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Ainda, a Constituição de 1988, ao tratar do acesso ao ensino superior (art. 208, V),
aduz que o acesso a esse nível depende da capacidade de cada um, isto é, o acesso ao ensino
superior não é um bem indispensável à realização do ser humano, devendo ser ofertado
àqueles que demonstrarem ter capacidade para usufruí-lo. Hipoteticamente, mesmo com a
inclusão no rol de bens necessários à vida boa, o ensino superior, assegurando-se o referido
direito subjetivo a uma vaga no ensino superior, não significaria a reserva de vagas a
determinado grupo étnico, mas seria uma garantia de todos os brasileiros. Dessa forma, a ação
(afirmativa) estatal deve anteceder ao ingresso no ensino superior e às políticas de redução de
desigualdade (sejam raciais, sejam sociais), devendo ser produzidas no ingresso às camadas
fundamentais de ensino.
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A discussão entre a legalidade ou não do sistema de cotas dividiu opiniões, gerando
dois extremos de defesa. O sistema de cotas raciais foi empregado para garantir algumas
vagas para os negros e os índios que residem no nosso país e que almejam conseguir o seu
lugar na sociedade através dos estudos e de uma profissão. Mas, segundo a Constituição
Federal de 1988:
³Art. 3º: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
IV ± promover o bem de todos, SEM PRECONCEITOS de origem, RAÇA, sexo, COR, idade
e quaisquer outras formas de discriminação.´
Uma das contradições relacionadas às cotas de cunho racial, frequentemente citadas,
diz respeito à institucionalização do racismo: para alguns críticos, a distinção de etnias por lei
acabaria por agravar o racismo já existente.
Em 2008, o STF julgou ações contra o ProUni (Programa Universidade Para Todos),
que oferecia bolsas em universidades particulares a estudantes de baixa renda e, também,
reservava vagas aos que se declaravam negros, pardos ou indígenas.
Yvone Maggie, antropóloga na Universidade Federal do Rio de Janeiro, explica que
é contra a proposta de cotas raciais nas universidades porque ela produz divisões perigosas:
³Essa política exige que o cidadão se defina perante o Estado segundo sua µraça¶ ou sua
origem. Sabemos que toda a vez que o Estado se imiscuiu nos assuntos de identidade dos
indivíduos, obrigando-os a se definirem, o resultado foi produção da violência´.
Por outro lado, o advogado Renato Ferreira, pesquisador do Laboratório de Políticas
Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, defende que o Brasil precisa encarar a
questão da desigualdade sob o ponto de vista racial, sim: ³Até 1970, 90% dos negros eram
analfabetos, porque, após a abolição da escravidão, o Estado os abandonou, ao contrário do
que fez com os imigrantes, que foram financiados pelo governo para virem para o Brasil. O
país precisa dar um valor à diversidade étnica, de gênero etc. entre os espaços de poder
político, cultural e econômico. A saída é a educação pública de qualidade e políticas
temporárias de ações afirmativas que diminuam a grande distância que ainda existe entre
brancos e negros no país´.
José Roberto Militão, militante histórico do movimento negro, advogado, membro da
Comissão de Assuntos Antidiscriminatórios - Conad-OAB/SP - e ex-secretário geral do
Conselho da Comunidade Negra do governo do Estado de São Paulo (1987-1995) ± tem
desenvolvido uma grande discussão contrária às cotas raciais, por entendê-las discriminatórias
e inconstitucionais. E no recente artigo, chamado "Afro-brasileiros contra as leis raciais",
escreveu: ³As ações afirmativas não fazem reparações do passado, não fazem cotas estatais,
mas atuam com eficácia para que as discriminações históricas não persistam no presente.
Portanto, os afro-brasileiros precisam de políticas públicas de inclusão, indutoras e
garantidoras da promoção da igualdade, e não das cotas de humilhação´.
Recentemente, o PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) divulgou
estudos sobre a participação de negros e pardos no ensino superior (IBGE). É fato que,
também a parcela da população negra que entra nas universidades por meio das cotas ou do
ProUni, em razão do baixo poder aquisitivo, não consegue se manter nos estudos devido aos
altos custos com livros, transportes e despesas geradas pelo curso.
No livro, Não Somos Racistas, o jornalista Ali Kamel desenvolve uma pertinente
conclusão sobre o tema, entendendo que "se o racismo na sociedade brasileira é de fato um
entrave substantivo à mobilidade dos negros, educação somente não basta".
A discriminação e o preconceito são realidades enfrentadas por todos os brasileiros,
independente de cor, raça, credo, religião, sexo ou idade. Embora a efetividade de vários
direitos e deveres previstos na Constituição dependam de políticas públicas concretas e
patrocinadas pelo Estado, a Carta Magna Brasileira determina claramente os limites que
devem ser mantidos para proteger a justiça, ou seja, projetou a instalação de uma sociedade
estruturada segundo o modelo do WelfareState, que visa aconsolidação da democracia.
A questão central é se a política de cotas raciais, realmente, é o instrumento
adequado para a promoção da cultura negra, abrandamento dessa dívida histórica e redução da
discriminação racial no Brasil.
Esse modelo de cotas é edificado a partir das cotas implementadas na década de 60
nos EUA. A discriminação racial brasileira tem um caráter assimilacionista, enquanto a
discriminação racial norte-americana é segregacionista.
O sistema de cotas raciais nas universidades públicas brasileiras, implantado como
políticas afirmativas para diminuir as diferenças sociais existentes entre brancos e negros,
causadas pelo sistema escravagista dos séculos XVIII e XIX, foi adotado como política social
de desenvolvimento, porém sua efetivação contraria os preceitos constitucionais.
Um ponto importante que não podemos esquecer é que se as cotas são oferecidas
para os negros e indígenas, então quer dizer que eles não são tão capazes como as pessoas
brancas? Devemos observar quais instrumentos, jurídica e culturalmente, poderemos utilizar
para a redução da discriminação racial, conforme a nossa realidade.
O Brasil é composto por uma miscigenação tão grandiosa que é inseparável, é
indivisível. Não é a cor da pele que determina o merecimento do cidadão. Investir em uma
separação de raças, como quer o sistema de cotas raciais e o Estatuto da Igualdade Racial, é
violar os preceitos da Constituição, os princípios da igualdade, da justiça e, também, da
legalidade.
Diante do exposto, pode-se concluir que a lei que determina cotas para ingresso nas
universidades públicas do País, utilizando como critério de classificação a cor da pele, é, no
mínimo, absurda, uma vez que fere os preceitos fundamentais da Norma Constitucional
Brasileira, ou seja, o pilar da justiça brasileira. Os danos causados aos descendentes dos
escravos africanos não podem ser compensados com uma vaga na universidade ou
qualificando sua capacidade sócio-intelectual em decorrência da pigmentação que possui.
c
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