Eliana AYOUB*
*
Faculdade de Educação da Universidade de Campinas.
caracteriza-se como uma das linguagens construir, desde que se cuide para a
fundamentais a serem trabalhadas na infância. A ocorrência disto (Oliveira, 1996, p.137).
riqueza de possibilidades da linguagem corporal Favorecer a brincadeira no contexto
revela um universo a ser vivenciado, conhecido, da educação infantil não pode levar a uma atitude
desfrutado, com prazer e alegria. Criança é quase de “laissez faire” - abandono pedagógico, de abrir
sinônimo de movimento; movimentando-se ela se mão da mediação do adulto no processo educativo
descobre, descobre o outro, descobre o mundo à com a criança. Ao contrário, é no contexto da
sua volta e suas múltiplas linguagens. Criança é brincadeira que precisamos aprender a realizar o
quase sinônimo de brincar; brincando ela se nosso papel: “ (...) o papel do professor como
descobre, descobre o outro, descobre o mundo à mediador, intencional e explícito, do processo de
sua volta e suas múltiplas linguagens. Descobrir, elaboração dos conceitos sistematizados na
descobrir-se. Des-cobrir, tirar a cobertura, mostrar, relação de ensino” (Fontana, 1996, p.43).
mostrar-se, decifrar... Alfabetizar-se nas múltiplas De acordo com o Grupo de Estudos
linguagens do mundo e da sua cultura. Ampliado de Educação Física (1996, p.64)4:
A contribuição da educação física na
Na Educação Física a cultura
educação infantil, “ (...) para ser relevante e
corporal/de movimento traz no seu
justificada, precisa auxiliar na leitura do mundo,
campo-objeto de conhecimento,
por parte das crianças com as quais trabalha,
manifestações corporais já presentes na
partindo do pressuposto da construção de si
vida das crianças, que deverão ser
mesmo, no decorrer desse processo de
tematizadas com elas, não só na aula
‘alfabetização’” (Grupo de Estudos Ampliado de
dessa disciplina, como também em
Educação Física, 1996, p.51).
outros momentos, atendendo assim, a
A educação física na educação
perspectiva de articulação a ser
infantil pode configurar-se como um espaço em
desenvolvida pela equipe pedagógica
que a criança brinque com a linguagem corporal,
(grifos meus).
com o corpo, com o movimento, alfabetizando-se
nessa linguagem. Brincar com a linguagem
corporal significa criar situações nas quais a Sob essa ótica, a linguagem corporal
criança entre em contato com diferentes não é uma “propriedade” da educação física e,
manifestações da cultura corporal (entendida como embora seja a sua especificidade, deve ser
as diferentes práticas corporais elaboradas pelos trabalhada em outros momentos da jornada
seres humanos ao longo da história, cujos educativa, tendo a dimensão lúdica como princípio
significados foram sendo tecidos nos diversos norteador.
contextos sócio-culturais3), sobretudo aquelas Considerando as especificidades da
relacionadas aos jogos e brincadeiras, às ginásticas, educação infantil e da educação física, qual o(a)
às danças e às atividades circenses, sempre tendo profissional que deveria trabalhar com a educação
em vista a dimensão lúdica como elemento física nesse nível de ensino?
essencial para a ação educativa na infância. Ação
que se constrói na relação criança/adulto e Constata-se que, “ (...)
criança/criança e que não pode prescindir da tradicionalmente, não há, nos cursos de
orientação do(a) professor(a): licenciatura em Educação Física, uma
(...) deixar a criança brincar como preocupação em formar professoras para
queira, como se jogar fosse algo da intervirem na educação de zero a seis anos”
(Sayão, 1999, p.223). Quando essa preocupação
natureza biológica da espécie, que não
existe, na maioria das vezes, a formação fica
necessita de suportes culturais. Assume-
restrita ao aprendizado de um conjunto de
se, então, uma ‘concepção’
espontaneísta de educação que afasta o atividades corporais (especialmente jogos e
professor como figura de interação e brincadeiras) para serem desenvolvidas com as
crianças de acordo com as diferentes faixas etárias.
interlocução, ou seja, como parceiro da
As discussões em torno da educação infantil como
criança em seu processo de
um todo, suas problemáticas específicas e suas
desenvolvimento, ignorando que neste
processo certas noções estão se relações mais amplas com o contexto educacional
construindo, ou antes, poderão se brasileiro, parecem não fazer parte da formação
dos(as) licenciados(as) em educação física.
4. Este grupo foi constituído a partir de uma parceria FARIA, A.L.G.; PALHARES, M.S., orgs. Educação
entre o Núcleo de Estudos Pedagógicos da infantil pós LDB: rumos e desafios. Campinas,
Educação Física da Universidade Federal de Santa Autores Associados/FE/UNICAMP, 1999.
Catarina (NEPEF/UFSC) e a Divisão de Educação FONTANA, R.A.C. Como nos tornamos professoras?
Física da Secretaria Municipal de Educação da Belo Horizonte, Autêntica, 2000.
Prefeitura de Florianópolis/SC (SME de _____. Mediação pedagógica na sala de aula. 2.ed.
Florianópolis/SC), cujos trabalhos desenvolvidos, Campinas, Autores Associados, 1996.
ao longo de quatro anos, foram publicados num FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes
Caderno de Educação Física intitulado “ Diretrizes necessários à prática educativa. 2.ed. Rio de
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fundamental e na educação infantil da rede GRUPO DE ESTUDOS AMPLIADO DE EDUCAÇÃO
municipal de Florianópolis-SC” (1996). FÍSICA. Diretrizes curriculares para a educação
5. Sou responsável pelas disciplinas “Prática de física no ensino fundamental e na educação
Ensino de Educação Física e Estágio infantil da rede municipal de Florianópolis-SC:
Supervisionado I e II” do Curso de Licenciatura da registro da parceria NEPEF/UFSC-
Faculdade de Educação Física da Unicamp, desde SME/Florianópolis, 1993 a 1996. Florianópolis,
1998. NEPEF/UFSC-SME, 1996.
6. Uma experiência nesse sentido foi relatada no artigo KISHIMOTO, T.M. Política de formação profissional
“ Uma proposta de abordagem do tema JOGO no para a educação infantil: pedagogia e normal
contexto da Educação Física Escolar” (Ayoub, superior. Educação & Sociedade: formação de
1999). profissionais da educação: políticas e tendências,
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