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O CEMITÉRIO DE DJELFA1

8 de março de 19612

Você não deve lembrar do Pardiñas. Ou, talvez, sim, mas acho difícil. Se não estou errado, a
última vez que a gente se viu foi em 1945, quando vocês saíram, quase os últimos, para Argel. Em
seguida me escreveu de Casablanca; no ano seguinte, um cartão de Veracruz. Depois, nada. Não
tem nada de estranho, até parece natural. Como ia supor que eu continuava em Djelfa?
Pois, sim, aqui fiquei, entre outras coisas, porque não havia razões para que não o fizesse.
O que tinha perdido no resto do mundo, não querendo voltar para a Espanha? Já não tinha família
ou a que restava não queria saber de mim nem eu dela. Não imagine que não pensei em voltar para
Córdoba, mas a profissão de tijoleiro não era mais atrativa que a de marceneiro, e até menos, e,
pelo que soube, não teriam me devolvido o meu posto de professor.
Quantos tijolos fiz em Djelfa nos primeiros meses antes de poder entrar na oficina de
Mustafá ─ como lhe chamávamos? E decidido a continuar como marceneiro estava bem com ele e
seus filhos e Cata, a moça. Os árabes têm isso de bom: quando te aceitam, o fazem completamente;
por uma mesquita a mais ou a menos a gente não ia brigar, sem levar em conta que Mustafá e
companhia não ligavam para a Meca. Não pense que aqui todos são maometanos praticantes. Nisso
são bastante parecidos conosco (nisso e em muitas outras coisas).
─ Acreditar em Deus ─ lembra o que dizia Herrera? ─ é uma covardia: o que tem de se
fazer é um mundo onde as pessoas se divirtam o máximo possível.
Herrera era um cara curioso. Gostaria de saber o que aconteceu com ele 3.
─ Chamam de caridade, em Sevilha, atrasar dez minutos o relógio que aponta a morte de
quem vai ser executado ─ também dizia. Parece que era verdade, que até anda escrito nos livros.
Eu, que me fodi antes de sair de Córdoba, só consigo lembrar que na questão da hora, na realidade,
a adiantavam ─ ou éramos nós que a adiantávamos quando era a nossa vez.
Lembra daquele francês, ou sei lá o que era, que dizia que a Espanha não era um país
galante? Pois, a Cata ficou comigo porque disse que nunca tinha encontrado um homem mais
galante do que eu. Tudo porque uma vez ─ a primeira ─ ofereci levar a sua carga de lenha.
E aquele outro louco ─ Cañizares? ─ que compunha versos, ou que pensava que
compunha:

Do deserto venho
de servir à França
da servi-la, não,
que foi ela que se serviu...

As pessoas dizem: Mata ele!, e as pessoas se matam. As pessoas dizem: trabalha!, e as


pessoas trabalham. E fazem o seu caixa.
Lembra daquele judeu que não queria trabalhar aos sábados? Aquele que, vira e mexe,
mandavam ao campo disciplinatório? Ele também ficou aqui. Tinha mudado muitas vezes de campo,
1 Esta tradução, para fins didáticos, pretende ser o mais literal possível, quer dizer, não foi realizado um trabalho
lingüístico aprofundado, por isso a sua leitura dever ser acompanhada da leitura da versão em espanhol. [N.T]
2 Recebida em 17 de maio, manchado e rasgado o envelope, com uma nota da Administração dos Correios de

México (n0 5) que dizia: “Foi assim recebida”.


3 Morreu na frente de batalha. Frente ao Rin, nos últimos dias da guerra.
trabalhando “sob chicote ─ falava ─ muitos sábados”. Foi trabalhar com Mohamed ben Cara, o
joalheiro. Quem foi condenado a seis anos de cárcere é Gribouille ─ ou como quer que seja que se
chamasse ─, aquele sargento que batia com a sua chibata em qualquer um: por errar o nome, por
responder “presente” antes ou depois do tempo, por dar dinheiro para um que fugiu (sem o saber: foi
Barbena que levou a culpa, lembra?). O mesmo que pendurou de cabeça pra baixo o Malagueño,
subiu sobre ele e bateu-lhe na sola dos pés. No quesito torturas o mundo não avança muito. Não dá
para acreditar com a quantidade de inventos que existem. Mas, pode haver dor maior do que te
arrancarem as unhas? E isso é tão velho quanto o mundo.
Lembra do Bernardo Bernal de Barruecos? O três B como a gente o chamava gozando dele.
Tinha sido interventor do Banco de Espanha. Quem o conhecia, o chamava de o Velho da Gravata,
porque nunca deixou de usá-la, mesmo quando não teve camisa. Lembra? Alto, magro (aliás, todos
chegamos a estar magros), que bebia leite todas as manhãs. De onde o tirava?
─ Eu não quero morrer ─ dizia ─. Não quero morrer aqui.
Uma manhã não respondeu. Entrou Makrani Ahmede Ben Alí na tenda. Dom Bernardo não
se mexia, estava como morto. O mouro deu ordem de que o levassem ao depósito, no povoado. Tá
lembrando?
Levaram ele numa maca. No meio do caminho, soluçou. Chamaram o sargento. Sim, você
deve lembrar o que ele respondeu:
─ Larguem ele na prisão até morrer. Já dei o seu lugar para um outro e o apaguei da lista...
O ódio junta o que a fé separa. E já entro no motivo desta carta que está grande de
propósito porque não vou escrever uma outra e tenho horas pela frente até o amanhecer. É
suficiente gritar: ─ Morra X! para que os maiores inimigos se juntem para exterminá-lo. Não haveria
forma de inventar um ódio ao contrário? Um ódio positivo? A única união que houve entre nós,
espanhóis ─ e agora entre árabes e cabildenhos ─ é a do ódio. Nunca a amizade ou o progresso. O
futuro da nossa guerra, e desta, sempre esteve ─ está ─ condicionado à segurança de que nos
matemos entre nós depois da vitória.
Lágrimas sem palavras. Lembra dos que choravam por não saber cantar? Eu vi chorar
alguém por não saber falar.
Você não imagina aonde quero chegar. Não se preocupe. Leia. Já verá. Lembra de Djelfa?
Do campo, dos cinco choupos, da única árvore florida que, segundo aquele trecho das
Internacionais4, era toda a paisagem?
Gemas de forte verde

ou alguma coisa parecida. Não me lembro: o que é verdade é que aqui quase nunca há verde
macio; de noite até de manhã, velho. Lembra da mula do engenho com a venda vermelha sobre os
olhos? E o que perguntavam pra gente quando chegávamos: A sua religião? Sabe ler? Sim? Pois
leia o regulamento. E as filas de emagrados ─ como falava Marcel que se dizia daqueles que
desmaiavam de fome. E a resposta do comandante pra aquele velho: Se você vai morrer para que
quer a liberdade?
Ao comandante não lhe fizeram nada. Parece que consideraram que fora suficiente perder a
guerra.
Pensávamos então na liberdade, mas não na nossa. Sabe: sigo pensando mais ou menos o
mesmo. Existe o amor ─ tenho três filhos ─, mas o afã de justiça, o anseio de acabar com o que

4Brigadas internacionais, combatentes voluntários do mundo inteiro que foram lutar na Guerra Civil Espanhola, a favor
da República. [N.T]
não deveria ser não tem relação com a minha mulher: são as vísceras da gente que gritam:
Liberdade!
Conhecemos muitos anos de desgraça. Primeiro foi a nossa guerra, depois a de todos (que
foi a mais curta e menos importante) e agora ─ faz anos ─ esta daqui. Se eu disser para você que
não tomo partido, mentiria.
Com a desgraça acontece o mesmo que com o fogo e o aço: tempera, enrijece. O mesmo a
guerra. De ’36 a ’61, vai contando. Quase estou dizendo: mais ganha quem mais perde. Quase,
porque não é verdade.
Por outro lado, o calor e o frio, extremados, continuam sendo os mesmos. E as lombadas.
Quem as muda? Os homens, sim, são diferentes. Quer dizer, matam-se ─ nos acabamos ─ de
outra forma.
Escrevo solto para ver se você se lembra melhor deixando sua imaginação voar. Se digo as
coisas como são, parece pouco: tem que buscar referências e ir amarrando-as com uma corda. As
palavras são tão pobres frente aos sentimentos que há que se lançar mão de mil truques para achar
o reflexo da realidade. Como no cinema: sobrepor imagens, rodar ao contrário, colocar anteparos,
filmar mais rápido ou mais devagar que a verdade. Se instalar a câmera frente aos atores, à luz do
sol, e filmar a cena completa não haverá quem agüente. O bom pano guardado na arca apodrece.
Tem que arrumar as vitrines.
Chega Sidi el Hayachi. Depois continuo.
Mais ensina o ruim que o bom. Aos ruins ─ aliás ─ ninguém ensina nada. Só ensina ─ e
mata ─ a dor; a felicidade engana, quando a gente quer entender como foi, já passou. Mas ─ na
verdade ─ as coisas não são lembradas por boas ou ruins, mas por profundas. (Como uma pedra
preta ─ do meu povoado ─ certa de que a farinha não era filha da tritura e sim de si mesma.)
Todos fomos colônias e deixamos de sê-lo. A Ásia Menor é o exemplo mais ilustre. A
América, hoje; amanhã, isto. A bazuca é o único que achou o homem para avançar. A verdade:
antes de chegarem os franceses, aqui não havia nem cidadela nem prefeitura... Para um país, um
exército vencido é mais perigoso que o vencedor. O que faz? O que vai fazer? Volta-se contra si
mesma a acre vergonha da derrota. Sempre achará civis culpáveis para esmagar. Mais cedo ou
mais tarde. É um movimento lento, mas seguro. O exército não engole se ver humilhado por civis.
Revanche não é vingança. O ’98 espanhol levou ao ’235; o ’18 alemão, ao ’336; a derrota francesa
em 19407 olha o que reservava.
Lembra de Gravela? Cabeçorra em cone, boina encaixada, o cabelo ralo, sem dentes, a
jaqueta remendada, botas de montar, o fuste sempre na mão, o capote pardo no ar mostrando a sua
autoridade e dois cornos como duas torres no lugar do “que tem que ter”.
Foi condenado a vinte anos. Depois de quatro já andava por aqui, agora está em Orão,
arrimo da OAS8. Não estranharia se voltasse a vê-lo qualquer dia por aqui, mesmo sendo cadáver,
comitre de outro campo de concentração.

5 Em 1998, a Espanha, que tinha sido um grande império (onde “nunca anoitecia”, se dizia), perde as últimas colônias
(Cuba, Puerto Rico e Filipinas); em 1923, começa a primeira ditadura do século XX, na Espanha, ao mando do general
Miguel Primo de Rivera. [N.T]
6 Em 1918,a Alemanha perde a Primeira Guerra Mundial e 1933 marca a ascensão do nazismo. (Nota do tradutor)
7 A Alemanha nazista invade a França. [N.T]
8 A O.A.S. (Organisation de l’Armée Secrète) era uma organização terrorista francesa de extrema-direita, chefiada pelo

General Raoul Salan e que foi criada em 1961 na seqüência da tentativa de golpe de Estado levada a cabo por Maurice
Challe, André Zeller e Edmond Jouhaud. Logo após o referendo que permitiu a autodeterminação da Argélia, a O.A.S. foi
a principal organização radicalmente contrária ao processo de descolonialização. Entre os seus partidários encontrou-se
Nos primeiros quatro anos desta, a sua guerra civil, aqui em Djelfa, não aconteceu grande
coisa. Pagávamos o nosso quinhão ao FLN9, foram embora vários jovens e não houve mais.
Faz uns dois anos as coisas mudaram. Chegaram os harkas10. A tropa francesa começou a
“espicaçar”, levar gente; outros afluíram voluntariamente. Você conhece as tribos, algumas se
refugiaram na sombra do forte Caffarelli, outras desapareceram. Houve atentados, emboscadas,
trilhas e estradas minadas. Aumentou o trabalho na marcenaria, pelos ataúdes.
É agora vou contar simplesmente o que motiva estas linhas porque, agora sim, você deve
lembrar de mim. Pardiñas, cara!, o do lábio partido. O que dormia na mesma tenda que você, no
campo de castigo, o que tinha sido professor da escola na República11.
Você também deve lembrar do cemitério. As lombadas ralas, a tenda ─ a de verdade, com a
sua meia esfera enfiada no cubo rebocado ─ do outro lado do riacho, o bloco escuro do forte, o
povoado empoeirado. Nada mudou desde que você trabalhava fazendo “o campo esportivo” para a
grande glória e negócio do comandante. Também não o cemitério.
Faz uns dias houve um encontro. Uma verdadeira batalha campal, feroz. Uma batalha de
verdade, como as da nossa guerra: morteiros, metralhadoras. Os aviões chegaram tarde e
danificados, já não sobrava ninguém. Houve muitos mortos, mais de cem fellagas12, uns vinte
europeus ─ não estou dizendo franceses. O encontro foi perto do cemitério, ou melhor, em volta
dele.
Vinte ataúdes tivemos que fazer a toda velocidade; assim ficaram. Havia quatro feitos, que
não estavam mal; um cabo não entrou num deles e o caixão foi para outro, sem galões, da Legião.
Os outros...
O problema eram os indígenas, os revolucionários, os fellagas. Ir enterrá-los nos cemitério
mouro era uma imprudência. Aquelas colinas eram espreitadas; não era questão de mandar limpar
nem essa noite nem no dia seguinte.
Você lembra do cemitério: de um lado os ricos com seus anjinhos e suas sepulturas de
pedra. Do outro...
Alinhamos decentemente os soldados franceses com as suas lápides numeradas e as suas
cruzes.
─ E naquele canto? ─ perguntou um capitão.
─ Espanhóis.
Já imagina quais, os que aqui morreram ─ no campo ─ há vinte anos. Também, você deve
lembrar, colocamos neles as suas placas e os seus nomes.
─ Já estão bem podres. Quem lembra isso? Os empilham ou jogam eles do outro lado do
muro. E no buraco amontoam estes cachorros (pelos indígenas).
Era o que queria te contar. Cavaram ─ os árabes que trabalham aqui ─, jogaram fora os
poucos ossos que sobraram daqueles que morreram então. Só lembro de alguns nomes, alguma
coisa significaram para você:

um número elevado de militantes neofascistas, recrutado, principalmente, em Orão e Argel. Após o fracasso das suas
atividades terroristas, a maioria dos seus membros refugiou-se no sul de França onde, anos mais tarde, viria a nascer a
Frente Nacional. [Carlos Pinto de Abreu –
http://www.oa.pt/Publicacoes/Boletim/detalhe_artigo.aspx?idc=30777&idsc=58269&idr=2933&ida=58181] [N.T]
9 FALTA COLOCAR [N.T]
10 FALTA COLOCAR [N.T]
11 FALTA COLOCAR [N.T]
12 Combatentes nacionalistas da Tunísia e da Argélia que lutaram para libertar os seus países da ocupação francesa.

[N.T]
O Madriles, aquele emagrado que acabou louco; Julián Castillo, esse velho que era todo
molezas; Manuel Vázquez, o galego mais xingador que conhecemos; Ramón González, também
galego, de Orense, que odiava Vázquez porque era de Pontevedra; José Murgía, o porco atarracado
que fedia, que morreu comido pelos percevejos; Gustavo Catalá, que se achava esperto e não era
mais que um lambe-cu; Rogelio Márquez, tão grande quanto calado e bobão, Domingo López, o
anarquista difícil que passava o tempo falando mal, de um ou de outro; Juan Morales, o canário
triste; Enrique Hernández, que se vangloriava de ser campeão de xadrez da Arganzuela; Luis
Garrote, que foi ajudante de Miaja; Sebastián Morales, o motorista que tentou fugir e que agüentou
as sete surras de Gravela; Luis Bueno, o que foi mais vezes amarrado aos postes, na neve, naquele
inverno de 1942, quando ainda estavam verdes as nossas esperanças; Bernardo Bueno, o médico...
Quando acharam que tinha lugar suficiente, amontoaram os fellagas, no entanto, algo deve
ter sobrado dos nossos.
Tinha razão o capitão: quem os lembra? Quem vai lhes agradecer que morressem aqui, nos
confins do Atlas saariano por defender a liberdade espanhola? Ninguém, absolutamente ninguém.
Claro, mais morreram na Alemanha. Mas eu não os vi. Estes, sim. Conto tal como aconteceu, por
contar para alguém. Não podia dormir esta noite e tinha o teu endereço, pelo menos o que você me
deu no seu cartão de Veracruz. Talvez chegue: as pessoas mudam de casa menos do que a gente
crê. Assim que podem, ficam. A verdade: aqueles criaram minhocas há quase vinte anos. Outros
duram menos. As árvores não mudaram, nem há mais. A terra continua se levantando para o poente
fazendo com que a entrada da noite seja mais rápida.

(A verdade foi um pouco diferente:


─ Cavem aí ─ disse o suboficial.
─ Está cheio de ossos.
─ Joguem fora onde bem entenderem. Cavem e enterrem estes filhos da puta.
Provavelmente teve vergonha de escrever isso tão diretamente. Os homens sempre enrolam
as coisas.)

Ah! ─ termina dizendo a carta da Lebre, como a gente chamava o Pardiñas ─, esquecia de
te dizer ─ ou não queria, não sei ─ que vão me fuzilar amanhã. Que amanhã, que nada! Hoje, daqui
a pouco, porque dizem que as minhas mãos cheiravam pólvora. Esquecem que foi assim que
nascemos.

Max Aub. Enero sin nombre


(Traducción al portugués: Gra y Sérgio)

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