Psiquiatra diz que os homens estão em dúvida sobre o papel masculino e não sabem mais como
lidar com as mulheres
Juliana De Mari
Ricardo Benichio
"O homem é o sexo frágil. Está obcecado pelo trabalho e assustado com a obrigação de dar
prazer à mulher."
O psiquiatra paulistano Luiz Cuschnir especializou-se num autêntico vespeiro: a guerra dos sexos.
Depois de vinte anos de trabalho, sua conclusão é que os homens se tornaram o sexo frágil. São
eles que estão à beira de um ataque de nervos, atordoados com a revoada feminista, infelizes e
vulneráveis. Nem no sexo estão à vontade, pois se sentem na obrigação de dar prioridade ao
prazer da parceira. Cuschnir já trabalhou no Men Center, um serviço médico em Washington,
onde conheceu experiências de atendimento específico para homens, e hoje coordena o Gender
Group do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo. Foi ele quem trouxe para o Brasil
o conceito de "masculismo", movimento inspirado no feminismo e que pretende vasculhar a vida
emocional dos homens para ajudá-los a enfrentar a crise de identidade da vida moderna. Aos 50
anos, autor de dois livros sobre o assunto, Homem, um Pedaço Adolescente e Masculino, Como
Ele Se Vê, Cuschnir falou a VEJA.
Veja — Por que ainda pensam assim num momento em que as mulheres ocupam mais espaços
profissionais e conquistam tanta autonomia?
Cuschnir — O homem não consegue delegar completamente à mulher o papel de provedor da
casa. Esse é um dos assuntos em que vive em eterno conflito. Não expõe isso de forma clara
porque teme ser chamado de explorador ou incapaz. Não é só um problema masculino. Na ótica
feminina, o insucesso profissional não deixará de ser visto como uma espécie de fracasso nos
deveres da masculinidade. Uma mulher que vive com um homem de nível profissional inferior ao
dela tende a esperar que ele tenha maior participação nos compromissos financeiros do casal. É
claro que muitas mulheres estão sozinhas, são chefes de família, viram-se muito bem e não
dependem de um homem. É um paradoxo. Se está sozinha, a mulher assume com tranqüilidade o
ônus financeiro. Mas, se tem uma relação afetiva estabelecida, tende a se sentir constrangida
quando assume o papel de provedor da casa.
Veja — O senhor defende uma espécie de feminismo ao contrário, o masculismo. O que vem a ser
isso?
Cuschnir — O objetivo principal do masculismo é tentar reverter o mito de que o homem não
precisa de ajuda, não precisa de tratamento, não precisa de proteção. Não é uma reação ao
feminismo. É uma complementação do movimento das mulheres. O masculismo, como é próprio
dos homens, está crescendo na surdina. O feminismo foi uma guerra porque precisava atuar com
firmeza para conquistar o espaço devido às mulheres e para seu reconhecimento como ser
humano por inteiro. O masculismo não tem esse afã. Ele se propõe a fazer pesquisas sobre o
entendimento da vida emocional masculina, a atender o homem do ponto de vista psicológico e
físico. Vai tentar, no futuro, influir na legislação, para criar programas de proteção ao cidadão do
gênero masculino. Já existem braços fortes do movimento em várias partes do mundo. Os homens
que lutam pela guarda dos filhos no Canadá, por exemplo.
Veja — Como os brasileiros reagem à idéia de deixar para trás o mito do super-homem?
Cuschnir — Quando lancei o primeiro grupo de estudo de gênero de homens no Brasil, no início
dos anos 80, a tendência geral era reagir com muito preconceito. Diziam que o homem não
precisa de ajuda ou consideravam a proposta típica de um grupo de gays. Isso começou a mudar
na década de 90, quando outros pesquisadores perceberam a crise masculina e a importância de
oferecer ao homem ferramentas para que aprendesse a lidar com a vida emocional de maneira
mais tranqüila. Os homens desejam ardentemente mais qualidade de vida e sabem que isso
implica abandonar os velhos mitos da masculinidade.
Veja — Por que é tão difícil para um homem falar sobre suas angústias?
Cuschnir — O homem não fala de suas angústias porque está se preservando da possibilidade de
ser criticado. Ele é educado para não passar vergonha, para nunca ser chamado de tolo. Obriga-
se o menino a enfrentar precocemente situações para as quais ele pode não estar preparado,
mas tem de ir em frente porque é homem. Não pode ter medo dos colegas, não pode voltar
chorando para casa, porque corre o risco de demonstrar excessiva sensibilidade. E sensibilidade,
para um homem, é sinônimo de fragilidade. Ele entra na vida adulta com as emoções resfriadas.
Veja — As mulheres adoram discutir a relação, coisa que os homens odeiam. Vale a pena insistir
nisso?
Cuschnir — É um perigo. Em princípio, um homem evita entrar numa discussão se não tiver
domínio do assunto em pauta. Não pode discutir a relação porque se trata de um tema para o
qual não está preparado. O homem sabe muito pouco sobre as próprias emoções, embora tenha
sentimentos intensos. Outra razão para ele evitar conversas sobre assuntos emocionais decorre
do medo de expor as próprias fraquezas. O que teme, acima de tudo, é que a mulher se aproveite
das confidências para tratá-lo como um fraco.