ABSTRACT: It is intended here to show the noir stylistic and narrative conventions,
focusing on American film noir, which had its heyday during the 40s and mid-50s,
twentieth century. Distant heir of the feuilleton and close to the Italian neo-realism, the
French poetic realism and German surrealism, in addition to pulps narratives , the noir
evolves, pleasing, even today, under different guises (neo-noir), to different audiences.
Such aesthetic is resulted from social, historical and cultural aspects of America of that
time, portrayed in the narratives of gangster on the 30s, originated from a bitter and
disillusioned America, after the stock market crash in 1929, the rising urban crime and
the Prohibition.
KEYWORDS: noir novel. Noir film. The neo-noir.
1. A TÍTULO DE INTRODUÇÃO
variados, inclusive o crime e a sedução, para alcançar seu objetivo: dinheiro. Duas são
as palavras-chave dessas narrativas − curiosidade e entretenimento − que irão
incrementar a vendagem dos jornais e que serão chamadas de "literatura mercantil" e
"narcótico popular" por Gramsci, "literatura industrial" por Saint-Beuve, e que levarão
Walter Benjamin a falar do "caráter de mercadoria" da obra de arte.
Se a literatura se torna mercadoria a ser vendida, deve agradar, ou melhor,
conquistar o grande público. Esta é, para Muniz Sodré (1985:10), a causa de se recorrer
ao universo mítico (contém os grandes arquétipos), que sempre foi eficaz, seduzindo as
pessoas durante séculos. O bom e o mau, a santa e a pecadora, a luta entre os fortes e os
fracos, o amor, o heroísmo, sempre fascinaram; que o digam as epopeias antigas, as
canções de gesta, os romances corteses.
Essa temática, que tem um público consumidor garantido, além de mostrar "um
certo ethos nacional" (SODRÉ, 1985:79), é retomada pela moderna indústria cultural:
cinema, teatro, rádio, televisão, revistas, romances best-sellers. Percebe-se, assim, que
há uma maior preocupação, nesse tipo de produção cultural, com os conteúdos
fabulativos do que com a reflexão sobre o fazer linguístico, sobre a técnica romanesca.
O que o público quer está embutido naquilo que Baudrillard chama de fun-morality: "o
imperativo de se divertir, de explorar a fundo todas as possibilidades de vibrar, gozar ou
gratificar-se" (apud SODRÉ, 1985:16). Esse é o público cuja alfabetização foi
meramente instrumental ou que, mesmo razoavelmente alfabetizado, não teve sua
sensibilidade despertada por leituras constantes e acesso a obras artísticas mais
elaboradas.
Com a publicação, em 1841, de Assassinatos da Rua Morgue, escrito por
Edgar Allan Poe, está "inaugurada" a narrativa policial, fruto de vários fatores: público
criado pela leitura dos jornais; a cidade com suas ruas, passantes, multidões, verdadeiros
labirintos nos quais o criminoso pode esconder-se e o artista expor-se (lembrando
Baudelaire e Walter Benjamin); a polícia que, surgida no século XIX, e na França
formada por ex-condenados, desperta a desconfiança da população; as ideias positivistas
(os fenômenos são regidos por leis, que existiriam nos mundos orgânico, natural e
humano); o criminoso, antes visto como inimigo pessoal, passa a ser um inimigo social
e, muitas vezes, portador de patologias.
Poe cria Dupin, o detetive moderno, cujo hobby é decifrar enigmas, que agirá de
forma diferente da de Vidocq, ex-presidiário e depois policial, que escrevera suas
memórias em 1828, explicitando sua maneira empírica de resolver os crimes. Auguste
Dupin, detetive amador, tem suas aventuras narradas por um fiel amigo e age como uma
máquina pensante. De dedução em dedução, lendo os diversos índices, chega ao
criminoso. Aí está a concepção de novela policial, para Poe, criador da short-story: "a
combinação de ficção com raciocínio e inferências lógicas" (REIMÃO, 1983: 19).
François Fosca (apud ALBUQUERQUE, 1979:14), definindo o romance policial,
afirma que “é o relato de uma caçada ao homem, mas − isso é essencial − uma caçada
em que utilizamos o raciocínio para interpretar fatos aparentemente insignificantes, a
fim de chegarmos a uma conclusão”. Narcejac (apud ALBUQUERQUE, 1979:14)
também reforça o uso do raciocínio: “O que é romance policial? [...] não é um romance
como os outros, porque a lógica tem nele papel preponderante”.
A estrutura básica dessa narrativa será a ênfase na percepção do detetive sobre o
crime (segunda história) e não esse em si (primeira história). Logo, o que importa é
como decorre a investigação, os meios utilizados para chegar-se ao criminoso. Outros
pontos interessantes, como lembra ainda Reimão (1989: 25-28), são a imunidade do
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detetive (já que é uma narrativa memorialista, pressupõe-se que o investigador saiu
incólume das aventuras) e os jogos intertextuais (retomada de personagens, críticas a
outras narrativas).
Na linha de Dupin, irá surgir a dupla mais famosa da literatura policialesca,
Sherlock Holmes e seu assistente Dr. Watson, criação imortal de Arthur Conan Doyle.
Holmes utilizará técnicas científicas (datiloscopia, exames de sangue e de outros
materiais, como venenos e pós estranhos) para decifrar o enigma, que, como em todas
as histórias do gênero, começa em sentido inverso, isto é, do fim para o começo (récit à
rebours), do crime para a sua elucidação.
Ernest Mandel (1988), em seu livro Delícias do crime: história social do
romance policial, informa que os primeiros grandes escritores de romances policiais
foram, além de Poe e Conan Doyle, Emile Gaboriau (com o inspetor Lecoq), R.
Augustin Freeman (pai do romance policial científico), William Wilkie Collins, Gaston
Leroux, Maurice Leblanc (criador do célebre "bandido nobre" Arsène Lupin) e Mary
Roberts Rinehart. Os heróis desses livros eram investigadores brilhantes, oriundos da
classe alta, que encaram o crime não como problema jurídico ou social, mas como um
enigma a ser resolvido.
Alguns críticos, entre eles Mandel, chamam ao período entre as guerras
mundiais de "idade de ouro do romance policial", do qual fazem parte G. K. Chesterton
(criador de Brown, padre detetive), Doroty Sayers (introdutora do esnobismo e do
humor, via Lord Peter Winsey), S. S. Van Dine, Ellery Queen (pseudônimo dos primos
Frederick Dannay e Manfred D. Lu), Erle Stanley Gardner (insere um novo cenário: o
tribunal), Ngaio Marsh e a "grande dama do crime", Agatha Christie, criadora da
encantadora velhinha-detetive Miss Jane Marple, do detetive belga Hercule Poirot e o
amigo/memorialista Capitão Hastings, do casal Tommy e Turppence Beresford, entre
outros. Christie inova ao romper várias regras consideradas básicas da narrativa policial:
o narrador, auxiliar do detetive, é o criminoso; todas as personagens principais morrem;
o público conhece o assassino desde o início; vários são os assassinos de um mesmo
crime. Daí provavelmente o fato de suas obras serem, até hoje, tão apreciadas.
De maneira geral, as obras desses autores do período áureo são convencionais,
quase que seguindo pontualmente as três regras aristotélicas para o drama: unidades de
lugar, ação e tempo. Por conseguinte, o cenário não mais será o espaço da rua, das
cidades, mas o da sala de visitas da casa de campo ou da mansão vitoriana, ou o do
escritório do magnata. Os heróis/protagonistas, na sua maioria detetives diletantes,
pertencem à alta burguesia e até à nobreza. As narrativas têm, acima de tudo, a
preocupação de testar a capacidade dedutiva do investigador e também a do leitor,
acontecendo com frequência em um só dia ou em um final de semana.
ocorre em 1953, o que se verifica inclusive pelo tratamento cromático, o qual indica o
intento de produzir efeito de realidade (documento antigo) e narrado pelo redator venal
da revista sensacionalista Hush-hush. Também envelhecida, amarelada, é a imagem em
Dália Negra, com a ação acontecendo em 1947, narrada pelo boxeador Bucky
Bleichert, e baseado em obra do mesmo Ellroy.
Envolvendo policiais e gângsteres, LA em nenhum momento é maniqueísta,
mostrando o lado dark da lei, o que é um contributo à reflexão e ao questionamento, o
cinema apresentando-se como fonte da história, já que são comuns as relações entre
ambos, normalmente abordadas em três aspectos: o cinema na história (propaganda
ideológica), a história do cinema (historiografia cinematográfica) e a história no cinema
(filmes como fonte de documentação histórica - caso de Los Angeles).
Para Mattos (2001: 35), o verdadeiro filme noir é o que conjuga "as formas de
ficção criminal americana [...] com o estilo visual expressionista", ressaltando-se o
pessimismo, a corrupção, a angústia, a morte, o fatalismo, devendo a ação localizar-se
nos anos 40 e 50, num ambiente urbano, já que o noir está ligado à conjuntura
sóciocultural do período pós-guerra, marcado pela Guerra Fria e pelo Macarthismo, que
gerarão insegurança, paranóia, medo, violência, angústia.
Em decorrência da II Grande Guerra, a mulher invade o mercado de trabalho,
torna-se mais assertiva, mais segura, independente econômica e sexualmente. Ela terá
um tratamento particular no noir, ocupando uma posição de destaque no
desenvolvimento da intriga. A femme fatale, a viúva-negra, é a morte, simbolicamente,
e leva também à traição (de princípios, de amigos, do lar - esposa e filhos). Aliás, este é
um dos temas da intriga policial: trai-se por dinheiro ou por mulher.
Dark-lady, manipuladora, "sexualizada", é um obstáculo às conquistas do
homem; é a sedutora má e tentadora, que leva à destruição (como a Matty Walker, de
CA e a Madeleine Linscott, de DN), sobrepondo-se à antiga imagem de virgem, mãe,
inocente, redentora. É o universo patriarcal posto em xeque, com a derrota do homem,
muitas vezes. Num mundo em que era vista como fraca e sensível, "necessitando" da
proteção masculina, surge poderosa graças ao seu poder sedutório. E isso tem
implicações tanto no estilo visual feminino como no do ambiente, que se mostra
sombrio, com janelas de luz franchada, e espelhos que refletirão o alter-ego, o duplo, o
lado perverso emergindo das trevas, ou ainda, a insegurança, o olhar-se, o refletir sobre
decisão a tomar.
Este universo é marcado, portanto, por silhuetas, sombras, espelhos e reflexos,
geralmente mais obscuros que a pessoa refletida, indicando sua falta de unidade. A
mulher perigosa e sexual revela-se através de olhares lânguidos, muitas jóias,
maquiagem elaborada e cabelos bem arrumados, para melhor atrair. É a expressão
psicológica do medo do homem de suas saias justas de seda ou cetim. São bem
representadas pelas prostitutas do cabaré de luxo Flor de Lis, que fazem plásticas para
ficarem parecidas com atrizes famosas (LA). A fatal, mulher-aranha que enreda o
macho em sua teia, é focalizada pela câmera quase sempre no centro do quadro ou no
primeiro plano, olhando para o seduzido e para o espectador, ambos na mesma
perspectiva do seu olhar, como Matty (CA), em suas roupas claras e provocantes,
grudadas ao corpo pelo suor. Na grande maioria das vezes, a aparição dessa dark-lady é
preparada para provocar impacto, caso também da prostituta Lynn Bracken (LA), em
sua fase sexual (depois ela se torna a redentora), que surge com uma capa de veludo
negro, forrada de cetim branco, rosto quase todo encoberto. Ela é o duplo: assemelha-se
à belíssima Verônica Lake, antiga atriz do cinema americano. Também surpreendentes
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O filme noir, após tanto sucesso, entrou em decadência devido a algumas razões:
a introdução da cor nos filmes, pois o "preto e branco" era fundamental para mostrar o
mundo dark norte-americano opressivo, desesperançado; a utilização da tela larga
(cinemascope) atrapalhou, pois o noir exigia um ambiente pesado, clautrofóbico; o
advento da televisão, com sua exigência de muita iluminação e close-ups, e a produção
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de telefilmes, que irão substituir o filme B, antes praticamente só noir, além dos fatores
sócioculturais, que foram desaparecendo.
Na década de 70, entretanto, várias retrospectivas mostraram os clássicos
noirs, tanto nos canais de TV a cabo como nos filmes de arte, e assim foram feitos tanto
filmes novos como refilmagens, que, sob um olhar moderno, tentaram recapturar o que
havia nos antigos noirs. Também no período seguinte, 1980 - 1990, há fatores
favoráveis ao ressurgimento do interesse por elementos presentes no filme noir. São
anos conturbados: pós Guerra do Vietnam, incrementação do terrorismo internacional,
economia incerta, concretização do feminismo, aids e público cada vez mais interessado
em crimes e notícias sensacionalistas. A isso soma-se o avanço tecnológico que permite
grandes contrastes, como na iluminação expressionista, e que estarão presentes em
filmes fantásticos, em paródias, em thrillers políticos e criminais psicológicos. Tais
filmes passarão a ser chamados de novo noir, neo-noir, pós-noir (post noir) e noir
moderno (modern noir), pois incorporaram uma nova realidade à tradição dos filmes
antigos. Renasce a fênix, trazendo consigo novamente a magia, os sonhos, os medos, a
violência, a paixão, enfim, as emoções que a sétima arte proporcionam.
6. REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Milton José de. Imagens e sons: a nova cultura oral. São Paulo: Cortez,
1994.
ARBEX JR, José. A outra América - apogeu, crise e decadência dos Estados Unidos.
São Paulo: Moderna, 1995.
MANDEL, Ernest. Delícias do crime: história social do romance policial. São Paulo:
Busca Vida, 1998.
MATTOS, A. C. Gomes de. O outro lado da noite: filme noir. Rio de Janeiro: Rocco,
2001.
MEYER, Marlise. Folhetim: uma história. São Paulo: Cia. das Letras, 1996.
REIMÃO, Sandra Lúcia. O que é romance policial. São Paulo: Brasiliense, 1983.
VANOYE, Francis; GOLIOT - LÉTÉ. Ensaio sobre análise fílmica. São Paulo:
Papirus, 1994.