Prof. Luiz Eduardo Figueira Thais Vianna Magalhães
Resenha e crítica do filme Tolerância Zero (2001) de Henry Bean
Somos orientados ao estudo do filme acima descrito, baseado na história real de
Daniel Burros. Antes de discorrer sobre a obra que foi originada á partir da vida deste homem, gostaria de acrescentar algumas informações sobre ele, que ajudam a entender o interesse do diretor em reproduzi-la e também a refletir. No final da breve explanação sobre Daniel “Dan” Burros, exporei meu questionamento e minha opinião, sendo esta apenas isso, uma opinião, pois julgo que se fazem necessárias análises mais aprofundadas em diferentes áreas científicas para o desenvolvimento de algo que vá um pouco além, uma tese por exemplo. De origem judaica, Daniel nunca se destacou nos seus anos acadêmicos por ter um porte atlético, por ser forte ou habilidoso de forma alguma quando se tratava de esportes. Entretanto, era dotado de uma inteligência acima da média e se destacava por sua habilidade de argumentação. Era frustrado com essa fatal discrepância de capacidades, e desenvolveu o que chegava a aparentar paranóia e distúrbio quando se tratava de participar de competições desportivas. Tentou sem sucesso ingressar na Academia Militar Norte Americana, mas sem desistir de seu propósito militar, se alistou na Guarda Nacional e utilizava os uniformes mesmo durantes as aulas do colégio de ensino médio o qual atendia. Ao alcançar a idade necessária, Daniel se alistou no exército americano, do qual foi expulso após recorrentes falsas tentativas de suicídio, inclusive citando Hitler em um dos seus derradeiros bilhetes. Ingressou por fim no Partido Nazista Americano de George Lincoln Rockwell, quando seu comportamento começou a chamar a atenção dos colegas por ser, para mais clara descrição, típico de alguém acometido por distúrbios mentais. No filme ocorre uma suavização do personagem, possivelmente para aqueles que desconhecem o aspecto biográfico inserido na trama aproveitarem um pouco mais o protagonista enquanto ser humano e analisarem seu dilema pessoal como de um Self-hating Jew com ainda alguma clareza mental. O verdadeiro Daniel era, na verdade, uma pessoa doente. Ocasionalmente, levava típica comida judaica para a sede do partido e se banqueteava exibindo-se para os colegas. Namorava mulheres judias ao mesmo tempo em que se banhava com um sabonete com as inscrições “Feito de pura gordura judia”. Lembrando que, a definição self-hating jew é polêmica, pois muitas vezes é tida como apenas uma forma de ataque dos inimigos políticos de uma classe de pessoas que na verdade são apenas menos fanáticas ou por razões diversas se colocam contra algumas atitudes do “partido judeu”. Esclareço que me utilizo dessa expressão apenas no sentido de diagnóstico social, sem entrar no mérito de sua origem ou utilização corrompida. O personagem, em contrapartida com o alguém que o inspirou se mostra mais humano. Na Nova Iorque contemporânea conhecemos o jovem Daniel Balint, de criação judaico ortodoxa que no decorrer de sua vida enfrenta dilemas que o levam a mudar drasticamente sua concepção de mundo para outro extremo: o anti-semitismo. Dono de forte senso crítico e se utilizando de uma maneira um tanto quanto ferrenha de expor sua opinião, o jovem acabou ganhando respeito na comunidade neonazista. O auge de sua atitude se deu com seu ingresso em um grupo de auto- intitulado e conhecido internacionalmente como Skinheads. A comunidade skinhead abrange todo um código de vestuário, gosto musical, e culto á masculinidade, e se encontra dividida em variados grupos com diferentes posições políticas. Com essa afirmação, evito cair no mérito das generalizações. Atualmente, entretanto, a definição skinhead vem acompanhada dos seguintes adjetivos: conservadorismo, racismo, homofobia, direita, nacionalismo e anticomunismo. Todas essas palavras que alcançam as pessoas, acompanhadas das tristes e apavorantes notícias de desrespeito, intolerância e crueldade que recebemos quando o assunto é movimento skinhead fatalmente puxam outro adjetivo: neonazismo. A triste existência confusa de Daniel tem seu fim quando ele se arrepende de plantar uma bomba em uma sinagoga e evacua o local, morrendo durante a situação. O que podemos extrair de uma história de vida como esta, é que essa pessoa nunca conseguiu se aceitar, porque estava presa dentro de convenções sociais nas quais não se encaixava. Daniel nutria ódio pelo povo judaico, apesar de ser judeu, o que levou a atitudes extremadas e ao suicídio. Rótulos, definições, uma história que ele não escreveu. Os desequilíbrios emocionais e psíquicos levaram Daniel a uma jornada inglória, o que dizer da parcela da sociedade que não somente realmente crê em qualquer tipo de superioridade racial como também, e pior, repassa essa crença para seus filhos? Ser judeu, ser um nazista. Ambas as definições são convenções sociais, não naturais. Aqui, posso começar a traçar o paralelo da obra cinematográfica com o texto de Norberto Bobbio sobre os direitos humanos. Existe de fato, algum direito pertinente a natureza humana? Algum direito que, deve estar acima das diferenciações históricas, algum direito que, entre cada um que seja pertencente a espécie Homo Sapiens, deve ser defendido, respeitado, implantado em cada parte do mundo em que habitamos ? Bobbio considera isso uma ilusão comum aos jusnaturalistas que supunham ter encontrado um fundamento absoluto, aquele ao qual não caberia discussão. O homem que dele discordasse, seria um homem mal, injusto, ou louco. Porém, os direitos humanos, aqueles que se aplicam para o homem enquanto homem, aqueles que, quando desrespeitados justificam uma revolução para fazer valê-los, estes também são convenções, não são naturais do ponto de vista de Bobbio. Até mesmo a definição de ser humano mudou durante os séculos, durante uma era sombria quando o assunto é humanismo, o negro não era homem, e, na concepção nazista, o judeu, mesmo que homem, não é tão homem quanto ele. Isso nos leva a ver que mesmo a liberdade, o direito a vida, a propriedade privada, bastante populares na comunidade ocidental já foram legalmente negados a seres humanos. Para citar o próprio Bobbio, apesar de a história humana parecer velha, ainda há um longo caminho a percorrer. A Declaração Universal dos Direitos Humanos parece ser uma boa compilação de direitos, os quais podem ser chamados universais porque contam com a aprovação dos que tem voz para assim dizê-los. Concluí-se que então, a discussão sobre estes direitos será infinita, ou talvez, nem ao menos caiba classificá-la assim, pois a busca do fundamento absoluto é vã. O mais importante seria então, relembrar aqui Jackson Figueiredo: a vida vale sobre tudo como oportunidade para aperfeiçoar-nos, o Direito, em razão de sua própria estrutura e destinação representa uma das dimensões essenciais da vida humana. Desta forma, olhemos em volta e, da maneira que estiver ao nosso alcance, nos coloquemos na busca do respeito aos direitos que historicamente se mostraram mais sólidos e, também percebamos que, se não nos for possível decidir ou argumentar em favor deste ou outro direito enquanto mais válido que outro, que não nos falte clareza para perceber quando estivermos sendo privados deles de forma que nos falte algo essencial para exercer a bondade, a justiça e a sanidade de forma a alcançar a melhor forma enquanto seres humanos. E que tenhamos também, posicionamento perante aos repressores, sejam eles nossos repressores, ou repressores dos nossos iguais em termos de humanidade, ou, até mesmo e principalmente, aqueles que por convenção social se pareçam mais iguais que outros, se por acaso este tipo de escuridão se abater sobre nós.