Conduta, destaca:
“O conteúdo da conduta “adequada” ou “correta”(isto é o
cuidado necessário ao tráfego) jamais pode ser determinado,
portanto, de modo exaustivo, no caso concreto, por regras e
princípios gerais de experiência, e tampouco pelas medidas
policiais de segurança, mas por meio do princípio
metodológico, da ação que realizaria um homem intelige nte
e prudente, na situação do autor”(Destacamos em
negrito).(Welzel, Hans O Novo Sistema Jurídico-Penal, Uma
introdução à doutrina da ação finalista, Tradução Luiz Regis
Prado, Ed. RT, 2001, p. 80).

Na mesma página, já havia advertido o grande Doutor


de Bonn:
“Só é possível preencher materialmente o conceito de cuidado
dentro de certos limites. Todas as regras e princípios de
experiências gerais são apenas abstrações generalizadoras dos
acontecimentos individuais, só na medida em que eles sejam
similares poderão realizar essas generalizações. As regras gerais
e os princípios da experiência só são válidos, portanto, para a
grande massa de casos similares ou “típicos”. Sempre resta a
dúvida, porém, de se configura ou não um desses casos. O fato
de que uma ação (que causa um dano) infrinja um princípio
da expe riência ou uma regra de lex artis é, por isso, apenas
um indício, mas não uma prova de observância do cuidado
devido. (Negritamos)”

E é disso, justamente, que se trata no caso corrente.


Fala-se de descumprimento de regras de lex artis relativas ao controle de
tráfego aéreo brasileiro, em cujo contexto técnico e complexo devem ser
examinadas as ações/omissões imputadas aos acusados dentro da
ambiência sistêmico-operacional em que atuavam, o que precisa ser feito à
luz da legislação vigente quando da ocorrência da trágica colisão. Exame
escoimado, contudo de quaisquer referências a triviais condutas do
cotidiano comum, como fez, inadequadamente, o MP Federal ao aduzir:
“Seria o mesmo que, trafegando numa estrada sem
sinalização e com muitos buracos, o motorista dirigir ... . Da
mesma forma, quando se pretende viajar numa longa

53
estrada que se sabe carente de pos tos de abas tecimento, é
imprescindíve l que a jornada seja iniciada com o tanque
completo...”.

Não há, portanto, como tratar da responsabilidade


jurídico-penal culposa dos acusados JOMARCELO e LUCIVANDO
subtraindo-se ao exame da conjuntura funcional do controle de tráfego
aéreo brasileiro, em que, de modo intencional e aberrante, os militares,
como resquício do período ditatorial, perpetuam-se na administração de
uma complexa e especializada atividade econômica de suporte à aviação
civil, sob diversas falácias, das quais a mais importante é a que pretende
confundir segurança na defesa do espaço aéreo com a segurança dos que
voam e são sobrevoados pela aviação civil.
Diferenciações funcionais, no âmbito dos sistemas
sociais próprios do mundo contemporâneo, não são categorias teóricas
arbitrárias. Desconhecê-las, ou tratá-las com indiferença, traz
conseqüências práticas no coexistir cotidiano. Desse modo, do oportunismo
com que se buscou subverter a Ordem Constitucional, para perpetuar
comandos militares na administração de uma atividade civil, resultou
severo comprometimento a uma importante especialidade funcional: a
segurança da aviação civil, esta dependente de controladores de tráfego
aéreo integralmente voltados para assegurar a possibilidade de vôos e
aproximações para a aterrisagem em situações de nenhuma visibilidade por
parte do piloto das aeronaves.
O piloto em terra, como já foi tratado e deve ser
reconhecido o controlador de tráfego aéreo, cuidando de várias aeronaves
em vôo, ao mesmo tempo, não pode ter a sua importância funcional
diminuída, pior ainda, submetida a critérios de uma administração que
deveria estar comprometida exclusivamente com o controle de tráfego
aéreo militar, este que se dedica à identificação e interceptação de
aeronaves inimigas, em uma lógica de ataque e defesa, como de resto
acontece em toda a Europa, em todas as Américas, em todo o mundo
civilizado, onde o Brasil é exceção.
São absolutamente diferentes as missões, a lógica de
gestão, os sistemas de controle, a formação e o treinamento de pessoal, e
especialmente diferenciados os equipamentos do controle de tráfego aéreo
civil e o que se requisita como necessário para a Defesa Aérea.
54
Nas páginas que se seguem ficam demonstrados os
efeitos perversos da corrupção sistêmica que se verifica quando a missão
do controle de tráfego da aviação civil resta subordinada ao binômio
hierarquia/disciplina militar, situação em que os profissionais devem
ocultar as falhas que põem em risco a vida e a integridade das pessoas para
não dar demonstração de fragilidade na defesa aérea do país.
Do que deriva um conjunto de outros desarranjos
institucionais que desestabilizam o setor, severamente prejudicado no seu
mais importante quanto indispensável atributo: a segurança.
Neste rumo, o presente Capítulo III deste Memorial
passa a desenvolver-se em três subcapítulos: o IIII.1, da omissão do
Comando da Aeronáutica na solução de problemas identificados em
uma quase colisão no ano de 1996 e que se repetiram tragicamente na
colisão de 2006; o III.2, em que serão evidenciados vícios e omissões da
prova pericial produzida pela Polícia Federal, que aqui atuou como
longa manus do comando da aeronáutica; o III.3, em que se tratará das
consequências perversas da administração militar do controle de
tráfego aéreo da aviação civil que se manifestaram no presente caso da
colisão aérea; e no III.4, a conclusão silogística coerente com o que se
aduziu com supedâneo em sólidas provas: a demonstração de atipicidade
culposa e das excludentes de culpabilidade como fundamentos para a
necessária absolvição de JOMARCELO E LUCIVANDO. O capítulo
IV, subsequente, traz o pedido formal de absolvição.
III.1 OMISSÃO DO COMANDO DA AERONÁUTICA NA
SOLUÇÃO DE PROBLEMAS IDENTIFICADOS EM UMA
QUASE COLISÃO NO ANO DE 1996 E QUE SE REPETIRAM
TRAGICAMENTE NA COLISÃO DE 2006.
Contribuíram decisivamente para a fatídica colisão da
qual restaram denunciados os Acusados que aqui se defendem as falhas no
sistema de controle X4000, falhas de radar e de rádio-comunicação, todas
conhecidas e relatadas por mais de uma década, sem que a Administração
Militar adotasse as providências reiteradamente requeridas pelos
controladores de tráfego aéreo.
Aliás, a história de registros de falhas e busca de
soluções, que nunca foram oferecidas satisfatoriamente, tem um marco
55
inicial relevante: 1996, quando de uma quase colisão entre um avião de
passageiros e a aeronave identificada como Força Aérea 01, avião
presidencial em missão de transporte do então Presidente da República
Fernando Henrique Cardoso.
Esse fato, registrado oficialmente no Livro de
Registro de Ocorrências do Controle de Aproximação de Brasília de
1996, levou o então Comandante do CINDACTA-1, Coronel Av.
Duprat, com base nas falhas reais detectadas no sistema, a simular
uma conjugação de tais falhas, de modo a demonstrar a previsibilidade
de uma futura colisão de aeronaves. Realizou-se, então, um
“Treinamento Simulado” com a participação da CIAA – Comissão de
Investigação de Acidentes Aeronáuticos – cujo resultado foi documentado
e encaminhado ao CENIPA- Centro de Investigação e Prevenção de
Acidente Aeronáutico. Daquele documento que conclui a simulação
extrai-se a premonitória identificação das falhas que, detectadas em
1996, vieram a se reproduzir como fatores decisivos e cumulativos para
a tragédia de 2006:

Simulação em 1996:

1. ...“A Autorização de Tráfego Confins (CLR CF), em uma


segunda tentativa, interrogou o ACC BS se já tinha o plano do LLB
9-4-3 para autorizá-lo e, ainda, informando que o mesmo houvera
preenchido uma “CHG”. O ACC cotejou:
2. - “Tem...trezentos e cinqüenta, autorizado.”
3. Fica evidenciada, pois, uma falha por ocasião da autorização do
LLB 9-4-3 – O ACC BS emite uma autorização de plano de vôo
incompleta fornecendo apenas o FL 350 e considera a rota constante
na “strip” (DCT ARX); já a CLR CF recebe a autorização incompleta
e pressupõe a rota segundo a modificação proposta (UB 678) (Este
documento encontra-se nos autos da Ação Principal).
4. Falha na comunicação em inglês: “ O LLB 9-4-3 equivocou-se
no entendimento da insuficiente mensagem e inferiu que deveria
selecionar o seu transponder no modo “stand by”.
5. Falha na visualização Radar: “Essa falha não pôde ser percebida
pelo controlador do APP BH devido à ausência do serviço radar” (Ver
documento nos autos da Ação Principal) .
6. Problemas de freqüência de rádio comunicação.
7. Problemas do sistema na geração e gerenciamento das
“strips”(fichas de progressão vôo).
8. “No período em que ocorreu o acidente a situação dos
equipamentos de visualização envolvidos era o seguinte:
9. Radar TA-10M e RS870 do APP-BH estavam inoperantes para
manutenção;

56
10. Radar TRS 2230 e o RS 870 de Três Marias estavam operando,
na ordem, em potência reduzida e em operação normal.

Veja-se a terrível similaridade entre essas falhas


então reconhecidas e as falhas decisivas para a fatídica colisão de 2006:

SIMULAÇÃO 1996 TRAGÉDIA VÔO 1907/2006

Falha na autorização de vôo. Falha na autorização de vôo.


...“A Autorização de Tráfego Confins (CLR CF), em
uma segunda tentativa, interrogou o ACC BS se já
A Autorização de Tráfego São José dos
tinha o plano do LLB 9-4-3 para autorizá-lo e, ainda, Campos (CLR SJ), em uma segunda
informando que o mesmo houvera preenchido uma tentativa, interrogou o ACC BS se já tinha
“CHG”. O ACC cotejou: o plano do N600XL para autorizá- lo. O
- “Tem...trezentos e cinqüenta, autorizado.” ACC cotejou:
Fica evidenciada, pois, uma falha por ocasião da - “..três sete zero, na proa de Poços.”
autorização do LLB 9-4-3 – O ACC BS emite uma
(frase recolhida da transcrição das gravações
autorização de plano de vôo incompleta fornecendo
apenas o FL 350 e considera a rota constante na da Torre de São José dos Campos no dia do
“strip” (DCT ARX); já a CLR CF recebe a autorização acidente – ver ANEXO 7, folhas 01 e 02,
incompleta e pressupõe a rota segundo a modificação extraídas do Apenso II do IP da Polícia
proposta (UB 678) (Ver Anexo 8 - página 4-A do Federal 670/200).
Treinamento Simulado)
SIMULAÇÃO 1996 TRAGÉDIA VÔO 1907/2006

Falha na comunicação em inglês: Falha na comunicação em inglês:


“O LLB 9-4-3 equivocou-se no entendimento da O N600XL teve dificuldades em entender as
insuficiente mensagem e inferiu que deveria instruções emitidas pelo controlador da Torre
selecionar o seu transponder no modo “stand by”. de São José dos Campos e minutos antes da
colisão não compreendeu a últimas instrução
emitida pelo controlador de Brasília, para que
mudasse para a freqüência do Centro de
Controle de Manaus. Segundo Jan Paul
Paladino, co-piloto do Legacy, no INQUÉRITO
POLICIAL 670/2006, APENSO I, FL. 17:

“informaram-lhe outra freqüência que teria


manter contato, todavia, o declarante não
compreendeu os dois últimos algarismos da
freqüência”. (Anexo 3, fl. 02).

Falha na visualização Radar: Falha na visualização Radar:

“Essa falha não pôde ser percebida pelo Após desligamento do transponder,
equipamento que fornece a informação de
controlador do APP BH devido à ausência do
altitude da aeronave para o órgão de controle,
serviço radar” (Ver Anexo 1 - página 4-A a aeronave LEGACY N600XL entrou em

57
do Treinamento Simulado) . uma área sem cobertura radar, a qual ficou
conhecida como buraco negro.
Neste sentido são os seguintes depoimentos
dos controladores em serviço no dia do
acidente, extraídos do Inquérito Policial
Militar – IPM 4165/07:

“que quando assumiu o serviço e após


efetuadas as críticas o N600XL já não estava
na visualização radar” (Sargento Barros, às
fls: 55 do IPM, reproduzido no Anexo 3, fl.
01).

“que quando perguntado se houve algum


comentário por parte do Sargento Barros
acerca da falta de visualização radar do
N600X? respondeu que não, pois se tratava
de uma área aonde não havia cobertura
radar” (Sargento Lucivando, às fls. 70 e 71
do IPM, reproduzido no Anexo 3, fls. 02 e
03).

E a falta de cobertura de radar na região em que se deu


o acidente sempre foi de pleno conhecimento do CENIPA e do Comando
da Aeronáutica. Afinal, não há como negar fidedignidade a relatórios como
o que abaixo se aponta, da lavra de um Oficial Especialista em Controle de
Tráfego Aéreo (Documento trazido nos auto- Volume IX), de 25-02-2005,
Ten. Soares, Chefe do ACC BS (órgão de controle de Brasília), que em
comunicação oficial diz: “Reitera-se a preocupação ainda existente em
função da acomodação de aeronaves pela falta de cobertura radar no
espaço aéreo limítrofe entre as FIR BS e AZ”, ou seja, exatamente a área
em que viria ocorrer a colisão, dezenove meses depois de tal relato.

OBSERVE-SE QUE DEZ MESES APÓS O


REGISTRO ACIMA, em 22/12/2005, portanto, NO ANO ANTERIOR AO
ACIDENTE, O MESMO OFICIAL DA AERONÁUTICA VOLTA A
APONTAR “porções da FIR Brasília cujo serviço radar não esteja
prestado em função da falta de cobertura radar...” (documento trazido
nos autos, Volume IX).

58
E NADA SE FEZ.

E para que não haja dúvida quanto a


remanescência das falhas de cobertura radar na Região Amazônica,
até muito depois do acidente, veja-se a comprovação que se extrai de
documento oficial, oito longos meses após, segundo cópia de documento
oficial emitido pelo chefe da Divisão Operacional do CINDACTA IV e até
bem pouco comandante do CINDACTA II, Coronel Leônidas, de onde se
extrai:

“AVOP 002/ACC-AZ/140507

1 – Nos casos em que ocorrerem falhas de detecção radar nas


áreas definidas pelo DECEA, na FIR AZ...

2 – Nos casos em que ocorrerem duplicação de alvos radar,


variações de proa e/ou variações de velocidade...”

O mesmo Coronel Leônidas, nesse mesmo AVISO


OPERACIONAL (AVOP 002), determina:

“4 – Nos casos em que se prestem os serviços de vigilância


ou vetoração radar, nas áreas definidas pelo DECEA na
FIR AZ, deverá ser observado que a perda de detecção de
uma aeronave ou outros relacionados com a sua
identificação ou performance poderão ensejar o
encerramento do serviço radar para essa aeronave, porém
não obsta a prestação de serviço radar para as demais
aeronaves evoluindo nesses espaços aéreos. Nesses casos o
controlador deverá prover a separação prevista para
operações não radar entre aeronaves sem serviço radar e
aquelas sob serviço radar.”

Três absurdos avultam no trecho acima destacado:


1º. O Aviso Operacional assimila e dá continuidade à
Omissão de Eficiência no controle de tráfego aéreo por falha de radar, na
FIR Amazônica, mesmo após a colisão GOL-Legacy.

59
2º. O abuso do poder de mando, configurado quando
determina aos subordinados controladores de tráfego aéreo que
desconsiderem as mais elementares normas e os mais sagrados
fundamentos de segurança da atividade ao manter a prestação de serviço
radar ainda que em face da insegurança evidenciada, obrigando a uma
pressuposição temerária de que a falha não se estende às demais aeronaves.
Isso, no mesmo documento onde, no item 2 acima apontado, admite haver
“duplicação de alvos radar”.

3º. Fomenta uma atitude de tolerância a falhas,


quando a missão do controle de tráfego deve ser de absoluta rejeição a
anomalias em acordo com os preceitos internacionais preconizados pela
ICAO (Organização Internacional de Aviação Civil).

SIMULAÇÃO 1996 TRAGÉDIA VÔO 1907/2006

Problemas de freqüência de rádio Problemas de freqüência de rádio


comunicação. comunicação.

Após a passagem sobre Brasília o N600XL


fixou quase uma hora sem contato bilateral
com o Centro de Controle Brasília, onde
piloto e controladores tentaram várias
vezes comunicação entre si. Neste sentido é
o seguinte depoimento:

“que foi tomada providência de tentar


comunicação com a aeronave”...”que
tentou contato com a aeronave e emitiu
uma instrução para que ela chamasse na
freqüência 135.90”... “e que esse
procedimento foi adotado em relação ao
N600Xl, não conseguindo, no entanto, êxito
no contato bilateral de comunicações”...
“que foram tentados, mais em função da
não comunicação bilateral, não foi obtida a

60
resposta. Perguntado se tentou efetuar
contato com N600Xl e quantas foram as
tentativas? Respondeu que sim, não tendo
como precisar ao número de tentativas mas
que foram de seis a oito” (Sgto. Lucivando,
às fls. 67 a 69 do IPM 4165/07, reproduzido
no Anexo 7, fls. 09 e 10).

Comprovam os apontados problemas de freqüência de


rádio abundantes relatos, relatórios e outros documentos oficiais
reproduzidos nos autos, assinados por pilotos, coronéis, autoridades civis, e
até um registro de incidente produzido pelo Air Traffic Services Manager
da United Airlines, Ron R. Haggerty, onde ele destaca que “no
communication offered by ATC Brasília and Amazonica. We reached two
clearance limits with no communication (documento acostado nos
autos).”
Segue-se o registro de uma das mais comprometedoras
falhas do sistema concebido e gerenciado pelos militares, que, de modo
criminoso, como mais adiante se prova, busca-se ocultar, não tendo sido
sequer apontada como fator contribuinte para a colisão dentro do que se
concluiu no Relatório Final do CENIPA- Centro de Investigações e
Prevenção de Acidentes Aeronáuticos.

SIMULAÇÃO 1996 TRAGÉDIA VÔO 1907/2006

Problemas do sistema na geração e Problemas do sistema na geração e


gerenciamento das “strips”(fichas de gerenciamento das “strips”(fichas
progressão vôo). de progressão vôo).

Este problema foi explicitado pelo então


comandante da FAB, Ten. Brig. Bueno, como
fator contribuinte para o acidente, pois
induziu o controlador ao erro, modificando a
altitude da aeronave sem a autorização do
controlador. Do seu depoimento na Audiência
Pública do Senado Federal, na CMA -
Comissão de Meio Ambiente, Defesa do
Consumidor e Fiscalização e Controle, quando

61
então Comandante da Comando da
Aeronáutica, em 21 de novembro de 2006,
retira-se:

”...com isso, o radar teria


indicado que o Legacy estava a
36 mil pés de altitude, quando,
na verdade, voava a 37 mil pés
(11,2 km), mesma altitude do
Boeing”. Para Bueno, o fato pode
ter levado o controlador a um
erro. "Era uma informação falsa,
mas que ele não acreditava que
fosse falsa", disse.

SIMULAÇÃO 1996 TRAGÉDIA VÔO 1907/2006

Outras Falhas nos Equipamentos de Visualização Outras Falhas nos Equipamentos de


Visualização
“No período em que ocorreu o acidente a
situação dos equipamentos de visualização No período em que ocorreu o acidente a
envolvidos era o seguinte: situação dos equipamentos de visualização
- Radar TA-10M e RS870 do APP-BH estavam envolvidos era a seguinte:
inoperantes para manutenção;
- Radar TRS 2230 e o RS 870 de Três Marias - O Radar de Sinope-MT, ao qual se submetia a
estavam operando, na ordem, em potência expectativa de detecção radar apresentava
reduzida e em operação normal.” recorrente deficiência, o que levava os
controladores a aceitar como normal as
anomalias na apresentação radar. Conforme
extraído do Processo da Justiça Federal
(número 2007.36.03.002400-5, Subseção
Judiciária de Sinop-MT, páginas 558 e 561 -
reproduzidas no ANEXO 7, FLs 15 a 17) os
controladores, acostumados a tais
deficiências, não estranhavam a confusão e
ausência de precisão nas informações radar
oriundas das antenas que cobrem tal região,
afirmando, inclusive “que há de fato ausência
de cobertura radar num trecho que começa
aproximadamente em NABOL e vai até
próximo de Brasília”.

62
No que concerne à situação geral do sistema de
visualização radar, merece análise o fato de, coincidentemente (ou não),
o “radar TRS 2230”, que fora alvo da simulação de 1996, se
encontrava na mesma situação dez anos depois, exatamente no dia em
que se deu a tragédia GOL x Legacy (embora não tenha contribuído, por
não se situar na região do acidente).

A propósito, o quadro que se segue aponta para a


“situação radar” da região centro-oeste no dia do acidente, área pela qual
trafegou o N600XL, cuja detecção esteve prejudicada após 100 milhas da
sua passagem pelo céu de Brasília. Na coluna direita encontra-se o
indicativo dos técnicos responsáveis pelo registro:

Gama TRS Potência Reduzida Sgt Alyson


x
RSM x
936 - 324 970 - Pane Module pesquisa - Pane no Atenuador Sgt Alan
RMT programável (22813)
x
8574 / 8573 100 CMV

C Marias
T. TRS x Potência
– Filtro FP 50 AW (20842)
reduzida
Sgt Assis
RSM x
937 – 324
970
Tanabi TRS X Potência Total

933 - 324 RSM - Vazamento de óleo motor n°1 da antena (23550) - Posição 38 Cx. Defasor Sgt Perin
x
970 Par (23543)
8561
- Anemômetro (13536) - Relé (20165)
B. Garça TRS x Potência total ( Pistas falsas )
CB Da
930 - 324 / - Contactora K10 (21115) - Filtro Anti Parasita (22848) Silva
319 RSM
x - Sinal mínimo atenuado (23379) - Defasor Cerâmico curto (22829) -
970
Distribuidor vídeo (21354)
8575 / 8043
- Contadora K4 (17872) - Disjuntor M3X6/6V(19011) - Cable W
Chapada TRS 8 (19063)
x Potência Reduzida ( Pistas falsas à Noroeste ) Sgt
Roberta
935 - 324 / RSM - Tubo ACC 2 (18297) - Defasor (18188,17329) - Anemômetro
970 x
334 (16751)

8565 - Retirados 15 modules CFA2 enviados Tanabi (23498) - Defasores


S.Teresa TRS x Inoperantes

931 - 324 RSM -TRS / RSM inop. troca de rolamento da antena e pintura do radome até SO Goes
x
970 05/10/06 (23 741/ 23742)-
8571
- Panier pre-amplificador (15790) - CFA 2 com desarme do disjuntor do
Brasília TA 10 M x Operacional SO Goes

63
911 – 525 RSM
x
970
8476 Pane interm itente no módulo de recepção control ( 23644)
Operacional
- Transmissor/receptor nº 2 eif m (23 706) Sgt
TA 10 M x
Freitas
Anápolis
- Interface POS 1A7 (18757) - Interface POS 2A8 (18755) - Interface
POS 1A5 (18756) ACC-BS
918 - 336
-TE-802 (19880, 19881) - Fonte Alim. 6.5V (19885)

Por tudo acima exposto evidencia-se que dez anos


antes do trágico acidente de 2006 todo um completo quadro de graves
deficiências conjunturais já estava registrado e deveria ser de pleno
conhecimento do Comando da Aeronáutica. E do CENIPA.

Logo, não há como se esperar isenção, idoneidade na


produção de provas, por parte de um Órgão interessado em ocultar as falhas
da Força Aérea, da qual faz parte. E, lamentavelmente, foi o que se viu no
faccioso Relatório Final das investigações do acidente e em toda a
produção de provas na fase do Inquérito Policia Federal, este severamente
comprometido na idoneidade de seu relatório pelo simples motivo de ter a
mesma fonte de informação técnica: a Aeronáutica.

Foram essas razões que levaram os defensores desses


Acusados a requererem, em um primeiro momento, o trabalho pericial de
especialistas respeitados em todo o mundo, como são os então indicados,
Doutor Sidney Decker, doutor Peter B. Ladkin e o Doutor Virgílio Belo,
este último responsável pelas investigações de acidentes Aeronáuticos em
Portugal e que aqui esteve logo após a colisão.

Frustradas as possibilidades de contar com os peritos


acima apontados, todavia, vez que denegados foram os pedidos neste
sentido, aqui são trazidos em III.2 elementos contrapericiais colhidos em
documentação oficial da própria Aeronáutica, o que se fez por considerar a
regra máxima de que o Estado-Juiz não se encontra submetido a Peritos,

64
antes forma o seu convencimento pelo livre exame das provas a que tem
acesso.

III.2 VÍCIOS E OMISSÕES DA PROVA PERICIAL


PRODUZIDA PELA POLÍCIA FEDERAL QUE AQUI ATUOU
COMO LONGA MANUS DO COMANDO DA
AERONÁUTICA.
Com o que se passa a aduzir torna-se claro que a
Polícia Federal e o Ministério Público Federal foram induzidos a uma
persecução criminal contra JOMARCELO e LUCIVANDO lastreados em
prova pericial dolosamente incompleta, porquanto subtraída dos elementos
que não interessavam ao Comando da Aeronáutica revelar.
Antes de tudo, no caso em foco, JOMARCELO, que,
em qualquer país que respeite a segurança na aviação civil estaria restrito à
condição de Controlador Assistente, vez que possuía apenas 9 meses de
experiência na condição de controlador habilitado em Dezembro de
2005, na data dos fatos estava obrigado a controlar sozinho três
setores, em um dos quais trafegava uma aeronave tripulada por pilotos
americanos, que só se expressavam em inglês, sabendo-se que ele não
tinha a proficiência exigida para coordenar vôos pilotados por
estrangeiros.

Pois bem, este JOMARCELO, assim identificado


como sem o domínio da língua inglesa – conforme se lê no Relatório
CENIPA, no qual se busca elementos para condená-lo – encontrava-se, na
data dos fatos, com apenas nove meses de habilitação profissional,
obrigado a coordenar simultaneamente três setores de controle de
tráfego aéreo agrupados, sozinho, sem assistente, em SITUAÇÃO
VIOLADORA DAS NORMAS OPERACIONAIS EXISTENTES,
informação essa que foi sonegada à Polícia Federal e ao Ministério
Público, não por pura omissão antes pela má-fé com que trataram do
caso as autoridades do Comando da Aeronáutica. Diz o Modelo
Operacional do ACC-BS, de 10 de julho de 2003:
5.6.6 - ATIVAÇÃO DE POSTO DE CONTROLE SEM O
CONTROLADOR ASSISTENTE (p.44)

65
Sempre que um setor de controle apresente, em condições
normais, um quantitativo igual ou inferior a 6 (seis) tráfegos controlados, a
critério do Supervisor, a operação poderá ocorrer sem a presença do
Assistente. Caberá ao Controlador acumular as tarefas do Assistente.

E para que não sejam confundidos os conceitos de


“posto de controle” (equivalente a “posição operacional”) e “setor”,
registre-se que posição operacional refere-se a um console no qual atuam
um controlador e um assistente, admitindo-se ausência de assistente quando
o tráfego não é intenso.
Setor, não. Setor é correlacionado a espaço aéreo a ser
coberto, abrangência de cobertura espacial. Agrupar três setores implica
triplicar área de cobertura, triplicar a necessidade de visualização do espaço
coberto e a exigência de vigilância triplicada. A quantidade de cinco
tráfegos em um só setor não é a mesma coisa que cinco tráfegos
simultâneos espalhados em três setores.
De modo malicioso, todavia, para que no Relatório
Final este fator não fosse considerado como contributivo do acidente, as
autoridades aeronáuticas do CENIPA induziram ao entendimento de que os
tráfegos simultâneos controlados por JOMARCELO estavam em
conformidade com as normas:
3.15.2.5. CINDACTA I / 3.15.2.5.1. Organização do Trabalho /
p.146, 5º §

“...O pos to de controle podia ser ativado sem o controlador


assistente sempre que um setor apresentasse, em condições
normais, um quantitativo igual ou inferior a 6 (seis) tráfegos
controlados, a critério do supervisor, cabendo ao Controlador
assumir as tarefas do Assistente (item 5.6.6 ). Sempre que
houvesse expectativa de grande volume de tráfego, o Supervisor
Regional deveria ativar uma posição de supervisor para cada
duas posições operacionais ativadas (item 5.6.8). Fora do
horário de pico, os Supervisores Regionais se revezavam na
posição.”

O pior de toda essa situação, Excelentíssimo Juiz, é que


a morte de todas aquelas pessoas vitimadas no Vôo 1907 não servirá sequer
para prevenir acidentes futuros.

66
No civilizado mundo do moderno controle de tráfego
aéreo da sociedade civil não é assim.
De uma tragédia ocorrida em 1º de julho de 2002, em
Üeberlingen, Alemanha, resultou uma ampla reforma de toda a gestão do
controle do espaço aéreo, pela profunda reforma nos métodos aplicados
pela SKYGUIDE, a empresa suíça responsável, tudo com base no Relatório
Final da Investigação da BFU (Departamento Federal Alemão de Acidentes
com Aeronaves) 7. Com destaque, intensificaram-se as restrições para
operações coordenadas por um só operador (SMOP – Single Man
Operation), conforme se vê no capítulo “Night staffing levels and Single
Man Operation Procedures”.
De modo perversamente inverso, aqui no Brasil, o que
fez o Comando da Aeronáutica foi amenizar as restrições existentes quanto
ao efetivo operacional de cada turno, editando norma que busca validar a
sua irresponsável administração do setor de controle de tráfego aéreo da
aviação civil. Veja-se:

MODELO OPERACIONAL 2003 MODELO OPERACIONAL 2009

5.6.2 - EFETIVO NECESSÁRIO 5.6.2 REVEZAMENTOS E


O sistema deverá prover efetivo CONFIGURAÇÕES DE EFETIVO, p.61.
suficiente para ativar todos os Para o atendimento da demanda e
postos que a demanda exija, nos do fluxo do tráfego aéreo, os
diferentes turnos, num quantitativo Controladores serão revezados de
que possibilite alocar três forma eficiente e eficaz, não
controladores para cada um dos comprometendo os momentos de
postos de controle existentes. Com descanso necessários. O
tal efetivo, haverá garantia de quantitativo escalado diariamente
revezamento entre os possibilita a ativação do número de
controladores, visando atender consoles necessários e conforme
necessidades sanitárias, de capacidade ATC prevista para o
alimentação e de descanso. Além Órgão, devidamente guarnecidos
disso, propicia atender a demanda por dois Controladores (controle e
de tráfego com a ativação da plena assistente), além de assegurar
capacidade do sistema, com todos supervisão constante e os

7
(BFU – Bundessfelle für Flugunfallotersuchung- Departamento Federal Alemão de Acidentes com
Aeronaves – código AX 001-1-2-/02, maio de 2004, 116 páginas, cujos pontos principais estão listados às
folhas 92 e 93).

67
os postos de controle disponíveis necessários revezamentos.
ativados.

Sem qualquer consideração a respeito desse quadro


anômalo, todavia, o MP Federal acusa o controlador JOMARCELO,
fundado em uma cronologia que igualmente merece reparo. Senão, veja-se:
Às 18:51:07 UTC, após ingressarem no setor 07 do
CINDACTA 1, os pilotos da aeronave informaram a
JOMARCELO que utilizavam o nível de cruzeiro F370, então
compatível com o plano de vôo. Às 18:55:28 o console do
controlador indicava explicitamente que o jato, em breve,
passaria a voar em altitude incorreta (370=360). Às 18:55:48 a
aeronave Legacy N600XL atingiu Brasília, quando deveria
alterar seu nível de voo para F360. Às 19:01:53 o transponder da
aeronave deixou de transmitir informações ao controle de
tráfego aéreo (dados do laudo policial). Ou seja, durante sete
minutos e imediatamente após informar o nível atual de voo
JOMARCELO tinha a informação precisa de que o jato Legacy
voava em rota de colisão e não estava com o transponder
operante, não obstante, não solicitou alteração de nível ou
informou a inoperância do transponder ao piloto, conforme
determinam os Itens 14.6.3 e 14.4.9 do ICA 100-12:

Em definitivo, destaque-se, não é verdade que o


acusado teve a informação precisa da evolução do N600XL em altitude
incompatível durante sete minutos. Tampouco deixou de prestar o
serviço inicial. Tanto é assim que às 18:51:07, conforme destacado pelo
MP, JOMARCELO atende chamado da N600XL, e “determina o
acionamento da característica “IDENT” do transponder para permitir a
identificação positiva da aeronave” 8 em um diálogo já conhecido e trazidos
aos autos, novamente aqui reproduzidos:

8
Conforme Relatório Final do Inquérito Policial Militar (Autos nº 0000046-16.2007.7.0011, fls. 1343 do
Processo em curso na Justiça Militar).

68
Na prática o que acima se reproduz é a ação do
acusado que, repetindo uma fraseologia padrão, ordena “SQUAWK
IDENT”, OU SEJA, acionamento da característica “IDENT” do
transponder, e informa que a aeronave encontra-se sob vigilância radar.
MAS, até aí, a aeronave situava-se em altitude
compatível com a aerovia em que trafegava, segundo o plano de vôo
cadastrado no sistema e exibido no console. Ou seja, nada anormal.
E aí, Excelentíssimo Juiz, ao gravar a tela para
disponibilização da informação que veio a ser grava em mídia (cd/dvd) a
câmera fecha o foco na evolução do N600XL, deixando de exibir os outros
setores sob coordenação, oferecendo assim uma visão reduzida da
amplitude da área de trabalho daquele operador.
Fato é que somente às 18:55:28 é que o Sistema
X4000, sem interferência do Controlador, passa a exibir a informação
370=360, ou seja, aeronave no nível 370 em aerovia nível 360, antes
mesmo da aeronave sair da Aerovia UW2 e adentrar a Aerovia UZ6, esta
sim a exigir o nível 360. O que o Laudo omite é que somente a partir do
Ponto Fixo Brasília, alcançado pelo N600XL às 18:58:48, a aeronave passa
a trafegar na UZ6.
É precisamente deste ponto que se deve considerar o
tráfego no nível 370 em aerovia disponibilizada para o nível 360. A perda
do sinal radar-transponder viria a ocorrer, portanto, às 19:01:53. Três
minutos e cinco segundos, portanto, foi o tempo em que ficou disponível a
informação para o JOMARCELO, o que não significa nenhuma situação de

69
alerta, vez que o tráfego apenas iniciava-se naquela aerovia e não havia
qualquer informação de tráfego contraposto.
E não se diga que JOMARCELO esteve ocioso neste
intervalo. Cuidando de três setores agrupados, apesar de suas deficiências
pessoais, veja-se a cronologia trazida aos autos desde a sua primeira
chamada para o N600XL:

70
A perda do sinal de comunicação radar-transponder
veio a se verificar às 19:01:53, conforme telas já exibidas, e não mais
haveria detecção por via do radar secundário a partir daí.
Por outro lado, fundada nas informações falsas
propaladas pelo Comando da Aeronáutica, o que inclui depoimentos de

71
testemunhas do próprio corpo do Comando da Aeronáutica, no sentido de
que não há falhas na cobertura radar, a Ilustre Procuradora chega a afirmar
que:
Quando o Legacy perdeu contato com o radar secundário
(desligamento do transponder), distante cerca de 56 quilômetros
de Brasília, às 19:01:53, as demais aeronaves da região,
inclusive mais distantes do radar, eram captadas pelo controle de
tráfego aéreo, conforme relatado e demonstrado no laudo
pericial da Polícia Federal, especialmente às fls. 869/870 e na
figura nº 8 desta última, na qual percebe-se que a aeronave
denominada PPEJG, embora mais distante do Centro Brasí!ia,
era perfeitamente captada. No mesmo sentido, o relatório do
CENIPA (fI. 39).

Como complicador - mas que não admite simplificação


reducionista e, muito menos, a tendenciosa omissão - a visualização de tela
de console que leva a Douta Procuradora a afirmar, evidentemente de boa-
fé, o que acima afirmou, não se trata de uma reprodução direta de um dado
da realidade e sim uma composição complexa de uma síntese dos sinais
captados por três radares, síntese essa que é realizada pelo sistema
eletrônico que oferece a visualização, no caso o Sistema X4000, projetado
e desenvolvido pela ATECH, uma empresa brasileira cuja relação
econômica com a Comando da Aeronáutica é, para dizer o mínimo,
promíscua.
Acerca da relação dessa Empresa com o Alto Comando
da Aeronáutica mais adiante se tratará.
Bem, se não havia falhas de cobertura radar era de se
pressupor que haveria continuidade na prestação do serviço radar da FIR
Amazônica para a FIR Brasília no que concerne ao controle de tráfego
aéreo que de Manaus procedia, o do PR-GTD que realizava o Vôo GOL
1907.
Foi exatamente pela ausência da citada cobertura que o
Centro de Controle de Manaus encerrou a prestação de serviço radar antes
de transferir o controle e comunicações daquela aeronave para o Centro de
Controle Brasília, cinco minutos antes da colisão (momento 25’ 33” da

72
gravação de vozes da cabine do PR-GTD). Neste sentido vejam-se os
textos que se seguem, extraídos do Relatório Final CENIPA, p.102.
19:52:26 UTC,
- O Centro Amazônico chamou o PR-GTD (vôo 1907), na
freqüência 126.45 MHz e, informando que o serviço radar
estava encerrado, orientou-o para que, na posição NABOL,
chamasse o Centro Brasília na freqüência 125.2 MHz e
alternativa 135.9 MHz.

(Identificado no Relatório CENIPA como 3.15.2.6.4. “O


dia do acidente”, p.155)

O que se reforça a partir de depoimento colhido dos


integrantes do ACC Manaus:
“... Como no briefing inicial havia sido informado de que
o radar secundário de SINOP estava inoperante, estava
encerrando o serviço radar antes do normal.”

O controlador afirmou que havia terminado o serviço radar


do Gol (ver fl. 155 do Relatório CENIPA).

Portanto, NÃO HAVIA SERVIÇO RADAR a partir de


NABOL entrando na FIR Brasília, configurando o que se denominou
‘BURACO NEGRO’. Fato corroborado pela passagem a seguir que
descreve atitude a ser tomada pelo controlador do ACC Manaus, quando da
recepção de um tráfego (aeronave) oriundo da área do ACC
Brasília,(p.156/157), verbis:
“Segundo o Chefe da SIPACEA do ACC AZ: a previsão de
chamada dos pilotos ao ACC AZ era às 19:54 UTC; o
controlador deve aguardar a chamada da ae ronave para
iniciar o serviço radar; a colisão ocorreu às 19:56:54 UTC; o
N600XL apareceu na tela com o primário: primeiro plote às
19:58 UTC; o Transponder do N600XL voltou a transmitir às
19:59:47 UTC; o controlador aceitou a aeronave e fez a primeira
chamada:

20:00:30 UTC; o N600XL acionou emergência às 20:02:40


UTC (de acordo com a linha do tempo, às 19:59:47 UTC, logo
após o retorno do Transponder). O controlador afirmou que fez
duas chamadas à aeronave, sem resposta. Acrescentou que isto é
comum de acontecer, pois o piloto poderia estar mudando de

73
freqüência e algumas não funcionam. O Supervisor 2 informou
que havia problemas de freqüência na região e que, às vezes, na
entrada da área, os pilotos não chamavam o controle.” (FLS 157
do Relatório CENIPA).

Prosseguindo na demonstração de dolosas omissões em


laudos periciais é bom que se diga que nem no Relatório Final do CENIPA,
nem no Inquérito da Polícia Federal, foi dado a conhecer a forma como se
produz a imagem radar em um console, imagem que resulta de uma
composição complexa da síntese dos sinais captados por três radares,
síntese essa que é realizada pelo sistema eletrônico que oferece a
visualização. E quando o Coronel Leônidas, ouvido por precatória (ouvir
mídia gravada) é questionado pela Defesa a respeito de falhas de radar
limita-se a dizer que é comum falhas de radar em todo o mundo, seja
problemas atmosféricos, seja pela curvatura da Terra etc. Didaticamente,
aquele coronel, que foi chefe de Operações do CINDACTA Manaus na
época do acidente, discorreu sobre a perda progressiva de qualidade em
relação ao que fica além do horizonte, ou seja, para baixo da linha de sinal
projetada, que se acentua em perda quanto maior a distância, pois maior
será a acentuação da curvatura da superfície terrestre.
O tema, todavia, para ser examinado com
responsabilidade, implicaria considerações a respeito do esquadrinhamento
da área de cobertura radar, matéria que não chega sequer a compor o
relatório final do CENIPA, pelo motivo de sempre: o interesse de ocultar as
próprias falhas.
Mas, em resumo, a cobertura radar de uma determinada
área faz-se por quadrículas de 25 milhas náuticas quadradas. A área do
CINDACTA I, à época dos fatos, constituía-se em 4.096 quadrículas, cada
uma, em tese, sofrendo varredura de simultânea de quatro radares
espacialmente distribuídos. A síntese radar, desse modo, é feita com o
descarte de um dos sinais, de modo que o sinal exposto na tela é uma
composição consolidada da aeronave em evolução.
O cenário de proximidade de aeronaves, em que uma
está visível e outra não, é perfeitamente possível dependendo da seleção de
prioridades de varredura das quadrículas e o correspondente algoritmo

74
definido no sistema para tal, descabendo assim concluir, como inferiu a
Douta Procuradora da República que não havia falha radar, vez que havia
uma outra aeronave captada pelo “radar” (percebe-se que a aeronave denominada
PPEJG, embora mais distante do Centro Brasí!ia, era perfeitamente captada...). E,
como as imagens valem mais que mil palavras, veja-se a sequência de mais
de vinte telas em que se acompanha a progressão da visualização e não
visualização do N600XL rastreado pelo radar primário. Ali observar-se-á a
intermitência das falhas de detecção do N600XL, sem qualquer prejuízo
para visualização de outra aeronave.
O processamento dos sinais de radar em relação a cada
quadrícula e a correspondente visualização, dentre outras funções,
realizava-se, por ocasião da colisão, através do Sistema X-4000,
denominado formalmente de Sistema de Tratamento e Visualização de
Dados (STVD), um complexo de hardware e software especificado, em
uma de suas versões implantada no Centro de Controle de Área de Brasília,
para contemplar as seguintes funções:
a) Funções de tratamento radar;
b) Funções de tratamento de plano de vôo;
c) Funções de visualização e tratamento de ordens;
d) Funções de supervisão;
e) Funções de informações gerais;
f) Funções de revisualização; e
g) Funçõe s de Base de Dados .

Em relação às “Funções de Base de Dados”, verifica-se


que não constituiu matéria Relatório Final CENIPA, no que pese a suma
importância para a compreensão de como se pode ver uma referida
aeronave, com pista radar associada (detecção de radar primário e
secundário), com fator de qualidade 7 (sete - o mais alto, ótima exibição) e,
próximo a esta pista, um outro plot radar com detecção primária e baixo
fator de qualidade (igual ou menor que 4 – inadequado para prestação do
serviço radar).
No arquivo em mídia onde se tem o depoimento do
JOMARCELO, cuja duração é 37’ 54”, por várias vezes a questão da
detecção radar é levantada. Ora pelo Magistrado (2’30” até 8’04”). Ora

75
pela Procuradora, quando cita o laudo da Polícia Federal (19’01” até 22’
44”).
O ponto principal a suscitar interesse vem a ser a
configuração do “Mosaico Radar” existente na Base de Dados do Sistema
(BDS), correspondente à sobreposição das 4096 quadrículas radar (todas
numeradas), de 25 NM quadradas cada. Conforme acima exposto, em cada
quadrícula radar, de modo discricionário, pode-se elencar 4 (quatro) radares
para rastrear aquela porção do espaço. Esta eleição dos 4 radares é feita em
sequência de prioridade. Ou seja, o melhor radar é selecionado como
número 1. Sendo este, o mais próximo ao local que se deseja rastrear. E
assim, evoluímos atribuindo os outros 3 (três). Cabe a lembrança que a
imagem final que chega ao console de um controlador de tráfego aéreo é
resultado de uma Síntese Radar, fruto de um rastreamento múltiplo de uma
referida aeronave, por vários radares eleitos para aquela quadrícula de 25
NM quadradas. A melhor imagem é corrigida por um algoritmo
matemático. Após esse tratamento ela aparece para o controlador.
Pois bem: não há nenhuma menção constante do
relatório final do acidente sobre a configuração da eleição dos radares
rastreadores e sobre essas quadrículas que compunham a rota da aeronave
N600XL e sua periferia.
Eis a razão pela qual induziram em erro os que não
perceberam ser possível a perfeita visualização de um avião voando
próximo ao N600XL com fator de detecção elevado, com apresentação de
pista associada (radar primário e secundário), enquanto mal se teria a
apresentação primária do objeto de interesse deste Processo, o N600XL.
Observe-se que, muito mais grave, por diversas vezes,
até a perda completa de detecção (falha do radar primário, radar de defesa
aérea) do N600XL se verifica, como de fato se comprova nos registros
gravados de sua progressão (matéria nem de longe ventilada pelos “peritos”
oficias). Registrou-se que o N600XL some e reaparece da tela em vários
momentos: desaparece às 19:29:58 e reaparece às 19:31:28; desaparece às
19:35:58 para reaparecer às 19:37:28; desaparece às 19:38:28 e não
reaparecerá para visualização do Centro de Controle Brasília,
encaminhando-se daquele modo para colisão que veio a ocorrer à 19:56:54.

76
Abaixo estão apresentados os cortes de imagem dos
momentos acima referidos. Pede-se atenção para às dezenas de telas que se
seguem, acompanhando simplesmente a hora, minuto e segundo de cada
visualização, seguindo a progressão (ou desaparecimento do N600XL)
quadro a quadro:

N600 XL visível às 19:29:53

Ainda visível às 19:29:58

Dez segundos após, desaparece o N600XL às 19:30:08

19:30:13

77
19:30:18

19:30:23

19:30:28

19:30:33

78
19:30:38

19:30:43

19:30:48

19:30:53

79
19:30:58

19:31:03

19:31:08

19:31:13

80
19:31:18

19:31:23

19:31:28 ENFIM, REAPARECE O X600XL, como uma cruz “+”


antecedida por uma linha na cor âmbar próximo à linha azul
tracejada, abaixo de
TERES.

81
19:35:48 Na sequência temporal do mesmo tráfego, observa-se, na
próxima tela abaixo, um perigoso fenômeno que se verdadeiro fosse
representaria uma situação de quase colisão, mas que, em verdade, é
uma falha decorrente de duplicação de alvo. Veja-se que as informações
relativas a aeronave DRD1451 encontram-se exibidas nas cores branca e
âmbar, portanto informações duplicadas de uma mesma aeronave. Mas,
como a informação em âmbar é quase ininteligível o Controlador leva um
grande susto e começa a tentar contato rádio com a aeronave inexistente até
que se apercebe de que se trata de uma duplicação da mesma aeronave.

Ainda nesta mesma tela acima, em sua extremidade esquerda tem-se o


corte de duas aeronaves, ao menos assim identificadas, com níveis de
qualidade de identificação radar 5 (ruim) e 7(boa) de uma mesma
aeronave. Mas, seria mesmo uma única aeronave? Os números indicam que
não. Talvez um instrumento advinhatório acoplado ao console ajudasse...
Mas, o operador não dispõe de nenhum instrumento mágico.

19:35:53 - VOLTA A DESAPARECER O N600XL

82
19:36:03 - Ainda desaparecido o N600XL. Mas, torna-se fortemente
caracterizada a duplicação de alvos de duas aeronaves na tela abaixo. E
diante desta tela, surge uma questão crucial: é missão ou dever de um
controlador de tráfego ignorar situações potenciais de perigo inferindo
tratar-se de falhas do radar? E quando for uma quase colisão de
verdade não fica o risco de ser ignorada como mais uma das
recorrentes e inaceitáveis falhas do sistema. Dizer que isto é fenômeno
meteorológico ou qualquer coisa semelhante é leviandade; Dizer que tais
falhas acontecem com essa frequência em todo o mundo é mentira para
desculpar incompetência
.

19:36:08 Mais duplicações de alvo e nenhuma visão do N600XL.

83
19:37:23

19:37:28 - REAPARECE O N600XL , ou o que se supõe seja o N600XL


no nível 334, a uma velocidade de 480 Nós, com qualidade de
visualização 5 e desaparece a duplicação do
DRD1451.

84
19:38:18

19:38:23

19:38:28 - VOLTA A DESAPARECER O N600XL

85
E para que não reste a menor dúvida quanto a
responsabilidade do Comando da Aeronáutica em relação à colisão,
veja-se a sequência comparativa de telas, mais abaixo, em que se apresenta
a visualização simultânea dos dois centros de controle, Manaus, à esquerda,
e Brasília, à direita, minutos antes da colisão.
O Centro de Controle de ACC Brasília que
controlava o setor não sabia da posição nem havia ainda recebido a
passagem de controle do GOL1907 procedente de Manaus, e mais, não
dispunha da imagem radar da progressão do N600XL, embora estivesse na
sua área de controle.

E aqui passa-se a exibir a prova do


absurdo dos absurdos: enquanto o Centro de Controle de
Brasília controlava o que não via o Centro de Controle
de Manaus que sabia da progressão do GOL 1907 e
visualizava o N600XL não controlava o setor.
Momento ACC-AZ ACC-BS

19:53:20/
19:53:23

19:53:30/

19:53:33

19:53:35/
19:53:38

Durante todos estes momentos, portanto,


LUCIVANDO, o segundo acusado, não possuía qualquer visualização

86
enquanto prosseguia na tentativa infrutífera de contato com a
aeronave por meio do mais que imperfeito sistema de comunicação
rádio que dispunha. E mais: sequer havia recebido a passagem do
controle do GOL 1907 que vinha em sentido contrário na mesma altitude
Esta perigosa anomalia – quem vê não controla x quem
controla não vê – era conhecida, era causa de preocupação e amplamente
questionado pelos controladores de Brasília, resultando até no
deslocamento de uma comissão procedente do CINDACTA I até Manaus
onde foi proposta solução ao comandante do Centro de Operações daquele
CINDACTA IV, um ou dois meses antes do acidente. Apesar do empenho
e comprometimento, os controladores foram rechaçados em sua solicitação,
embora não houvesse nenhum impedimento técnico para atender esta
inidispensável medida de segurança. Tivessem sido atendidos e
seguramente a colisão teria sido evitada.
Em mídia acostada aos autos veja-se o depoimento do
Sargento Wellington relatando o problema e a tentativa infrutífera de
solução junto ao Chefe do Centro de Operações de Manaus, o Coronel
Leônidas.
Aos 34 minutos da gravação:

Sobral: Com relação a visualização que Manuas dispunha e que


Brasília não dispunha, ou seja, quem opera, quem controla não
visualiza e quem visualiza não controla. Isso é importante para o
controle, porque nós ouvimos uma opinião de alguém que disse
o seguinte, disse: “olha, não isso pode.. o controle pode ser feito
sem radar, não é necessário radar para fazer controle de tráfego
aéreo”.

Wellington: Não. A verdade é que o instrumento principal do


controle de tráfego aéreo é a comunicação, né?! É a frequência.
Este é o instrumento principal. Só que com o avanço da
tecnologia, o radar se tornou uma peça praticamente
insubstituível. Uma aproximação de São Paulo é praticamente
impossível fazer sem radar; uma aproximação em Brasília é...
sem prejudicar o tráfego aéreo... você teria que aumentar a
separação muito maior. Na área em questão era uma área de
pouco movimento, mas um radar ali seria um filtro a mais.
Então,ali foi a área que a imprensa chamou de “buraco negro”,
aquela área ali. Ali havia um problema de determinação de
quem deveria ficar ou não. Porque é o seguinte. Ali havia uma
87
antena radar, em São Félix do Xingu, que era dentro da área do
Centro Brasília, que mandava informação radar para Manaus,
mas não mandava informação para Brasília que estava
controlando naquela área, então, havia cobertura radar naquela
área ali?! Havia. Brasília que estava controlando lá tinha?! Não.
Então, quem via não controlava e quem controlava não via. Eu,
três meses antes da colisão, eu estive em Manaus com uma
equipe para tentar resolver isso aí. Para pedir para que aquela
visualização, daquela área que estava indo para Manaus e não
para Brasília, mandasse para Brasília, só que não tive a resposta
positiva, pelo contrário, né?! Não foi satisfatória, não enviaram,
por “enes” razões né?! Depois da colisão, em março, mandaram
a visualização radar. Então, a visualização radar seria mais um
um filtro, um filtro a mais, um dominó a mais para evitar a
colisão.

Veja-se, em contrapartida, o que diz o Coronel


Leônidas, que teria sido contatado por Wellington em Manaus, negando
que tenha mantido tal contato (57 minutos de seu depoimento). Mais
adiante diz que não lembra.

Mas eu perguntaria pro Senhor o seguinte. É, um fato específico,


que diz respeito àquela que foi a pergunta da Sra.
Excelentíssima Juíza, no início, que é a questão seguinte:
Brasília controlava, mas não visualizava, uma determinada
região, já Manaus visualizava, mas não controlava. Esse fato fez
com que saísse um grupo de Brasília para um contato com o
Cindacta 04 em Manaus, meses antes do acidente, e neste
contato pedia-se que Manaus assumisse o controle daquela área,
que era visualizado, mas que não era controlado por Brasília. O
Senhor tem notícia disso?
L – Esse grupo... Esse é o tipo de assunto que deveria ser
discutido comigo. Eu não lembro desse grupo. Agora, o fato é
real. Eu não lembro desse grupo ter ido à Manaus para resolver
isso aí.
R – Quer dizer, pra montar um grupo de trabalho com o pessoal
de Manaus?
L – Não conversaram comigo com relação a isso aí. Talvez
tenha sido na... Era alguma idéia. Agora que Manaus enxergava
bem por conta dos radares recentemente instalados, a gente
enxergava bem, toda região lá passava de amassai (56:07),
inclusive. Agora, para um Cindacta assumir uma área de outro
Cindacta, tem que ser a autorização da nossa Diretoria Geral.
R – Mas isso não foi conversado com o Senhor?!
L – Comigo, eu não participei...

88
R – Nenhuma conversa sobre esse assunto...
L – Não participei de nenhuma conversa oficial em cima disso
aí.
R – O Tenente Paulo e o Sargento Wellington, tá no depoimento
prestado em Brasília, onde se diz que esse contato foi mantido
com o Senhor, e que o Senhor refutou.
L – Tenente Paulo?
R – Foi o Tenente Paulo e o Sargento Wellington.
L – Wellington?
R – Eles foram até Brasília...
L – Sargento Wellington?
R – Wellington foi aquele que, o primeiro que percebeu a
colisão. Eles foram até o centro de Manaus pra conversar com o
Senhor, e o Senhor refutou. O Senhor disse que pessoalmente,
que não aceitava. Ele disse isso em depoimento, quer dizer, ele
inclusive pode ser processado por falso testemunho. Ele disse
que foi a Manaus apontando então essa, esse problema de
visualização. E que não foi, enfim, resolvido, que o Senhor não
quis. Mas que depois do acidente, providenciou-se, então, a
providência, aquilo que fora solicitado.
L – Caramba, eu não tenho nem essa capacidade de dizer o que
vai fazer ou não. Não tinha na época. Eu não tinha essa, eu não
tinha essa...
R – Eu visualizo até aqui, então eu vou controlar até aqui.
Agora, eu visualizo até aqui. Não, eu só controlo até aqui. Quem
tá controlando esse resto é Brasília, que não visualiza.
L – Olha, eu vou ser sincero, eu não lembro, eu não lembro
desse contato com esse pessoal. E vou dizer mais alguma coisa,
corroborando com essa condição que o Doutor aqui apresentou.
Nós chegamos a, inclusive, propor pra alguns países, que eles
recebessem a visualização da PAD-PA-I-Z (58:15), porque a
tecnologia, ela dá essa condição. Agora, pra Brasília, eu não
tenho, eu não tinha, a menor autoridade pra dizer se passaria ou
não passaria. Não era eu quem dizia isso.
R – Mas o Senhor veja bem... Aqui tá dito isso assim, e aqui tá
nos autos, porque foi depoimento trazido “Ali havia uma antena
radar em São Felix do Xingu que era dentro da área do centro de
Brasília, que mandava informação radar para Manaus, mas não
mandava informação para Brasília, que estava controlando
aquela área. Então, havia cobertura radar naquela área ali?
Havia, só que Brasília, que controlava não tinha. Então quem via
não controlava, e quem não contro... quem controlava não via.”
Ele dizendo “Eu, três meses antes da colisão, eu estive em
Manaus com a equipe para tentar resolver isso, para pedir que
aquela visualização daquela área que estava para Manaus e não
para Brasília, mandasse para Brasília, só que não tive a resposta
positiva, pelo contrário. Depois da colisão, em março, depois da
colisão, em Março seguinte, mandaram a visualização radar.
Então, se tivesse a visualização, seria mais um filtro para evitar
a colisão. (59:36)

89
L – Sim, só que eu quero lembrar o seguinte,
é, dentro dessa pergunta, de testemunha eu
passo até a acusado aqui.
...

O destaque feito acima sobre a última resposta do


Coronel Leônidas sobre o tema deixa claro de quem era a responsabilidade
pelo fato de o Centro de Controle de Brasília não visualizar o que
controlava, situação em que não foi disponibilizada, para LUCIVANDO, a
imagem do tráfego do PR-GTD, vôo 1907, no mesmo nível e em sentido
contrário ao N600XL.
Pelo que até aqui já se permite depreender, solicitar
contra perícia a respeito de controle de tráfego aéreo no Brasil seria recair
nas mãos dos mesmos que se dizem e, pior, são tidos como únicos
acreditados para tanto: aqueles subordinados ao Comando da Aeronáutica
ou a seus interesses cooptados.
Foi assim que minimizaram e buscaram desacreditar o
laudo que se produziu a partir de um consistente trabalho de auditoria
muito bem realizada pelo TCU. Aquele Tribunal de Contas, provocado pela
CPI do Apagão Aéreo, logrou produzir uma perícia eficiente e HONESTA
porque dispunha de profissional em seus quadros que já exercera a
função/atividade de controle de tráfego aéreo como controlador habilitado.
Como esperado, a Comando da Aeronáutica buscou
desqualificar aquele trabalho, sob o argumento de que tivera a participação
de um Controlador, como se tratasse ali de produção de um documento
suspeito em razão da solidariedade orgânica (dentro do sentido
durkheimiano) de profissionais da mesma espécie.
Douto Juiz, pena que a Insígne Procuradora da
República que nestes autos oficia tenha repudiado o pedido de Perícia
independente a ser realizada por diversos nomes arrolados na Exordial da
Defesa, nas Alegações Preliminares. Do que resultou a negativa do Juízo
em produzir tais provas, o que fez lastreado na suposição de suficiência do
que produziu o Estado Brasileiro através da Polícia Federal e do CENIPA.

90
Pois bem, se o Ministério Público Federal não
examinou a farta coleção de cópias de documentos oficiais de relatórios de
perigos, de registros de falhas de radares, de falhas de comunicação por via
rádio, de falhas do sistema de controle etc, tudo fartamente documentado
nos autos, e se o Douto Juiz não se sentir seguro, por extremamente
responsável que é e pelo que faz, quanto à veracidade ou consequência para
a Causa, do que ali se demonstra como decisivos fatores comprometedores
da consciência situacional do exercício da função de controlador de tráfego
aéreo no Brasil, pois bem, que seja reaberta a Instrução Criminal e possam
ser vistos e ouvidos técnicos estrangeiros por videoconferência.
Excelentíssimo Juiz, preocupou a esta Defesa, dos
Controladores, o risco de Prescrição da Pretensão Punitiva, vez que há um
claro interesse dos Controladores em demonstrar inocência. Ninguém quer
levar para o resto de suas vidas os espectros insepultos de tão dolorosa
acusação, o que resultaria de um encerramento do Processo sem declaração
de inocência. Não são os juristas que atuam em suas variadas funções nesta
Causa quem carrega consigo o peso tão sofrido de tão injustas imputações.
São os controladores aqui transformados em RÉUS e seus familiares que
acordam diariamente e percebem que não se trata de simples pesadelo
noturno.
Por essas razões e por lealdade processual, repita-se,
tudo que pôde ser feito para colaborar na marcha processual, aliás
conduzida com eficiência e elevado espírito público por todos que oficiam
na Vara Federal de SINOP, foi feito por parte da Defesa dos Controladores.
Todas as ações que pudessem colaborar para o desvelamento da verdade
substancial, na busca incansável de superação das sofismáticas verdades
processuais, foram pleiteadas.
Infelizmente, a relação antagônica entre o curso
prescricional e o tempo necessário para a produção de prova complexa não
pôde ser superada em favor da celeridade processual sem riscos. E não se
diga, e não se dirá aqui e nem em eventual Recurso, que faltou ao Douto
Condutor da Causa, o Juiz Federal de SINOP, respeito às garantias
processuais, cuidado com o efetivo devido processo legal, em suas duas
dimensões, processual e substancial.

91
O grande problema, contudo, está e sempre esteve
em outro sítio: na covarde e fraudulenta produção documental relativa
aos fatos produzida pela Comando da Aeronáutica, que findou na
submissão técnico-científica da Polícia Federal ao que daquela Força
Armada se originou como informação que se pretende tratar como
prova técnica.
E aqui, deixa-se claro que não há uso retórico das
expressões: covarde, fraudulenta e até criminosa, são qualificações
justas e precisas para quem prorroga situações de risco para vida de
todos que podem ser vitimados pela aviação civil brasileira, motivados
pelo interesse de ocultar falhas e não dar razão à defesa dos
controladores.

É de pasmar a desfaçatez criminosa do que aqui se


reproduz, a partir de documento oficial do TCU – o seu relatório de
Auditoria do Controle de Tráfego Aéreo 9 – acostado aos autos, e que diz
respeito a um dos fatores decisivos para a indução em erro do
Controlador JOMARCELO, a troca automática de nível de vôo pelo
sistema X4000. Veja-se o seguinte Achado de Auditoria do TCU:
Achado VIII - Mudança automática do nível de vôo sem
aquiescência do controlador
4.12. O sistema X-4000 utilizado pelos centros de controle de área
apresenta lado a lado, na segunda linha da etiqueta de dados, duas
informações sobre o nível de vôo 10 : o nível previsto no plano para a
etapa que está sendo voada e o nível real voado pela aeronave obtido
por meio do equipamento transponder [...].
4.13. No entanto, nem sempre a aeronave mantém o nível de vôo
previsto no plano. Em algumas situações as aeronaves recebem
instruções do controlador para voar em um nível diferente do previsto,
por solicitação do piloto ou para evitar conflitos de tráfego. O sistema
X-4000 possui uma funcionalidade que altera automaticamente o nível
de vôo no ponto da rota previsto no plano, sem aquiescência do
controlador e independentemente de alteração no nível real voado pela
aeronave.
4.14. Em situações normais, não há problema, pois a informação
que vale é o nível real da aeronave, apresentado no lado esquerdo
da etiqueta. O problema pode ocorrer quando, se houver pane no
equipamento transponder da aeronave ou no radar secundário, a
informação da esquerda for suprimida e a etiqueta mostrar
apenas a informação do nível previsto, que pode não corresponder
ao nível real voado pela aeronave.
9
EXTRATO DE RELATÓRIO DE AUDITORIA DO TRIB UNAL DE CONTAS DA UNIÃO NO C ONTROLE DE TRÁFEG O AÉREO .
GRUPO I - CLASSE V – PLENÁRIO TC – 020.840/2007-4
10
Faixas de altitude separadas por 1000 pés (300 m) e definidas de forma que as aeronaves que voam no mesmo nível tenham
sempre o mesmo sentido de deslocamento.

92
4.15. Segundo informado pelos controladores entrevistados, essa
situação pode induzir ao erro. A situação fica ainda mais grave se
houver falha na comunicação, pois o controlador não tem como
questionar a aeronave sobre o nível que está mantendo e tem que
tomar as decisões com base no nível previsto no plano de vôo, que
pode corresponder ao realmente voado ou não.
4.16. Ainda segundo esses controladores, nos centros de controle
de área é comum o controlador passar alguns minutos sem ter
contato com uma aeronave ou controlar diversas aeronaves ao
mesmo tempo, o que exige maior esforço no controle sobre o nível
real de uma aeronave. Se houver pane no radar secundário, com
mais de uma aeronave voando em nível diferente do previsto no
plano, a apresentação incorreta do nível na etiqueta aumenta os
riscos de conflito de tráfegos.
4.17. Durante as entrevistas, todos os controladores questionados
afirmaram que não concordam com a mudança automática do
nível de vôo sem aquiescência do controlador. Disseram que o ideal
seria o sistema indicar que existe alteração de nível prevista no plano,
alertar o controlador que a aeronave está voando em um nível
diferente do previsto para aquele trecho e, se houver perda de contato
radar, manter a última informação sobre o nível real da aeronave. A
mudança do nível deveria ser feita mediante intervenção do
controlador, se realmente ocorrer conforme o previsto, o que
eliminaria a apresentação de nível incorreto.
4.18. Alegaram, ainda, que já fizeram essa solicitação de
alteração ao Decea, o que pode ser comprovado pela análise dos
livros de registro de ocorrências, relatórios de perigo e pelo item 1
da relação de sugestões de melhorias do sistema X-4000, feita
pelos controladores do Cindacta I em 27 de dezembro de 2006 (fl.
43).
4.19. Os representantes do Decea, por sua vez, disseram não
concordar com a supressão dessa funcionalidade. Alegaram que o
sistema funciona dessa forma há anos e que somente após o acidente
envolvendo os vôos N600XL e GOL 1907, ocorrido em 29 de
setembro de 2006, os controladores passaram a solicitar essa
alteração. Segundo os gestores ouvidos, isso teria relação com o fato
dos controladores envolvidos com o acidente terem usado como linha
de defesa, no processo judicial sobre o caso, a tese de que essa
funcionalidade teria sido uma das causas do acidente.

ATENÇÃO: NA PÁGINA 63 DESTE RELATÓRIO,REGISTRA-SE:

Análise do DECEA - Este item já foi avaliado técnica e


operacionalmente e foi considerado que traz mais prejuízos
operacionais do que qualquer possibilidade de ganho, contrariando a
ndência mundial de cada vez mais automatizar as informações para
facilitar o trabalho do controlador. Portanto, não é pertinente sua
implementação. Sugerimos que o texto seja retirado do relatório.

EM RESPOSTA, A AUDITORIA DO TCU, ANOTA:


Análise da equipe de auditoria:
...
27. Em reunião realizada no gabinete do relator, os
gestores alegaram que não promovem essa

93
alteração por temerem que isso possa ser usado na
esfera judicial, uma vez que os controladores
envolvidos no acidente do GOL 1907 usaram, como
linha de defesa no processo sobre o caso, a tese de
que essa funcionalidade teria sido uma das causas
do acidente.

Excelentíssimo Juiz, deixar de adotar medida


corretiva de fator de risco elevado para a segurança de vôo, com
possibilidade de sacrifício de centenas de vida, e por motivo torpe - não
dar razão aos controladores em Juízo - é conduta que exige uma
enérgica repulsa jurídica; trata-se de um Crime de Prevaricação em
concurso formal imperfeito com a figura típíca de Exposição de Perigo
para a Navegação Aérea, inclusa no artigo 261 (Atentado a Segurança
de meios de transporte), ainda passível de cumulação com crime
Militar.
Se o documento do TCU é verdadeiro, que venha a
necessária Denúncia. Esta, sim, resultasse em persecução efetiva e
condenação produziria uma pena capaz de preencher os requisitos da
prevenção geral e especial, na medida em que serviria de advertência para
os militares quanto a existência de uma Ordem Democrática atual e
contribuiria para que os criminosos em questão pensassem duas vezes antes
de reincidir.
No mesmo sentido foi o depoimento do Especialista
Wellington, instrutor e avaliador de controladores, ouvido na Justiça
Federal do Rio de Janeiro, a respeito da mudança automática de nível:
O senhor ac ha que essa mudança automática de níve l, que
sequer foi apontado como fator contribuitivo no relatório do
CENIPA, ela poderia ser omitida como foi?

Wellington: No meu entender, não. Como técnico, não. É de


extrema importância, a mudança automática, o
desligamento do transponder, as deficiência de comunicação
e visualização radar, para mim, eu acho que são pontos de
extrema importância.

94
Sobral: Essa mudança, ela não é uma coisa tão rara de
acontecer, ou toda vez que havia uma perda de detecção ela
automaticamente muda va?

Wellington: Não. Não tem nada a ver com a perda de detecção.


É que coincidiu com... por isso é que foram vários fatores, foram
vários dominós que foram caindo ao mesmo tempo. Então, foi
muita coisa que aconteceu ao mesmo tempo, não tem nada a ver
com a perda de detecção radar. Tem a ver com a mudança do
nível da aeronave em determinado ponto que foi solicitado pelo
piloto, mas que ainda não foi autorizado pelo controlador. A
crítica que eu faço é que não deveria ser no campo “nível de voo
autorizado”, porque quem autoriza é o controlador, quem
notifica o nível é o controlador. Deveria ter um campo... e aí
deveria mudar, mas não mudaram porque falaram que ia dar
força na defesa dos controladores se mudasse... depois do
acidente foi levantada essa hipótese.

Juiz: Quem levantou? Queria dar força?

Wellington: O TCU fez uma auditoria. E no relatório do TC... e


vários oficiais falaram para nós também: “nós não vamos
mudar, porque senão vai dar força na defesa dos controladores...
e um deles acabou falando para um auditor do TCU e ele
colocou no relatório do TCU isso. Juiz: Pode citar nomes?

Wellington: De um oficial assim?! (Juiz: isso) Não, não, isso...


é... mesmo porque não foi assim né?! No relatório do TCU está
escrito: “em reunião com o oficial... ”

Juiz: Ah ele fala?!

Wellington: Isso. Ele fala. No relatório do TCU está escrito


isso, que em reunião com o oficial... foi levanta essa questão da
modificação automática do nível de voo e foi dito que não seria
mudado porque senão iria dar força na defesa dos controladores.
Isso está no relatório. E depois... visto com outros sistemas fora
é algo impensável, porque só pode mudar nível de voo
autorizado com a anuência do controlador. Como que um
sistema vai e muda automaticamente sem o controlador
consentir?! ir lá e interagir com o sistema?! Então, o sistema
está indo à frente e não está alertando o controlador. É essa a
pane do sistema, que na verdade é um erro de concepção. Não
foi o sistema na hora ali, ele teve uma pane e mudou
automaticamente, não! Foi a forma como ele foi concebido que
levou a essa indução ao erro.

95
De volta ao Relatório do TCU, eis as suas
considerações e recomendações finais, no que concerne ao ACHADO
VIII, Troca Automática de Nível de Vôo pelo X4000:
Evidências
a) Extratos de entrevistas (cd-rom anexo);
b) Ofício nº 6/SDTE/1153 (volume principal, fl. 43);
c) Livro de registro de ocorrências (anexo I, fls. 23, 71, 84 e
86);
d) Relatório de perigo (anexo I, fl. 112);
e) Relatório de atendimento ao cliente (anexo II, fls. 163 e
164);
f) Situação dos meios operacionais (anexo II, fls. 274, 277,
278, 280, 283, 284, 285 e 287).

Causas
a) Não identificadas.

Efeitos reais e potenciais


a) Aumento do nível de estresse dos controladores;
b) Comprometimento da segurança dos serviços prestados.

Conclusão
4.22. O sistema X-4000 possui uma funcionalidade que altera
automaticamente a apresentação do nível de vôo no ponto
previsto sem aquiescência do controlador. Por meio de
entrevistas e análise dos livros de registro de ocorrências,
relatórios de perigo, situação dos meios operacionais e relatórios
de atendimento ao cliente, foi constatado que os controladores
acham que essa funcionalidade deve ser suprimida. Entendem os
controladores que, se houver falha no transponder da aeronave
ou no radar secundário e a aeronave não estiver voa ndo no nível
previsto, o sistema apresentará um nível de vôo incorreto, o que
pode comprometer a segurança da operação. A solicitação dessa
alteração já foi feita ao Decea.
4.23. Por outro lado, os gestores do Decea não concordam com
a alteração, sob o argumento principal de que a opinião dos
controladores não é unânime. Na opinião da equipe de auditoria,
o Decea deve reavaliar essa funcionalidade, envolvendo
controladores de todos os centros de controle de área, de
maneira que suas necessidades sejam atendidas da melhor
forma, para atender os requisitos de segurança da operação.

Propos ta de encaminhamento
4.24. Determinar ao Decea que, em atenção ao princípio da
eficiência contido no caput do art. 37 da Constituição
Federal, reavalie a funcionalidade de mudança automática
de nível do sistema X-4000, envolvendo diretamente os
controladores, de maneira que suas necessidades sejam

96
atendidas de forma adequada, à semelhança do previsto no
item AI2.2 do Cobit 4.1.

O que fez o TCU, no trabalho acima, é o que se faria


em qualquer trabalho sério de auditagem neste segmento de especialidade
claramente definida dentro da sociedade mundial. E os especialistas de todo
o mundo sabem que quem entende de controle de tráfego aéreo é
controlador. Assim como perícia médica tem que ser feita por médicos, em
sede de controle de tráfego aéreo patentes militares superiores – majores,
coronéis e brigadeiros – não substituem experiência nem conhecimento
técnico da matéria. Assim, sirva este Relatório TCU de contra perícia,
aquela pela qual Vossa Excelência indagava em uma das audiências, se a
Defesa teria ou não realizado.
E as verdades ali reveladas incomodaram tanto ao
DECEA do Comando da Aeronáutica, especialmente em relação ao ato
falho em que dizem que não alterariam o sistema para não dar razão à
defesa judicial dos controladores, que os seus comandantes não tiveram o
menor pudor em recomendar, expressamente:
Sugerimos que o texto seja retirado do relatório.

No que se sabe foram, ao final, parcialmente atendidos


resultando em atenuação da contundência das reprovações do TCU, mercê
da insistência com que atuaram junto a políticos e ao próprio Ministro
Relator do TCU.
A acusação levada a efeito contra LUCIVANDO, por
seu turno, também deriva do prejuízo de omissão documental por parte dos
“experts” da Aeronáutica. A imputação de negligência pela não
configuração operacional das frequências de rádio que eram tidas como
disponíveis, desconsidera que esta atribuição não é da responsabilidade dos
controladores, antes era da atribuição do Chefe de Equipe (um oficial do
Comando da Aeronáutica) e Supervisor de equipe, conforme se pode aferir
no Modelo Operacional em vigor à época, verbis:

4 - ROTINAS OPERACIONAIS

97
4.1 - ATRIB UIÇÕES OPERACIONAIS NO ACC-BS

4.1.1 - CHEFE DE EQUIPE (CE)

Função desempenhada por um Oficial Especialista em Controle de


Tráfego Aéreo, designado pela chefia do COI, que acompanha os turnos de
serviço e serve como elo de ligação com o comando do CINDA CTA 1 e com
outros elos da admin istração, no trato de assuntos que fogem da alçada do
Supervisor de Equipe.
As atribuições do Chefe de Equipe são as seguintes:

a) verificar o correto preenchimento do SMO, RM R e LRO;


b) gerenciar as equipes operacionais através de ações
administrativas, técnicas e operacionais diretamente afetas aos órgãos ATC,
informando imediatamente às chefias as irregularidades ocorridas;
c) assessorar as Chefias dos órgãos quanto ao desempenho dos
componentes da equipe operacional, no exercício de suas atribuições;
d) propor às Chefias dos órgãos a adoção de novos procedimentos
ou modificação dos atuais, sempre que considerar a necessidade de otimizar a
qualidade dos serviços prestados;
e) fazer cumprir o previsto no Modelo Operacional, bem co mo na
legislação em v igor, no que for ap licável;
f) orientar a equipe operacional sobre todo e qualquer
procedimento e/ou norma que tenha entrado em vigor durante seu turno de
serviço ou que não tenham sido citados no brifim operacional;
g) verificar o desempenho operacional dos Supervisores, alertando-
os sobre os procedimentos previstos;
h) conduzir os briefings operacionais;
i) adotar ações pertinentes em todas ocorrências administrativas,
técnica e operacional que ultrapasse ao nível de decisão do Supervisor de
Equipe e em atos de interferência ilícita, bomba a bordo e acidentes
aeronáuticos envolvendo o ACC -BS e o APP-BR;
j) analisar as informações divulgadas no briefing operacional e
adotar as medidas adequadas para o planejamento e a execução da rotina de
trabalho;
k) cientificar ao assumir o serviço, de todas as ocorrências
registradas no LRO, bem co mo dos respectivos despachos da chefia do
órgão, desde seu último turno de serviço;
l) assegurar que as informações recebidas sobre OVNI, bo mba a
bordo e interferência ilícita, sejam prestadas a órgãos e autoridades
pertinentes (COpM1, Chefe do órgão, Chefe do COI, Chefe da DO e CMT do
CINDACTA 1);
m) verificar que foram acionados os meios necessários para o
restabelecimento da operação, sempre que ocorrerem deficiências que
extrapolem a equipe de serviço do órgão;
n) adotar as seguintes medidas em caso de acidentes/incidentes
aeronáuticos:
n.1) providenciar a substituição do operador envolvido no
acidente/incidente;
n.2) orientar ao(s) envolvido(s) para co mparecer(em) o mais
breve possível à entrevista com o chefe do órgão;
n.3) assegurar que controladores, supervisores dos setores
envolvidos em incidentes/acidentes preencheram os reportes
adequadamente para realização de investigações futuras; e
n.4) providenciar a reserva das fitas junto à SIPA CEA.
o) zelar pelo uso adequado das instalações, equipamentos e
mobiliário, existentes no órgão;)
p) verificar a preparação dos assuntos operacionais para o briefing
do Chefe de Equipe que entra de serviço;

98
q) realizar o briefing operacional de acordo com a seguinte
seqüência : meteorologia, conferência do efetivo e avisos
operacionais/administrativos; e
r) averiguar as dispensas, as permutas e as inversões dos serviços
que não estejam prev iamente autorizadas, fazendo com que sejam lançadas
no LRO.

4.1.2 - S UPERVISOR DE EQUIPE(S E)

Função desempenhada por um Controlador de Tráfego Aéreo, dentre


os mais qualificados e experientes, designado pela chefia do ACC-BS para
gerenciar u ma equipe operacional. É o assessor administrativo e operacional
do Chefe de Equipe e co-responsável pela operação geral do órgão.
Co mpete ao Supervisor de Equipe:
a) participar do briefing geral;
b) analisar, ao assumir o serviço, as informações divulgadas em
briefing operacional e adotar as medidas adequadas para o planejamento e a
execução da rotina de trabalho;
c) cumprir e fazer cu mprir o previsto neste Modelo Operacional,
bem co mo o que for previsto na legislação em vigor, naquilo que for
aplicável ao A CC-BS, na condução das atividades de prestação dos serviços
de tráfego aéreo;
d) preencher o LRO, reg istrando toda e qualquer irregularidade ou
ocorrência envolvendo recursos humanos, técnicos e operacionais durante o
seu turno de serviço, conforme modelo definido no próprio livro, ou
conforme determinado pela chefia do ACC -BS;
e) preencher o SMO, registrando toda e qualquer irregularidade ou
ocorrência envolvendo recursos técnicos e operacionais durante o seu turno
de serviço.
f) certificar, ao assumir o serviço, de todas as ocorrências
registradas no LRO, bem co mo dos respectivos despachos da Chefia do
Órgão, desde seu último serviço;
g) acionar os meios necessários para o restabelecimento da
operação, sempre que ocorrer qualquer deficiência técnica ou operacional,
envolvendo os órgãos operacionais, comunicando o fato, o mais breve
possível, ao Oficial Chefe de Equipe;
h) orientar a equipe operacional sobre os procedimentos e/ou
normas que tenham entrado em vigor durante seu turno de serviço, ou que
não tenham sido citados no briefing operacional;
i) providenciar para que as informações ou informes sobre OVNI,
bomba a bordo de aeronaves ou interferência ilícita, sejam transferidas para
os setores competentes, de acordo com as normas internas vigentes;
j) analisar e despachar os PRENOTAM e NOTAM apresentados
pelos operadores do CRN, orientando-os quanto às providências e meios de
divulgação que devam ser utilizados para o imed iato conhecimento dos
diversos setores ou órgãos envolvidos;
k) emitir PRENOTAM relat ivo à disponibilidade do VOR TRM,
encaminhando-o à Sala Telegráfica;
l) analisar e encaminhar os pedidos de prorrogação ou de
antecipação de horário de funcionamento de SBYS, fins atender solicitações,
conforme p revisto em ROTA ER;
m) relacionar durante o turno de serviço, todas as inoperâncias de
equipamentos e auxílios à navegação, interdições de aeródromos, NOTAM,
previsão de vôo de aeronave presidencial, bem co mo quaisquer outras
alterações que possam afetar a operacionalidade do órgão e dar ciência, em
briefing, à equipe que entra de serviço;
n) definir, em conjunto com o Chefe de Equipe e com os
Supervisores Regionais, linhas de ação a serem to madas, em conseqüência
das inoperâncias de equipamentos ou das deficiências operacionais do
próprio ACC-BS ou de órgãos ATS que tenham influência nas operações;

99
o) acionar o supervisor técnico, ao tomar conhecimento ou
constatar inoperância de qualquer equipamento, e registrar no liv ro de
registros técnicos, todas as irregularidades técnicas verificadas;
p) elaborar relatório sucinto nos casos de reporte de incidente (RI),
detalhado e imparcial dos fatos de seu conhecimento, reunir os relatos dos
controladores envolvidos e encaminhá-los à Chefia do A CC-BS;
q) preencher proposta de emissão de rádio ITA encaminhá-la à
Chefia do ACC-BS, nos casos de infração de tráfego aéreo;
r) definir as medidas iniciais do serviço de alerta, em conformidade
com os procedimentos prescritos;
s) zelar pelo uso adequado das instalações, equipamentos e
mobiliário existentes no órgão;
t) proibir que se sejam colocados nos quadros de avisos anúncios
incompatíveis com o serviço; e
u) controlar a utilização dos telefones do ACC-BS, de modo a
evitar ligações de cunho particular, anotando as ligações interurbanas
realizadas no livro de reg istros.

4.1.3 - S UPERVISOR REGIONAL (SR)


Função desempenhada por um controlador co m CHT de Supervisor
de Órgão ATC, indicado pela chefia dentre os de maior experiência na região
de controle correspondente. Tem co mo atribuição o gerenciamento das
operações de controle de tráfego aéreo nos setores de controle ou na região
sob sua responsabilidade, mas não é, em última instância, responsável pelos
procedimentos adotados pelos controladores que lhe são subordinados, na
condução das atividades de prestação dos serviços de tráfego aéreo.
Co mpete ao Supervisor Reg ional:
a) participar do briefing geral e reg ional;
b) cumprir e fazer cu mprir as atribuições específicas do órgão ATC,
segundo as instruções constantes nesta publicação e leg islação em vigor;
c) certificar de que as posições operacionais estejam a cargo de
pessoal devidamente habilitado;
d) assegurar que estagiários em fase de instrução somente assumam
posições operacionais, quando devidamente assistidos por um controlador
habilitado;
e) supervisionar a execução, pelos controladores que lhe são
subordinados, dos serviços de tráfego aéreo nos setores de sua competência;
f) corrig ir erros, o missões, irregularidades ou emprego inadequado
de procedimentos ATS, realizando freqüentes verificações nas apresentações
de dados (fichas de progressão de vôo, visualização-radar, informações
Co mando da Aeronáuticas e de meteorologia), e na utilização dos canais de
comunicações ( fraseologia e coordenações ) dos setores de controle;
g) executar, quando necessário, em colaboração com outros órgãos,
as medidas iniciais do serviço de alerta, em conformidade com os
procedimentos em vigor;
h) dar ciência ao Chefe ou Supervisor de Equipe das modificações
de estado de funcionamento (inoperância/restabelecimento) dos
equipamentos, freqüências e instalações de navegação e controle de tráfego
aéreo;
i) informar co m a devida antecedência ao Chefe e Supervisores
quando da necessidade de serem adotadas medidas restritivas ao flu xo de
tráfego aéreo, para que juntos decidam sobre os procedimentos a serem
adotados;
j) dar ciência ao Chefe ou Supervisor de Equipe das informações
de eventuais incidentes de tráfego aéreo, acidentes ou incidentes
aeronáuticos, bem co mo qualquer outro aspecto operacional de interesse
geral;
k) sugerir, diretamente a Chefia do Órgão ou por intermédio do
Chefe de Equipe, qualquer medida para o aprimo ramento dos procedimentos

100
operacionais do ACC-BS;
l) providenciar para que todos os setores ativados sejam
guarnecidos por um ou dois controladores (posição controlador e assistente),
em função das características e situação operacional, em decorrência do
volume de tráfego de cada setor em particu lar;
m) manter estreito contato com os demais supervisores do ACC-BS,
bem co mo com os supervisores dos órgãos ATS adjacentes, a fim de
assegurar uma perfeita coordenação do tráfego e conseqüente aprimoramento
dos serviços;
n) fazer levantamento da situação técnico-operacional e efetuar o
briefing regional;
o) apresentar ao Supervisor de Equipe, no final do turno de serviço,
com pelo menos 15 minutos de antecedência, relato da situação técnico-
operacional de sua área, para que o mesmo efetue os devidos registros e faça
divulgação em b riefing geral, se assim ju lgar necessário;
p) realizar periodicamente verificação das páginas de informações
do STVD, e coordenar com técnico de informações Co mando da
Aeronáuticas para eventuais atualizações sempre que houver discrepâncias
em relação à situação real;
q) informar ao Supervisor de Equipe sobre ocorrências de
incidentes (RI) e fazer relatório sucinto, detalhado e imparcial dos fatos de
seu conhecimento, exigindo a mes ma atitude do controlador e do assistente
envolvidos, e providenciar para o Supervisor de Equipe os dados para
confecção do RI;
r) apresentar dados para a proposta de rádio ITA e encaminhá-lo ao
Supervisor de Equipe, no caso de infração de tráfego aéreo;
s) ativar u ma posição de Supervisor para cada duas posições
operacionais ativadas, sempre que houver expectativa de grande volume de
tráfego;
t) coordenar com o Chefe ou Supervisor de Equipe os
procedimentos mais adequados no caso de impossibilidade de
desagrupamento de setores, por razões técnicas ou por falta de pessoal
habilitado;
u) fiscalizar o fiel cumprimento das funções correspondentes a cada
uma das posições operacionais de sua região;
v) analisar juntamente com o controlador de setor a evolução do
tráfego, alertando-o para os pontos de conflitos em potencial, em função da
evolução do tráfego aéreo e sugerir med idas pertinentes;
w) levar imed iatamente ao conhecimento do Chefe ou Supervisor de
Equipe, qualquer suspeita de que uma aeronave esteja em uma das fases de
emergência;
x) comunicar ao Chefe ou Supervisor de Equipe ao tomar
conhecimento de quaisquer informações que possam afetar a segurança de
vôo, tais como: suspensão de operações de aeródromo, condições
meteorológicas adversas e outras situações similares;
y) informar imed iatamente ao Supervisor de Equipe toda e qualquer
anormalidade na operação que possa dar motivo a incidente de tráfego aéreo;
e
z) preencher o Relatório de Medidas Restritivas (RM R) co m todas
as informações detalhadas dos fatos.

4.1.4 - CONTROLADOR (C)

Função desempenhada por Controlador de Tráfego Aéreo,


devidamente habilitado, responsável direto pelas decisões tomadas na
condução das atividades de prestação dos serviços de tráfego aéreo no seu(s)
setor(es) de controle.
Co mpete ao controlador:
a) participar do briefing geral e regional;

101
b) comparecer ao briefing operacional conforme horário previsto na
escala mensal;

c) antes de assumir o serviço, inteirar-se co mpletamente de toda


situação operacional do órgão, em particular das aeronaves evoluindo no seu
setor;
d) efetuar os “check list” previstos para o setor todas as vezes que
for assumir o serviço, independentemente do tempo que irá permanecer
naquela posição;

e) preparar a console para operação conforme os padrões


estabelecidos no Manual do Órgão;

f) manter limpa e em ordem seu console, não colocando líquido nem


alimentos sobre o mesmo, informando ao Supervisor qualquer tipo de
anormalidade no decorrer do turno;

g) emit ir instruções e autorizações de tráfego, bem co mo efetuar


coordenação, transferência de comunicação e controle com os demais setores
e órgãos adjacentes, de modo a assegurar o fiel cump rimento das normas e
procedimentos de tráfego aéreo;
h) registrar as autorizações no campo correspondente das STRIP,
bem co mo a hora de passagem em todos os pontos de notificação da rota.
Caso o serviço seja vigilância-radar, registrar a hora de passagem sobre, pelo
menos, um ponto de notificação; assinalar também, co mpulsoriamente, as
horas de entrada e saída de seu setor de cada uma das aeronaves controladas;
i) anotar nas STRIP seu indicativo operacional, e exig ir do assistente
a mesma at itude, quando o sistema eletrônico não estiver em funcionamento;
j) verificar periodicamente o estado de operação das freqüências
VHF bem co mo dos demais recursos colocados à sua disposição, informando
de imediato ao Supervisor qualquer inoperância ou deficiência constatada;
k) levar imediatamente ao conhecimento do Supervisor Regional,
qualquer suspeita de que uma aeronave esteja em u ma das fases de
emergência;
l) co municar ao Supervisor Regional quaisquer informações que
possam afetar a segurança de vôo, tais como suspensão de operações de
aeródromos, condições meteorológicas adversas e outras situações similares;
m) utilizar corretamente todos os recursos automatizados colocados
à sua disposição, especialmente aqueles que dizem respeito a proposições
automáticas de transferências, aceitação de transferências, ativação
automática de planos de vôo e correlação pista/plano de vôo;
n) criticar periodicamente as info rmações relativas aos planos de vôo
e tomar as atitudes cabíveis a cada caso;
o) informar imed iatamente ao Supervisor toda e qualquer
anormalidade na operação que possa dar motivo a incidente/acidente de
tráfego aéreo;
p) separar a STRIP e o histórico do PLN, nos casos de reporte de
incidente/acidente, prestar ao Supervisor Regional todas as informações
requeridas e fazer relatório sucinto, detalhado e imparcial de todos os fatos de
seu conhecimento, exigindo do Assistente a mes ma atitude;
q) apresentar ao Supervisor Regional todos os dados que possam
contribuir para elucidar os fatos nos casos de infração de tráfego aéreo; e
r) anotar seus dados em formu lário pertinente fornecido pelo CM V
ao receber u ma MSG AIREP.

Pelo que até aqui se lê do Modelo Operacional à


época vigente, percebe-se que LUCIVANDO está sendo processado
criminalmente por fato omissivo, quando a obrigação de agir estava

102
fora da sua atribuição funcional. Como se depreende das atribuições
abaixo listadas para o controlador que assume a posição de controle em
substituição ao que completou o seu turno de trabalho, verifica-se que para
o controlador devem ser disponibilizadas as informações necessárias ao
desempenho da sua função, não lhe sendo requeridas quaisquer atividades
relativas a provimento de recursos, como por exemplo disponibilidade de
frequência. O controlador é um usuário do sistema, não seu
mantenedor. Deve operá-lo com eficiência, mas não pode ser exigido a
suprir infraestrutura inexistente ou ineficiente. LUCIVANDO regia-se
naquele turno de trabalho pela norma do Modelo Operacional a ele
aplicável, a saber:

5.1.4 - REC EB IMENTO DO TRÁFEGO / S ERVIÇO


O evento da substituição nas posições operacionais deverá obedecer ao
descrito abaixo.
5.1.4.4 - Posição Controlador
Além de atualizar o Controlador substituto no que se refere às condições
meteorológicas presentes, o Controlador substituído deverá repassar todos os
tráfegos existentes na área de responsabilidade, confirmando a situação
individual de cada u m, inclusive indicando o mesmo na tela do console.
Deverão ficar bastante claro ao controlador que assume a posição, as
situações abaixo mencionadas:
- tráfegos identificados, inclusive os não relacionados;
- tráfegos ainda não identificados;
- tráfego em emergência;
- tráfegos sem contato rádio;
- tráfegos em transição (proa / velocidade / razão);
- tráfegos sem transponder, com transponder inoperante ou com
informações errôneas;
- tráfegos sob vetoração (proa / velocidade / razão / alternado);
- tráfegos que estão sendo objeto de controle de flu xo (medida adotada);
- tráfegos em espera (local / n ível / in ício);
- tráfego fazendo desvio de formações meteorológicas adversas;
- aeronave ambulância;
- tráfegos prestes a ingressar na área de responsabilidade;
- tráfegos se comunicando em inglês;
- parâmetros de coordenação;
- tráfegos próximos a ingressar na área; e
- outras.

Ou seja, ao assumir a sua posição de Controlador,


LUCIVANDO deveria encontrar uma situação de normalidade assegurada
pelo de chefe de equipe e pelo supervisor de equipe a quem competiam,
respectivamente:
5.1.4.1 - Posição Chefe de Equipe
Ao assumir a posição de Chefe de Equipe, o oficial deverá verificar a
situação dos seguintes parâmetros:
- recursos de detecção e tratamento radar;
- tratamento dos planos de vôo;
- comunicações do Serviço Móvel Aeronáutico;
- co municações do Serviço Fixo;
- se o efetivo disponível é suficiente para atender a demanda de tráfego

103
esperada para o turno;
- na existência de controle de flu xo, verificar se os dados estão sendo
registrados e coletados para futuro lançamento no Relatório de Medidas
Restritivas; e
- alguma outra anormalidade operacional. (Grifou-se)

5.1.4.2 - Posição Supervisor de Equipe


O recebimento do serviço de Supervisor de Equipe deverá, sempre que
possível, in iciar antes mes mo do brifim geral, quando poderá ser verificado,
“in loco”, a situação operacional existente, de forma a possibilitar o
acompanhamento dos brifim regionais e até mesmo dos procedimentos de
troca da equipe operacional.
Verificar a existência de documentação anexa ao Livro de Registro de
Ocorrências, e mantê-las sob sua guarda até a passagem do serviço. Também
deverá ser checada a existência de alguma anormalidade e se a mesma já foi
comunicada a quem de direito.
Receber dos Supervisores Regionais o resultado dos cheques de
equipamentos, confrontando-os com o registrado no Livro Técnico e fazer os
contatos pertinentes com a área técnica.
Caso exista no momento da troca de equipes uma situação de controle de
flu xo, coordenar juntamente com o seu substituto para que todos os registros
sejam feitos, de forma que sua equipe possa dar continuidade aos
lançamentos no Relatório de Medidas Restritivas.
Na ocasião do recebimento do serviço, checar os itens abaixo:
- equipamento e tratamento;
- tratamento de planos de vôo;
- recursos de VHF;
- recursos de telefonia;
- consoles X-4000;
- expectativa de tráfego;
- efetivo operacional disponível; e
- aeronave presidencial na FIR;

Por outra via, não ficaram suficientemente


esclarecidos, em razão das deficiências dos Laudos da Polícia Federal e
do CENIPA, que a configuração das frequências disponíveis exige uma
ação combinada de chefias e supervisões operacionais e serviços
eletrônicos de apoio, para o qual se conta, inclusive, com aeronaves de
apoio que sobrevoam em teste as áreas nas quais são inauguradas
novas frequências. Em outras palavras, não seria possível a um operador
de controle de tráfego aéreo, um controlador, repita-se, prover as facilities
que devem ser postas à sua disposição com a qualidade exigível para o seu
sensível trabalho.
Logo abaixo traz-se uma avalição técnica da situação
de comunicação rádio no dia dos fatos (inclusa no Relatório Final do
Inquérito Policial Militar, Processo n. 0000046-16.2007.7.11.0011 Justiça
Militar):

104
105
106
E como se pode ver, as freqüências indicadas pelo
Relatório não são as mesmas indicadas na carta de rota:

107
Dessa forma, somente após testes de campo pode-se
aferir que freqüência utilizar em determinado setor, ou seja, a decisão sobre
qual freqüência a ser utilizada é de ordem superior, de ordem técnica.
Por essa razão, a indicação das freqüências a serem
utilizadas no setor, constante da carta de rota, não são necessariamente as
que devem constar configuradas no console. Um exemplo disso é que o
Controlador dos setores 5 e 6, “pagou” a freqüência 125.05 (fl. 18, do
Apenso II) e esta freqüência não consta na lista dos setores na carta de rota
acima. Aliás, nenhuma das freqüências pagas (122.65, 123.75 e 124.02 –
fls. 16, 17 e 18, respectivamente, do Apenso II) ao N600XL, desde sua
ascensão à aerovia UW2, consta da carta de rota acima.
Excelentíssimo Doutor Juiz, muito ainda poder-se-ia
aduzir em sede pericial fossem disponibilizados recursos para a contratação
de peritos internacionais, o que se encontra fora das possibilidades
econômicas dos Acusados. O que aqui se demonstrou, todavia, resultante
da solidariedade técnico-profissional de todos aqueles que conhecem o

108
Sistema e não se conformam com a injusta perseguição sobre os menos
favorecidos em toda essa situação, é suficiente para delinear a clara
responsabilidade do Comando da Aeronáutica na omissão de providências
que podiam ser adotadas para evitar o fatídico evento.

III.3 O CARÁTER DE INCONSTITUCIONALIDADE DA


ADMINISTRAÇÃO MILITAR DO CONTROLE DE
TRÁFEGO AÉREO DA AVIAÇÃO CIVIL BRASILEIRA E
SUAS PERVERSAS CONSEQÜÊNCIAS.

Controle de tráfego aéreo é um segmento funcional da


sociedade contemporânea reconhecido em todo o mundo como atividade
econômica de suporte indispensável à moderna aviação civil. No Brasil, de
modo anômalo no Brasil, esta função social encontra-se cometida ao
controle militar da Força Aérea Brasileira, em claro desvio da missão
constitucional precípua desta, que é a de Defesa do Espaço Aéreo
Brasileiro.
Todos os países da Europa e da América, Japão,
Austrália, China, Índia etc e mesmo em países onde se registra um volume
pequeno de tráfego aéreo, a administração da atividade é conduzida por
civis, sob estritas regras voltadas para a segurança dos que voam e são
sobrevoados. Neste campo, falhas são registradas e tornadas públicas,
providenciando-se rápida disseminação das informações a elas relativas,
como estratégia de prevenção, de modo a que não venham a se repetir.
Em direção contrária a quase totalidade das nações do
mundo, o Brasil alinha-se ao Togo, Gabão e Eritréia, confundindo a
Administração da Aviação Civil com a Defesa do Espaço Aéreo, onde a
lógica militar impõe sejam ocultadas falhas na atividade, porquanto
representariam fragilidade bélica em face de possíveis inimigos. O que se
fez, no Brasil, como resquício dos governos militares que por quase duas
décadas sobrepuseram o Poder Militar à Cidadania, e que se perpetua em
razão de fortes interesses, todos, contudo, contrários ao interesse público
em uma aviação segura.

109
A óbvia contrariedade à Constituição Federal, dessa
anômala destinação de uma Força Armada, verifica-se a partir do exame
dos seguintes dispositivos:
Constituição Federal
“Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo
Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes
e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob
a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à
defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por
iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (grifamos)
§ 1º – Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem
adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças
Armadas.”
[...].

A Lei Complementar de que trata o parágrafo acima,


por óbvio, deveria adstringir-se à fixação de normas gerais para a
organização, preparo e emprego das Forças Armadas com vistas "à defesa
da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de
qualquer destes, da lei e da ordem", conforme descrito no caput.
Contrariando essa irrefutável lógica de interpretação
constitucional, em conformidade ao texto e ao sentido da norma, o que fez
o Legislador Infraconstitucional foi, em um regime de compensação aos
militares destituídos do Poder que exerciam no Período de Exceção
transcorrido desde 1964 até 1988, redigir a Lei Complementar de que trata
o §1º do artigo 142, supracitado, estendendo a função das Forças Armadas
a matérias que não se incluem em suas funções constitucionais específicas
de defesa da Pátria. Em referência à Força Aérea, veja-se o seguinte art. 18
de Lei Complementar nº 97/99:
Art. 18. Cabe à Aeronáutica, como atribuições subsidiárias
particulares:
I – orientar, coordenar e controlar as atividades de Aviação Civil;
II – prover a segurança da navegação aérea;
[...].

Observando a topologia do artigo 178 da Constituição,


que efetivamente dispõe sobre a ordenação do transporte aéreo, aquático e
terrestre, verifica-se que o dispositivo encontra-se incluso no Capítulo "Dos
Princípios Gerais da Atividade Econômica", onde, apropriadamente, quis o
Constituinte fosse regulada a matéria concernente à Aviação Civil:

110
Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo,
aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte
internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o
princípio da reciprocidade.

Nos autos do presente Processo encontra-se um notável


Parecer Jurídico de ilustre constitucionalista, o Doutor Marcelo Neves, que
culmina por demonstrar a flagrante inconstitucionalidade que restou
configurada neste ambiente de administração militar de uma atividade civil.
À toda evidência não quis o Constituinte que a Força Aérea Brasileira fosse
desviada da sua missão, descrita no artigo 142, para dedicar-se à Atividade
Econômica, onde critérios absolutamente estranhos à Defesa Nacional
podem levar à corrupção dessa importante diferenciação funcional – Defesa
Aérea - cometida às Forças Armadas.
Diferenciações funcionais, no âmbito dos sistemas
sociais, não são categorias teóricas arbitrárias. Desconhecê-las, ou tratá-las
com indiferença, resulta em graves conseqüências práticas no coexistir
cotidiano. Desse modo, do oportunismo com que se buscou subverter a
Ordem Constitucional, para perpetuar comandos militares na administração
de uma atividade civil, resultou severo comprometimento a uma importante
diferenciação funcional: segurança/insegurança de vôo, conforme adiante
se demonstra. Do que deriva, por sua vez, um conjunto de outros
desarranjos institucionais que desestabilizam o setor.
Uma das instabilidades decorrentes desse ambiente
manifesta-se na submissão ao binômio hierarquia-disciplina de toda uma
categoria de profissionais habilitados para o controle de tráfego aéreo,
profissionais que se viram obrigados a conviver e até relevar falhas dos
sistemas de controle, panes de equipamentos de rádio e de radar, para ao
fim restarem até impedidos de registrar ocorrências de incidentes perigosos
de tráfego, vez que assim procedendo estariam a expor “fragilidade no
sistema de Defesa Aérea Nacional”.
Assim, no Brasil de hoje, a Sociedade Civil vê-se
subtraída do direito a uma operação de tráfego aéreo por profissionais
devidamente qualificados – mediante o preenchimento dos requisitos
indispensáveis aos seus diversos níveis de atuação – na medida em que
jovens formados segundo regimes acelerados de cursos, sem a devida

111
experiência, assumem postos de controle e até de supervisão, tudo sob
manu militare.
Se uma nova tragédia sobrevier, sabe-se que o
CENIPA cuidará de ocultar as falhas do Comando da Aeronáutica ao
tempo em que, sob o falacioso argumento de que a investigação CENIPA
não se destina a promover persecuções criminais, passará informações para
a Polícia Federal e para a opinião pública, através da Imprensa, material
destinado a que se conclua pela responsabilidade dos que não podem se
defender: pilotos mortos ou controladores subordinados.
Veja-se, neste sentido a argumentação do depoente
Brigadeiro Kersul, responsável pelas investigações e pelo Relatório Final
do CENIPA, então sob o seu comando, em relação a aquela colisão:
... Senhor Juiz... primeiro eu gostaria de registrar que a investigação
realizada pelo sistema de investigação e prevenção de acidentes
aeronáuticos que é orientada pelo anexo 3 da ICAO, não deve ser
usada para outro fim que não seja a da prevenção de acidentes
aeronáuticos e nós por aceitarmos uma orientação vinda de um órgão
internacional, que foi recepcionado pelo arcabouço legal brasileiro,
nós continuamos sustentando esta orientação que ela não deve ser
utilizada para outro fim que não seja a prevenção de acidentes
aeronáuticos e vemos a utilização desta investigação neste momento,
como uma ameaça para a prevenção de futuros acidentes no país, pelo
simples fato de que pessoas que cooperam para a investigação, não o
farão mais tarde, baseado no princípio de que eles não são obrigados a
produzir provas contra si mesmos. Então, não compartilhamos com a
utilização desta investigação para outro fim que não esteja relacionado
com a prevenção de acidentes aeronáuticos. Além disso, nós cremos
que o país tem meios para realizar a investigação policial, aquela que
nós consideramos que deve se utilizada pelo sistema jurídico e que
visa, e a gente compartilha disso, também, visa estabelecer a culpa e
responsabilidade. ... Acreditamos que as investigações devem ser com
concomitantes, paralelas e independentes. ...

A um observador estrangeiro, especializado, ficaria


claro que o que diz o Brigadeiro Kersul ajusta-se à filosofia just culture, o
que nos meios de prevenção de acidentes aeronáuticos significa que todos
os métodos de apuração de falhas aeronáuticas destinam-se exclusivamente
ao reforço das práticas de prevenção, investigar e corrigir para evitar
repetições, jamais servindo para incriminação.

112
Mas, a realidade brasileira é bem outra e a fala do
Brigadeiro em nada corresponde à prática que se viu no episódio da colisão
do N600XL x PR-GTD em setembro de 2006. Assim, veja-se o que se
encontra visualizado em página eletrônica da própria Força Aérea, ao
menos até 16 de maio de 2011, como resultado da divulgação pública do
Relatório Final CENIPA, em apresentação realizada para os familiares das
vítimas:

Segunda, 16 de maio de 2011.

NOTIMP: 346/2008 de 11/12/2008

O Noticiário de Imprensa da Aeronáutica (NOTIMP) apresenta matérias de


interesse do Comando da Aeronáutica, extraídas diretamente dos principais
jornais e revistas publicados no país.

Pilotos não conheciam jato

Relatório da Ae roná utica aponta que falta de familia rida de dos ame ricanos
com o Lega cy foi uma das causas do desastre aé reo que matou 154 pessoas
em 2006. Controladores brasileiros também fa lha ram

Leonel Rocha
Da equipe do Correio

A pouca familiaridade dos dois pilot os americanos com o funcionamento do


jato Legacy e seguidos erros de operação dos controladores de
vôo brasileiros de São José dos Campos, Brasília e Manaus.
Essas foram as principais causas apont adas pelo Centro de Investigação e
Prevenção de acidentes Aeronáuticos(Cenipa) do choque entre o jatinho
executivo e o Boing da Gol em 29 de set embro de 2006, provocando a queda do avião comercial
no nordeste do Mat o Grosso e a morte de 154 pessoas . O laudo sobre o acidente foi
apresentado ontem aos parentes das vítimas da tragédia e divulgado oficialmente
pelo comandante do centro, brigadeiro Jorge Kersul.

(Destaques da Defesa)

Ou seja, o Relatório omite as graves falhas de sistema e


de equipamentos como fator contribuinte para a colisão e responsabiliza os
subordinados que viviam obrigados a suportar em silêncio a

113
irresponsabilidade dos gestores militares. Para os familiares das vítimas,
portanto, foram levadas informações que se traduziram na imagem e texto
que se seguem:

“ ELES MATARAM MEU FILHO ”

Aos gritos e com faixas, familiares fazem protesto


DA COLUNISTA DA FOLHA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Lula Marques/Folha Imagem

Mãe de vítima de acidente chora após a divulgação de relatório


Choros, gritos e revolta marcaram a apresentação do relatório
da comissão de investigação do acidente Gol-Legacy às famílias
das vítimas, que pretendem usar o documento para
transformar a denúncia contra os pilotos norte-americanos Joe
Lepore e Jan Paladino de culposa para dolosa. O dolo implica
intenção e pode aumentar a pena na Justiça.

Depois da apresentação, no Cenipa (Centro de Investigação e

114
Prevenção de acidentes Aeronáuticos), cerca de 60 familiares
protestaram com faixas, principalmente contra os pilotos do
jato Legacy.

Tereza Guedes, que mora em Maceió, chorava alto e gritava:


"Eles mataram o meu filho, a razão da minha vida. São
assassinos. Os pilotos, os controladores
brasileiros...”

Tais imagem e texto encontram-se disponíveis para


visualização no próprio endereço eletrônico da Força Aérea, e foi
visualizado para os fins desta peça em ÀS 03:58 DODIA 16/05/2011:
http://www.aer.mil.br/portal/capa/index.php?datan=11/12/2008&p
age=mostra_notimpol

E, para que não se estenda ao plano pessoal o que


deriva de uma corrupção sistêmica – inaceitável sobreposição do interesse
militar na Defesa Aérea sobre o interesse maior da SEGURANÇA na
aviação civil – registre-se o fato constrangedor de se ver o Brigadeiro
Kersul - alguém com uma brilhante carreira de aviador militar, na condição
de piloto de caça e líder de esquadrão de caça – submetido, por ocasião da
exposição do infeliz Relatório CENIPA a uma situação semelhante em que
que se viu, na década de oitenta o Coronel Job, do Exército, quando
tentava explicar o inexplicável, a respeito da explosão de uma bomba em
um automóvel conduzido por aqueles que iriam detonar o artefato durante
espetáculo público no Riocentro.
Uma pena que grandes talentos da Força Aérea sejam
deslocados de suas missões para uma anômala gestão de uma atividade
econômica, como tal, evidentemente civil.
O que se afirma com base em trechos extraídos do
próprio depoimento do Brigadeiro. Assim, instado pelo MPF a que fizesse
um breve relato histórico de sua vida profissional disse (29’ da mídia):
É... eu entrei na Força Aérea em 1972, na escola preparatória de
cadetes. Fiz a academia da Força Aérea. Fui para Natal fazer um

115
ano em Natal para ser piloto de caça. Fui para Fortaleza, líder de
esquadrilha de caça. 4 anos em Santa Maria, como piloto de
caça. 5 anos em Canoas, como piloto de caça. 7 anos em
Brasília, em funções diversas. Alguns anos no Rio...
MP: Funções administrativas?
Kersul: Administrativas.
MP: Qual período?
Kersul: Ah, então, vamos lá.. É... 79, Natal; 80-81, Fortaleza;
82-86, Santa Maria; 87 a 91, Canoas; 91 a 96, Brasília; um ano
no Rio. 2 anos em Canoas como comandante esquadrão de caça.
Um ano no Rio, curso. 3 anos em Brasília, no ministério da
defesa, como contra- inteligência. É... 2 anos, não... um ano e
meio na Inglaterra, como adido da aeronáutica. 4 meses na 6ª
subchefia o Estado-Maior. 3 anos, 5 meses e 13 dias à frente do
CENIPA e agora, desde abril, no departamento de ensino da
aeronáutica.
MP: Desde abril... a sua experiência em investigação de... sua
experiência na na parte técnica com investigação de
acidentes aéreos é de quantos anos, mais ou menos ?
Kersul: Apenas os 3 anos que eu estive à frente do CENIPA,
como chefe do órgão.
MP: Antes disso o senhor não tinha trabalhado com
investigação de acidentes...
Kersul: Nunca.

Veja-se que o Brigadeiro Kersul foi guindado ao ápice


de uma carreira exigente de conhecimentos extremamente especializados -
Investigação de Acidentes Aéreos – sem qualquer experiência anterior,
com lastro tão somente na patente que ocupava.
Daí porque é de se compreender que Ele próprio não
pode ser responsabilizado pelo que se segue:

MP: Sobre o RVSM, que seria o espaço aéreo reduzido, né?! O


normal seria voar a 2000 pés, mas as aeronaves, os pilotos,
tendo algumas condições especiais poderiam voar separados a
1000 pés. O senhor te m conhecimento do regulame nto
brasileiro de aviação civil nº 91, RDH 91, apêndice "g"?
Kersul: Não. De cabeça, não senhora.
MP: Não! Eu vou- lhe ler (degravado como se lê): "A
autorização para um operador conduzir um vôo no espaço aéreo
onde o RVSM é aplicado é emitida nas especificações
operativas, ou através de uma carta de especificação como
aplicável". Essa é a parte mais importante. Então, para que
uma aeronave pudesse voar em RVSM, ela devia ter, a

116
aeronave deveria estar incluída nas especificaçõe s
cooperativa da empresa, ou a aeronave deveria ter uma
carta de autorização. Não há referência nenhuma desses
documentos durante todo o... todas as 261 páginas. Porque?
Kersul: É.. como a senhora disse. Não há referência mesmo.
Pode ter sido uma falha na investigação. Não há referência e
realmente, se não está no relatório, que a senhora está
afirmado que não está, pode ter sido uma falha "não estar ".
Não quer dizer que o cenário mudasse em alguma coisa, mas
não está no relatório.
MP: Essa norma RD.. é uma RDH 91, não é uma norma
bastante conhecida na aeronáutica?
Kersul: ISSO É aviação geral. Todo mundo que trabalha
com esse tipo de aviação deve conhecer. Não, não posso dizer
que os pilotos tenham que conhecer ... decorado, mas com
certeza se tem uma e mpresa envolvida, a e mpresa vai
utilizar-se do.., vai transportar o avião, vai trasladar o avião,
era deve conhecer a legislação do país que está operando.
MP: A CENIPA não deveria conhecer? O CENIPA?
Kersul: O CENIPA deveria, ou... deveria conhecer tudo, mas
é difícil conhecer tudo é é... essa essa legislação, toda a
legislação, como eu disse, quando nós chamamos de
especialistas, nós tínhamos especialistas sobre legislação na
comissão de investigação, com mais de 50 pessoas. Então, a
legislação foi levantada. Isso aí pode não ter sido considerado
é... importante o suficiente para estar no processo investigativo.
Pode não ter sido identificada. Pode ter sido uma falha. E
não dá numa investigação para cobrir todo o espectro que
envolve a aviação. Então, pode a senhora estar identificando
uma falha na investigação. Se isso vai mudar ou se isso é
uma informação importante o suficiente para reabrir a
investigação, ela pode ser reaberta. Se nós tivermos algum
fato novo que justifique, o que nós consideremos que poderá
trazer nova luz, ou nova recomendação de segurança de vôo ou
que vá melhorar a segurança de vôo da aviação, a investigação
pode ser reaberta. Ela, se não consta do relatório, porque ela não
foi considerada importante o suficiente, ou que pudesse gerar
recomendações, ou houve uma falha de ela não tem sido citada.
Com certeza nesse relatório, não tem toda a legislação da
aviação civil nacional e internacional. Com certeza, não está
toda aqui. Então, pode estar faltando alguma coisa.
...
MP: Então o senhor é.... sabe se a aeronave estava
autorizada a voar RVSM ou não te m conhecimento?
Kersul: Se a aeronave estava autorizada, a aeronave tinha os
equipamentos necessários para voar RVSM.
MP: O senhor não sabe se ela estava autorizado então?
Kersul: Autorizada... Não sei.
MP: Não sabe! Tá... De acordo com levantamento que foi feito
pelo perito assistente da acusação, a aeronave não estava

117
autorizada a voar RVSM, em razão desses regulamentos que lhe
falei.

(48’ 53”)

MP: Há algumas referências do corpo do relatório de que o


TCAS não foi ligado, que ele não estava ligado. Há pelo menos
3 pontos aqui em que há essa informação.
Kersul: No nossa relatório?
MP: É.
Kersul: Que ele não foi ligado?
MP: É. Que ele não estava ligado.
Kersul: Que ele não estava ligado.
MP: É. Aqui na folha 242 diz ali: " a figura 71 acima", que é
uma tabela, "mostram o dado do FDFDR do N600XL, com a
abertura da tela do TCAS do MF 2, exatamente no horário da
19h59, que foram os minutos depois da do acidente.

...
MP: ...o TCAS estava em off e o transponder em stand by. Ok?!
Há alguma explicação lógica para essas conclusões, essas
informações não constarem na conclusão? Elas estão no corpo
mas não estão na conclusão?51:02
Kersul: Não... essa... Não estão na conclusão?! Não tão... não
têm que estar necessariamente, mas... porque esse relatório,
ele, ele.. não tem um, assim um... (expressão não
identificada)... de autoridade... tudo que foi citado aqui te m
que estar lá. Mais para deixar claro sobre TCAS. O TCAS,
na realidade, não têm como desligar o TCAS. O TCAS
depende de informação do transponde r. Quando o
transponder é colocado em stand by, o TCAS deixa de
funcionar, deixa de cumprir a finalidade dele, embora, o
equipame nto esteja ligado, ele não está operando, porque
falta-lhe uma informação. Então, ele não está operando.
Então, a o o fato de o TCAS não estar funcionando é porque
o transponder estava em stand by. Essa informação que nós
temos: "o transponder estava em stand by".
Consequentemente o "TCAS off" é que ele não está
cumprindo a finalidade dele cas o uma ae ronave entre num
raio próximo àquela outra. Agora, não estar na conclusão, a
senhora disse está aqui citado e não está à conclusão...
MP: É... é um fato importante que o TCAS não estava ligado.
Kersul: Mas eu... todo o tempo nós dissemos... que o
transponder, por alguma razão, estava stand by.
Consequentemente o TCAS está inope rante.
MP: Mas o transponder só parou de funcionar em determinado
momento. O TCAS nunca foi ligado.
Kersul: O TCAS nunca foi ligado?! 52:28

118
MP: Nunca foi ligado. Isso consta dos CDs que a Polícia Federal
buscou no CENIPA com todos os.. as informações das caixas
pretas.(53’)
Kersul: Isso consta de todas informações, porque o que a
Polícia Federal tem foi o que nós cedemos. Então, as
informações que nós retiramos é e... isso també m nós fomos
contrariados, porque nós tiramos dos gravadores os dados
que conside ravamos adequados para a nossa investigação e
foi desses dados que a Polícia Federal trabalhou. Eu não sei
se isso está no relatório deles, ou a senhora está se referindo
a outro relatório... mas o que eles têm lá é a mesma coisa que
nós dispomos, porque nós lhes entregamos uma cópia por
ordem judicial.
...(acerca do TCAS)
MP: O senhor conhece... tem conhecimento que ele foi ligado?
Kersul: Eu.. toda vez que eu ligo o transponder, o TCAS está
liga do. E o transponder foi liga do, porque nós tínhamos é,
mais de uma vez, contato com a aeronave e ... estava lá o
transponder transmitindo as informaçõe s necessárias .
MP: Então, o senhor pode afirmar que o TCAS estava ligado
desde.. que o TCAS foi ligado. Tem certeza de que o TCAS foi
ligado?
56’
Kersul: O TCAS.. desculpa a minha ignorância, mas eu ne m
sei se tem no equipamento... como eu ligar o TCAS ...
MP: Que eu saiba, s im.
Kersul:. É... eu desconheço. Eu não voei essa aeronave... eu
não sei se tem com ... eu...eu ligar o TCAS. Desconheço.
MP: Então, o senhor pode informar que o TCAS estava ligado.
Alguma vez foi ligado?.
Kersul: Eu possa afirmar que o transponder estava ligado.
O transponder esteva ligado e por alguma razão ele foi
colocado, e ele passou para stand by.
MP: Tá. Quanto ao transponder. Para o transponder ser
desligado, ele exige 2 ações humanas em menos de 20 segundos.
Há uma informação aqui no seguinte sentido... no seu laudo, no
laudo do CENIPA: " a análise da probabilidade de o
acionamento inadivertido em botão da RMU (o RMU não
seriam painel, né?! seria o computador de bordo)... a análise da
probabilidade de o acionamento inadivertido em portão da RMU
no painel do Embraer 145 e do Legacy 600, por 2 vezes dentro
de 20 segundos foi calculada como sendo menor que 5,2 x 10 na
15ª potência por hora de vôo, portanto, significativamente
inferior... significativamente inferior do que extremamente
improvável. Dessa forma, podemos considerá- la impo ssível
ocorrer durante a vida útil da frota". Mãs, embora tenha essa
conclusão que o acionamento inadivertido... 2 vezes... 20
segundos... é menor do que 5,2 x10 na 15ª potência... em
nenhum momento a investigação... se o transponder foi ou não

119
desligado involuntariamente... porque não foi levantada essa
hipótese?
...
MP: É porque só.. Tá uma contradição entre a conclusão e tudo
que está está muito forte no relatório inteiro...

Advogado dos Controladores: Vossa Excelência tem


conhecimento que no dia 6 de junho de 1996, o Força Aérea 01,
transportando o presidente Fernando Henrique Cardoso, quase
entrou em rota de colisão com o TAM, Focker 100, que vinha de
Belo Horizonte, em situações muito parecidas com aquelas que
veio a se dar depois no Gol/ Legacy?
Kersul: O nome do doutor?
Sobral: Roberto Sobral .
Kersul: Dr. Sobral!
Sobral: Sim senhor!
01 04’ 15
Kersul: Desculpa não corresponde r às suas expectativas,
mas eu não tenho o conhecimento que o senhor imagi na que
eu detenho. Eu não tenho todo esse conhecimento que o
senhor suge riu no início de suas palav ras . Meu
conhecimento é de uma pessoa que se dedicou durante um
período de sua vida a essa área de prevenção. Eu não tenho
conhecimento dessa ... pormenorizado, desse evento, mas
considero que o fato de "quase", "quase" eu não sei
mensurar. "Quase ter acontecido", se não aconteceu é
porque houve uma interferência que evitou. Então, eu não
sei o quanto significa o "quase". Nós temos que analisar este
evento com mais profundidade para que eu pudesse fazer
qualquer ligação entre esse evento e o evento do Gol 1907.
Sobral: O senhor, então, não teve conhecimento que esse
documento gerou, dentro da Força Aérea, dentro do CENIPA, o
treinamento simulado conduzido pelo Coronel Duprat, então
comandante do CINDACTA 1, onde ele levantava, como uma
simulação, ele levantou as falhas existentes naquela época, em
1996, e aí simulou um quadro: se todas as falhas forem
simultâneas, o que é que vai acontecer?! Uma colisão. E esse
documento, é um documento que eu passo as mãos do senhor,
confidencial, relatório preliminar que foi encaminhado ao
CENIPA, desenvolvido pelo órgão que o senhor dirigiu.. veio
dirigir no futuro, não é?! O senhor tem conhecimento desse
treinamento? dessa simulação? e, sobretudo, o apontamento das
falhas que foram percebidas em 96 ?
Kersul: O sistema de investigação e prevenção, e até
retornar uma coisa que o senhor disse, que a ge nte poderia
tirar o "investigação" da sigla do CIPAER, né?! Poderíamos
realmente, porque a investigação é uma parte da prevenção,
então, seria... é uma redundância até, né?! "investigação e
prevenção", nós pode ríamos resumir pela prevenção. A
investigação é uma área da prevenção, infelizmente é uma

120
área reativa, depois que infelizme nte o fato aconteceu. É... o
sistema é muito interessante porque quando ele foi
imaginado no passado, cada órgão que trabalha com
segurança de vôo, e o senhor é um conhecedor da legislação,
no Código Brasileiro de Aeronáutica, está escrito lá, que
todos que se envolvem com atividade aérea tem
responsabilidade na prevenção. Então, não é só o CENIPA.
O CENIPA é um órgão de normatizador, o ele estabelece
regras, ele estabelece nomenclaturas, ele coloca no país
aquilo que a gente recebe da ICAO, ele forma pessoal, o
próprio Peterka que é um ... que foi citado com um relatório
aqui, ele foi formado pelo CENIPA, ele me disse que se
baseou no relatório do CENIPA para fazer a investigação
dele, então, ele se baseou no relatório para chegar às
conclusões dele. É... nesse tipo de arquitetura, cada órgão é
responsável na sua área por tratar os incidentes e os
relatórios de perigo, que mais tarde nós mudamos para
relatório de prevenção, porque o nome "pe rigo" foi
exorcizado por toda a sociedade brasileira na época do
acidente. Então, nós mudamos inclusive o nome do relatório
para "relatório de prevenção". Dentro dessa filosofia, algo
que aconteça dentro de uma e mpresa aérea, ela pode tratar
daquele incidente inte rnamente. Há, muitas das ve zes, a
interferência do CENIPA e dos seus CERIPAS, órgãos
criados recentemente, 7 CERIPAS, que são regionais do
CENIPA, eles interferem quando temos a informação de um
acidente grave, de um incidente grave, ou de um acidente.
Vou corrigir. Eu falei 3 coisas, são 2 coisas: um incide nte
grave ou um acidente. Quando a empresa ou órgão, no caso
aqui o CINDACTA, faz a uma atividade interna e levanta
todas as informações que envolveram o incidente, ele toma
as providências inte rnas e manda para o CENIPA, para que
o CENIPA participe, saiba o que foi feito, corrige uma coisa,
o crescente uma coisa. Eu não tenho conhecimento deste
documento, porque o que o senhor me disse, foi em 96 , na
época do Coronel Duprat, no CINDACTA (Sobral:
CINDACTA 1). Isso. Eu não tenho conhecimento desse
documento, porque era humanamente impossível, dentro
do... cenário que eu comecei nessa atividade, porque, como
eu disse, eu era responsável pelo resgate e durante o resgate
eu vinha ao CENIPA, no dia 1 de novembro, a assumir o
CENIPA e voltei para o resgate. Então, nós estávamos num
processo que... do resgate... depois desta investigação,
quando nós estávamos ganhando fôlego, veio outro acide nte
grave, e então, eu mal tinha te mpo para responder os
questionamentos de 2 CPIs, de todo o Judiciário, da Polícia
Federal, embora eu tenha procurado suprir as minhas
deficiências com leitura das documentações das nossas
próprias normas que nós pudemos fazer uma revisão em
todas elas durante o meu processo, durante o meu pe ríodo

121
de comando lá, era humaname nte impossível querer ler
todos os acidentes e mesmo que eu lesse todos acidentes eu
não le ria esse aqui, porque esse é o incidente, então, muito
provavelmente eu não leria, mesmo que eu conseguisse ler
todos os acidentes ocorridos neste país, eu provavelme nte
não teria tido tempo para ler todos incidentes. Então, não
tenho como dizer que tenha conhecido, mas pos so... tenho
tranquilidade para dize r que as provi dências foram tomadas
naquele cenário que foi conhecido para que melhoras se o
processo de controle de tráfego aéreo.

Sem pretender jamais macular a carreira do eterno


piloto de aviões de caça, o bem educado e atencioso Brigadeiro Jorge
Kersul Filho, não há como deixar de lastimar o que se retira do que acima
se leu: um desconhecimento inaceitável acerca de um evento único, a
colisão de dois aviões nos céus do Brasil, do que o mínimo que se
esperava, para que todas aquelas mortes não fossem em vão, seria a
produção de um documento isento, idôneo, sério, capaz de produzir
conhecimentos preventivos e induzir a correção de falhas inaceitáveis, que,
desgraçadamente estão a se perpetuar no momento em que esta Peça está
sendo escrita.
Como arremate do que acima se pinçou, veja-se que o
Brigadeiro Kersul não leu o Relatório de Auditoria do TCU (45’50”),
entende que “ os alvos falsos, a duplicação... é... eu não tô dizendo que isso não ocorra,
porque isto é intrínseco à eletrônica do radar, então, pode haver realmente duplicação, pode
acontecer de ter alvo falso. Para isso que os homens que estão na frente da tela, eles são
treinados para identificarem e serem capazes de descartar o que é falso e o que é verdadeiro”.
Uma aberração, tal posicionamento, quando se trata de segurança no
controle de tráfego da moderna aviação civil mundial: nenhum controlador
recebe treinamento para desconsiderar o que o seu console de trabalho
exibe. Isto mostra o elevado despreparo militar para a gestão dessa
complexa atividade, em que não se pode treinar um Controlador ensinando-
o a ser tolerante às falhas. Vidas humanas não podem estar submetidas a tal
risco, o de um controlador começar a interpretar o que é real e o que é
falso, em tempo tão curto que dispõe para trazer um avião às cegas para um
pouso seguro.
E repete:

No que diz respeito a como trabalhar com alvo falso, com a


duplicação de alvo, isso cabe ao treinamento da pessoa que está
responsável por fazer o seu trabalho é... como ele... é... trabalha com
esse tipo de informação, como ele descarta o que é verdadeiro, quer
dizer, descarta o que é falso e mantém o que é verdadeiro (49:50).

122
E quanto à troca automática de nível do X4000, veja-
se:
Advogado: É de conhecimento de Vossa Excelência que em
nenhum país do mundo, um sistema troca nível automático sem
interferência do controlador?
Kersul: Não é do meu conhecimento e acho irrelevante,
porque a ge nte tem que acre ditar que nós somos capazes de
faze r alguma coisa, não necessariamente igual a de todo
mundo. O sistema de controle de tráfego aéreo e de defesa
aérea do Brasil é único e, hoje, é o que é indicado para os
países que estão implementando seu comando... o seu
controle de tráfego aéreo. Países que estão em
imple mentando o controle de tráfego aéreo estão sendo
orientados a utilizar o sistema brasileiro, que junta os 2
equipa... os 2 tipos de controle: militar e civil. Então, eu não
conheço os outros controles; eu não conheço... respondendo
bem especificamente, mas acho que nós temos capacidade
para fazer um controle de tráfego aéreo e diria mais,
independente da minha opinião, da minha posição, eu diria a
o seguinte, se vêm como órgão internacional, que fez
auditoria e m mais de 130 países e vêm no nos so país e diz: "o
controle de tráfego aéreo de vocês está 95% de acordo com
que nós gostaríamos".

A esse respeito, contudo, o NTSB - National


Transportation Safery Board, um dos mais respeitados do mundo,
pronunciou-se nos seguines termos:

The automatic change of the datablock field from 'cleared


altitude' to 'requested altitude' without any indication to, or
action by, the ATCOs, led to the misunderstanding by the
Sector 7 controller about what altitude clearance was issued
to N600XL.

Contudo ao ser informado do motivo torpe que


levaram militares do DECEA a não corrigir esta defeituosa
(dis)funcionalidade de troca automática de nível o Nobre Brigadeiro assim
se pronunciou:

...sobre a análise do DECEA aqui.. eu acho que carece


também de acompanhamento e ac ho que eu estou totalme nte
do seu lado, se houve aqui alguma coisa que nos envergonhe,
seja aprofundado a investigação e que seja confirmado se
algué m disse, não vamos mudar isso aí não, só para
responder na Justiça, porque isso é incabível, não pode mos
admitir isso, isso é inadmissível. Então, se nós temos que
faze r qualquer mudança para o be m da sociedade, ela deve
ser feita no momento e m que for oportuno, no mome nto, no

123
melhor mome nto; e se nós temos que mudar alguma coisa, já
deviámos ter mudado, ac ho que isso deve ser aprofundado
(1º08’37”);

Deveras impressionante, também, que uma outra


grande autoridade do setor, o Coronel Leônidas que dirigia o Centro de
Operações de Manaus, viesse a assumir, posteriormente, o posto de
Comandante do CINDACTA II, com sede em Curitiba, sem ter lido o
Relatório Final do CENIPA, o que é suficiente para demonstrar a completa
falência do sistema de prevenção de acidentes vigente no Brasil.

Veja-se a degravação do seu depoimento, em techos


selecionados:
R - Coronel, o senhor nos disse que era Chefe da Divisão
Operacional do Cindacta 04 na época do acidente.
Quantos anos de experiência o Senhor tem no Controle de
tráfego aéreo no Brasil.
Leônidas – Com controle do espaço aéreo?
R – Controle de tráfego aéreo.
L – É, 15 anos. Hoje, né? Na época...
R – Hoje. O Senhor participou da elaboração do Relatório
do Cenipa?
L – Não.
R – O Senhor não fez parte então do grupo de
investigação?
L – Não.
L – O Senhor fala do... com respeito ao relatório...
R – Ao Relatório final do acidente.
L – Não.
R – É... O Senhor foi inquirido por essa Comissão que
investigou o fato detalhadamente?
L – Eu não fui inquirido... Sobre o acidente, eu não
lembro de ter sido inquirido.
R – Pela Comissão, não é?
L – É. Como eu volto a repetir, como eu fui designado
para ser o comandante da busca e do resgate. Eu
participei do evento “Busca e Resgate”.
R – Foram feitas auditorias técnicas para a detecção de
eventuais falhas de comunicação e falha de cobertura na
região?
L – Auditoria por que m? Nossa? Interna?
R – É, auditoria mesmo. Pode ser... Cindacta, Cipacer...
L – Nós não utilizamos esse termo “auditoria”, né?
R – Perfeito.
L - A gente tem a nossa manutenção normal.
R – Manutenção normal...
L – Mas, de imediato, de imediato ao acidente, o grupo
especial de investigação, de inspeção em vôo, ele fez um
124
R – Manutenção normal...
L – Mas, de imediato, de imediato ao acidente, o grupo
especial de investigação, de inspeção em vôo, ele fez um
vôo na área e pelo que eu le mbro, como eu digo que
tava, fui pra Cachimbo no mesmo dia, é, eles deram
um parecer com relação a essa qualidade tanto do
controle como das comunicações.
R – Das comunicações, não é? Então, auditoria técnica no
sentido de auditagem mesmo, isso nunca foi feito. Em
fazer teste, exame de todos os equipamentos. Por exemplo,
a OACI(27:28) diz que fez uma auditoria recente no
Brasil. Essa auditoria foi feita, por exemplo, no Cindacta
de Curitiba?
L – Não, não participamos do... Nós fazemos... quem
faz a inspeção no Cindacta 02, quem fe z foi o nosso
próprio pessoal habilitado.
R – Pessoal habilitado interno.
L – Agora, essa questão lá do, da auditoria dos
equipame ntos lá em Manaus, nós fizemos e tava...
Fize mos a, não com essa monitoria. Nós faze mos
aqueles cheks (27:56) normais do ...
R – Cheks padrões.
L – É, cheks padrões de funcionamento, detecção. Lá
no relatório ela vôo, calibrou, e à época ele deu um
parecer favorável dizendo que ele estava funcionando
tanto as comunicações, quanto as detecções.
R – O Senhor conhece o inteiro teor do relatório do
Cenipa?
L – Não posso dizer que conheço não Senhor.
R – Depois o Senhor foi removido para o Cindacta 02.
L – Isso.

Como se vê, nunca se fez de verdade uma auditoria


independente no Brasil. A grande mentira, consistente em dizer que o
Brasil situa-se entre os melhores serviços de controle de tráfego aéreo do
mundo, contudo, é proclamada como se verdade fora, estando a tal respeito
enganados até aqueles que ocupam os mais destacados postos no comando
militar dessa atividade civil. E, neste ponto, Brigadeiro Kersul foi incisivo:

KERSUL - . O sistema de controle de


tráfego aéreo e de defesa aérea do Brasil é único e, hoje, é o que
é indicado para os países que estão implementando seu
comando... o seu controle de tráfego aéreo. Países que estão em
implementando o controle de tráfego aéreo estão sendo
or ientados a utilizar o sistema brasileiro, que junta os 2 equipa...
os 2 tipos de controle: militar e civil. Então, eu não conheço os
outros controles; eu não conheço... respondendo bem
especificamente, mas acho que nós temos capacidade para fazer
um controle de tráfego aéreo e diria mais, independente da

125
minha opinião, da minha posição, eu diria a o seguinte, se vêm
como órgão internacional, que fez auditoria em mais de 130
países e vêm no nosso país e diz: "o controle de tráfego aéreo de
vocês está 95% de acordo com que nós gostaríamos".
É... sobre a língua inglesa, né?! A ICAO,
ela prevê um certo nível de proficiência de inglês. É.. o nível
que está sendo exigido agora, é nível 4. Pouco países do mundo
melhores que o nosso, quer dizer, melhores que o nosso não tem
nenhum, mas alguns que são ditos de primeiro mundo, não
atingiram o 4.

Enfatize-se: a Força Aérea literalmente trabalhou por


uma auditoria de conformidade documental, que diz apenas que os seus
procedimentos coincidem com as normas que Ela mesma produz.
E como se viu no corpo desta peça, em lugar de
corrigir uma falha redige-se uma norma que deixa de considerar falha o que
continua perigoso.
Repise-se: nunca foi feito uma auditoria técnica de
equipamento, de funcionamento de equipamento e de controle de tráfego
aéreo com os controladores. Essa auditoria nunca existiu. A Força Aérea
usa a falsa aprovação dos seus métodos pela ICAO de uma forma
absolutamente habilidosa, numa política própria de Josefh Goebbels, uma
política de propaganda, quando na verdade as falhas remanescem.
O fato de usarem de tais mentiras para enganar
pequenos países pobres com a intenção de vender a tecnologia da ATECH -
empresa “amiga” e fornecedora do sistema de controle sempre atualizado
sem licitações por ordem do Comando da Aeronáutica, para e da Força
Aérea – é usado como argumento por eles mesmos, quando dizem: somos
tão eficientes que servimos de referência.
Triste pantomina.

III.4 ATIPICIDADE CULPOSA E EXCLUDENTES DE


CULPABILIDADE COMO FUNDAMENTOS PARA A
NECESSÁRIA ABSOLVIÇÃO DE JOMARCELO E
LUCIVANDO.

Excelentíssimo Juiz, dispensada encontra-se a Defesa


dos Controladores em estender-se demasiadamente em considerações
doutrinárias em matéria jurídico-penal, até porque do Estado-juiz espera-se
amplo domínio de tema tão repisado com o do delito culposo.

126
Contudo, por tudo o que acima foi exposto consigna-se
que não estão presentes os dois requisitos culposos indispensáveis para a
configuração do delito culposo que veio a ser imputado a JOMARCELO e
LUCIVANDO.
Em primeiro lugar, como negar a validade probatória
dos documentos acostados às folhas 2.132 a 2289, componentes do Volume
9, todos a demonstrar um impressionante número de falhas de sistemas e ,
equipamentos, capazes de conduzir a uma situação perigosa qualquer
controlador que siga rigorosamente as normas existentes?
Explica-se: se a cada vez que for exibida uma defusão
de alvos, uma pista falsa ou um espelhamento, o controlador de tráfego
aéreo imediatamente reagir segundo as normas padronizadas resultará
provocando a separação de aeronaves supostamente visualizadas, ao fim
criando uma situação de risco efetivo para todos aqueles que foram
desarrumados dos seus tráfegos. As normas estabelecidas, portanto,
mostram-se em contraefetividade com a realidade que pretendem regular.
Veja-se o depoimento, neste sentido, de um dos
maiores especialistas em controle de tráfego aéreo do Brasil, instrutor e
avaliador dos profissionais do setor, condecorado e reconhecido pela
excelência do seu conhecimento profissional, o Especialista Wellington
Rodrigues, em degravação de mídia acosta aos autos:
Adv: Gostaria que o senhor fizesse é referência detalhada a essa
diferença entre o que está no Regulamento, o que as normas até então
previam e o procedimento cotidiano do controlador e em razão de que
não havia coincidência... quais eram as panes mais frequentes?
Wellington: Primeiro é...era muito comum panes radares e de
visualização radar, espelhamento e duplicações de pistas. Isso era
muito comum. Uma pista duplicar e aparecer em outro setor e se
transformar em um tráfego fantasma e acionar um anticolisão de
uma aeronave. Então, um anticolisão era acionado... da aeronave
não, desculpa... o anticolisão da pista radar. Isso era acionado
assim corriqueiramente, tanto é que tinha um alerta sonoro para
o controlador, que foi inibido porque... de tanto tocar. Mas isso
era porque os tráfegos não eram reais, ele duplicavam e o quê que
aconteceu... uma... devido a essa enorme quantidade de tráfegos
duplicados... fantasmas... houve uma banalização dos
procedimentos. Então, o controlador deixava até mesmo de
cumprir o que deveria porque ele: “ah... isso aí não é real, é uma
duplicação... isso aí...”. Então, começou a banalizar os
procedimentos. É... da área norte da área não radar era tão
comum o radar tá fora que às vezes o controlador já não
conseguia mais saber se era o radar ou se era o próprio

127
transponder da aeronave que estava desligado. Então, acabou
banalizando. Então, isso para mim, eu vejo como a maior
dificuldade. A questão da frequência, também, se fosse cumprir o
procedimento de falha de comunicações com todas as aeronaves
que perdiam a comunicação, tornava-se impraticável o controle,
porque era muito comum, era muito corriqueiro. Então, nós
tínhamos uma preocupação de que se algum dia ocorresse um
acidente, o controlador iria ficar sozinho. Então, nós começamos a
juntar materiais, a juntar documentos para poder mostrar a
situação. E foi dito e feito, quando aconteceu, o controlador se viu
sozinho, né?! Então, isso é a banalização do sistema.

Veja-se o que acima se afirmou. O controle ficaria


impraticável, como de fato ficou, e o País parou, quando os controladores
adotaram a operação padrão, consistente nada mais nada menos do que
fazer cumprimento rigorosamente as normas previstas. Ao final do seu
depoimento Wellington Rodrigues, considerando a importância dessas
banalizações de falhas como perigosos elementos de comprometimento de
consciência situacional, declara espontaneamente:

Juiz: O senhor tem pergunta doutor (Advogado: Excelência, estou


satisfeito). O Ministério Público tem pergunta doutora? Tem mais
alguma coisa que o senhor deseja falar sobre esse acidente?

Wellington: É eu queria ressaltar essa questão da


diferença mesmo do trabalho prescrito para o
trabalho real, isso daí é muito importante porque o
controlador, como ele foi banalizando devido a
várias panes mesmo, ele acabou deixando de
cumprir até mesmo o que estava previsto até
mesmo por banalização dos procedimentos mesmo,
porque era muito comum, né?! E naquela área que
o Legacy voo era uma área de deficiências mesmo
por relatórios de... tanto de comunicação como
radar.

Ora, Excelentíssimo Senhor Juiz, isto a que se refere o


depoente, a desconsideração de sinal de perigo a cada uma das milhares de
ocorrências anuais, pode se dar o nome de absoluto comprometimento da
percepção do homem mediano em prudência e discernimento. Quem
restaria alarmado ante o contínuo desfazimento da tensão provocada por
sinais de falhas, a todo instante reduzida a simplesmente isto: falhas.

E Vossa Excelência perguntava aos Acusados em seu


interrogatório judicial: mas quem ensinou os senhores que era assim
mesmo? Ora, Excelentíssimo Juiz, em nenhuma escola se diz que a prática

128
é outra. Não nos ensinam nas Faculdades de Direito senão o Direito. A
prática, todavia, sabemos que está condicionada a vieses próprios que só
são aprendidos no exercício funcional. Será que as centenas de páginas
aqui trazidas não são suficientes para demonstrar uma situação de quase
anomia, onde as normas tinham que ser cunhadas sob os impulsos da
improvisação momentânea: Quem sabe quantas vidas já foram poupadas
pelo improviso de tantos iguais a estes Acusados, todos submetidos a uma
rotina de falhas aberrantes e criminosamente não corrigidas pelos principais
responsáveis, seus superiores hierárquicos, para sempre impunes em face
da covardia do Parquet Militar?

A respeito das falhas veja-se:

ADV: A questão é a seguinte. Essas duplicações de alvos, essa falhas


recorrentes, elas são comuns no controle de tráfego aéreo nos países
desenvolvidos? França, Itália, Alemanha... ?

Wellington: É... isso que... depois eu viajei também, eu tive


contato com outras, com outros órgãos de controle. Na Europa, a
duplicação de pista ela ocorre na época de neve que é um acúmulo
de neve na antena radar e começa a duplicar pista, mas aí eles
sabem que naquele momento ali, eles mandam limpar e não tem
mais. É... um exemplo clássico é... um piloto estrangeiro, quando
ele vem voar aqui e ouve o controlador falar: “em caso de falha de
comunicações é... faça tal procedimento”, ou seja, o controlador já
está já se prevenindo que no futuro, se acontecer alguma coisa, ele
deverá fazer isso. Isso na cabeça deles (piloto estrangeiro) não
passa, tanto que já ocorreu uma vez um incidente, quando o
controlador falou: “em caso de de falha de comunicações...” o
piloto achou que já era para executar naquele momento, porque
em outros países, vamos dizer assim, nos Estados Unidos, não é
comum essa falhas de comunicações. Então, não existe esse
procedimento de falar: “ó se acontecer isso, você deverá fazer
isso”. Então, para nós já era corriqueiro fazer isso, né?!

Sobral: O CENIPA se manifestou no sentido de não tomar


conhecimento de “quase acidentes” ou “incidentes”, só se interessar
pelos acidentes. É possível fazer previsão desse modo? Prevenção?

Wellington: Prevenção, né?! É.. eu acho que aí é arrumar depois


que a casa caiu. Eu acho que tem vários incidentes que nos
demonstram, que nos dá muitas lições e que a gente poderia evitar
um acidente, né?! Então, a prevenção ela deve ser feita em cima
do incidente. O acidente, é claro, que depois você vai mudar muita
coisa, como hoje, muitas coisas mudaram aqui, no nosso
Regulamento, na ICA 100-12, muita coisa mudou depois do
acidente, mas é óbvio que se a gente puder mudar no incidente,
não precisa esperar o acidente, né?!

129
Havia um grupo que realmente estava muito preocupado que vez um..
foi chamada “Carta de Brasília” até, isso em 2005, em julho de 2005,
eu participei desse grupo, nós elencamos várias deficiência e levamos
para o comandante do CINDACTA e em uma dessas falava mesmo da
falha de detecção radar ao norte da FIR Brasília e outros
procedimentos e.. outros alertas também já haviam sido feitos que era
questão de momento acontecer um acidente.

Sobre JOMARCELO:
Sobral: A respeito da mudança automática de nível, que vai ocorrer
exatamente quando está na console o Jomarcelo, porque a partir daí
veio Lucivando e o demais já encontram na posição 360, que seria o
voo normal, que dizer, quem chega e encontra no 360, encontra o
avião onde ele efetivamente deveria estar. A pergunta que faço ao
senhor é a seguinte: essa, digamos, mudança automática é algo que
padrão no mundo? Isso é recomendável? Os controladores aprovam?
Qual é a reação dos controladores a essa mudança automática de
nível?

22:25

Wellington: Eu como instrutor e como, vamos dizer assim,


eu era peça ali do sistema, eu tenho que essa mudança
automática é um dos fatores principais que induziu o
Jomarcelo ao erro, porque isso daí tem vários relatórios , se
pegar o próprio docume nto da TEC que mostra a operação
como que ela deve ser no sistema, mostra que o campo que
muda é o campo que somente o controlador deve ter
atuação, que o CFL “nível de voo autorizado”. Que m muda
nível de voo autorizado é o controlador. Nunca o
controlador deve corre r atrás do sistema. O que aconteceu?!
Quando chegou no bloqueio do de Bras ília, no campo “níve l
de voo autorizado” entrou “nível de voo solicitado”
automaticame nte sem que o controlador intervisse e logo em
seguida houve a perda da visualização radar, ou seja, ele
deixou de visualizar qual era a altitude real da ae ronave e
passou a contar somente com aquela informação na ficha de
progressão de voo que o controlador estava trabalhando.
Aquele campo, onde estava 370 que era autorizado, mudou
automaticame nte para 360, esse é o campo CFL (nível de voo
autorizado), só que o controlador não autorizou o 360, mas
no sistema mudou para 360 e logo em seguida houve a
rendição para o Lucivando. O Jomarcelo passou para o
Luciva ndo, o Luciva ndo perguntou para e le qual era o níve l
de voo que a aeronave estava mantendo e ele falou que era o
nível que estava na ficha de progressão de voo, porque “eu
não mudei!!”; só que o sistema mudou. Então, Lucivando
viu lá 360, até então ningué m tinha informação do Gol. As
pessoas tem uma visualização, acham que o controlador te m
um conhecimento que para mim seria até sobre-humano,
porque o controlador ele sabe do setor dele e ele só vai saber

130
das aeronaves que vão entrar no setor dele 15 minutos antes
da entrada no setor. A aeronave Legacy, do bloqueio de
Brasília até a saída da FIR Brasília levou 1h30 de voo, então,
o Gol, não tinha nem ideia que existia o Gol. Então, o
Lucivando só tomou ciência do Gol 15 minutos antes do Gol
entrar na área, mas para ele, já tinha recebido a informação
de que a aeronave estava no 360, ele tentou várias vezes
contato com a aeronave parece que mais de 20 vezes que ele
tentou contato com a aeronave e não conseguiu falar, mas
para ele estava tranquilo, porque a aeronave estava no 360,
não tinha porque mexer no Lega... no Gol. Então, essa
mudança automática do nível de voo, para mim, é um dos
fatores assim q... mais importantes de indução ao erro do
controlador e isso foi até admitido pelo próprio Comandante
da Força Aérea, Briga deiro Bueno, na audiência pública da
Câmara, ele chegou até a declarar que essa mudança
automática induziu o controlador ao erro.

adv: Essa mudança, ela não é uma coisa tão rara de acontecer, ou toda
vez que havia uma perda de detecção ela automaticamente mudava?

Wellington: Não. Não te m nada a ver com a pe rda de


detecção. É que coincidiu com... por isso é que foram vários
fatores, foram vários dominós que foram caindo ao mesmo
tempo. Então, foi muita coisa que aconteceu ao mesmo
tempo, não tem nada a ve r com a perda de detecção radar.
Tem a ver com a mudança do nível da aeronave em
determinado ponto que foi solicitado pelo piloto, mas que
ainda não foi autorizado pelo controlador. A crítica que eu
faço é que não deveria ser no campo “nível de voo
autorizado”, porque que m autoriza é o controlador, que m
notifica o nível é o controlador. Deveria ter um campo... e aí
deveria mudar, mas não mudaram porque falaram que ia
dar força na defesa dos controladores se mudas se... depois
do acidente foi levantada e ssa hipótese.

Juiz: Quem levantou? Queria dar força?

Wellington: O TCU fez uma auditoria. E no relatório do TC... e


vários oficiais falaram para nós também: “nós não vamos mudar,
porque senão vai dar força na defesa dos controladores... e um
deles acabou falando para um auditor do TCU e ele colocou no
relatório do TCU isso.

Wellington: Isso. Ele fala. No relatório do TCU está escrito isso, que
em reunião com o oficial... foi levanta essa questão da modificação
automática do nível de voo e foi dito que não seria mudado porque
senão iria dar força na defesa dos controladores. Isso está no relatório.
E depois... visto com outros sistemas fora é algo impensável,
porque só pode mudar nível de voo autorizado com a anuência do
controlador. Como que um sistema vai e muda automaticamente
sem o controlador consentir?! ir lá e interagir com o sistema?!

131
Então, o sistema está indo à frente e não está alertando o
controlador. É essa a pane do sistema, que na verdade
é um erro de concepção. Não foi o sistema na hora
ali, ele teve uma pane e mudou automaticamente,
não! Foi a forma como ele foi concebido que levou a
essa indução ao erro.

Este depoimento se soma a todas as outras evidências


trazidas aos autos, de modo a demonstrar a fragilidade de uma acusação
fundada em inobservância de dever de cuidado objetivo por parte do
JOMARCELO, desconsiderando que não foram sete minutos de inação
negligente de sua parte quando se encontrava a controlar três setores sem
assistente (contrariando o que disse o Brigadeiro Kersul em seu
depoimento: o controlador nunca está sozinho), conforme fez o MPF nos
seguintes termos:
Inexorável a conclusão de que "A cobertura radar não teve, por
falhas técnicas, contribuição para o acidente", conforme fl. 250 do
relatório do CENIPA.

Excelentíssimo Juiz, qualquer ser que tome


conhecimento das omissões e má-fé com que o Relatório CENIPA foi
produzido, e dos seus perversos efeitos sobre o laudo de segunda mão da
Polícia Federal, repensaria antes de repetir a frase acima.

Prossegue o MP:
A defesa dos controladores de voo invoca as diversas falhas do
sistema em seu favor e as posteriores alterações como forma de
exculpação dos denunciados. Seus argumentos, ao contrário do
pretendido, apenas reforçam a acusação, uma vez demonstram
cabalmente que todos os envolvidos no tráfego aéreo na época sabiam
das deficiências dos sistemas, o que impunha aos controladores de voo
diligências redobradas.

Eis acima um argumento de antipsicologia


comportamental, contrário à toda experiência humana em face de repetição
indeterminada de eventos da mesma natureza. O que acima se diz funciona
sim, por pouco tempo e dentro de estreitos limites. Até a produção de
adrenalina, sobre a qual não se tem controle consciente, impede reações
tempestivas, beirando o automatismo, quando viciadas na percepção
contrária de perigo real. O que aqui está a se tratar é de um cotidiano sem
fiiiiimmmm, das mesmas contra-expectativas cognitivas, desapontamentos
cognitivos reiterados. Desentender que as falhas induzem a erros e que
comprometem a consciência situacional fica muito natural e sem qualquer
conseqüência para quem pugnou pela não produção de provas isentas,

132
findando por louvar-se no que da Força Aérea se disser como argumento de
autoridade.
Prossegue o MPF:
Seria o mesmo que, trafegando numa estrada sem sinalização e
com muitos buracos, o motorista dirigir com a mesma tranquilidade e
imprimir a mesma velocidade que emprega quando trafega numa
estrada duplicada, com pavimentação recente e bem sinalizada. Da
mesma forma, quando se pretende viajar numa longa estrada que se
sabe carente de postos de abastecimento, é imprescindível que a
jornada seja iniciada com o tanque completo e, caso necessário, com
combustível extra, caso contrário, é lógico que teremos problemas na
metade do caminho.

Com o devido respeito, trata-se de paupérrima


analogia, reducionista, incabível à formação do conhecimento mediano
exigível para demonstrar a previsibilidade objetiva naquela esfera de
atuação, que de motoristas não se forma.

Ainda o MPF:

JOMARCELO agiu com culpa consciente - o agente prevê o resultado


mas acredita, sinceramente, que, por sua habilidade ou outra
circunstância impeditiva, não se produzirá -, situação que impõe, além
da condenação, a elevação da apenação. Comprovando a ciência das
falhas dos radares e do sistema de comunicação, JOMARCELO
também demonstra alto grau de previsibilidade objetiva, pois sabia
que, na área que operava, se não fossem tornados todos os cuidados
necessários com a antecedência pertinente, havia possibilidades reais
de choque entre duas aeronaves.

Culpa consciente? Quando o Brigadeiro Kersul


afirmou que, a despeito de todas as falhas, ninguém seria capaz de antever
uma colisão em pleno céu amazônico acabou por oferecer o argumento
decisivo contra a formação da previsibilidade objetiva, ainda que assim não
o pretendesse. Mas o MPF foi mais longe. Vai até a consciência silenciosa
do JOMARCELO para afirmar que este previra o resultado. Com base em
quê afirma-se algo assim, com tal dureza? Desumana leviandade,
incompatível com o caráter e a formação de quem proferiu.

E o que se quis dizer com a frase: “JOMARCELO


também demonstra alto grau de previsibilidade objetiva”? Ora,
previsibilidade objetiva não se retira da conduta do agente, antes é um juízo
de valoração externo, do julgador em relação à conduta do agente, segundo
a propalada ficção de uma percepção do homem mediano em prudência e
discernimento.
E Vossa Excelência, Excelentíssimo Juiz, ao interrogar
o JOMARCELO (4’18 segundos) provavelmente ainda não estava
133
suficientemente informado de que a perda de detecção do sinal radar era
cotidiana como repetidamente afirmou o JOMARCELO: “todos os dias
isso acontecia”...”Isso é rotineiro...perda de sinal radar”. Não passava pela
cabeça do JOMARCELO, naquele caso concreto, da mesma forma que não
passava pela cabeça dos seus colegas (salvo exceção dos que atuam como
parte ocultamente interessada em incriminar os fracos e ocultar as falhas
dos seus superiores) que se tratava de um desligamento de transponder.
Esta hipótese é rara. O cotidiano era de falta de detecção radar, mesmo.
Veja-se, em 5’ 31” daquele depoimento, a plena consciência de
JOMARCELO DE que com a perda da detecção do sinal em Brasília, o que
era normal, somente Manaus teria a visualização. Todos sabiam que era
assim mesmo.
Aí Vossa Excelência, em 06:42, pergunta se nunca
ninguém fazia o relatório de erros, de falhas, se ele (JOMARCELO) nunca
teve a curiosidade de procurar saber se havia relatório de erros.
JOMARCELO, Excelência, no que pese estar naquele dia a exercer função
muito superior ao que se podia esperar de alguém com apenas 9 meses de
habilitação profissional, atuava com as limitações próprias de um noviço.
Quando ele diz em seu sincero depoimento que os mais experientes
relatavam é porque ele sabe o que ninguém desconhece: que até a produção
de relatórios exige uma segurança de quem o faz, própria dos mais
experientes. É difícil explicar para brasileiros que, no mundo inteiro, não se
coloca alguém com tão pouco tempo de experiência em posição de controle
de três setores, sozinho, sem assistente.

A função persecutória do Estado, neste caso,


considerando a unidade do Ministério Público Nacional, reveste-se de uma
covardia ímpar: ignora a fonte de todos os males para buscar a condenação
de quem se apresenta em um interrogatório com a clareza de sua inocência,
com a intuitiva presunção de que ao final será compreendido como alguém
que atuava conforme a velha cláusula do id quod plerumque accidit. Ou
seja, os mais experientes atuavam assim. Eu atuava conforme o que via no
cotidiano dos mais experientes. “Quando agente sai da escola agente não
vai sozinho, agente vai com um instrutor. Aí agente faz o que ele faz”.
Assim, candidamente, disse em seu interrogatório: “a informação que eu
tinha era a que estava na strip eletrônica, que é o meu instrumento de
trabalho: 360”. Repetiu várias vezes: “eu tinha certeza que estava no 360”.

Excelentíssimo Juiz, considerando como fato inegável


a usual perda de sinal radar com a subseqüente troca (inadmissível)
automática de nível de vôo por parte do X4000, considerando que restou
provado que o Centro de Controle de Brasília não dispunha de visualização
de área sob seu controle, considerando ainda que em razão da síntese radar,

134
esta operada seletivamente em quadrículas rastreadas, era possível
visualizar outras aeronaves mesmo quando o LEGACY não era
visualizado, considerando, enfim, todo o comprometimento da percepção
de perigo concreto para cada vez que ocorria uma recorrente falha
cotidiana, plantados estão os fundamentos de ausência de previsibilidade
objetiva (vez que JOMARCELO aprendera na prática a conviver com as
falhas, relevando-as, não por negligência, mas pela certeza de que não se
tratavam de outra coisa senão falhas, no que repetia o comportamento dos
mais experientes) e, ainda mais evidente, de afastamento da imputação de
inobservância de dever de cuidado objetivo - posto que fosse atuar como se
estivera em emergência todas as vezes que uma falha ocorresse estaria a
inviabilizar o controle do tráfego normal, seja pelo acionamento de
supervisores, seja pelo desvio de atenção em prejuízo do tráfego normal,
com o que restaria admoestado de que já deveria saber que era assim
mesmo – do que se retira a necessidade de absolvição deste Acusado.

Mas, se apesar de tudo o que acima se demonstrou com


supedâneo em farta prova trazidas aos autos, o Excelentíssimo Juiz, vier a
entender de modo diverso, acreditando presente a tipicidade culposa, então
será hora de se examinar a Culpabilidade do JOMARCELO, em face da
conduta que lhe é imputada.

Neste passo, maior de idade e hígido no plano mental,


não se discute a sua capacidade para ser responsável na esfera penal. Daí a
verem preenchidos os requisitos normativos da culpabilidade, em especial a
exigibilidade de conduta diversa, faz-se necessário detido exame.

Consabido que não há crime sem conduta,


evidentemente, não há conduta sem agente.

Logo, impende examinar as condições pessoais e


situação operacional do acusado JOMARCELO, cotejando-as com as
exigências para o exercício funcional do Controle de Tráfego Aéreo.
Assim, conforme consignado no Relatório Final de Investigação do
CENIPA, fls. 121 e 122, que neste ponto não se mostrou omisso,
JOMARCELO foi assim avaliado:

3.15. ASPECTOS PSICOLÓGICOS


3.15.1. Variáveis Individuais
3.15.1.4.4. ATCO 1 (JOMARCELO) dos Setores 7,
8e9
O ATCO 1 dos Setores 7, 8 e 9 tinha 27 anos.
Ingressou no Comando da Aeronáutica em agosto de

135
1999, como S1, servindo no 2º/6º GAV, em Anápolis.
Realizou o concurso para o CFS, em 2001, optando
pela especialidade de BCT. Foi submetido ao exame de
aptidão psicológica no Instituto de Psicologia do
Comando da Aeronáutica (IPA), sendo considerado
“indicado” para a função. Foi aprovado no concurso,
ingressando na EEAR, na turma 1/2002 e classificado
na especialidade de BCT. Após a promoção a 3S, em
junho de 2003, foi classificado no CINDACTA I. No
ICEA realizou os cursos ATM 015, “Técnicas de
Operação Radar em Área Terminal e Rota” e ATM
016, “Formação Radar”, sendo considerado “apto”.
Sua Ficha de Desempenho Global, elaborada pelo
instrutor do curso do ICEA, continha o seguinte
comentário:
“Possui as habilidades necessárias ao desempenho das
funções de Controlador Radar. Apresentou maiores
dificuldades quando o volume de tráfego aéreo
aumentava. Atingiu satisfatoriamente os objetivos
propostos para esta fase do curso”.
O controlador realizou o estágio para homologação em
controle radar no CINDACTA I, tendo sido
apresentadas oito Fichas de Avaliação de Operadores
do ACC BS, referentes ao período de 16 JUL 2004 a
31 AGO 2004, das quais duas com conceito INAPTO.
As dificuldades apresentadas referiam-se a:
métodos de identificação secundária,
estabelecimento de prioridades, orientação quanto à
necessidade de efetuar anotação em strips
eletrônicas, deficiente controle emocional,
entonação de voz e pouca agilidade nas instruções.
Foi encaminhado ao Conselho Operacional em
setembro de 2004, o qual se realizou em dezembro do
mesmo ano, ficando sua homologação como
controlador condicionada à obtenção de mais duas
avaliações com conceito “APTO”. Há uma lacuna de
registros sobre o ATCO até abril de 2005, período
em que foi realizada uma avaliação, na qual o
ATCO obteve resultado APTO. Cabe ressaltar que o
avaliador comentou o longo período de tempo
decorrido desde o término da instrução e esta
avaliação. Existe uma outra lacuna, até 17 NOV 2005,
quando foi realizada a 1ª de três avaliações, nas quais

136
foi considerado APTO para a
homologação, a qual se efetivou em
dezembro de 2005.
No último TGE o resultado de sua avaliação no
idioma inglês foi “não satisfatório”.

Da avaliação acima se retira que JOMARCELO


apresentava sérios problemas de aptidão profissional, a julgar pelos termos
aqui empregados, verbis:
“As dificuldades apresentadas referiam-se a:
métodos de identificação secundária,
estabelecimento de prioridades, orientação quanto à
necessidade de efetuar anotação em strips
eletrônicas, deficiente controle emocional,
entonação de voz e pouca agilidade nas instruções”.

Corroborando o que o Relatório Final do CENIPA


acima apresentou em relação ao JOMARCELO, um dos seus avaliadores,
Wellington Rodrigues, que seguidamente o reprovara como inapto para
função, tendo chegado ao ponto de solicitar aos seus superiores que
encaminhassem o Acusado para outro examinador, porquanto não mudaria
o seu veredito sobre a inaptidão funcional do mesmo, em Juízo assim se
pronunciou:

ADV: Com relação ao controlador que estava no momento da


transição da.. por Brasília, o controlador Jomarcelo que chegou a ser
inclusive inclusive acusado de crime doloso, que depois foi convertido
em crime culposo. Esse controlador foi alvo de avaliação por parte do
senhor? O senhor tem ideia de como ele era avaliado? E qual era a
situação funcional dele perante os controladores mais experientes? Se
ele era recomendado para a posição? Se ele tinha preparo em língua
inglesa? O senhor poderia comentar as condições daquele operador,
naquele console?

Wellington: Jomarcelo sempre foi um controlador muito restrito,


sempre, é... eu acompanhei muito o Jomarcelo é... até mesmo o
português, por ser muito tímido, ele falava... uma pessoa muito
introvertida.. então, até para falar português era muito difícil. Era
um controlador que para mim não tinha condições de ser
controlador. É... isso ele... inglês nem se fale... é.. sem condições
nenhuma mesmo, para mim, era extremamente restrito. Ele
demorou mais, muito mais do que a turma dele para ser
homologado, ele ficou fazendo várias tentativas, vamos dizer
assim, e havia sempre aquela insistência de homologá-lo. Havia
essa insistência para homologá-lo. Infelizmente...

137
Juiz: Isso como assim... dele?
Wellington: Por parte da chefia mesmo, por parte da... pra que... ele...
ele sempre...
Juiz: O senhor sabe o motivo?
Wellington: Número. Infelizmente é isso, quantitativo. Controlador
sempre foi escasso. Então, a gente precisava de controlador
homologado é..
Adv: Então, pelo o que o senhor está dizendo, por critério técnico ele
não poderia ser. Foi por uma imposição, foi por uma ordem do
comando.
Wellington: Não chegou a ser assim: “eu quero que o Jomarcelo seja
homologado”. Mas a situação levava para que... a pressão... vamos
dizer assim... era assim... não era de forma assim: “eu quero, eu quero
eu quero”... mas a gente sabia da dificuldade do número de operadores
e havia sim essa pressão...
Juiz: Havia uma recomendação, então?
Wellington: Havia recomendação para que insistisse o máximo (Juiz:
recomendação, então?!). É. E... tinha hora que ele fazia uma avaliação
em situações em que não eram tão complexas, ele acaba sendo
aprovado, mas quando era exigido um pouco mais, ele era reprovado.
Então, chegou num ponto que eu não quis mais avaliá-lo, porque eu
falei que eu não queria mais é.. a palavra mesmo que eu disse é que eu
não queria responder num futuro por uma avaliação final dele,
avaliação final, eu cheguei a falar isso para um Tenente e infelizmente
aconteceu. Mas, tecnicamente, muito restrito, muito.

Nada mais incontroverso de que este JOMARCELO,


assim tão severamente avaliado como inapto, ou muito próximo disso para
a função, não poderia jamais estar a controlar três setores de uma só vez
agrupados, sem o auxílio de um assistente, constrangido até a coordenar
vôo tripulado por pilotos falantes de língua inglesa, sobre a qual restara
demonstrado incapaz. Soa mesmo temerário dizer que o JOMARCELO
precisaria de um Assistente, na medida em que nesta posição é que deveria
estar atuando, quando muito, e devidamente supervisionado.

Subordinado ao cumprimento de ordem não


manifestamente ilegal, qual seja a cumprir aquela escala de serviço
naquelas condições, como seria possível exigir de JOMARCELO que se
desempenhasse como se competente para tanto fosse? Será possível
desconhecer os limites naturais de uma pessoa e condená-la em desprezo
aos requisitos normativos exigíveis para a configuração da culpabilidade?
Evidentemente que não.

JOMARCELO, na pior das hipóteses mereceria a


dirimente da inexigibilidade de conduta diversa em sentido amplo, segundo
a feliz definição dada por Francisco de Assis Toledo, causa supralegal de
exclusão da culpabilidade que encontra acolhedores precedentes no STJ
(RHC 13.180 SP, 6ª turma, unânime, publicado em 20.02.2006; HC 16.865
Felix Fischer, 5ª turma, 04.02.2002).
138
Certo é que a escolha de um bode expiatório para as
falhas do Controle de Tráfego Aéreo Brasileiro, selecionado perversamente
no lado mais fraco da corrente, representará um severo desprestígio para a
Justiça, conquanto possa merecer o aplauso dos que teriam lá os seus
interesses contrariados, caso sobrevenha devido aclaramento da situação de
risco que se perpetua na anômala condução do negócio sobre o qual lucram
sem concorrência.
E quem usou a expressão bode expiatório, nas
persecuções que se movem contra os controladores, foi um familiar
enlutado, dentre aqueles vitimados no Vôo 1907:

Quarta, 27 de outubro de 2010, 13h55


Controlador foi bode expiatório, dizem famílias das vítimas
Ana Cláudia Barros

Familiares das vítimas do acidente com o voo 1907 durante


manifestação em Brasília, no ano de 2007 (Foto:Roosewelt
Pinheiro/Agência Brasil)
A Associação de Familiares e Amigos das Vítimas do Voo 1907
reagiu com receio à condenação do controlador de voo, sargento
Jomarcelo Fernandes, pelo acidente, em 2006, com o avião da Gol,
que carregava a bordo 154 passageiros, todos mortos na tragédia. A
aeronave viajava de Manaus para Brasília, quando foi atingida por
uma das asas de um jato Legacy. O desastre está entre os mais graves
da aviação brasileira.
O temor, segundo a presidente da associação, Angelita de Marchi,
viúva do executivo Plínio Luiz de Siqueira Júnior, é que a condenação
de Jomarcelo a 1 ano e 2 meses de prisão, pela Justiça Militar, sirva
para "encobrir a real causa do acidente".

Excelentíssimo Juiz, se aqueles que sofreram a mais


dolorosa perda assim se pronunciam, é preciso que também sejam avaliadas
as conseqüências de uma condenação injusta que serviria ao final “para
encobrir a real causa do acidente”.

139
Da mesma forma, a persecução movida contra
LUCIVANDO somente se entende quando se considera a má-fé pericial
com que se conduziram seus perseguidores.

Veja-se a partir das fls. 97 deste Memorial que


LUCIVANDO ao receber o Serviço de Controle dos setores 7, 8 e 9,
igualmente sem assistente, não tinha a obrigação de configurar as
frequências que lhes foram disponibilizadas, vez que tal encargo está fora
das atribuições do Controlador, sendo antes da responsabilidade do
Supervisor e do Chefe de Equipe, conforme Modelo Operacional vigente,
acima apresentado. Aliás, por qual motivo o Ministério Público Federal não
foi ao encalço do Chefe de Equipe, este que seria, em tese, responsável pela
alocação das frequências. Neste passo o MPF limitou-se a seguir a esteira
dos indiciamentos realizados pela Polícia Federal, apequenando assim, de
modo injusto, as suas prerrogativas.

Com o que manteve a perversa lógica do Comando da


Aeronáutica: a elite do oficialato resulta preservada, enquanto os
subordinados graduados são expostos à execração. Afinal, se se tem a quem
punir, preserva-se todo o status quo dominante. Tão óbvio, tão banal, tão
covarde e tão cruel que seria um escárnio fazer referências a Beccaria,
Foucault, Ferrajoli ou a qualquer humanista.

Ressalta-se, em adição ao que já se comprovou em


relação às falhas de comunicação, que há um equívoco em supor que
somente uma frequência estava alocada, conforme o laudo pericial da
Polícia Federal. Se mais de um setor estava sob o mesmo controle, e ali
estavam 3 (três) agrupados, obrigatoriamente havia mais freqüências
disponíveis. Por outro lado, a alocação de frequências obedece
a circunstâncias que se alteram a todo instante, razão pela qual são
atualizadas no briefing operacional que antecede cada mudança de turno.

Excelentíssimo Juiz, nenhum laudo retirará do


LUCIVANDO, e de todos que como ele trabalham, a convicção de ser
injusta a perseguição em curso na presente Ação. Veja-se que nem a
Aeronáutica abriu mão dos seus serviços, inobstante a sua condição de
acusado. Aliás, as suas claras respostas quanto a responsabilidade pela
disponibilização das frequências (17’ 10’’) não deixam dúvidas acerca da
sua própria consciência em relação ao seu papel na data dos fatos.

Por outra via, imaginar que há um avião passando em


momento posterior ao acidente seria possível reproduzir o que efetivamente
ocorrera naquele momento é desconhecer a variabilidade, a intermitência

140
das falhas tão largamente denunciadas por diversos documentos e
depoimentos (recorde-se o registro de um piloto da United, fls 66 deste,
que claramente expressou :“no communication offered by ATC Brasília
and Amazonica. We reached two clearance limits with no
communication”).

Como falar em negligência quando inúmeras foram as


tentativas de contato realizadas pelo LUCIVANDO, o que não se separa,
como pode parecer, da conduta da qual foi absolvido? Falar em negligência
na disponibilização das frequências, e buscar demonstrá-la inquirindo se o
Acusado as conhecia de cor, insistindo-se na identificação de frequências
que não estão dentro de suas atribuições, é algo que não se coaduna com a
realidade do controle de tráfego, dentro da perspectiva de um controlador.

A acusação que ainda pende contra LUCIVANDO,


portanto, lastreia-se em laudo que, por pior que tenha sido produzido não
permite efetiva contraperícia. Por uma simples razão, as situações de
disponibilidade ou não da frequência, e, pior ainda, se funcionariam ou não,
jamais serão possíveis de repetição, e mesmo já não seriam no dia seguinte,
considerando a intermitência acima apontada.

Veja-se o seguinte trecho do depoimento do


LUCIVANDO (36’38), que se deve ter como síntese da kafkaniana
situação em que ele se encontra;

“Eu infelizmente não tenho como dizer quais os motivos que


impediram dele falar comigo e eu falar com ele, mas que estava
com as frequências ativadas na posição de transmissão e
recepção para que seja (sic) utilizada no serviço, havia essa
condição. Não é á toa que eu tentei a comunicação já de cara,
perdão, já de início, eu rendi o serviço e já falei: fulano de tal,
chame a frequência 1359, restrito ao nível tal aguarde
informação de tráfego aéreo, enfim, ...então ...os fatores que
levam a frequência a funcionar ou não eu não sei, não sei
informar a Vossa Excelência”.

Deste depoimento, Excelentíssimo Juiz, bem assim das


sentenças absolutórias proferidas em favor do LUCIVANDO, neste
Processo e na Justiça Militar, ali absolvido integralmente, restou claro que
este diligente Controlador nunca fora negligente. Do seu próprio
temperamento fica claro que jamais seria omisso. Nenhum traço de
inverdade, ou de falseamento da realidade, se extrai do seu sincero
depoimento. PORÉM, o LUCIVANDO corre o riso de ver-se condenado
em face do que não é possível se defender: de um laudo mendaz, e incapaz

141
de ser desmascarado, porquanto irrepetíveis são as condições normais de
temperatura e pressão da atmosfera daquele dia em que foi falsamente
produzido.

Em síntese, Excelentíssimo Juiz, se os documentos


trazidos aos autos não forem suficientes para formar a sua convicção a
respeito da ausência de negligência por parte do LUCIVANDO, que Vossa
Excelência reabra a instrução e busque ouvir, em videoconferência, como
foi concedido aos pilotos, embora por tempo e motivo diverso, a
oportunidade de trazer a opinião dos especialistas estrangeiros que não se
recusarão a prestar suas abalizadas, idôneas e isentas expressões técnicas,
de valor contrapericial, acerca de todo o fato.

Pois é, ainda bem que um Juiz não julga adstrito a


laudos periciais tão falhos como este que se produziu. Como entender que
somente neste laudo de segunda mão, produzido segundo o que foi passado
pelo CENIPA, conforme disse textualmente o Brigadeiro Kersul, pode
obnubilar o que toda a documentação trazida aos autos comprova: a
constância de falhas de comunicação radar na região em que se deu o fato?

E, por todas as luzes, responda-se: onde estaria a


previsibilidade objetiva de uma colisão superveniente na conduta do
LUCIVANDO? Depois das inúmeras tentativas de contato com o N600XL,
conforme assim já absolvido, impossível assim admitir. E não se fale de
imperícia na alocação de frequências que não era de sua responsabilidade,
para ao final acrescentar a previsibilidade daquele concreto sinistro daí
decorrente.

NÃO SE PODE ESQUECER QUE LUCIVANDO


RECEBEU O CONTROLE DO N600XL COMO SE ESTIVERA
AQUELA AERONAVE EM SEU NÍVEL CORRETO, O 360, EM UMA
AEROVIA A ESSA ALTITUDE ADEQUADA, A UZ6, E NENHUMA
INFORMAÇÃO DISPUNHA DE OUTRA AERONAVE EM SENTIDO
CONTRÁRIO, PORQUANTO, NUNCA É DEMAIS REPETIR, ELE
QUE CONTROLAVA A REGIÃO NÃO DISPUNHA DE
VISUALIZAÇÃO RADAR E TAMPOUCO RECEBERA QUALQUER
REFERÊNCIA DO PR-GTD QUE VIRIA EM SENTIDO CONTRÁRIO.
E MESMO QUE RECEBESSE A INFORMAÇÃO ESTARIA
TRANQUILO QUANTO AO CORRETO ESPAÇAMENTO VERTICAL

Tudo isso posto, que venha a JUSTIÇA, esta que não


se intimida ante opiniões nacionais ou estrangeiras, esta que não se
apequena ante avaliações ou interesses externos à própria consciência do

142
julgador. E não se diga que caberia ao descontente socorrer-se da segunda
instância, porquanto a indignação em face da sentença injusta não se
esquece jamais.
Ante a absoluta falta de provas idôneas e motivos para
condenar, espera-se as absolvições de JOMARCELO e LUCIVANDO,
estes que já foram considerados também como vítimas, o que foi dito pelos
próprios familiares dos que perderam a vida na tragédia do vôo 1907.

Mais do que absolvê-los, contudo, a realização da


JUSTIÇA reclamaria fosse provocado o Ministério Público Federal a
promover, ou provocar a promoção da pertinente Ação Penal em face dos
verdadeiros causadores da fatídica colisão, suprindo assim a carência de
legitimação ativa que impediu que a Suprema Corte Brasileira pudesse
julgar os que, ao que tudo indica, remanescerão impunes.

São os pedidos.

Brasília, 16 de maio de 2011

Roberto Catarino da Silva Sobral


OAB-DF 13.839

143

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