Resumo
O autismo é um distúrbio do desenvolvimento humano que há algumas décadas vem sendo
estudado pela ciência, embora ainda existam muitas divergências e grandes questões a serem
descobertas. O presente artigo caracteriza o Autismo e síndrome de Asperger e seus espectros,
buscando a significação deste distúrbio do desenvolvimento. Com base em literatura nacional e
internacional são oferecidos argumentos para o diagnóstico de pessoas autistas. Além de um
diagnóstico precoce, o autista necessita de um olhar específico e desafiador que seja capaz de
reconhecer suas possibilidades e aprendizagens. Assim, convida-se o leitor a repensar o sujeito
autista como alguém que apresenta, dentro de suas peculiaridades, possibilidades de
aprendizagem.
INTRODUÇÃO
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Esse artigo é parte integrante do CD Room do VII Encontro de Psicopedagogia e I Seminário de Psicopedagogia
“Psicanálise, Educação e Inclusão: diálogos psicopedagógicos” – Feevale – Novo Hamburgo/RS, 2006.
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Disponível em Português no site da AMA – Associação de Amigos do Autista.
O Autismo é uma Síndrome3 definida por alterações presentes desde idades muito
precoces, tipicamente antes dos três anos de idade, a qual se caracteriza por desvios qualitativos
na comunicação, na interação social e no uso da imaginação. Dentro destes desvios e
características, encontramos “graus” de Autismo, que vão do mais leve ao mais severo, o
primeiro intitulado Transtorno de Asperger.
O QUE É AUTISMO?
Histórico
O termo autismo vem do grego “autós” que significa “de si mesmo”.
Plouller introduziu o termo autista na literatura psiquiátrica em 1906. Mas em 1911, foi
Bleuler, o primeiro a difundir o termo autismo para referir-se ao quadro de esquizofrenia, que
consiste na limitação das relações humanas e com o mundo externo.
O psiquiatra americano Leo Kanner, que trabalhava em Baltimore, nos Estados Unidos,
em 1943, descreveu um grupo de onze casos clínicos de crianças em sua publicação intitulada
“Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo” (Autistic Disturbances of Affective Contact). As
crianças investigadas por Kanner apresentavam inabilidade para se relacionarem com outras
pessoas e situações desde o início da vida (extremo isolamento), falha no uso da linguagem para
comunicação e desejo obsessivo ansioso para a manutenção da mesmice. Segundo Kanner
(Kanner 1971), o autismo era causado por pais altamente intelectualizados, pessoas
emocionalmente frias e com pouco interesse nas relações humanas da criança.
Em 1944, o pediatra austríaco Hans Asperger, em Viena, descreveu crianças que tinham
dificuldades de integrar-se socialmente em grupos, denominando esta condição de “Psicopatia
Autística” para transmitir a natureza estável do transtorno. Estas crianças exibiam um prejuízo
social marcado, assemelhavam-se com as descritas por Kanner, porém tinham linguagem bem
preservada e pareciam mais inteligentes. Entretanto, Asperger acreditava que elas eram diferentes
das crianças com autismo na medida em que não eram tão perturbadas, demonstravam
capacidades especiais, desenvolviam fala altamente gramatical em uma idade precoce, não
apresentavam sintomas antes do terceiro ano de vida e tinham um bom prognóstico. A publicação
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Síndrome – s.f. (gr. Syndrome) Conjunto de sintomas que caracterizam uma doença. (Dicionário da Língua
Portuguesa – Larousse Cultural)
de Kanner ficou conhecida, enquanto que o artigo de Asperger, escrito em alemão, só foi
transcrito para o inglês por Lorna Wing, em 1981.
O transtorno de Asperger se diferencia do autismo essencialmente pelo fato de que não se
acompanha de retardo ou deficiência de linguagem ou do desenvolvimento cognitivo. A diferença
fundamental entre um indivíduo com autismo de alto funcionamento e um indivíduo com
transtorno de Asperger é que o com autismo possui QI executivo maior que o verbal e atraso na
aquisição da linguagem. Na prática clínica, a distinção fará pouca diferença, porque o tratamento
é basicamente o mesmo.
É relevante salientar que algumas das especulações da publicação original de Kanner,
como a frieza afetiva dos familiares (particularmente a da mãe), de a inteligência das crianças ser
normal e de não haver presença de co-morbidade, com o tempo, mostraram-se incorretas.
Com a evolução das pesquisas científicas, concluiu-se que o autismo não é um distúrbio
do contato afetivo, mas sim um distúrbio do desenvolvimento.
Em 1976, Lorna Wing relatou que os indivíduos com autismo apresentam déficits
específicos em três áreas: imaginação, socialização e comunicação, o que ficou conhecido como
“Tríade de Wing”.
A taxa média de prevalência do transtorno autista em estudos epidemiológicos é de 15
casos por 10.000 indivíduos, com relatos de taxas variando de 2 a 20 casos por 10.000
indivíduos.
Ainda não está claro se as taxas mais altas relatadas refletem diferenças de método dos
estudos ou um aumento da freqüência do transtorno.
No Brasil, ainda não se dispõe de estatísticas oficiais.
Quanto ao gênero, observa-se uma prevalência do autismo no sexo masculino, havendo
uma estimativa de que ele acomete de três a quatro meninos para cada menina. Os indivíduos do
sexo feminino tendem a estar mais gravemente afetados em relação ao sexo masculino.
Em relação às variáveis sociodemográficas, o autismo apresenta a mesma prevalência em
qualquer grupo social, cultural e racial da população.
Mas o que é realmente o Autismo?
Esta pergunta não é simples de responder, pois não se conseguiu ainda uma definição e
uma delimitação consensual das terminologias sobre ele. De acordo com Faccion (2005, p. 32),
O autismo é uma síndrome, portanto um conjunto de sintomas, presente desde o
nascimento e que se manifesta invariavelmente antes dos 3 anos de idade. Ele é
caracterizado por respostas anormais e estímulos auditivos e/ou visuais e por problemas
graves na compreensão da linguagem oral. A fala custa a aparecer e, quando isto
acontece, podemos observar uma ecolalia (repetição de palavras), o uso inadequado de
pronomes, uma estrutura gramatical imatura e uma grande inabilidade de usar termos
abstratos. Observa-se também uma grande dificuldade de desenvolver relacionamentos
interpessoais (...) Estes problemas de relacionamento social aparecem antes dos 5 anos de
idade, caracterizando-se, por exemplo, por incapacidade de desenvolver o contato olho a
olho, jogos em grupos, contatos físicos etc.(...) é comum não apresentar medo do perigo,
como altura ou automóveis se locomovendo, podendo ocorrer movimentos corporais
como o “balançar”.
O transtorno se acompanha comumente de numerosas outras manifestações inespecíficas, por exemplo, fobias,
perturbações de sono ou da alimentação, crises de birra ou agressividade.
A. Um total de seis (ou mais) itens de (1), (2) e (3), com pelo menos dois de (1), um de (2) e um de (3):
1 Comprometimento qualitativo da interação social, manifestado por pelo menos dois dos seguintes aspectos:
(a) comprometimento acentuado no uso de múltiplos comportamentos não-verbais, tais como contato visual
direto, expressão facial, posturas corporais e gestos para regular a interação social
(b) fracasso em desenvolver relacionamentos com seus pares apropriados ao nível de desenvolvimento
(c) ausência de tentativas espontâneas de compartilhar prazer, interesses ou realizações com outras pessoas
(por exemplo, não mostrar, trazer ou apontar objetos de interesse)
(d) ausência de reciprocidade social ou emocional
2 Comprometimento qualitativo da comunicação, manifestado por pelo menos um dos seguintes aspectos:
(a) atraso ou ausência total de desenvolvimento da linguagem falada (não acompanhado por uma tentativa
de compensar por meio de modos alternativos de comunicação, tais como gestos ou mímica)
(b) em indivíduos com fala adequada, acentuado comprometimento da capacidade de iniciar ou manter
uma conversa
(c) uso estereotipado e repetitivo da linguagem ou linguagem idiossincrática
(d) ausência de jogos ou brincadeiras de imitação social variados e espontâneos próprios do nível de
desenvolvimento
3 Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades, manifestados por pelo menos
um dos seguintes aspectos:
(a) preocupação insistente com um ou mais padrões estereotipados e restritos de interesse, anormais
em intensidade ou foco
(b) adesão aparentemente inflexível a rotinas ou rituais específicos e não-funcionais
(c) maneirismos motores estereotipados e repetitivos (por exemplo, agitar ou torcer mãos ou dedos,
ou movimentos complexos de todo o corpo)
(d) preocupação persistente com partes de objetos
B. Atrasos ou funcionamento anormal em pelo menos uma das seguintes áreas, com início antes dos 3
anos de idade: (1) interação social, (2) linguagem para fins de comunicação social ou (3) jogos
imaginativos ou simbólicos
• Causas
São desconhecidas as causas do autismo, de acordo com Mello (Mello 2004) acredita-se que
sua origem esteja em anormalidades em alguma parte do cérebro ainda não definida de forma
conclusiva e, provavelmente, de origem genética. Além disso, admite-se que possa ser causado
por problemas relacionados a fatos ocorridos durante a gestação ou o momento do parto.
É importante salientar que a hipótese relacionada à frieza ou rejeição materna já foi
descartada, relegada à categoria de mito há décadas. Portanto, já que as causas não são totalmente
conhecidas, o que se recomenda em termos preventivos são os cuidados gerais a todas as
gestantes, especificamente ligados à ingestão de produtos químicos, tais como remédios, álcool
ou fumo.
É relevante salientar que nem todos os indivíduos com autismo apresentam todos estes
sintomas, porém a maioria dos sintomas está presente nos primeiros anos de vida da criança.
Estes variam de leve à grave e em intensidade de sintoma para sintoma. Adicionalmente, as
alterações dos sintomas ocorrem em diferentes situações e são inapropriadas para sua idade.
Dentro destas características, podemos observar vários comportamentos que podem
caracterizar o sujeito que apresenta comportamento autista:
USA AS PESSOAS COMO RESISTE A MUDANÇAS DE NÃO SE MISTURA COM APEGO NÃO APROPRIADO A
FERRAMENTAS ROTINA OUTRAS CRIANÇAS OBJETOS
NÃO MANTÉM CONTATO NÃO DEMONSTRA MEDO DE
AGE COMO SE FOSSE SURDO RESISTE AO APRENDIZADO
VISUAL PERIGOS
Fonte: Autismo: descobrir o mal é fundamental. Visão, São Paulo, nº 17, p. 38.
Embora o Transtorno Autista seja considerado uma desordem que pode envolver
comprometimentos de ordem neurológica, não há ainda um único tipo de exame ou procedimento
médico que confirme isoladamente seu diagnóstico. “Por isso entendemos ser necessário realizar
uma série de exames, avaliações e análises com fins de compilar um número suficiente de
informações que permita esboçar mais seguramente este quadro clínico”. (FACCION, 2005,
p.41).
Para articular informações obtidas a partir destes exames, é importante avaliar a criança
em termos de seu desenvolvimento, de modo a identificar como se apresentam suas habilidades
emocionais, sociais, comunicativas e cognitivas através de observações.
Salienta-se que a avaliação diagnóstica seja feita por um profissional com formação em
medicina e experiências clínica de vários anos diagnosticando essa síndrome.
O diagnóstico de autismos é feito basicamente através da avaliação do quadro clínico. De
acordo com Mello, (2004, p. 20) “Normalmente, o médico solicita exames para investigar
condições (possíveis doenças) que têm causas indicáveis e podem apresentar um quadro de
autismo infantil(...). É importante notar, contudo, que nenhuma das condições apresenta os
sintomas de autismo infantil em todas as suas ocorrências”.
Portanto, embora ainda surjam indícios fortes por volta dos oito meses, raramente o
diagnóstico é conclusivo antes dos vinte e quatro meses, e a idade média freqüente é superior aos
trinta meses.
Convém destacar, que o diagnóstico precoce é importante para viabilizar a iniciação da
intervenção educacional especializada.
INTERVENÇÃO E POSSIBILIDADES
Por mais que existam instituições especializadas, como a própria AMA, intervenções
adequadas a cada tipo ou grau de comprometimento, bem como instrumentos como TEACCH4
(Tratamento e Educação para Crianças Autistas e com Distúrbios Correlatos da Comunicação), se
caracteriza por um método que se utiliza uma avaliação chamada PEP-R (Perfil Psicoeducacional
Revisado) para avaliar a criança, levando em conta os seus pontos fortes e suas maiores
dificuldades, tornando possível um programa individualizado; ABA5(Análise Aplicada do
Comportamento), que se caracteriza por um tratamento comportamental analítico, que visa
ensinar a criança habilidades que ela não possui. Cada habilidade é ensinada em esquema
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Treatment and Education of Autistic and related Communication handicapped CHildren.
5
Applied Behavior Analysis.
individual. A repetição é um ponto importante neste tipo de abordagem. A principal critica a estes
dois métodos é o de robotizarem as crianças, e o ABA por ser muito oneroso.
Encontra-se também o PECS6 (Sistema de Comunicação Através da Troca de Figuras),
este foi desenvolvido com a finalidade de desenvolver em crianças e adultos autista a habilidade
de comunicação.
Normalmente é utilizado em indivíduos que não se comunicam, ou que possuam uma
baixa comunicação. Seu principal objetivo é fazer com que a criança perceba que através da
comunicação ela pode conseguir mais rapidamente o que desejar, estimulando assim a
comunicar-se e conseqüentemente, diminuir problemas de conduta.
Este método tem sido bem aceito em vários lugares do mundo, pois não demanda
materiais complexos ou caros, é relativamente fácil de aprender e pode ser aplicado em qualquer
lugar. Seus resultados são inquestionáveis, quando bem aplicado.
Existem outros tratamentos, como os psicoterapêuticos, fonoaudiológicos, equoterapia,
musicoterapia e outros que não tem uma linha formal que os caracterizem no tratamento do
autismo.
Ajudar uma criança autista é tentar entrar no seu mundo e influenciá-la a vir cá para fora,
abrindo e fechando ciclos de comunicação.
Um olhar reflexivo e sensível é fundamental no fazer psicopedagógico, uma vez que, por
mais severa que possa se caracterizar a síndrome, as possibilidades de aprendizagem não se
esgotam.
O acreditar é fundamental nesse processo, pois é a partir da pré-disposição do terapeuta
que se manifestará a disposição do sujeito em atendimento.
Cabe ao terapeuta buscar a melhor forma de intervenção, adequando-a as condições da
família do indivíduo e também às suas. A busca por aprimoramento deve ser constante, e de
alternativas também. É preciso observar quais são as habilidades do sujeito para que a partir delas
possa-se traçar metas de intervenção. O vínculo afetivo é fundamental, por menor que seja, é ele
que possibilitará a aproximação com o indivíduo e vice-versa. As estratégias de ensino são
fundamentais, mas a partir da busca de possibilidades de aprendizagem. Sem elas, sem o
conhecimento do terapeuta em relação ao sujeito, são esgotáveis.
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Picture Exchange Communication System.
Só com a crença de que o sofrimento determinado pela reintegração da situação
traumática trará mudanças, é que nos é possível suportar o sofrimento que nosso trabalho
suscita nos pacientes. Sofrimento que, em última análise, é também uma conquista.
Conquista da própria condição humana. (SILVA, 1997, p. 96)
É preciso olhar e não somente ver, olhar não de forma romanceada, mas com realismo e,
concomitantemente, com a certeza de que existam meios de chegar até àquele ser que está a nossa
frente. Precisamos nos munir de conhecimento científico, mas também de esperança e confiança,
em acreditar que é possível. Pois, ensinando se aprende; desafiando se é desafiado; acreditando se
tem a satisfação de fazer parte de uma vida, de uma história, de alguém que é como nós, igual e
diferente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS