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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO


CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO

SOM NO VÁCUO
existe música além da indústria fonográfica

Lilian Rabelo da Silva

Monografia. Graduação em
Publicidade e Propaganda
Orientadora: Regina Célia Montenegro de Lima

Rio de Janeiro
2004
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO

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SOM NO VÁCUO
existe música além da indústria fonográfica

Lilian Rabelo da Silva

Monografia apresentada ao Curso de


Graduação em Comunicação Social -
Habilitação em Publicidade e Propaganda -
da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como requisito parcial para a
obtenção do bacharelado em
Comunicação Social.

Orientadora: Regina Célia Montenegro de Lima

Rio de Janeiro
2004
SOM NO VÁCUO; existe música além da indústria fonográfica

Lilian Rabelo da Silva

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Monografia apresentada à Escola de Comunicação da Universidade


Federal do Rio de Janeiro, submetida à aprovação da banca
examinadora, composta pelos seguintes membros:

_________________________________
Prof. Dra. Regina Célia Montenegro
e Lima – Orientadora

_________________________________
Prof.

_________________________________
Prof.

Aprovada em ___ de _________ de 2004


Nota:

Rio de Janeiro
2004

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Este trabalho é dedicado à memória da minha amiga Marta,

à minha “pequena” família de A à Z,

aos meus amigos,

aos meus professores e

aos meus ídolos da música,

todos inesgotáveis fontes de inspiração.


SILVA, Lilian Rabelo da. Som no Vácuo; existe música além da indústria
fonográfica. Orientadora: Regina Célia Montenegro de Lima. Rio de
Janeiro: Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, 2004. Monografia (graduação em Publicidade e Propaganda)

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Resumo

Exposição do papel da música como elemento de promoção da coesão


social, sua importância para a comunicação e expressão humana.
Levantamento de manifestações musicais brasileiras, desde o século
XVIII até a atualidade. Mudanças na relação do homem com a música
decorrentes do progresso tecnológico. Produção e difusão de música
paralelas às mídias de massa.

Abstract

Account of the music attributions as element in social cohesion raise, its


importance to the human’s communication and expression. Study about
brazilian’s music creations, since XVIII century up to present days.
Changes in the relation between man and music coming from
technological progress. Production and diffusion of music out of mass
media.

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“Sem música a vida seria um erro.”


Nietzsche

“A boa música ainda será boa mesmo que


não haja nenhum ouvinte humano, pois há
dentro dela uma força doadora de vida.”
David Tame

Sumário

1 Introdução 8
2 Música 11
2.1 Música como linguagem 11
2.2 Música ao longo da história 15
2.3 Música no Brasil 17
2.3.1 A modinha 20
2.3.2 O lundu 23
3 Música na indústria cultural 25

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3.1 Crise da indústria fonográfica 28


4 Música além da indústria 31

fonográfica
4.1 Chiquinha Gonzaga 31
4.2 Vanguarda Paulista 32
4.3 Rock na Varanda 33

4.4 Jongo da Serrinha 35


4.5 Tecnobrega 36
5 Considerações finais 38
Referências 40

1 Introdução

Na edição do dia 25 de outubro de 2004, o Jornal Nacional

dedicou longos minutos a divulgação do relatório anual da ABPD –

Associação Brasileira dos Produtores de Discos:

“A queda nas vendas, no ano passado, bateu


um recorde. Segundo o último relatório sobre o
mercado brasileiro de música, da Associação
Brasileira de Produtores de Discos, o número de
CD’s e DVD’s vendidos em 2003 caiu 25% em
relação a 2002.
O descontrole, a falta de fiscalização sobre a
pirataria e o comércio ilegal surgem mais uma
vez como os vilões que provocam o
encolhimento do setor. Esta diminuição do
faturamento significa uma perda de R$125
milhões por ano.

7
8

As conseqüências desta crise afetam todo o


mercado da música no Brasil. As lojas
especializadas na venda de CDs e DVD’s
originais estão passando por dificuldades. Em
uma loja no Rio de Janeiro, o movimento caiu
tanto neste ano que dois funcionários tiveram
que ser demitidos. "Tem mês que a gente fecha
no vermelho mesmo", conta a vendedora.
"Houve uma redução de 50% nos postos de
emprego, em todo o mercado fonográfico.
Houve também uma redução importante no
número de artistas contratados, da ordem de
40% de um modo geral, em todas as
gravadoras", afirma Paulo Rosa, da Associação
Brasileira de Produtores de Discos.
A cultura nacional é outra grande vítima da
pirataria. Pela primeira vez, os produtores de
disco estão divulgando quanto deixam de
investir nos nossos talentos. No ano passado, o
número de lançamentos de discos de cantores e
grupos brasileiros caiu 24%.
"O problema da pirataria não afeta só o artista
conhecido que é pirateado. Ele afeta o que está
tentando começar, tentando conseguir uma
gravadora, porque as gravadoras estão sem
verba, por causa da queda das vendas. Essa
consciência a gente deve tentar passar para
quem está acostumado a comprar o pirata",
acredita o cantor e compositor Gabriel, o
Pensador.”

O fato divulgado e as causas e conseqüências a ele relacionadas

despertam para a reflexão das relações entre o homem, a música e a

8
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indústria fonográfica. Negar ou relativizar a importância das gravadoras

para a existência da música como elemento de expressão cultural pode

soar banal ou óbvio nos corredores acadêmicos, porém é uma afirmação

desafiadora do senso comum, tanto que é uma das armas mais utilizada

pelas grandes gravadoras no ataque aos piratas de CD’s.

O presente trabalho não se propõe a defender a pirataria de CD’s

ou quaisquer outros crimes relacionados ao comércio de música. Não há

o interesse de travar um combate ideológico contra a indústria

fonográfica ou seus agentes (gravadoras, rádios, artistas etc). A

intenção é demonstrar que o canto, a dança, a expressão através da

música estão ligadas ao instinto humano, não dependem exatamente da

existência de uma intrincada estrutura de mercado.

Música é imprescindível para a existência da indústria

fonográfica, mas não há reciprocidade nesta relação. Milênios antes de

se pensar em comercializar o que quer que fosse, inclusive música, a

combinação melódica de sons é parte importante, se não fundamental,

das relações humanas.

É pressuposto deste trabalho que os atuais conflitos entre

indústria fonográfica, artistas e público são sintomas de um intenso

processo de fragmentação que marcam a dinâmica sociocultural

contemporânea. O conformismo diante das tensões causadas pela

tendência homogeneizadora da indústria cultural, da qual a indústria

fonográfica constitui peça chave, é questionado frente às iniciativas de

9
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subversão da ortodoxa ordem mercantilista que rege a produção e

divulgação de música.

Uma análise completa da produção musical do circuito off-

gravadoras, off-programas de auditório, off-rádios FM e off-trilhas

sonoras de novelas realizada no Brasil é impossível dentro das

limitações de tempo e recursos disponíveis para a realização desta

monografia. Dessa forma, são apresentados exemplos de manifestações

musicais ocorridas no Brasil desde o século XVIII, quando sequer

existiam meios técnicos para a gravação de sons, até a atualidade.

Os instrumentos literários empregados para fundamentar a

explanação compreendem obras de estudiosos da música brasileira, de

teóricos da Escola de Frankfurt, algumas matérias de revistas e jornais,

artigos e entrevistas encontrados na internet. Conta-se, também, com

observações empíricas e informações contidas em monografias já

dedicadas ao estudo da música e da indústria fonográfica.

2 Música

“O que acontece se calar a boca de um vulcão


semi-ativo, desses que exalam há séculos um
vapor contínuo? Um grito, um clamor que o
tempo todo escapa entre o que se deseja e o
que se vive. Talvez só seja possível entender o
uso da música assim, perguntando da sua força,

10
11

e da força da demanda que a sustenta no ar”


(Bahiana, 1980, p.17).

2.1 Música como linguagem

Existe música para dançar, namorar, estudar. Música para

enfrentar o trânsito, trabalhar, fazer ginástica, relaxar no final do dia.

Música para protestar, rezar, curar e memorizar. Para comunicar as

emoções que as palavras sozinhas não dão conta de transmitir. Existe

até música para simplesmente ouvir e curtir. Dos pigmeus africanos,

passando pelos esquimós do Alasca, os índios amazônicos, os punks

londrinos, os tecnófilos japoneses, os faquires indianos, e os nômades do

Saara, todas as sociedades do mundo têm música em sua cultura.

As pessoas cercam-se de música com tanto afinco que se torna

difícil crer que ela seja apenas um produto cultural voltado

exclusivamente para o efêmero prazer dos ouvintes e para a fabricação

de astros e estrelas pop com estonteantes lucros para as grandes

gravadoras.

O Homo Sapiens habita a Terra há cerca de 100 mil anos.

Pesquisas situam em torno de 200 mil anos a estréia dos hominídeos

nas atividades musicais. Em tempos de escapar de feras carnívoras e

buscar proteção contra as demais inospitalidades da natureza, a relação

homem-música, ou melhor, hominídeos-música é um fato. (Girardi,

2004.)

11
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Pitágoras, cinco séculos antes de Cristo, acredita que a harmonia

entre os homens e os astros mantenedores da ordem do universo seja

regida pela música. O biólogo Charles Darwin, no século XIX, relaciona a

música à evolução das espécies. Segundo ele, as fêmeas

instintivamente escolhem como parceiros sexuais os machos que

emitem sons e se movimentam com mais harmonia e vigor. No caso dos

humanos, se adequam a tais critérios os melhores dançarinos, cantores,

instrumentistas e os pós-modernos DJ’s. Seja qual for a época e a

espécie do macho, quanto mais marcantes são os aspectos musicais do

seu comportamento, supostamente, mais plena é sua sintonia com a

natureza, o que indica maiores chances de resistir às adversidades do

ambiente.

“Precisávamos caçar e nos defender juntos e para isso tivemos de

nos organizar. A música abriu caminho para nos comunicarmos e dividir

nossas emoções” (id., 2004). Esta afirmação do neurocientista Mark

Tramo reforça a hipótese de que a música seja uma espécie de

linguagem diretamente ligada aos instintos de sobrevivência e, portanto,

universal.

A sensibilização pelos sons, ou pela combinação de sons e

palavras, provoca nas pessoas reações de largo espectro como angústia

ou alegria, divertimento ou melancolia, inquietação ou calma,

passividade ou violência, liberdade ou clausura, inspiração ou devoção,

sensualidade ou patriotismo e tantas outras.

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Muito antes de viabilizar o funcionamento de uma indústria

próspera, a música já desfruta status de preciosidade entre as artes pela

sua capacidade de sintetizar emoções e comportamentos. Há, na

estrutura do corpo humano, terminações nervosas que o tornam,

inevitavelmente, sensível à influência dos sons do ambiente.

“É difícil encontrar uma única fração do corpo


que não sofra a influência dos tons musicais. As
raízes dos nervos auditivos estão mais
amplamente distribuídas e possuem conexões
mais extensas que as de quaisquer outros
nervos do corpo”(Tame, s.d., p.81).

Esta afirmação de Tame esclarece sobre os efeitos fisiológicos e

emocionais da música. É verdadeiro considerar a influência da música

nas atitudes, no comportamento humano, na estruturação do

pensamento e para dar sentido às demais sensações advindas do

contado com o ambiente.

Tal e qual as combinações fonéticas formam as palavras de um

idioma, os arranjos tonais de uma música dão forma a conceitos,

memórias e ideologias. As letras e melodias dão forma e fluidez ao

pensamento.

A música, como o idioma, pode articular experiências emocionais

e conceitos mentais capazes de influenciar o modo de encarar o mundo.

Um estilo musical é capaz de codificar e unificar o sistema de valores de

13
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um grupo de apreciadores. Ao longo da história, a música é o símbolo de

movimentos especiais da vida humana, aparentemente inexistentes até

o surgimento do referencial musical.

Uma revisão na história ilustra como as alterações na música

podem estar na vanguarda dos eventos exteriores/históricos. A

criatividade da arte indica estilos de vida e ideologias, até então apenas

latentes na sociedade.

“A música é tão importante para a modelagem da sociedade

quanto o é a sociedade para a modelagem da música” assim afirma John

Shepherd no livro Música de Quem? Uma sociologia das linguagens

musicais.

“A música é... um modo aberto que, através de


sua natureza essencialmente estrutural, se
ajeita singularmente para revelar a estruturação
dinâmica da vida social, uma estruturação da
qual o ‘material’ forma apenas um aspecto. A
música é conclusiva... porque o significado
social só pode surgir e continuar a existir
através da comunicação simbólica que se
origina na consciência – comunicação que a
música faz parte” (Shepherd, apud Tame, s.d.,
p.110).

A música tem função primordial na formação e sobrevivência dos

grupos e na amenização de conflitos. O poder comunicativo das artes

tonais lhe confere força de aglutinação, como a história testemunha,

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têm magnetismo sobre os indivíduos, classes e facções. Como agentes

produtores de uma unidade, canções ou movimentos musicais,

eventualmente, reúnem nações inteiras.

2.2 Música ao longo da história

“(..) práticas culturais populares são parte de


um contexto sócio-cultural historicamente
determinado. Este contexto as explica, torna
possível sua existência e, ao se modificar, faz
com que também aquelas práticas culturais se
transformem” (Ayala, 1987, p.9).

Nas sociedades pré-capitalistas a música tem caráter mágico-

religioso. Devido a sua intangibilidade, é considerada um elo entre o

mundo material (profano) e o mundo espiritual (sagrado). Ou seja, está

relacionada a tudo que o homem não pode ver, tocar, explicar ou

controlar. Pode apenas sentir ou sofrer as conseqüências.

No fim da era medieval, quando as atividades rurais são a base da

economia, mas, na Europa, começam a surgir as estruturas da vida

urbana, o predomínio do capital sobre o trabalho, a divisão do trabalho,

a produção voltada para o comércio, enfim, o modelo de sociedade que

hoje se conhece como capitalista. O resultado dessa nova rede de

relações dos homens entre si e com os meios de produção não pode

deixar de enveredar-se pelas produções culturais e, portanto, pela

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música. Neste período, como ainda é possível de se encontrar

atualmente, os cantos e danças do mundo rural são frutos de

manifestações coletivas, onde todos se reconhecem.

Porém, a tendência de extinção do interesse coletivo em favor do

interesse individual, característica da cultura urbana burguesa, dá a

deixa para o surgimento do músico solista, para a expressão individual

através da música. (Tinhorão, 1998, p.18)

“As estruturas sociais se modelam conforme as


normas culturais, a cultura por sua vez não
pode existir sem uma estrutura que não só lhe
serve de base, mas que é ainda um dos fatores
de sua criação ou de sua metamorfose” (Ayala,
1987, p.32).

No contexto dos avanços científicos do período renascentista,

desenvolve-se a física moderna e os conhecimentos da acústica. O som

embora permaneça invisível e intocável, passa a ser mensurável. Isso

transforma a relação do homem com a música, que no século XVI, além

de elemento do folclore e dos rituais religiosos, passa a ser considerada

uma obra de arte tão concreta como a escultura, a pintura, a literatura e

a arquitetura.

Essa quebra formal da sacralidade da música propicia a

profissionalização do músico, que, por sinal, passa a ser muito

prestigiado. Resultam do mesmo processo a criação da câmara de

concerto – espaço com isolamento acústico dedicado a apresentação de

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obras musicais – e das academias de música – onde se aprende e

aprimora a arte de combinar os tons musicais.

A modernidade é marcada pela riqueza e pela diversidade da

atividade musical. A consagração da composição individual e a profusão

de temas contaminam até os conservadores músicos de academia.

Compositores eruditos aventuram-se em criações impregnadas de

conteúdo político – Prokofiev, Weill, Shostatovich e Eisler – enquanto

outros imprimem mensagens metafísicas em sua arte – Mahler, Scriabin

e Ives. (Moraes, 1983, p.13)

A Revolução Industrial influencia esteticamente a música.

Seduzidos pelo ritmo e pela cadência dos ruídos das fábricas, os

futuristas, liderados pelo italiano Marinetti, fazem dos sons mais ásperos

e dissonantes elementos de suas composições. Sua proposta é expandir

os horizontes dos sons, abolindo, para fins de criação, a distinção

existente entre o som musical e o ruído não-musical. (Id., p.34)

As inovações tecnológicas também tornam possíveis a produção

em série de instrumentos e a criação de novos instrumentos – primeiro

mecânicos, depois elétricos, agora eletrônicos. Ainda desenvolvem-se as

técnicas para a captação, preservação e reprodução da música através

dos vários processos de gravação que, aliás, de início não foram

pensados tendo em vista a própria música. E, enfim, foram responsáveis

pelo surgimento não só de sintetizadores de freqüências – capazes de

gerar sons inéditos aos ouvidos humanos – como também dos

17
18

computadores, que na atualidade auxiliam os músicos em um sem-

número de tarefas, entre as quais a da própria composição musical.

2.3 Música no Brasil

Encontra-se na obra Pequena história da música popular, de José

Ramos Tinhorão a informação de que a existência da música popular

brasileira é impossibilitada nos dois primeiros séculos da colonização

portuguesa por uma razão muito simples: não existe povo brasileiro ou,

pelo menos, os laços identitários capazes de despertar tal sentimento de

unidade, usualmente chamado de brasilidade.

As inumeráveis nações indígenas, habitantes originais da terra, ou

são nômades, ou vivem em regiões administradas pelos jesuítas. Os

negros trazidos da África são considerados coisas, só alcançam alguma

representatividade social quando líderes de irmandades religiosas. Os

raros brancos e mestiços livres - ocupados na igreja, no comércio ou na

protoburocracia urbana – constituem uma minoria sem expressão, ora

identificam-se culturalmente com os negros, ora com os brancos da

elite.

No entanto, uma diversa trilha sonora ecoa pelos cantos mais

remotos do território. Nos séculos XVI e XVII, os embalos são os cantos

das danças rituais indígenas, com acompanhamento de instrumentos de

sopro (flautas, trombetas e apitos), de chocalhos e bate-pés; os

batuques dos negros – muitas das vezes também rituais – à base de

18
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percussão, tambores, atabaques, marimbas, palmas, xequerés e ganzás

e, finalmente, as canções dos europeus colonizadores, representadas

por gêneros que remontam ao tempo da formação dos primeiros burgos

medievais, conhecidas por romances, xácaras, coplas e serranilhas.

Além desses tipos de música, há os cantos e hinos católicos e as

fanfarras militares.

Por oposição à música folclórica (de autoria desconhecida,

eternizada oralmente), a música popular (com registro de autoria e

divulgada por meios gráficos) é uma criação contemporânea do

aparecimento das cidades com algum grau de diversificação social.

“(...) a música popular surge nas duas principais


cidades coloniais – Salvador e Rio de Janeiro - no
correr do século XVIII, quando o ouro das Minas
Gerais desloca o eixo econômico do nordeste
para o centro-sul, e a coexistência desses dois
centros administrativos de áreas econômicas
distintas torna possível a formação de uma
classe média urbana relativamente
diferenciada” (Tinhorão, 1974, p.5).

A nova configuração da ocupação do território brasileiro e o

desenvolvimento das cidades - que intensifica a convivência entre os

índios, negros, brancos e mestiços – criam o ambiente para o despertar

da consciência crítica das diferenças entre a colônia e a metrópole. Os

primeiros sinais de formação de uma cultura popular urbana no Brasil

19
20

vêm da literatura, nos versos de Gregório de Matos Guerra, o “Boca do

Inferno”, ainda nos fins do século XVII.

A música ainda espera algumas décadas para superar a temática

militar e religiosa, embora encontrem-se relatos de que os canais do

intercâmbio dos brancos com a cultura negra inclui, já por volta dos

seiscentos, visitas de brancos e mestiços aos quilombos em busca de

entretenimento no bailar ao ritmo dos batuques, com valor religioso

apenas para os negros. Em seus poemas satíricos, o poeta Gregório de

Matos revela que “não há mulher desprezada,/ galã desfavorecido,/ que

deixe de ir ao quilombo/ dançar seu bocadinho”.

“Para que pudesse surgir um gênero de música


reconhecível como brasileira e popular seria
preciso que a interinfluência de tais elementos
musicais chegasse ao ponto de produzir uma
resultante, e, principalmente, que se formasse
nas cidades um novo público com uma
expectativa cultural passível de provocar o
aparecimento de alguém capaz de promover
essa síntese” (id., p.6)

O primeiro cantor e compositor de música brasileira, reconhecido

historicamente como tal, surge na segunda metade do século XVIII, é o

mulato carioca e tocador de viola, Domingos Caldas Barbosa, quem

concebe esteticamente a modinha.

2.3.1 A modinha

20
21

A modinha é considerada o primeiro gênero de canção

genuinamente brasileiro a promover o hibridismo das influências

culturais dos indígenas, africanos e europeus. No livro Compêndio

narrativo do peregrino da América, escrito por Nuno Marques Pereira e

editado nas primeiras décadas do século XVIII, consta o registro de que,

já no fim do século XVII, brancos e mestiços da Bahia cantam quadrinhas

da época acrescidas de criações pessoais, causando, a princípio, a

indignação dos mais conservadores. (Caldas, 1989, p.19)

Em 1775, Domingos Caldas Barbosa vai a Lisboa, onde choca e

seduz a corte da Rainha Dona Maria I, ao apresentar sua desenvoltura

no canto e no toque da viola, cheio de trovas dirigidas às mulheres e

refrões maliciosos. A sensualidade, da forma e do conteúdo, das

modinhas de Caldas Barbosa marca o rompimento definitivo com a

antiga temática musical e com os valores morais da elite tradicional.

Elite que se torna mais diversa e numerosa com a exploração das

minas de ouro brasileiras. A boa recepção do cantor carioca pela corte

de Lisboa mostra que tais canções estão em sintonia com os novos

costumes da vida cortesã.

Após um longo período de absolutismo e sepultada a rigorosa

moral imposta pela Inquisição, a nova burguesia liberta-se de

preconceitos, a forma desvelada com que Caldas Barbosa aborda o amor

sensual encontra, assim, cada vez menor resistência e chega a embalar

sarais sob tetos nobres, como revela Antônio Ribeiro dos Santos,

21
22

português doutor em cânones, em seus Manuscritos, de fins do século

XVIII. Na descrição de um sarau de meados dos setecentos, realizado na

casa da Marquesa de Alorna, mulher de Dom Pedro de Almeida, o Conde

de Assumar. Este governa a Capitania de São Paulo e Minas do Ouro

(1717 - 1721) e reprime a insurreição em Vila Rica. Ribeiro dos Santos

afirma ter ficado ofendido com as tais “cantigas amorosas de suspiros,

de requebros, de namoros refinados, de garridices” (Tinhorão, 1974,

p.11)

A experiência de liberdade da corte colonial refletida nas

modinhas faz sucesso na metrópole e, no entardecer do século XVIII, já é

habitual designar pelo nome genérico de modinha quaisquer cantigas

populares do Brasil

Na segunda metade do século XVIII, compositores eruditos

aventuram-se a fazer modinhas em Portugal, as transcrições para o

pentagrama alavancam o processo de deformação do gênero, processo

que se acelera com a exposição à influência da ópera italiana.

Mais tarde, no século XIX, a modinha desperta o interesse dos

músicos de escola, fato que a transforma em canção camerística.

Somente com o advento das serenatas à luz dos lampiões de rua, já às

vésperas do século XX, a modinha volta a incandescer em seu berço,

nas vozes e no dedilhar dos violeiros boêmios.

A nova geração de filhos da classe média urbana, jovens

profissionais liberais e amantes da literatura, pavimenta o caminho para

22
23

a repopularização da modinha. A Tipografia de Paula Brito, fundada pelo

tipógrafo, livreiro, editor e poeta, Francisco de Paula Brito em 1831, na

Praça da Constituição, hoje Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro, é a sede

desse movimento.

Ponto de encontro dos chamados “homens de espírito” da época,

na loja de Paula Brito conta-se com a presença de José de Alencar,

Gonçalves Dias e Machado de Assis, pioneiros da literatura romântica no

Rio de Janeiro e do poeta Laurindo Rabelo que com suas modinhas

anima as conversas. Desses encontros, nasce a idéia da criação da

Sociedade Petalógica, uma associação de artistas, na qual filiam-se

trovadores, seresteiros, poetas, romancistas, compositores e demais

amantes das artes e da boemia.

A mistura de instrumentistas populares e gênios da literatura no

culto da modinha rejuvenesce o gênero ao libertar as melodias da

afetação acadêmica e polir as letras na fonte da poesia romântica.

Bem como no Rio de Janeiro, o retorno da modinha às raízes

populares, é traçado na Bahia pelas jornadas – às vezes paralelas, às

vezes conjunta – de intelectuais e trovadores de violão de rua, convivas

das tavernas, salões, teatros e demais redutos de notívagos.

“O violão, tido como um instrumento menor,


dos boêmios e vagabundos, substitui o
aristocrático piano. Do mesmo modo, e agora
em definitivo, as ruas, as esquinas, passam a
ser o ponto de encontro dos admiradores da

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24

modinha. Era a sua consagração. A partir daí ela


se tornaria um hábito popular” (Caldas, 1989,
p.22).

A busca pelo típico é um dos meios de afirmação da identidade,

seja de uma pessoa ou de uma nação, e a modinha tem papel

fundamental na formação da cultura popular urbana brasileira por

sintetizar o sentimento nativista emergente na sociedade do período

colonial.

2.3.2 O lundu

Em 1549, desembarcam nos portos brasileiros os primeiros negros

vindos da África. Com eles vem o lundu, o pioneiro entre os gêneros

musicais posteriormente denominados afro-brasileiros. O lundu presta-

se a dança com ou sem par movida a percussão, cítara e viola e é,

segundo Waldenyr Caldas, “extremamente sensual e insinuante”.

No fim do século XVIII, o lundu atravessa as grades das senzalas e

os limites dos quilombos e entra nos palácios e casarões, tornando-se o

lundu de salão, ritmo estimado por muitos burgueses e intelectuais.

Contudo sua origem africana compromete o prestígio do lundu na

sociedade da época. A igreja e os intelectuais mais reacionários o

acusam de ser um “verdadeiro atentado ao pudor e aos bons costumes

da família”.

24
25

Por volta de 1820. o lundu passa a ser aceito pela cultura oficial,

então sob o nome de lundu-canção, mas com prejuízo e deformação de

suas característica essências. Ele é lapidado, mutilado de sua “natureza

resistente e rude”, segundo Adorno, este é um processo ao qual

submetem os produtos da cultura popular aderidos pela cultura

dominante.

“Poderia aparecer outro lundu, é claro, como


realmente apareceu, mas com as
transformações estéticas introduzidas pela
aristocracia. A cítara, a viola e o violão, tocados
nas ruas para os lunduzeiros dançarem,
cederam lugar ao piano nos salões imperiais”
(id, p.10).

Com sua rigorosa descaracterização e a proibição oficial do lundu-

dança de rua, fazendo-o retornar, agora na clandestinidade, aos

quilombos e senzalas, o ritmo perde também a função social de

propiciar a convivência entre as classes populares e as demais

mobilizações decorrentes deste contato.

O andamento musical e a estrutura melódica do lundu sobrevivem

em outras danças e cantos de origem africana. O maxixe, muito em

voga no Rio de Janeiro no final do século XIX, e o samba, considerado

descendente direto do maxixe, conservam a síncope africana do lundu.

3 Música na indústria cultural

25
26

Cerca de 130 anos depois da concepção da modinha e após a sua

consagração como matriz estética da música popular brasileira, surge o

disco no Brasil. Em 1902, a canção Isto é bom de Xisto Bahia, na voz de

Baiano, torna-se o primeiro registro fonográfico do país, aliás, o pioneiro

na fabricação de um disco com gravação dos dois lados. A façanha é

crédito de Frederico Figner, fundador da Casa Edison.

Até o surgimento das gravações, o comércio de música se realiza

de formas muito elementares: cobram-se pelas entradas nos teatros e

câmaras de concerto onde os músicos apresentam seus números;

contratam-se músicos para animação de festas e bailes; vendem-se

partituras para piano, encadeando três agentes – o compositor, o editor

e o vendedor de instrumentos musicais. Estes elos se tornam mais

complexos à maneira que a música se integra ao lazer cotidiano e ao

avanço da tecnologia.

O nascimento do registro fonográfico é a criação de um novo

aspecto na relação do homem com a música. Antes do disco, para a

apreciação da música é imprescindível haver uma apresentação in loco

do músico. Com a possibilidade da reprodução ad infinitum, a partir da

gravação de uma única performance, a música pode ser entesourada,

transportada e, conseqüentemente, muito mais divulgada,

comercializada e consumida.

Em A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, Walter

Benjamin trata da desauratização da obra de arte e alerta para as suas

26
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novas funções e percepções do público advindas com as técnicas de

reprodução.

“... hoje a preponderância absoluta do seu valor


de exibição confere-lhe funções inteiramente
novas, entre as quais aquela de que temos
consciência – a função artística – poderia
aparecer como acessória” (Benjamin, 1987).

A invenção do disco acelera a dissolução dos aspectos

cerimonialísticos da apreciação da música e acentua a exploração dos

seus potenciais mercadológicos – muitas vezes em detrimento do valor

artístico. A indústria fonográfica é tida como um dos maiores ícones da

cultura de massa e não costuma ser absolvida pelos críticos da

padronização cultural. Theodor Adorno concentra na música

contemporânea sua artilharia ao criticar a indústria cultural, termo

lançado por Adorno e Horkheimer na coletânea de ensaios A Dialética do

Esclarecimento.

A indústria cultural é marcada pela profusão de meios de

comunicação, quando a lógica do capitalismo e suas relações de troca

absorvem as produções culturais, o que um dia fora cultura,

manifestação do espírito adquiriu status de produto e, por conseqüência,

valor de troca para quem o produz e valor de uso para quem o consome.

Os bens culturais cooptados pela lógica industrial deixam de ser

bens culturais e passam a ser apenas bens materiais. “As produções do

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espírito no estilo da indústria cultural não são mais também

mercadorias, mas o são integralmente”, afirma Adorno.

O apagamento da consciência das diferenças está no cerne da

mensagem dirigida às massas através dos bens culturais midiatizados.

Cada espectador é apenas mais um em meio a tantos outros. Nada lhe é

específico. Dizem os alemães: “a indústria cultural realizou

maldosamente o homem como ser genérico. Cada um é tão somente

aquilo mediante o que pode substituir todos os outros, ele é fungível, um

mero exemplar. Ele próprio, enquanto indivíduo, é absolutamente

substituível, o puro nada”.

De fato, a música é veiculadora da ideologia do estado e existe

grande produção de música desenraizada, étnica e historicamente, para

consumo massivo, homogeneizador. Mas nunca desaparece a expressão

musical contestadora, anárquica, seja pelo seu conteúdo ou pela suas

formas de fruição. A visão apocalíptica dos frankfurtianos não se realiza

plenamente e a realidade que se constata em tempos hodiernos é que

os meios de comunicação de massa estão longe de controlar a

constante construção de símbolos que nutrem o corpo social e o mundo

da música.

3.1 Crise da indústria fonográfica

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A proliferação de troca de arquivos de MP3, a transmissão dos

mesmos pela web e o barateamento dos equipamentos domésticos para

a gravação de CD’s alimentam um mercado paralelo de música que vêm

ameaçando de extinção a oligopolista indústria fonográfica.

Não se trata, de forma alguma, de interesse menor pela música.

Os consumidores querem acesso fácil e barato - ou, se possível, gratuito

- à música; os artistas e gravadoras esperam ser (generosamente)

remunerados pelos frutos de seus trabalhos e investimentos.

Considerando a gravação e a comercialização de música como

apenas um das mais recentes episódios da relação do homem com a

música nota-se que pagar por música não é assim tão óbvio.

A indústria fonográfica nasce e cresce dentro de um longo

processo de avanços técnicos aliados à uma exponencial profanação e

banalização da arte musical. Banalização que a própria indústria

alimenta no seio de suas práticas de mercantilização.

A articulação da música com outras formas de expressão é uma

estratégia comum na divulgação de cantores e bandas, principalmente

dos segmentos pop - o mais lucrativo e, paradoxalmente, o mais

pirateado. Dentro desse contexto, vendem-se de chicletes a xampus, de

calçados a postais autografados e, ainda que indiretamente, outros

produtos que podem não carregar a imagem ou a marca de cantores,

bandas ou gravadoras, mas estão, de alguma forma, relacionados a um

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“hit do momento” ou à uma personalidade em evidência no meio

musical. (Silva, 2001)

A agregação de fatores extra-musicais não é mais uma garantia de

sucesso na venda de CD’s. Os consumidores elegem os arquivos de MP3

ou os discos das barraquinhas de camelôs e desprezam elaborados

encartes e uma infinidade de selos de garantia. Desde que começa a

extinção dos frágeis e cultuados discos de vinil simultânea à

proliferação dos cassetes, seguidos pelos CD’s e estes pelo invisível

MP3, o “valor de culto” dos suportes de música está em queda livre. Ou

seja, a dissociação entre o conteúdo e o contingente musical,

proporcionados pelo progresso tecnológico e promovidos como festa

pela indústria fonográfica, sai pela culatra.

No fim dos anos 1990, os debates sobre convergência de mídias e

estratégias de distribuição deixam o conteúdo negligenciado, os

retornos financeiros imediatos têm privilégio sobre os investimentos em

criatividade. Entre tantos equívocos, a indústria fonográfica é relapsa

com os amantes de música, uma categoria de clientes menos numerosa

e menos móvel que as do segmento pop, por exemplo, porém mais fiel e

ativa.

Por outro lado, a oferta nos segmentos pop é excessiva e gratuita.

Lançamentos em série, muitos novos nomes, muitas modas. E a moda

tem garantia de obsolescência a cada estação. Se em um verão a

onomatopéia é “ileleiá”, no outro pode se esperar por “lalalaiê” ou

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talvez “aialelê”. Dessa maneira, ainda que inconscientemente, o

consumidor modista aprende que não vale a pena investir tão alto no

entesouramento desse tipo de música e, com os CD’s piratas custando

em torno de 10% do valor dos CD’s originais, o mercado pirata floresce.

A matéria do Jornal Nacional citada para ilustrar a introdução deste

trabalho sugere que os dirigentes das grandes gravadoras estejam

imbuídos do sentimento de defesa da cultura brasileira, e a defendem

através do combate à pirataria. Justificam a campanha antipirataria pela

relação direta entre a saúde financeira de suas empresas, a dignidade

de seus contratados (os artistas) e o enriquecimento da cultura nacional.

São fatos que nem toda música do Brasil foi, está sendo ou será

um dia lançada pelas empresas filiadas à Associação Brasileira dos

Produtores de Discos e nem todos os músicos estão preocupados com as

burocracias em torno da arrecadação de direitos autorais pela venda de

CD’s.

Uma observação nas opções de lazer musical de cidades como o

Rio de Janeiro revela uma profusão de bandas e cantores, com

satisfatórias platéias e CD’s em circulação, muitos totalmente

desvinculados de gravadoras de qualquer porte que seja.

O mal que aflige as empresas oligopolistas do mercado de música

pode ser solucionado com a retomada de um princípio básico para

qualquer atividade capitalista que se pretenda lucrativa: fabricar coisas

que as pessoas queiram e/ ou precisem e possam pagar para usufruir.

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Música além da indústria fonográfica

“A crise da indústria não traz consigo a morte


da música. Nenhum dos grandes mestres do
passado precisou cobrar direitos autorais para
inventar o que ainda hoje chamamos de
música” (Grebb, s.d.)

4.1 Chiquinha Gonzaga

É creditada à Francisca Edwiges Neves Gonzaga (1847 – 1935), a

Chiquinha Gonzaga, a criação da marcha, um dos gêneros de música

urbana reconhecidos como mais autenticamente cariocas. Inspirada nos

ranchos que tomavam as ruas durante o carnaval e, no fim do século

XIX, passaram a desfilar com um pouco mais de disciplina, imitando as

procissões religiosas, a maestrina criou, em 1899, a marcha Ó abre alas,

que até hoje é um dos maiores sucessos da história da música de

carnaval em todo o Brasil. (Tinhorão, 1998, p.240)

Em 1905, a Casa Edison reproduz em estúdio e grava em disco o

coro de um cordão carnavalesco cantando Ó abre alas. No entanto, a

marcha já constitui patrimônio popular e é bradada por foliões anônimos

nas ruas, durante os carnavais.

Nas primeiras décadas do século XX, quando o violão é

desprestigiado e considerado vulgar, Chiquinha Gonzaga organiza, no

Teatro São Pedro, um concerto com a participação de centenas de

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violonistas oriundos de toda periferia carioca, para executar um

programa exclusivamente de música popular.

Antes de lançar um selo e realizar o registro fonográfico de

composições próprias e de parceiros, ela mesma edita suas partituras e

vende pelas ruas, sarais e tavernas do Rio de Janeiro. Juntamente com

João Gonzaga, funda os selos Popular e Juriti para divulgar trabalhos

considerados não comercias pelas gravadoras. É no suplemento

inaugural do selo Popular que o cantor Francisco Alves faz seu primeiro

registro fonográfico, a canção Pé de Anjo, sucesso no carnaval de 1920.

4.2 Vanguarda Paulista

A Vanguarda Paulista, reunião de um pequeno conjunto de

músicos e poetas de reconhecida qualidade técnica e idéias

revolucionárias, surge em fins dos anos 1970 na cidade de São Paulo.

Essa geração de artistas vive em um momento histórico tão

efervescente quanto arriscado, a ditadura militar, para a projeção e

divulgação de seus trabalhos no contexto do movimento da contra-

cultura que se desenvolve, até pelo menos, os primeiros anos da década

de 1980.

O grande disco da Vanguarda Paulista e grande marco é Clara

Crocodilo de Arrigo Barnabé, que sai em 1980 por um selo

independente. Acompanhado pela Banda Veneno - formada por Tetê

Espíndola, Itamar Assumpção e Vânia Bastos, que depois trilham

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carreiras solos - em Clara Crocodilo há uma inusitada mistura de jazz e

samba. (Fenerich, s.d.)

Utilizando-se de espaços alternativos e de meios independentes

para a produção seus trabalhos, esses músicos criam uma relação

tensa, que se prolonga para além dos anos 1980, com a indústria

cultural. Em particular com as gravadoras atualmente conhecidas como

majors, seja pela linguagem musical utilizada, pela temática abordada

em suas canções ou mesmo pela postura crítica diante dos produtos

culturais difundidos pela indústria de diversões.

4.3 Rock na Varanda

No ano de 2002, no bairro do Méier, na cidade do Rio de Janeiro,

um grupo de amigos se encontra para ouvir e tocar rock. Até que o som,

princípio despretensiosamente, conquista mais adesões e transforma a

casa do anfitrião na mitológica Casa de Madeira.

“O Rock já acontecia naturalmente. Só foi batizado. A gente

percebeu que tinha muitos amigos envolvidos com arte e pensou em

reuní-los num evento que fosse maior que o nosso círculo de amizades”

conta Fred Entringer, um dos organizadores. (Motta, 2003)

O evento, realizado em uma tarde de sábado a cada mês, propõe

o diálogo entre música, poesia, teatro, fotografia e artes plásticas. A

varanda da Casa de Madeira é transformada em palco e as

dependências da casa, em camarins para os diversos artistas que lá se

apresentam a cada edição.

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Com divulgação realizada, basicamente, a partir de e-mails e

filipetas distribuídos pelos organizadores e freqüentadores mais

assíduos, o Rock na Varanda cresce a cada edição, chegando a reunir

trezentas pessoas, o máximo suportável pelo quintal, pelas escadas e

pelo terraço da Casa de Madeira. Espaços onde são vendidos os CD’s -

muitos produzidos pelos próprios músicos, outros, por pequenas

gravadoras – das bandas que se revezam no palco-varanda, a cada

edição.

O sucesso chama a atenção da gravadora BMG, que propõe, no

ano de 2003, à catorze das bandas mais freqüentes na varanda o

lançamento de um CD, ainda não concretizado até o momento. Além da

possibilidade do disco e da lotação, outro sinal de sucesso da iniciativa é

a sua expansão. Em setembro de 2004, é lançado, pelo mesmo grupo de

amigos, o Rock na Areia, evento semelhante ao Rock na Varanda, porém

realizado na Praia do Recreio dos Bandeirantes.

O Rock na Varanda, embora não proponha explicitamente

nenhuma revolução estética ou temática, é um exemplo de iniciativa

realizada às margens dos meios formais de circulação de bens culturais.

Trilha um caminho parecido com o de movimentos como a Bossa Nova e

o Tropicalismo que, respectivamente, nas décadas de 1950 e 1970,

utilizam expressões musicais estrangeiras como o jazz e o próprio rock

na estruturação de suas identidades e têm como núcleo criador e

propagador informais reuniões de amigos.

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Também ilustra como as facilidades de acesso a recursos como a

internet tendem a proporcionar um circuito mais descentralizado e

diversificado de produção e divulgação de produtos culturais.

4.4 Jongo da Serrinha

O jongo é uma adaptação de ritmos trazidos pelos negros bantos

vindos de Angola, alocados como escravos nas fazendas do Vale do

Paraíba. Os senhores brancos das fazendas permitem que os escravos

dancem o jongo após o trabalho e em dias santos, como forma de

descanso e divertimento em contraposição ao trabalho forçado.

Com o fim do regime escravista e com a subseqüente falta de

perspectivas no então decadente Vale do Paraíba, os negros ex-escravos

e seus primeiros descendentes migram para o Rio de Janeiro, na virada

do século XIX para o XX. Atingidos, como se sabe, pelo processo de

reurbanização da capital, deixam o centro da cidade, e se instalam no

alto dos morros, nas primeiras favelas, na periferia.

Dança-se o jongo no Morro de São Carlos, no Salgueiro, no Morro

da Mangueira, no Morro da Serrinha em Madureira, berços das primeiras

escolas de samba. Nos anos 30, o jongo começa a desaparecer. Marcos

André, pesquisador do jongo e membro do Grupo Cultural Jongo da

Serrinha, cita como motivos para isso o próprio contato com o ambiente

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urbano, modificando a tradição, além da morte dos jongueiros mais

idosos.

O Morro da Serrinha, por estar mais afastado do centro, em

Madureira, conserva um ambiente rural, sendo um lugar mais propício

para a manutenção da tradição. Assim, enquanto o samba oficializado

ganha espaço incontestável, suas raízes rurais, e o jongo é o maior

exemplo, definham.

No fim da década de 1960, Darcy Monteiro, o Mestre Darcy do

Jongo, convida os jongueiros mais antigos para formarem o grupo Jongo

da Serrinha, a fim de evitar que o último núcleo de jongo da cidade

morresse. Como estratégia de preservação, transformam as rodas em

espetáculos, assim como decidem permitir o ingresso das crianças nas

rodas, até então um tabu, que dificulta o aprendizado da dança pelas

novas gerações, impedindo a renovação.(Morais, s.d.)

A idéia de Mestre Darcy do Jongo posta em prática teve seu ápice

com a realização do espetáculo de sucesso apresentado no Teatro

Carlos Gomes, em 2003, e com a subseqüente produção de um CD com

os músicos do grupo. A ampla divulgação do evento, que lhe rende

capas dos suplementos culturais dos principais jornais cariocas,

certamente é um fator decisivo para o sucesso do espetáculo.

A estratégia de Mestre Darcy, de voluntariamente procurar por

espaço midiático e social como tentativa de sobrevivência, atesta a

ineficiência do modelo de análise que atribui uma suposta passividade

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dos setores da cultura tradicional frente a uma postura ativa verificável

somente por parte da indústria cultural.

4.5 Tecnobrega

A cidade de Belém, capital do estado do Pará, é também a capital

do tecnobrega, uma versão acelerada da jovem-guarda dos anos 60,

feita exclusivamente com sons eletrônicos. Considerando a tradição

ultra-romântica enraizada na música brasileira ainda nos tempos das

modinhas de Caldas Barbosa, nada de radicalmente novo debaixo do

sol.

O tecnobrega pega a contramão quando se nota a eficiente cadeia

produtiva desenvolvida a partir desta expressão musical. Um mercado

100% à margem das redes de distribuição mirabolantes, do marketing

bélico, das chamadas de TV em cadeia nacional e, principalmente, das

cifras estonteantes que habitam o mercado oficial de música.

Os paraenses fazem circular cerca de 2000 novos títulos de CD’s

de tecnobrega por ano. As músicas tocam nas rádios locais e nas festas

de aparelhagens, os grandes bailes de periferia movidos a monumentais

equipamentos de som, servidos de teclados, monitores de tela plana,

amplificadores, samplers e demais requintes proporcionados pela

tecnologia do presente. (Vianna, 2003)

O tecnobrega dá os seus passos inicias em 2002, mas vira atração

principal das festas de aparelhagem em 2003. O MP3 é a principal mídia

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para a divulgação das músicas, vai para os DJ’s das festas de

aparelhagens, para os programas de rádio e para as fábricas domésticas

de CD’s, que abastecem as barracas dos camelôs. Os músicos colhem

seus reais nas apresentações ao vivo, fechando um ciclo de produção

harmônico e totalmente paralelo à economia formal.

O estilo de comunicação e a forma de mercantilização do

tecnobrega são fatores que o tornam desafiador. Atender, sem qualquer

tensão, à faixa da população que não tem recursos financeiros para

adquirir um CD de R$20, mas pode pagar cerca de R$5,00 por um

ingresso para ouvir música, cantar e dançar em um "quintal" a céu

aberto é exatamente a limitação que as gravadoras e artistas do

mainstream se auto-impuseram.

5 Considerações Finais

O princípio fundamental da acústica trata da impossibilidade da

propagação do som no vácuo. O som precisa de meios materiais para se

propagar. Como se vê a circulação de música marginal ao circuito das

gravadoras consagradas nacionalmente, embora esteja em pleno

desacordo com suas expectativas mercadológicas, afina-se com

perfeição às leis da física.

A atitude sem-cerimônia cultivada pelo homem contemporâneo

diante da parafernália técnica e dos bens culturais tem servido de meio

de propagação para a chamada produção independente de música e

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para a pirataria dos lançamentos da indústria oficial. Entre os bens

culturais produzidos e veiculados pelos meios de comunicação de massa

e a realidade cultural das nossas cidades, portanto, não há vácuo. O

espaço está preenchido por manifestações que não esperam a

legitimação da TV em cadeia nacional, nem a exaustiva repetição em

rádios FM.

É claro que quem faz música quer transmitir uma mensagem,

busca a identidade com determinado público que, eventualmente,

retribui com prestígio e dinheiro. Mas a expressão através da música é

uma necessidade que extrapola a ambição de fazer fama e fortuna. A

posse dos meios de produção não assegura à quem quer que seja o

monopólio da produção ou divulgação musical em nenhuma parte do

mundo.

Música não é apenas arte. É fenômeno e consciência social,

mesmo quando explicitamente nada tem de política. Quando os

lunduzeiros requebram a pélvis no Brasil colonial e os tropicalistas

gravam onomatopéias indecifráveis e sons de vidros a se estilhaçarem,

eles estão fazendo declarações sobre os costumes morais ou a estética

do seu tempo. Logo, dizer “eu quero que você se top top”, “amo tanto e

de tanto amar acho que ela é bonita” ou “vamos cuspir o lixo em cima

de vocês” são atitudes políticas em diferentes épocas.

A música é um instrumento de transformação social poderoso.

Nenhuma arte tem tanto impacto no modo como as pessoas se falam, se

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amam, se vestem, se despem, se comportam, no modo como encaram

seus governos, suas instituições e seus concidadãos.

Exemplos como o paraense tecnobrega e o carioca Rock na

Varanda, além da desobediência inconseqüente de preceitos

macropolíticos, são a sinalização de uma tendência de dilaceramento da

produção musical, não é o fim da indústria fonográfica. Quaisquer e

quantos sejam os meios de comercializar a música, não há porque

mudar o nome da atividade, ainda é uma indústria fonográfica, porém

muito mais próxima da diversidade de expectativas geradas pela

experiência humana.

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