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CARDIOPATAS E PERÍODO GESTACIONAL:

ASPECTOS DE INTERESSE AO CIRURGIÃO-DENTISTA


PASSARELLI FR
e cols.
Cardiopatas e período
gestacional: aspectos FERNANDO RAMOS PASSARELLI, ITAMARA LUCIA ITAGIBA NEVES,
de interesse ao
cirurgião-dentista
RICARDO SIMÕES NEVES, WALKÍRIA SAMUEL ÁVILA

Unidade de Odontologia – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 –


CEP 05403-900 – São Paulo – SP

O tratamento odontológico em pacientes cardiopatas na gestação implica cuida-


dos especiais para o bem-estar materno-fetal. É sabido que a gravidez, por si só,
proporciona alterações fisiológicas que devem ser consideradas no tratamento den-
tário.
O tratamento em pacientes cardiopatas implica diversas restrições, principalmente
em relação aos medicamentos que podem ser prescritos em caso de necessidade.
Entre eles, destacam-se os anestésicos locais, que, na prática odontológica, são de
suma importância para o conforto do paciente.
Quando o paciente a ser tratado no consultório odontológico é uma gestante
cardiopata, os cuidados devem estar somados ao tipo de cardiopatia e às altera-
ções fisiológicas da gravidez, sendo eles relacionados aos fármacos, ao posiciona-
mento dessa paciente na cadeira odontológica, à época da gestação para o trata-
mento e às alterações fisiológicas da gravidez.

Palavras-chave: cardiopatia, gravidez, odontologia.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6 Supl A:1-6)


RSCESP (72594)-1567

INTRODUÇÃO FISIOLOGIA DA GRAVIDEZ DE IMPORTÂNCIA PARA


O CIRURGIÃO-DENTISTA
O tratamento odontológico de pacientes cardiopa-
tas ainda é motivo de insegurança para muitos profis- O ciclo gravídico-puerperal proporciona inúmeras al-
sionais. Da mesma forma, o tratamento de gestantes terações no organismo da mulher, desde seu início. Al-
também causa algumas incertezas ao cirurgião-den- terações hormonais são notadas desde as primeiras
tista. semanas de gestação, seguidas de alterações meta-
A associação da gravidez com cardiopatia necessi- bólicas, anatômicas e, principalmente, cardiovascula-
ta de cuidados diferenciados pelo cirurgião-dentista, res.
pois tanto a cardiopatia como o estado da cavidade As modificações cardiovasculares(1) mais importan-
bucal sofrem importantes modificações durante a gra- tes são aumento da volemia, do débito cardíaco, da
videz. pressão arterial e da freqüência cardíaca e a diminui-
O conhecimento e o entendimento do cirurgião-den- ção da resistência vascular. Tais alterações ocorrem
tista sobre as cardiopatias associadas à gravidez tor- pela sobrecarga hemodinâmica gerada durante a gra-
nam o tratamento odontológico dessa paciente mais videz, sendo mais intensas no segundo trimestre de
objetivo e seguro. gestação e mais brandas nos últimos meses, aumen-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 (supl A) — Novembro/Dezembro de 2005 1
tando novamente no tra- cional, além da ação dos estrógenos, que promovem
balho de parto. vasodilatação arteriolar. O calor produzido pelo útero
Burwell e colaborado- gravídico e a vasodilatação do leito mamário também
res(2) realizaram um estu- contribuem para a diminuição da resistência vascular
PASSARELLI FR
e cols. do, na década de 1930, sistêmica(11, 13).
Cardiopatas e período propondo que os mecanis- Já as alterações da pressão arterial em gestantes
gestacional: aspectos mos das modificações cir- são pequenas, salvo em alguns momentos do período
de interesse ao culatórias são decorrentes de trabalho de parto. Nas fases iniciais do trabalho de
cirurgião-dentista da formação de fístulas ar- parto, as contrações uterinas podem ser acompanha-
teriovenosas, relaciona- das pela elevação da pressão arterial(1). No início do
das com a fragilidade vas- trabalho de parto, a pressão sistólica pode aumentar
cular da circulação útero- cerca de 25 mmHg e a diastólica pode aumentar cerca
placentária. Já em 1963, Glaviano(3) conclui que há re- de 35 mmHg, podendo chegar a até 65 mmHg próximo
dução do débito cardíaco pela oclusão da artéria uteri- ao período expulsivo(11, 13).
na. Entre as alterações fisiológicas da gravidez, a fre-
As repercussões cardiovasculares que mais acar- qüência cardíaca é a que menos se altera, alcançando
retam intercorrências no atendimento odontológico a os maiores valores entre 10 e 20 batimentos por minu-
gestantes estão relacionadas à compressão da veia tos a mais que o normal em torno da 28ª à 32ª sema-
cava inferior pelo útero gravídico, quando a gestante nas de gestação. Tal aumento não é significante para
assume a posição dorsal. De acordo com Kerr e cola- uma gestação típica(1). A freqüência é máxima na posi-
boradores(4, 5), essa situação provoca o desenvolvimento ção sentada, mínima em decúbito lateral esquerdo e
de uma circulação paravertebral para tentar suprir a mediana em decúbito dorsal(13).
redução do retorno venoso e débito cardíaco, que pode
favorecer uma síncope, situação esta chamada de “sín- ODONTOLOGIA, CARDIOPATIA E GRAVIDEZ
drome da hipotensão da posição supina da gravidez” e
que decorre de uma circulação paravertebral insufici- No campo odontológico, é comum o aumento da
ente. Em 1968, Kerr(6) atribuiu a hipotensão supina não salivação até o quinto mês de gestação, atribuído a
só à diminuição do retorno venoso da cava inferior, mas reações vagotônicas e irritações locais, que, por meio
também ao estímulo vasovagal que acarreta bradicar- do nervo trigêmeo, estimulam a secreção da saliva
dia, sendo esta a explicação mais aceita para a ocor- pelas parótidas. Outra alteração muito comum é a hi-
rência da síndrome. pertrofia gengival, conhecida como gengivite gravídi-
Dentre outras alterações fisiológicas que ocorrem ca, causada pelas alterações hormonais desse perío-
na gravidez, há o aumento do volume sanguíneo(7), ob- do. Os sinais e sintomas dessa gengivite tendem a de-
servado já em 1915, situação conhecida como hiper- saparecer por completo após o parto. Apesar disso,
volemia, que é, em média, de 40%, segundo estudos deve ser controlada com higiene oral rigorosa, remo-
realizados por Goodlin e colaboradores(8) em 1964. Esse ção de fatores irritativos (como próteses) e utilização
aumento resulta de 45% a 55% de volume plasmático de vitamina C e sais minerais por via sistêmica em ca-
e de 20% a 30% de massa eritrocitária, gerando a di- sos graves. Quando a hipertrofia evoluir para tumores
minuição do hematócrito e da hemoglobina e ocasio- gengivais, a remoção cirúrgica é indicada no período
nando uma condição chamada de “anemia fisiológica mais propício da gravidez(14).
da gravidez”.(9, 10) Quanto à cárie dentária, não existem trabalhos con-
Uma das alterações mais importantes encontradas clusivos de que alterações hormonais, aumento da sa-
em mulheres grávidas é a elevação do débito cardía- livação, modificações do pH bucal e presença de vômi-
co, entre 40% e 60% do valor pré-gravídico, alcançan- tos, em algumas mulheres, tenham alguma relação com
do seu pico em torno da 28ª à 32ª semanas de gesta- a atividade cariogênica. A única conclusão em comum
ção.(10-12) entre estudiosos dessa área é que o aumento da cárie
No decúbito lateral esquerdo ocorre redução do durante a gestação, quando ocorre, resulta do mau
débito cardíaco e facilidade de retorno sanguíneo pela estado bucodentário da gestante(14).
veia cava inferior, diminuindo também o risco de sín-
drome da hipotensão supina(13). A manobra de empur- DISCUSSÃO
rar o útero para a esquerda é de grande valia para o
tratamento odontológico, principalmente no último tri- A doença cardíaca é a quarta causa indireta de mor-
mestre de gestação. talidade materna, no ciclo gravídico-puerperal, segun-
A diminuição da resistência vascular sistêmica é con- do o Comitê de Mortalidade Materna de São Paulo
seqüência das modificações durante o período gesta- (1998). Dentre as doenças cardíacas que mais ofere-

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cem riscos às gestantes e tonturas, pré-síncopes e síncopes. Nesses casos, o tra-
aos fetos destacam-se as tamento precoce é recomendado. O maior cuidado que
doenças valvares (15), as o cirurgião-dentista deve tomar em relação às arritmi-
cardiopatias congênitas, a as é quanto ao uso de vasoconstritores, que aumen-
PASSARELLI FR
e cols. doença de Chagas, a car- tam a freqüência cardíaca e a pressão arterial, fatores
Cardiopatas e período diomiopatia hipertrófica e estimulantes para a ocorrência de arritmias(24). Além
gestacional: aspectos outras de menor risco, que disso, vasoconstritores como a felipressina podem au-
de interesse ao devem ser consideradas, mentar as contrações uterinas, levando ao aborto es-
cirurgião-dentista como as arritmias, a hiper- pontâneo ou ao parto prematuro. Assim sendo, Torta-
tensão arterial sistêmica, mano e colaboradores(14) recomendam o uso de anes-
e o uso de marcapasso e tésicos locais sem vasoconstritor para as pacientes
de anticoagulantes. gestantes e cardiopatas. Vasconcellos e colaborado-
No Brasil, cerca de 50% das doenças cardíacas ob- res(25) recomendam o uso de bupivacaína e lidocaína
servadas em gestantes estão relacionados à doença como anestésicos locais.
reumática crônica(16). A avaliação correta da lesão val- A hipertensão arterial sistêmica é outra condição
var e das repercussões hemodinâmicas tem reduzido que o cirurgião-dentista tem capacidade, por meio de
a taxa de morbidade e de letalidade materno-fetal quan- simples cuidados, de evitar riscos e complicações em
do diagnosticadas no início da gestação(17). pacientes cardiopatas gestantes durante o atendimen-
De acordo com as recomendações da Sociedade to odontológico, como o uso de anestésicos locais sem
Brasileira de Cardiologia, em toda valvopatia decorrente vasoconstritores(14) e o controle da ansiedade por meio
de doença reumática é necessária a profilaxia antibió- de benzodiazepínicos(26, 27). Dentre as complicações
tica antes de alguns procedimentos odontológicos, para mais comuns da hipertensão, destaca-se o risco de
a prevenção de endocardite infecciosa, que pode de hemorragias, de pré-eclâmpsia e de eclâmpsia(28).
alguma forma tornar a gestação inviável se ocorrer Em relação às medicações sistêmicas utilizadas na
nesse período. Além disso, a endocardite infecciosa prática odontológica, segundo Sonis e colaboradores(24),
pode não só tornar inviável a gestação, mas também deve-se evitar o primeiro trimestre de gestação. Quan-
causar morbidade e mortalidade materna. to ao uso de antibióticos, há contra-indicação para te-
As cardiopatias congênitas mais comuns em ges- traciclinas e aminoglicosídeos(14, 29). As penicilinas, as
tantes são as acianóticas, que, na maioria das vezes, eritromicinas e a clindamicina não possuem efeitos te-
são corrigidas na infância por apresentarem altas ta- ratogênicos ao feto(14, 24). Quanto ao uso de analgési-
xas de mortalidade. De maneira geral, as alterações cos e antiinflamatórios, durante o primeiro trimestre de
fisiopatológicas vão depender do tipo, do tamanho e gestação pode ocorrer má formação fetal e risco de
do local do defeito. As gestantes portadoras de cardio- aborto espontâneo no último trimestre(30, 31). A utiliza-
patias congênitas estão sujeitas, principalmente, a in- ção de antiinflamatórios durante a gravidez não é re-
fecções pulmonares, insuficiência cardíaca, arritmias comendada; porém, se for necessário o uso dessa
e endocardite infecciosa. Novamente, a prevenção da medicação nesse período, autores como Tortamano e
endocardite infecciosa feita pelo cirurgião-dentista é de colaboradores(14) e Sonis e colaboradores(24) recomen-
fundamental importância(18, 19). dam o uso de derivados do paraminofenol (paraceta-
Outra cardiopatia importante é a cardiomiopatia hi- mol), por apresentarem menores interações medica-
pertrófica, que tem como característica uma hipertro- mentosas, principalmente com as drogas de uso cardi-
fia inapropriada do miocárdio, geralmente envolvendo ológico. É recomendada, também, a troca da warfarina
o septo interventricular e apresentando um ventrículo sódica por heparina durante todo o ciclo gravídico(32),
esquerdo não dilatado(20, 21). As alterações pertinentes levando em conta os riscos que a heparina pode pro-
à gravidez oferecem risco em potencial às portadoras vocar, quando usada por longos períodos, como alo-
dessa cardiopatia, podendo ocorrer morte súbita nes- pécia, osteoporose e fraturas de vértebras e costelas(29).
sas pacientes(22, 23). Dentre as complicações mais fre- Além disso, o cirurgião-dentista tem por obrigação in-
qüentes associadas à gravidez, destacam-se dispnéia, vestigar se a gestante cardiopata usa algum tipo de
palpitações, precordialgia e tontura(20). Tais sintomas anticoagulante, como warfarina sódica ou heparina, pois
podem ser minimizados ou até evitados quando o tra- a interação medicamentosa, principalmente com an-
tamento odontológico dessas pacientes é realizado em tiinflamatórios, é perigosa pelo alto risco de hemorra-
decúbito lateral esquerdo(5). gias, podendo levar à perda do feto. Além disso, ges-
Em relação às arritmias, elas próprias são fisiológi- tantes que usam anticoagulante oral podem apresen-
cas do período gestacional. Na maioria das vezes, as tar alterações fetais severas, conhecidas como síndro-
arritmias são conseqüências de cardiopatias e podem me warfarínico-fetal, cujas manifestações incluem atre-
se tornar intensas em gestantes, causando fraqueza, sia (ou aplasia) nasal, retardo do crescimento intra-ute-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 (supl A) — Novembro/Dezembro de 2005 3
rino, retardo do apareci- ção à saúde bucal da gestante. Além disso, é um período
mento dos núcleos de os- em que a ingestão alimentar é maior, pois certas carênci-
sificação dos ossos lon- as vitamínicas são comuns na gravidez, e para isso a
gos, hemorragia (em es- gestante deve apresentar plena saúde bucal.
PASSARELLI FR
e cols. pecial, hemorragia menín- Quanto às cardiopatias, a prevenção da endocardi-
Cardiopatas e período gea), atrofia óptica, com te infecciosa é fundamental para que esse quadro não
gestacional: aspectos conseqüente cegueira, e cause morbidade e/ou mortalidade à paciente e trans-
de interesse ao cardiopatias congênitas(29). tornos a seus familiares. A gestante cardiopata neces-
cirurgião-dentista Ueland e colaboradores(32) sita cuidados especiais redobrados, incluindo anam-
ainda atribuem à síndrome nese detalhada, profilaxia antibiótica para prevenção
alterações do sistema ner- de endocardite infecciosa, uso de lidocaína sem vaso-
voso central, como hidro- constritor como anestésico local, breve conhecimento
cefalia e agenesia cerebral. da fisiologia da gravidez e das cardiopatias que pos-
sam acompanhar a gestação, e um contato com o car-
CONCLUSÃO diologista e/ou o obstetra da paciente gestante cardio-
pata, quando necessário, são medidas simples e efi-
O cirurgião-dentista tem fundamental importância na cazes para a realização de qualquer procedimento
promoção da saúde da gestante, pois as próprias altera- odontológico com grande segurança e conforto para a
ções fisiológicas implicam um cuidado especial em rela- paciente e para o profissional.

HEART DISEASE PATIENT AND THE PREGNANCY


PERIOD: ASPECTS OF INTEREST FOR
THE DENTAL SURGEON

FERNANDO RAMOS PASSARELLI, ITAMARA LUCIA ITAGIBA NEVES,


RICARDO SIMÕES NEVES, WALKÍRIA SAMUEL ÁVILA

The odontological treatment of cardiac pregnant patients needs special care to


preserve the maternal comfort and the pregnancy viability. The pregnancy, by itself,
provides physiological changes to the future mother, which must be take into ac-
count in the course of the odontological treatment.
The odontological treatment of cardiac patients involves many restrictions, main-
ly related to drugs that should be prescribed in case of necessity. Among them, there
are the local anesthetics, which are very important to the comfort of the patient
regarding the odontological treatment.
In case of cardiac pregnant patients, the odontological care should take into ac-
count and should be added to the type of heart disease and the pregnancy physio-
logical alterations, regarding to the use of drugs, the position of the patient in the
odontological chair, the best pregnancy period for treatment, and the physiological
changes of pregnancy.

Key words: heart disease, pregnancy, odontology.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6 Supl A:1-6)


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4 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 (supl A) — Novembro/Dezembro de 2005
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6 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 (supl A) — Novembro/Dezembro de 2005
EXERCÍCIO FÍSICO E DIABETES MELITO DO TIPO 1
DE ANGELIS K e cols.
Exercício físico e KÁTIA DE ANGELIS, DEMILTO YAMAGUCHI DA PUREZA,
diabetes melito LUCINAR JUPIR FORNER FLORES, MARIA CLÁUDIA IRIGOYEN
do tipo 1

Laboratório do Movimento Humano – Universidade São Judas Tadeu


Unidade de Hipertensão – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Rua Taquari, 546 – CEP 03166-000 –


São Paulo – SP

O exercício físico regular, juntamente com a insulinoterapia e o planejamento


alimentar, tem sido considerado uma importante abordagem no tratamento do dia-
betes melito do tipo 1. Trabalhos clínicos e experimentais têm evidenciado os bene-
fícios do treinamento físico em indivíduos com diabetes do tipo 1, tais como melhora
da sensibilidade à insulina e do perfil lipídico, redução da reposição de insulina e
atenuação das disfunções autonômicas e cardiovasculares. Neste trabalho são dis-
cutidas as respostas fisiológicas do indivíduo portador de diabetes do tipo 1 ao exer-
cício tanto agudo como crônico, bem como são abordadas as recomendações, os
cuidados e a prescrição adequada de exercícios físicos para essa população.

Palavras-chave: diabetes melito do tipo 1, exercício físico, perfil metabólico, disfun-


ção cardiovascular, disfunção autonômica.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6 Supl A:7-20)


RSCESP (72594)-1568

INTRODUÇÃO 100 mil pessoas por ano em países asiáticos(2). No Bra-


sil, a incidência é de 7,4 indivíduos por 100 mil pesso-
O diabetes melito compreende um grupo heterogê- as por ano em cidades do interior do Estado de São
neo de distúrbios metabólicos de múltiplas etiologias, Paulo(3).
caracterizado pela presença de hiperglicemia crônica O tratamento para pacientes com diabetes melito
acompanhada de alterações no metabolismo de car- do tipo 1 é a insulinoterapia intensiva (administração
boidratos, gorduras e proteínas, decorrentes tanto de de insulina que objetiva reproduzir, da melhor forma
defeito da secreção de insulina como da ação insulíni- possível, a secreção fisiológica desse hormônio), que,
ca. O diabetes melito do tipo 1 caracteriza-se pela de- associada a planejamento alimentar, exercícios físicos
ficiência absoluta de insulina, sendo esta, na maioria e cuidadosa automonitorização da glicemia, pode apro-
dos casos, causada por processo auto-imune desen- ximar as condições metabólicas do indivíduo de um
cadeado após interação complexa entre fatores gené- estado fisiológico e, conseqüentemente, prevenir ou
ticos e ambientais. O diabetes melito do tipo 1 pode retardar as complicações em longo prazo do diabetes
ocorrer em qualquer idade; todavia, em geral, é diag- melito. A hiperglicemia crônica é associada com im-
nosticado antes dos 20 anos de idade e compreende portantes complicações a longo prazo, que particular-
cerca de 8% a 10% dos casos de diabetes melito(1). A mente afetam os rins, os olhos, os nervos, o coração e
incidência do diabetes melito do tipo 1 é variável em os vasos sanguíneos, causando nefropatia, retinopa-
populações diferentes, desde 30 a 40 indivíduos por tia, neuropatia, cardiopatia e disfunções micro e ma-
100 mil pessoas por ano em países do norte europeu crovasculares no diabetes melito crônico(4). Além dis-
(como Finlândia e Suécia) até 0,5 a 1 indivíduo por so, o diabetes do tipo 1 é associado a maior risco car-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 (supl A) — Novembro/Dezembro de 2005 7
diovascular e aumenta de re redução da insulinemia e elevação de hormônios
quatro a oito vezes a mor- contra-reguladores, como glucagon, cortisol, catecola-
talidade em seus portado- minas e hormônio do crescimento(8).
res quando comparados a Durante o exercício, o transporte de glicose na cé-
DE ANGELIS K e cols.
Exercício físico indivíduos não-diabéticos lula muscular aumenta, bem como a sensibilidade da
e diabetes melito de mesma idade(5). Apesar célula à ação da insulina. O transporte de glicose no
do tipo 1 desses índices, poucos músculo esquelético durante o exercício ocorre prima-
estudos têm investigado riamente por difusão facilitada, usando proteínas trans-
os efeitos do tratamento e portadoras (GLUTs) cujos principais mediadores de
do manejo de fatores de ativação são a insulina e o exercício, ou seja, é possí-
risco cardiovascular no di- vel haver translocação de GLUT4 para a membrana
abetes melito do tipo 1. muscular durante o exercício mesmo na ausência de
Todavia, nenhum achado sugere que as abordagens insulina. A Figura 1 apresenta uma ilustração dos pos-
terapêuticas devam ser diferentes das utilizadas em síveis mecanismos pelos quais a glicose é transporta-
indivíduos não-diabéticos ou diabéticos do tipo 2. da para o interior da célula em presença de insulina ou
Desde o século 18, médicos reconheceram a utili- durante o exercício (sem a necessidade de insulina).
dade terapêutica do exercício no tratamento do diabe- Os mecanismos moleculares desencadeados pela in-
tes melito(6). Na edição de 1935 do “The Treatment of sulina no processo de translocação do GLUT4 são bem
Diabetes Mellitus”, exercícios diários eram recomen- conhecidos. A ligação da insulina a seu receptor na
dados no tratamento do diabetes melito(7). Atualmente, membrana plasmática determina autofosforilação dos
o exercício físico regular, juntamente com a insulinote- resíduos de tirosina do receptor, fosforilação dos subs-
rapia e o planejamento alimentar, tem sido considera- tratos do receptor de insulina IRS-1 e IRS-2, e ativa-
do uma das três principais abordagens no tratamento ção do fosfatidilinositol 3-quinase. Isso causa a trans-
do diabetes melito do tipo 1. locação do GLUT4 para a membrana celular, com con-
Neste trabalho serão revisadas as respostas fisio- seqüente aumento do transporte de glicose para o in-
lógicas do portador de diabetes melito do tipo 1 ao exer- terior celular. Em contrapartida, os mecanismos mole-
cício tanto agudo como crônico, destacando-se os be- culares envolvidos na translocação do GLUT4 em de-
nefícios da prática regular de atividade física na atenu- corrência do exercício, e independente da ação da in-
ação das disfunções metabólicas, cardiovasculares e sulina, não estão bem estabelecidos. Evidências pare-
autonômicas associadas a essa doença. Além disso, cem indicar que o cálcio liberado pelo retículo sarco-
serão abordadas as avaliações necessárias para em- plasmático é um mediador desse processo de translo-
basar uma prescrição adequada de exercícios físicos cação, iniciando ou facilitando a ativação de moléculas
para essa população, salientado-se os riscos associa- sinalizadoras intracelulares ou cascatas de sinalização
dos a essa conduta e as precauções para com o exer- que levam aos efeitos imediatos e prolongados do exer-
cício. cício sobre o transporte de glicose no músculo. A pro-
teína quinase C é um exemplo dessas moléculas de
RESPOSTAS FISIOLÓGICAS AO ativação dependente de cálcio. Existem também evi-
EXERCÍCIO FÍSICO AGUDO dências de componentes autócrinos e parácrinos para
ativação do transporte de glicose, tais como o óxido
Durante o exercício, o consumo de oxigênio (VO2) nítrico, a calicreína e a adenosina(9). Mais recentemen-
em todo o corpo aumenta em até 20 vezes, e esse te, alguns estudos têm proposto que a proteína quina-
aumento pode ser ainda maior nos músculos em ativi- se ativada AMP (AMPK) pode ser um potencial regula-
dade. Com o objetivo de atender à demanda aumenta- dor da translocação do GLUT4 em resposta à contra-
da de energia da atividade física, o músculo esqueléti- ção muscular, ativando a via da PI 3-quinase(10).
co utiliza seus depósitos de glicogênio e triglicerídeos Dessa forma, a possibilidade de indivíduos diabéti-
para re-síntese de ATP. Já está bem estabelecido que cos do tipo 1 transportarem glicose para a musculatu-
o exercício de alta intensidade (acima de 75% do VO2 ra durante o exercício, independentemente da ação da
máximo) utiliza glicose como fonte energética primá- insulina, poderia contribuir para maior utilização desse
ria; todavia, atividades físicas moderadas ou leves (até substrato como fonte energética, favorecendo a redu-
70% do VO2 máximo) utilizam predominantemente áci- ção da hiperglicemia e a melhora do controle glicêmi-
dos graxos livres, cuja utilização torna-se cada vez mais co. Corroborando essa hipótese, estudos em animais
predominante em relação à utilização de glicose à diabéticos demonstraram que durante o exercício físi-
medida que o exercício se prolonga. Apesar do grande co a captação de glicose independente da insulina nes-
aporte de glicose à musculatura em atividade, a glico- ses animais aumenta de forma semelhante àquela des-
se sanguínea é mantida em níveis normais, pois ocor- crita em ratos saudáveis(11). Além disso, esse aumento

8 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 (supl A) — Novembro/Dezembro de 2005
DE ANGELIS K e cols.
Exercício físico e
diabetes melito
do tipo 1

Figura 1. Respostas glicê-


micas de indivíduos diabé-
ticos do tipo 1 durante
exercício físico leve-mode-
rado. A interação entre
concentração de insulina e
hormônios contra-regula-
tórios determina a libera-
ção hepática de glicose,
que, associada à captação
de glicose pelo tecido mus-
cular (determinada pela
concentração de insulina,
pela sensibilidade à insuli-
na e pelo transporte de gli-
cose independente da in-
sulina induzido pela con-
tração muscular), pode in-
duzir manutenção dos ní-
veis glicêmicos ou, adver-
samente, hiperglicemia ou
hipoglicemia.

do transporte de glicose e a melhora da sensibilidade bólica em repouso e durante o exercício (Fig. 1). Nesse
à insulina podem permanecer por períodos prolonga- aspecto, é importante salientar que em indivíduos com
dos após a sessão de exercício dinâmico, o que pode- diabetes melito do tipo 1 a presença de hiperglicemia e
ria ser benéfico no controle glicêmico de pacientes com níveis circulantes de insulina baixos quando do des-
diabetes melito. No entanto, um estudo de Peltonimi e controle metabólico crônico podem levar a aumento da
colaboradores(12) demonstrou que indivíduos com dia- glicemia e da produção de corpos cetônicos com o exer-
betes melito do tipo 1 com resistência à insulina apre- cício físico (mesmo em intensidade leve a moderada),
sentam defeito do transporte de glicose para o interior decorrente de aumento de hormônios contra-regula-
da célula muscular em resposta ao estímulo insulínico dores(13). Por outro lado, a presença de hiperinsuline-
e também em resposta ao exercício isométrico quando mia decorrente de administração exógena de insulina
comparados a indivíduos não-diabéticos. pode reduzir a mobilização de glicose e outros subs-
A dependência da reposição de insulina no diabéti- tratos em resposta ao exercício físico e aumentar a
co do tipo 1 pode ocasionar deficiência ou excesso captação de glicose nos músculos, levando à hipogli-
desse hormônio fundamental para a regulação meta- cemia. Somado a isso, o aumento da sensibilidade à

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 (supl A) — Novembro/Dezembro de 2005 9
insulina durante a ativida- RESPOSTAS FISIOLÓGICAS AO
de física favorece ainda EXERCÍCIO FÍSICO CRÔNICO
mais a ocorrência de hipo-
glicemia(13, 14) (Fig. 1). Nor- A Figura 2 sumariza alguns dos benefícios do trei-
DE ANGELIS K e cols.
Exercício físico malmente a maior exposi- namento físico dinâmico em humanos e em modelos
e diabetes melito ção à insulina ocorre em animais de diabetes melito do tipo 1.
do tipo 1 função do aumento do flu-
xo muscular durante a ati- Benefícios no controle metabólico
vidade física (que promo- Estudos demonstram que o treinamento físico di-
ve grande captação de gli- nâmico em diabéticos do tipo 1 melhora a sensibilida-
cose) ou mesmo de o de à insulina, mas normalmente não induz melhora no
exercício ser realizado no controle glicêmico(32-34). Em 1984, Zinman e colabora-
pico de ação da insulina exógena. Vários estudos têm dores(32) demonstraram que o treinamento físico não
relatado hipoglicemia durante e após o exercício físico, modificou a glicemia, a hemoglobina glicosilada ou a
merecendo essa alteração especial atenção no momen- reposição de insulina em indivíduos com diabetes me-
to da prescrição da atividade, uma vez que a hipoglice- lito do tipo 1. Entretanto, Mosher e colaboradores(35) evi-
mia pode causar importantes alterações nas funções denciaram redução dos níveis de hemoglobina glicosi-
do sistema nervoso central(14, 15). lada em adolescentes portadores de diabetes melito
Além da possibilidade de hipo ou hiperglicemia du- do tipo 1 submetidos a treinamento físico. Um estudo
rante a sessão de exercício, deve-se ressaltar ainda envolvendo 142 portadores de diabetes melito do tipo
que o VO2 máximo pode estar reduzido(16) e os níveis 1 em idade escolar (6 a 18 anos) evidenciou que o tem-
de lactato durante o exercício podem estar aumenta- po semanal gasto com atividades físicas foi maior nes-
dos(17) em indivíduos com diabetes melito do tipo 1 ati- se grupo comparativamente com 97 crianças não-dia-
vos. A redução do VO2 máximo está provavelmente as- béticas. Neste trabalho foram observadas correlações
sociada a prejuízo na função muscular esquelética (mi- entre o aumento das atividades esportivas com a re-
opatia diabética)(18-21) e na função cardiovascular(23-25) dução da reposição diária de insulina, mas não com
nesses sujeitos. Na miopatia diabética existem evidên- alterações da hemoglobina glicosilada(34). A melhora da
cias de alteração das proteínas contráteis(26) e aumen- ação insulínica, predominantemente no tecido muscu-
to do estresse oxidativo(27), o qual poderia induzir alte- lar esquelético, induzida pelo treinamento físico dinâ-
ração na via dos polióis(18) e redução da Na+K+ ATPa- mico inclui várias adaptações, entre elas aumento da
se e Ca++ATPase da membrana muscular(18, 19). Além densidade capilar e do conteúdo de GLUT4, alterações
disso, um estudo recente evidenciou redução do meta- para fibras musculares mais sensíveis à ação insulíni-
bolismo oxidativo com conseqüente aumento do meta- ca, possíveis alterações da composição de fosfolípi-
bolismo glicolítico durante o exercício em diabéticos do des do sarcolema, aumento da atividade de enzimas
tipo 1, sugerindo a possibilidade de acúmulo de lipíde- glicolíticas e oxidativas, e aumento da atividade da gli-
os e de resistência à insulina semelhante aos observa- cogênio sintetase(26). Apesar de a melhora do controle
dos no diabetes melito do tipo 2(28). glicêmico não ser um achado universal em portadores
Por fim, é importante salientar que o exercício agu- de diabetes melito do tipo 1 treinados, a redução da
do pode falsamente incrementar a excreção de albu- resistência à insulina, também presente no diabetes
mina, um marcador de nefropatia em pacientes com melito do tipo 1, induzida pelo treinamento físico dinâ-
diabetes melito(29), pois aumenta a pressão intravascu- mico pode promover outros efeitos benéficos, incluin-
lar nas artérias e arteríolas, levando ao aumento da do melhora cardiovascular e do perfil lipídico(33, 36), os
pressão glomerular e da filtração de albumina. Recen- quais podem potencialmente reduzir a morbidade e a
temente, Lane e colaboradores(30) demonstraram que mortalidade nessa população.
a excreção urinária de albumina não ultrapassa valo- O controle glicêmico é o principal fator que interfere
res de normalidade após exercício moderado ou inten- sobre a concentração lipídica dos portadores de dia-
so em indivíduos portadores de diabetes melito do tipo betes melito do tipo 1. Os pacientes com diabetes me-
1, normoalbuminúricos e normotensos. Em contrapar- lito do tipo 1 descompensados têm níveis mais altos
tida, pacientes com diabetes melito do tipo 1 microal- de triglicérides e colesterol quando comparados aos
buminúricos apresentam aumento da excreção de al- não-diabéticos(37). Khawali e colaboradores(38) verifica-
bumina e maior aumento da pressão arterial sistólica ram melhora do perfil lipídico independentemente da
induzidos pelo exercício físico(31). Alguns autores têm melhora do controle glicêmico em adolescentes porta-
sugerido que a exagerada resposta albuminúrica cau- dores de diabetes melito do tipo 1 que aderiram a um
sada pelo exercício poderia ser considerada um mar- programa de exercícios e controle alimentar por oito
cador prognóstico precoce de nefropatia diabética(29). dias. Outros estudos também demonstraram melhora

10 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 (supl A) — Novembro/Dezembro de 2005
do perfil lipídico após trei- coleterol são achados mais freqüentes na vigência de
namento físico (poucos microalbuminúria(43), sugerindo que tal perfil aterogêni-
dias a três meses) em por- co poderia explicar a razão pela qual a microalbuminú-
tadores de diabetes meli- ria é preditiva de mortalidade cardiovascular no diabe-
DE ANGELIS K e cols.
Exercício físico e to do tipo 1, incluindo re- tes melito do tipo 1(44). Os estudos demonstram que,
diabetes melito dução dos níveis de coles- dentro de níveis normais de albuminúria, parece não
do tipo 1 terol total, de colesterol de haver associação da excreção urinária de albumina com
lipoproteína de baixa den- as lipoproteínas em jovens com diabetes melito do tipo
sidade (LDL-colesterol) e 1 com controle glicêmico estável(33); entretanto, em pa-
de triglicérides, e aumen- cientes mais velhos e com diabetes melito de longa

Figura 2. Evidências clínicas e experimentais dos benefícios do treinamento físico dinâmico na atenuação das
disfunções metabólica, autonômica e cardiovascular no diabetes melito do tipo 1. FC = freqüência cardíaca.

to do colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL- duração parece haver essa correlação(45). A microalbu-
colesterol) plasmático(39, 40). Todavia, trabalhos demons- minúria pode ser decorrente da hiperglicemia, que au-
tram redução(41) ou manutenção(39) dos níveis da lipo- menta o estresse oxidativo e acaba por provocar lesão
proteína (a), que é considerada um fator de risco cardi- na microvasculatura renal(46), associada a distúrbios li-
ovascular, após um período de condicionamento em pídicos que favorecem a aterogênese, a deposição de
sujeitos com diabetes melito do tipo 1. Esses achados lipídeos nas células mesangiais glomerulares, o que
em conjunto parecem comprovar o benefício do treina- pode evoluir para glomerulosclerose(47).
mento físico no perfil lipídico do diabetes melito do tipo Nesse aspecto, o treinamento físico tem sido reco-
1, sugerindo que essa abordagem não-farmacológica nhecido como uma forma de aumentar as defesas an-
representa uma alternativa terapêutica que deve ser tioxidantes e de reduzir o estresse oxidativo(48), bem
considerada nessa população, uma vez que não há como de melhorar o perfil lipídico(39, 40), sugerindo me-
suporte na literatura para justificar o uso de agentes canismos benéficos para reduzir as lesões renais. Ape-
redutores de lipídeos na prevenção primária das com- sar de o exercício agudo às vezes induzir aumento da
plicações do diabetes melito. excreção de albumina em portadores de diabetes me-
lito do tipo 1 (conforme discutido anteriormente), tra-
Possíveis benefícios na função renal balhos experimentais têm demonstrado que a ativida-
No desenvolvimento da nefropatia diabética, anor- de física realizada de forma regular não prejudica a
malidades no perfil lipídico são detectadas em paralelo função renal, podendo inclusive atenuar alguns sinto-
com discretas elevações da excreção urinária de albu- mas da nefropatia diabética. Albright e colaboradores(49)
mina(42). Além disso, aumento do colesterol total, do verificaram, em ratos diabéticos induzidos por estrep-
LDL-colesterol e dos triglicérides e redução do HDL- tozotocina, um modelo experimental de diabetes meli-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 (supl A) — Novembro/Dezembro de 2005 11
to do tipo 1, que o treina- dores no estudo das alterações metabólicas, cardio-
mento físico aeróbio ate- vasculares e autonômicas do diabetes melito. Ratos di-
nuou o aumento do volu- abéticos por estreptozotocina apresentam muitas alte-
me do mesângio além de rações semelhantes às observadas em humanos por-
DE ANGELIS K e cols.
Exercício físico não aumentar os danos tadores de diabetes melito do tipo 1, tais como hiper-
e diabetes melito renais induzidos pela neu- glicemia, hipoinsulinemia, glicosúria, poliúria, perda de
do tipo 1 ropatia diabética. Estudos peso, neuropatia, nefropatia e cardiopatia(23, 50). Em nos-
recentes de nosso grupo so grupo, temos utilizado esse modelo na busca da
demonstraram que o trei- melhor compreensão das disfunções do controle auto-
namento físico de dez se- nômico do sistema cardiovascular. Estudos de nosso
manas em esteira ergomé- laboratório demonstraram redução da pressão arterial
trica reduziu a poliúria e a e da freqüência cardíaca desde 5 até 80 dias após a
glicosúria em animais diabéticos. Esses achados fo- indução do diabetes melito(23, 55-58). Os mecanismos en-
ram correlacionados com redução da glicemia, e com volvidos nessas disfunções ainda não estão perfeita-
a proteinúria e a uremia(50), sugerindo que treinamento mente esclarecidos, mas existem evidências consisten-
físico aeróbio melhora o perfil metabólico, sem, no en- tes do envolvimento de alterações da freqüência cardí-
tanto, promover benefícios importantes na nefropatia aca intrínseca, do tônus vagal e do controle reflexo car-
diabética. Apesar de os estudos clínicos e experimen- diovascular (barorreflexo e quimiorreflexo) nesse pre-
tais não terem demonstrado de forma consistente me- juízo cardiovascular(23, 55, 59). Além disso, trabalhos de
lhoras induzidas pelo condicionamento físico nas dis- nosso grupo vêm evidenciando os efeitos benéficos do
funções crônicas da nefropatia diabética, trabalhos treinamento físico dinâmico (dez semanas em esteira
demonstram melhora da função muscular, da capaci- ergométrica) nas disfunções desse modelo experimen-
dade de exercício e da disfunção ventricular e autonô- tal(23, 58, 59). Verificou-se que o treinamento físico norma-
mica em indivíduos com nefropatia(51, 52). De acordo com liza a hipotensão e a bradicardia basais observadas
esses achados em pacientes com doença renal crôni- em ratos com diabetes melito por estreptozotocina se-
ca, estudos demonstram aumento da força muscular dentários. A normalização dos níveis pressóricos nes-
após treinamento em portadores de diabetes melito do ses animais parece estar relacionada ao aumento do
tipo 1(20, 21). Entretanto, deve-se ressaltar que ainda são débito cardíaco, produto do aumento da freqüência
poucos os estudos clínicos na literatura que incluíram cardíaca basal e da melhora da contratilidade miocár-
indivíduos diabéticos na população de nefropatas sub- dica(23, 58). A reversão da bradicardia do diabetes melito
metidos a treinamento físico, havendo a necessidade em animais treinados foi positivamente correlacionada
de trabalhos futuros que avaliem o efeito dessa prática com o aumento da freqüência cardíaca intrínseca(58). A
em portadores de diabetes melito do tipo 1 com nefro- redução dos fluxos sanguíneos renal, cardíaco e mus-
patia. cular decorrente do diabetes melito por estreptozotoci-
na também é atenuada após o condicionamento físi-
Benefícios nas funções autonômica e co(59).
cardiovascular A prevalência de disfunção autonômica cardíaca em
A nefropatia é o principal preditor de doença cardi- diabéticos é alta(60) e afeta a modulação do nodo sino-
ovascular em portadores de diabetes melito do tipo 1(25). atrial, reduzindo a variabilidade da freqüência cardía-
Estudos com pacientes com diabetes melito do tipo 1 ca(24), além de diminuir a sensibilidade dos reflexos
evidenciaram que a presença de microalbuminúria au- autonômicos(55, 57, 59), sendo em parte responsável pela
menta em oito vezes a incidência de doença arterial redução da expectativa de vida nessa doença(61). Ho-
coronariana(25) e em três vezes o risco de morte cardi- worka e colaboradores(24) verificaram que doze sema-
ovascular(53). Entre pacientes diabéticos sem nefropa- nas de exercícios em bicicleta ergométrica induziram
tia, o melhor preditor de doença arterial coronariana é aumento da variabilidade da freqüência cardíaca, em
o tempo de diabetes melito, a ocorrência prévia de in- decorrência da melhora autonômica, em portadores de
farto do miocárdio e o controle glicêmico inadequado(53). diabetes melito do tipo 1 sem neuropatia ou com dis-
De fato, uma meta-análise que incluiu 6 estudos (n = função autonômica cardíaca recente. Todavia, esse
1.732) verificou que a insulinoterapia intensa, que de- benefício não foi observado em pacientes com diabe-
terminou bom controle glicêmico, reduziu o número to- tes melito do tipo 1 com neuropatia definitiva ou seve-
tal de eventos cardiovasculares, apesar de não ter al- ra. Um estudo recente de Larsen e colaboradores(62)
terado de forma significativa a mortalidade de portado- evidenciou que 18 anos de rígido controle glicêmico
res de diabetes melito do tipo 1(54). foram associados à preservação da função autonômi-
O modelo experimental de diabetes melito por es- ca cardíaca em portadores de diabetes melito do tipo
treptozotocina tem sido utilizado por muitos investiga- 1, enquanto pacientes com diabetes melito do tipo 1

12 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 (supl A) — Novembro/Dezembro de 2005
que no mesmo período nadas a essa doença, apresentam hipertensão. Em in-
não apresentaram boa re- divíduos hipertensos, o treinamento físico dinâmico pro-
gulação glicêmica apre- move redução dos níveis pressóricos no período de
sentaram neuropatia ao fi- repouso(67). Todavia, poucos estudos avaliaram os efei-
DE ANGELIS K e cols.
Exercício físico e nal do estudo. De acordo tos do treinamento físico na associação de diabetes
diabetes melito com esses achados, resul- melito e hipertensão. Lehmann e colaboradores(40) de-
do tipo 1 tados recentes de nosso monstraram que pacientes com diabetes melito do tipo
grupo evidenciaram que a 1, limítrofes para hipertensão, submetidos a um pro-
melhora da glicemia de je- grama de exercícios aeróbios por três meses, apresen-
jum induzida pelo treina- tavam aumento do VO2 máximo e redução da pressão
mento físico estava positi- arterial e da freqüência cardíaca, com melhora do per-
vamente correlacionada fil lipídico, independentemente de melhora glicêmica.
com aumento da variabilidade da freqüência cardíaca Anormalidades cardíacas foram observadas em por-
em ratos diabéticos treinados(50). tadores de diabetes melito do tipo 1 relativamente jo-
A sensibilidade dos pressorreceptores é uma exce- vens, sem hipertensão ou doença arterial coronariana
lente medida de função autonômica. Os pressorrecep- e aparentemente saudáveis(68). A disfunção diastólica
tores estão localizados principalmente na crossa da aor- do ventrículo esquerdo é uma alteração comum e pre-
ta e no seio carotídeo, e pelo seu alto ganho constitu- coce no diabetes melito. Seu achado sugere compla-
em-se na forma mais importante de controle da pres- cência reduzida ou relaxamento prolongado, e relacio-
são arterial em curto prazo, ou seja, momento a mo- na-se a pior desempenho durante exercício físico, mes-
mento. Além do controle reflexo da atividade autonô- mo sem ser acompanhada de disfunção sistólica(69). Es-
mica, os pressorreceptores também exercem controle tudos realizados em nosso laboratório em corações
tônico sobre a atividade simpática (inibição) e paras- isolados de ratos com diabetes melito por estreptozo-
simpática (estimulação)(63). Assim, o comprometimento tocina demonstraram prejuízo nas derivadas de con-
da função dos pressorreceptores poderia atuar como tração e relaxamento do ventrículo esquerdo, sem al-
elemento permissivo ao estabelecimento de alterações teração da pressão sistólica ventricular em relação a
primárias de outros mecanismos de controle da fun- corações de animais normais. O treinamento físico di-
ção cardiovascular, por não modular adequadamente nâmico reverteu essas disfunções cardíacas, normali-
a atividade tanto simpática como parassimpática. Re- zando a função ventricular de corações de ratos diabé-
centemente, o prejuízo no controle reflexo da circula- ticos treinados(58).
ção comandado pelos pressorreceptores tem sido re- Da mesma forma, disfunção endotelial é uma alte-
conhecido também como um importante preditor de ris- ração comum no diabetes melito. O aumento do fluxo
co após evento cardiovascular. Um estudo de La Rove- sanguíneo para a musculatura esquelética durante o
re e colaboradores(64) demonstrou que indivíduos pós- exercício físico aumenta o estresse sobre a parede
infarto submetidos a um mês de treinamento físico di- vascular, induzindo maior liberação de óxido nítrico e,
nâmico e que melhoravam a sensibilidade dos pres- conseqüentemente, vasodilatação. Essa vasodilatação
sorreceptores após esse período apresentavam mor- adaptativa do leito muscular é benéfica, uma vez que
talidade ao longo de dez anos muito menor que indiví- se contrapõe aos fatores vasoconstritores usualmente
duos não treinados ou treinados que não melhoravam presentes na disfunção vascular, podendo ser obser-
esse reflexo. vada inclusive em longo prazo(70). Três meses de trei-
Estudos em humanos e em ratos demonstraram que namento físico reduziram os níveis de trombomoduli-
o diabetes melito atenua a sensibilidade dos pressor- na, um marcador de dano endotelial, em portadores
receptores(55, 57, 59, 65). Loimaala e colaboradores(65) veri- de diabetes melito do tipo 1, e esse efeito foi correlaci-
ficaram que o treinamento físico por doze meses ate- onado com aumento do consumo de oxigênio nesses
nuou a disfunção barorreflexa em portadores de dia- pacientes(71). Fuchsjager-Mayrl e colaboradores(72) de-
betes melito do tipo 2. Corroborando esses dados em monstraram que quatro meses de treinamento físico
pacientes, recentemente resultados de nosso grupo melhoraram o VO2 máximo e a função endotelial em
evidenciaram que o treinamento físico aeróbio por dez portadores de diabetes melito do tipo 1 (~20 anos de
semanas em ratos diabéticos normalizou o reflexo pres- diabetes melito), sugerindo que esses benefícios em
sorreceptor e quimiorreceptor, este último um reflexo diabéticos, que apresentam considerável risco de de-
autonômico desencadeado por alterações do pH e/ou senvolvimento de doença micro e macrovascular, po-
da pressão de oxigênio e de dióxido de carbono san- deriam induzir redução da morbidade e da mortalidade
guíneos(59, 66). nessa população. Além disso, esses autores compro-
Além disso, muitos portadores de diabetes melito varam a importância da continuidade do programa de
do tipo 1, no curso temporal das complicações relacio- atividades físicas, já que verificaram que oito semanas

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 (supl A) — Novembro/Dezembro de 2005 13
de destreinamento nesses especial ênfase na pesquisa das complicações crôni-
mesmos pacientes induzi- cas do diabetes melito. Um teste ergométrico, e se pos-
ram retorno dos efeitos sível ergoespirométrico, é recomendado para todos
benéficos do condiciona- aqueles diabéticos com mais de 35 anos ou com mais
DE ANGELIS K e cols.
Exercício físico mento físico aos valores de 25 anos e com diabetes melito do tipo 1 há mais de
e diabetes melito observados em diabéticos quinze anos. Pacientes com presença de outro fator de
do tipo 1 sedentários(72). risco para doença arterial coronariana, complicação mi-
crovascular, nefropatia, doença vascular periférica e
Possíveis benefícios dos neuropatia tanto periférica como autonômica devem ser
exercícios resistidos cuidadosamente avaliados, conforme recomendações
Cabe salientar que os da “American Diabetes Association”(13).
benefícios fisiológicos ob- A hiperglicemia (> 250 mg/dl com cetose ou > 300
tidos por meio do treinamento físico dependem de o mg/dl mesmo sem cetose) ou as glicemias reduzidas
componente predominante da atividade física ser es- (< 100 mg/dl) prévias à atividade física devem ser cor-
tático ou dinâmico. Dessa forma, os dados obtidos em rigidas, por representarem fatores de risco para o de-
trabalhos com animais e humanos parecem comprovar senvolvimento de cetose e hipoglicemia, respectiva-
que indivíduos portadores de diabetes melito do tipo 1 mente. Recomenda-se a ingesta adicional de carboi-
treinados, especialmente com exercícios aeróbios e di- dratos (15 g a 30 g) se os níveis de glicose forem < 100
nâmicos, tendem a apresentar atenuação das disfunções mg/dl(13). A hipoglicemia pode ocorrer durante, imedia-
metabólicas, cardiovasculares e autonômicas após pro- tamente depois ou muitas horas após a atividade física
grama de condicionamento(24, 34, 38, 40, 49, 50, 58, 59). No entan- e pode ser evitada. Isso requer que o paciente tenha
to, os efeitos do uso de exercícios resistidos ou de for- conhecimento adequado das respostas metabólicas e
ça sobre as disfunções crônicas do diabetes melito do hormonais à atividade física e capacidade de autoge-
tipo 1 permanecem pouco esclarecidos. Cronicamente rência de sua glicemia. Nos pacientes com diabetes
o treinamento físico resistido induz melhoras musculo- melito do tipo 1 deve ser dada ênfase a ajustes da tera-
esqueléticas, como, por exemplo, aumento da força pêutica de reposição de insulina, para que esses indi-
muscular e aumento da densidade óssea em indivídu- víduos possam participar com segurança de ativida-
os normoglicêmicos. des físicas usuais na sua idade(13). Programas educa-
Os estudos iniciais dos benefícios do treinamento cionais são extremamente importantes para portado-
físico resistido em indivíduos diabéticos apresentaram res de diabetes melito do tipo 1 para que estes pos-
resultados positivos. Farrel e colaboradores(73) demons- sam realizar o manejo de seus níveis glicêmicos(13).
traram que oito semanas de treinamento físico resisti- Rabasa-Lhoret e colaboradores(78) avaliaram a apropri-
do em ratos diabéticos induziram redução da glicemia ada redução da dose de insulina pré-refeição (25% a
associada a ganho de massa muscular. Brankston e 100%) para exercícios realizados em diferentes inten-
colaboradores(74) verificaram que um programa de exer- sidades (25%, 50% e 75% VO2 máximo) e durações
cícios resistidos associado a dieta foi mais eficiente que (30 minutos e 60 minutos) no período pós-pradial em
simplesmente a dieta em reduzir a reposição de insuli- pacientes diabéticos portadores de diabetes melito do
na em mulheres com sobrepeso e diabetes gestacio- tipo 1, sugerindo parâmetros de redução da reposição
nal. Além disso, existem dados na literatura de benefí- insulínica a fim de evitar hipoglicemia durante o exercí-
cios do treinamento resistido na ação insulínica em in- cio nesses indivíduos. Todavia, ajustes na reposição
divíduos intolerantes à glicose(75), no ganho de massa de insulina devem sempre ser realizados segundo pres-
muscular e na redução da massa gorda(76), no controle crição médica. A atividade física deve ser realizada pelo
glicêmico(76, 77) e na redução da pressão arterial(77) em menos uma hora após a reposição de insulina, evitan-
idosos com diabetes melito do tipo 2. Deve-se ressal- do, assim, que esta seja absorvida muito rapidamente
tar, no entanto, que não existe um consenso na litera- ou seu pico máximo de ação, situações que poderiam
tura com relação aos benefícios metabólicos, quanto induzir hipoglicemia(13, 14). Em exercícios prolongados
mais cardiovasculares e autonômicos, dos exercícios de intensidade leve a moderada recomenda-se a in-
resistidos na promoção da saúde em portadores de gestão de carboidratos durante (10 g a 15 g a cada 30
diabetes melito do tipo 1. minutos) e/ou após a sessão para evitar a hipoglice-
mia. Outras recomendações úteis para evitar a hipo-
RECOMENDAÇÕES PARA A PRÁTICA glicemia, além de redução da reposição de insulina,
DE ATIVIDADES FÍSICAS tempo de aplicação pré-exercício e ingesta de car-
boidratos, são que o indivíduo diabético se exercite
Todos os portadores de diabetes melito do tipo 1 com um parceiro e que tenha conhecimento dos sin-
devem ser submetidos a história e exame físico, com tomas da hipo e da hiperglicemia, sabendo inclusive

14 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 (supl A) — Novembro/Dezembro de 2005
como proceder nessas de repetições, porém sem que seja atingida a exaus-
situações(13, 14, 79). tão, ou seja, até uma fadiga moderada. Recomenda-se
Alguns cuidados de- que também seja levado em consideração o cansaço
vem ser tomados em pa- físico subjetivo durante os exercícios aeróbios e resis-
DE ANGELIS K e cols.
Exercício físico e cientes com neuropatia e tidos, devendo este permanecer entre ligeiramente can-
diabetes melito retinopatia, como, por sativo e cansativo. Os exercícios de flexibilidade de-
do tipo 1 exemplo, uso de sapatos vem ser incorporados à rotina de exercícios com uma
adequados, cuidados com freqüência de duas a três vezes por semana para mini-
a higiene dos pés, e evitar mizar o prejuízo na flexibilidade decorrente da glicosi-
a realização de exercícios lação de várias estruturas articulares. Além disso, exer-
em ambientes muito quen- cícios de alongamento (5 a 10 minutos) devem ser re-
tes e a prática de exercíci- alizados em todos os dias das sessões de treinamen-
os que mudem muito rapidamente de posição ou que to, no aquecimento ou no pós-sessão. Por fim, aqueci-
elevem muito a pressão arterial(13, 14). mento e relaxamento são recomendados independen-
Além disso, em indivíduos diabéticos e hipertensos temente do tipo de atividade realizada, consistindo de
recomenda-se o controle estrito da pressão arterial. A 5 a 10 minutos de atividades aeróbias de baixa intensi-
pressão arterial sistólica deverá ser mantida abaixo de dade(14, 79).
130 mmHg e a pressão arterial diastólica, inferior a 80
mmHg. A hipertensão moderada a grave (sistólica ≥ 160 CONSIDERAÇÕES FINAIS
mmHg ou diastólica ≥ 100 mmHg) deve ser controlada
antes do início de programa de exercícios físicos(13, 79). Apesar de a prevalência do diabetes melito do tipo
1 ser muito menor que a do diabetes melito do tipo 2,
PRESCRIÇÃO DE ATIVIDADE FÍSICA deve-se ressaltar que essa afecção é normalmente di-
agnosticada nas primeiras décadas de vida, obrigando
Revisões recentes têm enfocado a prescrição cien- o indivíduo a iniciar a insulinoterapia diária e a convi-
tífica e segura de atividade física para portadores de ver com esse tratamento e os sintomas dessa doença
diabetes melito do tipo 1, devendo ser consultadas e por toda a vida. Nas crianças e nos adolescentes dia-
seguidas(13, 14, 80). Todos os níveis de atividade física, in- béticos, a aderência ao tratamento, com base não só
cluindo atividades de lazer, esportes recreacionais e na reposição de insulina mas também em cuidados ali-
competitivos/alto desempenho, podem ser realizados mentares e programas de atividade física, depende da
por sujeitos com diabetes melito do tipo 1 sem compli- educação desse indivíduo por uma equipe multidisci-
cações e com bom controle glicêmico(13). plinar, e visa ao equilíbrio tanto físico como psíquico e
Conforme o “American College of Sports Medici- social do diabético. Apesar de normalmente não me-
ne”(79), dentro da rotina de exercícios para os indivídu- lhorar o controle glicêmico, a atividade física regular é
os diabéticos devem fazer parte três grupos de exercí- recomendada para pacientes com diabetes melito do
cios: exercícios aeróbios, exercícios resistidos e exer- tipo 1 em razão de seus vários efeitos benéficos sobre
cícios de flexibilidade. Exercícios aeróbios devem ser o controle metabólico e sobre o risco cardiovascular,
realizados três a cinco vezes por semana por 20 a 60 além de seu papel importante na prevenção das com-
minutos a 40%-85% do VO2 máximo ou a 55%-90% da plicações crônicas das doenças. Somado a isso, o bai-
freqüência cardíaca máxima. O treinamento resistido xo custo, a natureza não-farmacológica e os benefíci-
pode ser realizado com a utilização de pesos livres, os psicossociais de uma vida menos sedentária e mais
aparelhos com carga, elásticos, halteres e materiais integrada ao grupo de convivência aumentam ainda
adaptados, como sacos de areia e bastões de madei- mais o apelo da terapêutica por meio do exercício físi-
ra. Colberg e Swain(14) recomendam que os exercícios co. Todavia, para que esses benefícios sejam alcança-
resistidos devem incluir pelo menos 8 a 10 exercícios dos deve-se respeitar a individualidade biológica do
diferentes, usando grandes grupos musculares com a paciente e seguir as recomendações em termos de
freqüência de duas a três vezes por semana. Todavia, avaliação, acompanhamento e prescrição de exercíci-
especial atenção deve ser dada à prescrição de exer- os físicos. Por fim, é importante ressaltar que o desafio
cícios resistidos em portadores de diabetes melito do atual consiste no desenvolvimento e na aplicação de
tipo 1 com complicações crônicas da doença como hi- estratégias que permitam que portadores de diabetes
pertensão. Nesses indivíduos, o exercício resistido deve melito do tipo 1 participem de maneira segura e agra-
ser prescrito em intensidade baixa-moderada (~40% dável de atividades físicas regulares que sejam condi-
da carga voluntária máxima), com aumento do número zentes com seus estilos de vida e cultura.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 (supl A) — Novembro/Dezembro de 2005 15
EXERCISE AND TYPE 1 DIABETES
DE ANGELIS K e cols.
Exercício físico KÁTIA DE ANGELIS, DEMILTO YAMAGUCHI DA PUREZA,
e diabetes melito LUCINAR JUPIR FORNER FLORES, MARIA CLÁUDIA IRIGOYEN
do tipo 1

Regular exercise, associated with insulin-therapy and diet, is considered to be an


important approach in the treatment plan for type 1 diabetes. Clinical and experi-
mental studies have showed the benefits of exercise training in type 1 diabetics,
seen as improvement in insulin sensitivity and lipid profile, a reduction in levels requi-
red for insulin replacement and an attenuation of autonomic and cardiovascular dys-
function. This paper presents material on the physiological responses to acute and
chronic exercise in type 1 diabetics and provides recommendation on diabetic treat-
ment as related to level of physical activity.

Key words: type 1 diabetes, exercise, metabolic profile, cardiovascular dysfunction,


autonomic dysfunction.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6 Supl A:7-20)


RSCESP (72594)-1568

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CLASSIFICAÇÃO DAS DISLIPIDEMIAS
CHACRA APM e cols.
Classificação das ANA PAULA MARTE CHACRA, JAYME DIAMENT, NEUSA A. FORTI
dislipidemias

Unidade Clínica de Dislipidemias – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – Bloco II –


2º andar – sala 4 – Cerqueira César – CEP 05403-900 – São Paulo – SP

Os autores ressaltam a importância de uma classificação das dislipidemias acei-


ta pela comunidade científica, o que facilita o estabelecimento do diagnóstico e a
melhor terapêutica, bem como o prognóstico das mesmas. Além da propedêutica
dos distúrbios lipoprotéicos, são abordados aspectos genéticos das principais disli-
pidemias.

Palavras-chave: lipoproteínas séricas, dislipidemias, classificação, etiologia.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:465-72)


RSCESP (72594)-1569

INTRODUÇÃO a) Hipercolesterolemia isolada: elevação isolada do co-


lesterol total, que corresponde ao aumento do colesterol
Há cerca de 40 anos, a comunidade científica reco- de lipoproteína de baixa densidade (LDL-colesterol).
nheceu a necessidade de se introduzir uma classificação b) Hipertrigliceridemia isolada: elevação isolada dos tri-
das dislipidemias, no intuito de ordenar os defeitos meta- glicérides, que reflete o aumento das partículas de lipo-
bólicos então conhecidos. Essa classificação permitiu que proteína de densidade muito baixa (VLDL) ou dos quilo-
se criasse uma linguagem científica universal, facilitando mícrons ou de ambos.
o diagnóstico, o tratamento, bem como a evolução e o c) Hiperlipidemia mista: valores aumentados de coleste-
prognóstico das dislipidemias. Nesse sentido, com base rol total e triglicérides, em proporções variáveis.
nos métodos laboratoriais validados na época, a Organi- d) HDL-colesterol baixo: isolado ou em associação com
zação Mundial da Saúde referendou a classificação feno- aumento de LDL-colesterol ou de triglicérides.
típica de Fredrickson e colaboradores(1), em 1970, que
ainda hoje constitui um método prático de se identificar CLASSIFICAÇÃO FENOTÍPICA
eventual defeito lipídico metabólico.
Além da classificação fenotípica, as dislipidemias são A classificação proposta por Fredrickson e colabora-
classificadas de acordo com as determinações bioquími- dores(1) (Tab. 2) foi baseada nos métodos de eletroforese
cas e sua etiologia. A Tabela 1 apresenta os valores nor- e ultracentrifugação, além da aparência do plasma obtido
mais do perfil lipídico em indivíduos com mais de 20 anos de amostra no jejum, após 24 horas de repouso a 4oC
de idade. (geladeira comum). Essa classificação considera as ca-
tegorias das lipoproteínas(1, 3, 4) e admite os seguintes fe-
CLASSIFICAÇÃO BIOQUÍMICA nótipos:
a) Tipo I: colesterol total normal ou pouco elevado e hi-
A classificação bioquímica(2) considera a determina- pertrigliceridemia às custas do excesso de quilomícrons.
ção do colesterol total, dos triglicérides e do colesterol de A aparência do plasma de jejum, após 24 horas, apre-
lipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol) por meio senta camada cremosa acima de uma coluna líquida de
de métodos diretos de determinação. Não discrimina os plasma transparente. Pela eletroforese, observa-se den-
padrões das diferentes lipoproteínas. Compreende qua- sa faixa de quilomícrons, e as demais faixas podem não
tro tipos principais bem definidos: ser visíveis.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 465
Tabela 1. Valores de referência para o diagnóstico das dislipidemias em adultos >
20 anos.

CHACRA APM e cols. Lípides Valores Nível


Classificação das
dislipidemias Colesterol total < 200 Ótimo
200-239 Limítrofe
≥ 240 Alto
LDL-colesterol < 100 Ótimo
100-129 Desejável
130-159 Limítrofe
160-189 Alto
≥ 190 Muito alto
HDL-colesterol < 40 Baixo
> 60 Alto
Triglicérides < 150 Ótimo
150-200 Limítrofe
201-499 Alto
≥ 500 Muito alto

LDL-colesterol = colesterol de lipoproteína de baixa densidade; HDL-colesterol =


colesterol de lipoproteína de alta densidade.

b) Tipo IIa: aumento de colesterol total às custas da ele- importante dos triglicérides por elevação concomitante de
vação das betalipoproteínas. O plasma de jejum, após 24 quilomícrons e pré-betalipoproteínas. O plasma de jejum
horas, mostra-se límpido. O colesterol está elevado e os apresenta uma camada cremosa, superior, que corres-
triglicérides estão dentro dos valores normais. Na eletro- ponde aos quilomícrons, e outra turva, inferior, que cor-
forese há uma faixa de betalipoproteínas intensamente responde aos triglicérides endógenos.
coradas e na ultracentrifugação observa-se aumento dos A classificação fenotípica não define a etiologia das
níveis plasmáticos de LDL-colesterol, com VLDL-coleste- dislipidemias, não diferencia as primárias das secundári-
rol normal e HDL-colesterol variável. as, mas tem sido útil na caracterização dessas anormali-
c) Tipo IIb: elevação plasmática concomitante do coleste- dades.
rol total e dos triglicérides às custas de aumento de pré- A eletroforese de lipoproteínas é usada eventualmen-
beta e betalipoproteínas. O plasma de jejum é geralmen- te a fim de diferenciar quando a elevação de triglicérides
te turvo. A eletroforese mostra faixas de beta e pré-beta- é procedente de fontes alimentares (triglicérides contidos
lipoproteínas, intensamente coradas e separadas, e a ul- nos quilomícrons) ou de partículas ricas em triglicérides
tracentrifugação exibe aumento da LDL e da VLDL. de origem endógena (VLDL produzida pelo fígado, como,
d) Tipo III: relativamente incomum, caracteriza-se por uma por exemplo, em indivíduos com alta ingestão de carboi-
fração de VLDL com mobilidade eletroforética anormal; dratos)(5, 6).
esse fenótipo é conhecido como doença da beta larga. O Entretanto, estabelecer o fenótipo das lipoproteínas
plasma de jejum, após 24 horas, é turvo, com leve cama- plasmáticas não substitui o diagnóstico da etiologia da
da cremosa na parte superior, que corresponde aos qui- dislipidemia.
lomícrons. A banda beta da eletroforese está alargada, Por serem métodos mais caros, tanto a eletroforese
correspondendo à elevação das lipoproteínas de densi- como a ultra-centrifugação não são feitas de rotina; a ele-
dade intermediária (IDL). As concentrações de colesterol troforese, como mencionado, tem utilidade na presença
total e triglicérides estão elevadas e a relação colesterol de hipertrigliceridemias graves e é também indicada na
total/triglicérides é de aproximadamente 1. suspeita diagnóstica da dislipidemia tipo III(6).
e) Tipo IV: aumento dos triglicérides em decorrência do
acúmulo das pré-betalipoproteínas, correspondente à ele- CLASSIFICAÇÃO
vação das VLDL. O colesterol total é normal ou pouco ETIOLÓGICA
aumentado, às custas do colesterol contido nas VLDL. O
plasma tem aspecto turvo. Diante de concentrações anormais de lípides no plas-
f) Tipo V: colesterol total pouco aumentado e aumento ma, é necessária a identificação das causas da dislipide-
mia. De acordo com sua etiologia, as dislipidemias são

466 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
classificadas como primári- O fenótipo da hipercolesterolemia familiar é IIa. A impor-
as ou secundárias. tância do diagnóstico precoce e da instituição do trata-
Dislipidemias primárias mento adequado decorre do conhecimento da história
CHACRA APM e cols. As dislipidemias primá- natural da doença. Em sua forma heterozigótica, calcula-
Classificação das rias caracterizam-se por au- se que homens com 50 anos de idade ou mais apresen-
dislipidemias mento ou diminuição dos lí- tem risco elevado de doença coronariana (de 50%), en-
pides plasmáticos, resultan- quanto em mulheres o risco estimado é de 30% antes
tes de alterações genéticas dos 60 anos de idade. Na forma homozigótica, mais gra-
que interferem com os me- ve, observa-se doença arterial coronariana e até óbito já
canismos de síntese ou re- na primeira infância(7).

Tabela 2. Classificação fenotípica das hiperlipidemias (Fredrickson).

Lipoproteínas Lípides Aparência


(principal alteração) (valores mais comuns) do plasma
Fenótipo QM VLDL IDL LDL CT (mg/dl) TG (mg/dl) ou soro

Tipo I ↑↑↑ 160-400 1.500-5.000 Sobrenadante


cremoso
Tipo IIa ↑ a ↑↑↑ > 240 < 200 Transparente
Tipo IIb ↑ a ↑↑ ↑ a ↑↑↑ 240-500 200-500 Turvo
Tipo III ↑↑ a ↑↑↑ 300-600 300-600 Turvo
Tipo IV ↑ a ↑↑↑ < 240 300-1.000 Turvo
Tipo V ↑ a ↑↑↑ ↑ a ↑↑↑ 160-400 1.500-5.000 Camada superior
cremosa
Camada inferior
turva

QM = quilomícron; VLDL = lipoproteína de densidade muito baixa; IDL = lipoproteína de densidade intermediária;
CT = colesterol total; TG = triglicérides.

moção das lipoproteínas circulantes. Algumas dessas Defeito familiar da apo B


dislipidemias manifestam-se em função da influência O defeito familiar da apo B é uma alteração genética
ambiental, incluindo dieta inadequada e/ou sedentaris- que se caracteriza por uma única mutação da apo B-100,
mo. As dislipidemias primárias englobam as hiperlipide- defeito que impede que essa apolipoproteína seja reco-
mias e as hipolipidemias. Serão abordadas, a seguir, as nhecida pelo receptor; assim, não se estabelece a liga-
principais hiperlipidemias genéticas. ção entre a apo B100 e o receptor da LDL, o que resulta
Hipercolesterolemia familiar em elevação dos níveis de colesterol total e de LDL-co-
A hipercolesterolemia familiar é uma doença genéti- lesterol. A freqüência dessa doença é de 1:500 e 1:750
ca, com transmissão autossômica dominante, o que con- em indivíduos brancos com hipercolesterolemia. Em po-
fere dois genótipos: os homozigóticos, que praticamente pulações não selecionadas e de etnia diversa, a preva-
não expressam receptores para remoção do LDL-coles- lência é de 0,08%. O quadro clínico dos pacientes homo-
terol, com níveis muito elevados de colesterol plasmático, zigóticos e heterozigóticos com defeito familiar da apo B
e os heterozigóticos, com expressão parcial dos recepto- é muito semelhante ao de hipercolesterolemia familiar,
res e níveis de colesterol não tão elevados como na for- com níveis elevados de LDL-colesterol, xantomas e do-
ma heterozigótica. A heterozigótica é mais freqüente e ença coronariana precoce. Apesar da semelhança, os
acomete cerca de 1:500 pessoas da população; a forma níveis de colesterol são menos elevados e as manifesta-
homozigótica, muito rara, tem prevalência de ções clínicas são menos intensas no defeito familiar da
1:1.000.000(7). A concentração plasmática de LDL-coles- apo B, quando comparados à hipercolesterolemia famili-
terol, nos heterozigóticos, oscila entre 250 mg/dl e 450 ar. Esse fenótipo menos grave deve-se ao fato de que a
mg/dl. Nos homozigóticos, esses valores são mais pro- ligação da apo B com o receptor da LDL é defeituosa,
nunciados, podendo-se observar níveis entre 550 mg/dl mas não ausente. Clinicamente, o defeito familiar da apo B
e 950 mg/dl. Xantomas tuberosos na face dorsal das mãos, é indistinguível da hipercolesterolemia familiar e o tratamen-
nos joelhos, nos cotovelos e no tendão de Aquiles, além to é semelhante ao da hipercolesterolemia familiar(8).
de xantelasma e arco córneo lipídico, são sinais do exa- Hiperlipidemia familiar combinada
me físico considerados patognomônicos dessa doença. A hiperlipidemia familiar combinada é uma das hiper-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 467
lipidemias mais comuns, sar os triglicérides das lipoproteínas ricas em triglicéri-
com prevalência aproxima- des, principalmente os quilomícrons. Essas mutações são
da de 2%, além de ser cau- transmitidas de forma recessiva. A freqüência dos homo-
CHACRA APM e cols. sa freqüente de doença co- zigóticos ou heterozigóticos compostos para essas mu-
Classificação das ronariana precoce (20% tações é de 1:1.000.000(14).
dislipidemias dos pacientes jovens com A deficiência parcial da lipase lipoprotéica (heterozi-
infarto do miocárdio apre- gotos) provoca hipertrigliceridemia, que se acentua na
sentam hiperlipidemia fami- presença de fatores ambientais como obesidade ou se-
liar combinada). Foi reco- dentarismo. Sua prevalência é de 1:500 indivíduos, na
nhecida em 1973 por Gol- população em geral, ou de 1:40, como observado em al-
dstein e colaboradores(9) em gumas áreas do Canadá. São descritas mais de 60 muta-
estudo de famílias com do- ções que cursam com a deficiência da lipase lipoprotéica.
ença coronariana precoce. A hiperlipidemia familiar com- De forma mais rara, como causas potenciais da síndro-
binada caracteriza-se por níveis elevados de triglicérides me da hiperquilomicronemia, descrevem-se a deficiência
ou colesterol ou ambos, com padrão aparente de heran- da apo C-II ou a existência de um inibidor circulante da
ça autossômica dominante. Como peculiaridade, obser- lipase lipoprotéica. Vale lembrar que a apo CII é uma co-
va-se fenótipo variável no grupamento familiar, ora tipo enzima que estimula a atividade da lipase lipoprotéica. A
IIa ora IIb ou IV(10). deficiência da lipase lipoprotéica é reconhecida na infân-
Hipertrigliceridemia familiar cia ou adolescência na sua forma homozigótica, na qual
Sua herança é autossômica dominante, com penetra- se observa grave hipertrigliceridemia, com níveis plas-
ção variável. É decorrente do acúmulo, no plasma, de máticos acima de 1.000 mg/dl, no jejum, alcançando even-
lipoproteínas ricas em triglicérides (VLDL e IDL), que re- tualmente valores acima de 10.000 mg/dl, principalmente
sulta tanto do aumento da produção hepática como da após refeições gordurosas, pelo excesso de quilomícrons
diminuição da depuração plasmática. O mecanismo res- na circulação. O colesterol plasmático pode estar normal
ponsável pela doença ainda não é conhecido. O aumento ou pouco elevado e o HDL-colesterol, reduzido. Existe
da produção hepática dos triglicérides estaria relaciona- acúmulo de quilomícrons tanto no jejum como no período
do à resistência à insulina, e é semelhante ao observado pós-prandial. A síndrome da hiperquilomicronemia cor-
após o consumo aumentado de hidratos de carbono e de responde, na classificação fenotípica, aos tipos I e V.
álcool. O fenótipo correspondente é o tipo IV(10). Acompanhando a acentuada hipertrigliceridemia, pode-
Disbetalipoproteinemia se observar dor abdominal recorrente, acompanhada
A hiperlipoproteinemia tipo III, também conhecida ou não de pancreatite aguda, xantomas eruptivos, li-
como disbetalipoproteinemia, é caracterizada por aumento pemia retiniana, além de hepato e esplenomegalia. Os
das concentrações plasmáticas de colesterol total e trigli- xantomas eruptivos são lesões papulosas pequenas e
cérides, causado pelo acúmulo, no plasma, dos rema- amareladas, que se localizam geralmente no dorso e
nescentes das lipoproteínas ricas em triglicérides. O acú- na face extensora de braços e pernas, os quais resul-
mulo de remanescentes, na circulação, decorre da dimi- tam da fagocitose dos quilomícrons pelos macrófagos
nuição da afinidade entre a apo E, presente nas lipopro- localizados na pele. A regressão dos xantomas erupti-
teínas remanescentes, e o receptor hepático B/E. Esses vos ocorre após a diminuição das concentrações plas-
pacientes apresentam o genótipo E2/E2 e a transmissão máticas de triglicérides.(14)
desse alelo é autossômica recessiva(11, 12). O genótipo E2/
E2 ocorre com freqüência relativamente alta na popula- Dislipidemias secundárias
ção (cerca de 1:100). No entanto, o fenótipo da hiperlipo- As dislipidemias secundárias resultam, por sua vez,
proteinemia tipo III é relativamente raro, desenvolvendo- em alterações das concentrações plasmáticas das li-
se apenas entre 1:10 e 1:100 dos portadores do genótipo poproteínas, secundárias a uma causa específica, seja
homozigoto. A dislipidemia, para se manifestar, necessita às custas de efeito colateral de medicamentos seja às
da presença de um fator secundário, como, por exemplo, custas de outras doenças ou de hábitos de vida inade-
alguma alteração metabólica que aumente a produção quados. A detecção de uma causa secundária de disli-
das VLDL, tal como obesidade, diabetes melito, hipoti- pidemia é de grande importância diagnóstica, pelas
reoidismo e consumo elevado de álcool(13). O quadro clí- suas implicações terapêuticas. As etiologias das disli-
nico característico é a presença de xantomas palmares e pidemias secundárias podem ser agrupadas em disli-
plantares, bem como o desenvolvimento precoce de do- pidemias secundárias a doenças, dislipidemias secun-
ença coronariana. dárias a medicamentos, e dislipidemias secundárias a
Síndrome da hiperquilomicronemia hábitos de vida inadequados.
É conseqüente a mutações nos genes que codificam Dislipidemias secundárias a doenças
a lipase lipoprotéica, enzima que tem a função de hidroli- As dislipidemias secundárias a doenças estão apre-

468 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
sentadas na Tabela 3. mo manifesto clinicamente como na forma subclínica.
a) Diabetes melito do tipo Em estudo com 1.210 pacientes com colesterol total aci-
II: as anormalidades lipídi- ma de 200 mg/dl, a prevalência de hipotireoidismo mani-
CHACRA APM e cols. cas em portadores de dia- festo clinicamente foi de 1,3% e de hipotireoidismo sub-
Classificação das betes melito do tipo II re- clínico, de 11,2%. Assim, a avaliação funcional da tireói-
dislipidemias sultam da obesidade ab- de deve ser feita quando detectada a dislipidemia(17).
dominal e da resistência à c) Síndrome nefrótica: tanto a hipercolesterolemia como
insulina. São caracteriza- a hipertrigliceridemia são observadas na síndrome
das por hipertrigliceride- nefrótica. Em estudo com 100 pacientes com síndro-
mia, baixos níveis de HDL- me nefrótica e hipercolesterolemia, foram observados
colesterol e presença de níveis plasmáticos de colesterol total > 200 mg/dl em
LDL pequenas e densas. 87%, dos quais o colesterol total era > 300 mg/dl em
Os fenótipos são variáveis, dependendo da alteração 53% e o colesterol total, > 400 mg/dl em 25%. Estudos
lipídica predominante (IIb, IV e V). Dois defeitos acar- “in vitro” demonstraram que a pressão oncótica baixa
retam aumento de VLDL: 1) superprodução; e 2) lipóli- do plasma, própria da síndrome nefrótica, estimula di-
se diminuída das partículas de VLDL. O primeiro me- retamente a transcrição do gene da apo B, aumentan-
canismo é secundário à elevação dos ácidos graxos do a síntese das lipoproteínas que contêm apo B. A
livres e da glicemia, o que estimula a síntese de VLDL. redução do catabolismo tem papel importante na fisio-
O segundo resulta da deficiência relativa de insulina, patologia da dislipidemia observada na síndrome ne-
uma vez que a insulina estimula a ação da lipase lipo- frótica. Muitos pacientes apresentam hiperlipidemia
protéica(15). mista, embora ocorra predomínio de hipertrigliceride-

Tabela 3. Dislipidemias secundárias a doenças.

Lipoproteínas (principal alteração)


Causa CT TG HDL-colesterol

1. Diabetes —— ↑ ↓
2. Hipotireoidismo ↑↑ ↑ ↑ ou ↓
3. Doenças renais
- Síndrome nefrótica ↑ ↑ —
- Insuficiência renal crônica ↑ ↑ —
4. Hepatopatias colestáticas
crônicas ↑ a ↑↑↑↑↑ Normal ↑↑ - > ↓
ou leve ↑
5. Obesidade ↑ ↑↑ ↓
6. Anorexia nervosa ↑ —— ——
7. Bulimia ↑ ↑ -—-

CT = colesterol total; TG = triglicérides; HDL-colesterol = colesterol de lipoproteína de alta densidade.

b) Hipotireoidismo: a dislipidemia do hipotireoidismo é mia. A regressão da síndrome nefrótica, espontânea


caracterizada pelo aumento das concentrações plas- ou após tratamento medicamentoso, reverte a dislipi-
máticas do LDL-colesterol, conseqüente ao decrésci- demia(18).
mo do número de receptores hepáticos para a remo- d) Insuficiência renal crônica: a hipertrigliceridemia, em
ção dessas partículas. Nos indivíduos com hipotireoi- pacientes com insuficiência renal crônica, ocorre em
dismo e obesos, observa-se hipertrigliceridemia em 30% a 50% dos casos(19). As anormalidades no meta-
decorrência da hiperprodução de VLDL, pelos seguin- bolismo lipídico ocorrem também nos portadores de
tes mecanismos: 1) aumento da produção hepática das insuficiência renal crônica em diálise e após transplan-
partículas de VLDL; 2) lipólise diminuída dos triglicéri- te renal. O achado mais comum na insuficiência renal
des séricos; e c) alguns indivíduos com o genótipo E- crônica, dialítica ou não-dialítica, é a hipertrigliceride-
2/E-2 têm remoção lenta dos remanescentes de VLDL, mia, com o colesterol total próximo aos valores nor-
podendo expressar o fenótipo tipo III(16). As alterações mais, talvez pelo estado de desnutrição em alguns pa-
nos lípides plasmáticos ocorrem tanto no hipotireoidis- cientes. A elevação dos níveis plasmáticos de triglicé-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 469
rides é conseqüente à re- sociado a níveis elevados de LDL-colesterol e triglicé-
dução da atividade da li- rides(23).
pase lipoprotéica e da li- Dislipidemias secundárias a medicamentos
CHACRA APM e cols. pase hepática, que podem Alguns anti-hipertensivos podem causar efeitos ad-
Classificação das contribuir para o decrésci- versos nos níveis séricos lipídicos. Outras drogas, como
dislipidemias mo da remoção das lipo- os corticosteróides, aumentam tanto os níveis de co-
proteínas ricas em triglicé- lesterol como os de triglicérides. A isotretinoína utiliza-
rides(20). da para a acne grave com freqüência causa dislipide-
e) Hepatopatias colestáti- mia mista, geralmente associada à redução do HDL-
cas crônicas: cirrose biliar, colesterol. Os medicamentos que afetam desfavoravel-
colangite esclerosante e mente os lípides séricos têm seu efeito mais acentua-
outras hepatopatias que do nos pacientes com distúrbios lipídicos prévios. Os
cursam com colestase podem ser acompanhadas de inibidores de protease também se associam a dislipi-
hipercolesterolemia significativa. Entretanto, em um re- demias (aumento dos triglicérides e diminuição do HDL-
lato de 284 pacientes, a faixa de valores do colesterol colesterol). A Tabela 4 ilustra os principais grupos de
total foi bem ampla, variando entre 120 mg/dl e 1.775 medicamentos que causam dislipidemias, bem como o
mg/dl. Não houve correlação entre o colesterol total e tipo de alteração lipídica encontrada(24).
os níveis de bilirrubina. O perfil lipídico demonstrou não Dislipidemias secundárias a hábitos de vida
só elevação do LDL-colesterol mas também elevação inadequados
significativa do HDL-colesterol nos estágios iniciais da a) Tabagismo: o fumo causa reduções em graus variá-
doença; os níveis de triglicérides mantiveram-se nor- veis do HDL-colesterol e pode induzir resistência à in-
mais ou pouco elevados(21). sulina. No estudo “Bezafibrate Infarction Prevention
f) Obesidade: as alterações lipídicas incluem elevação Study Group”, o HDL-colesterol médio foi de 39,6 mg/
dos triglicérides plasmáticos, redução do HDL-coleste- dl em não-fumantes e de 35 mg/dl em fumantes(25).
rol e, principalmente na obesidade abdominal, presen- b) Etilismo: a ingestão alcoólica excessiva é freqüente-
ça de LDL-colesterol pequena e densa(22). mente acompanhada do aumento dos triglicérides e
g) Síndrome de Cushing: o hipercortisolismo está as- do HDL-colesterol(23).

Tabela 4. Dislipidemias secundárias a medicamentos.

Lipoproteínas (principal alteração)


Medicamento CT TG HDL-colesterol

Diuréticos —— ↑ ↓
Betabloqueadores —— ↑ ↓
Anticoncepcionais ↑ ↑ —
Corticosteróides ↑ ↑ —
Anabolizantes ↑ —— ↓
Estrógenos ** →↑ →↓
Progestágenos ** →↑ →↓
Isotretinoína ↑ ↑ ↑
Ciclosporinas ↑ ↑↑ ↑
Inibidores de protease ↑ ↑↑↑ ↓

** Efeitos dependem do tipo de estrógeno e progestágeno e da via de administração.


CT = colesterol total; TG = triglicérides; HDL-colesterol = colesterol de lipoproteína de alta densidade.

470 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
CLASSIFICATION OF DYSLIPIDAEMIA
CHACRA APM e cols.
Classificação das ANA PAULA MARTE CHACRA, JAYME DIAMENT, NEUSA A. FORTI
dislipidemias

The authors emphasize the importance of an internationally accepted language


for classification of different types of dyslipidemia. They also discuss about diagno-
sis, best therapy as well as prognosis of dyslipidemia.

Key words: lipoproteins, dyslipidaemia, classification, etiology.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:465-72)


RSCESP (72594)-1569

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472 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
DISLIPIDEMIA, INFLAMAÇÃO E ATEROSCLEROSE
ARAÚJO RG e cols.
Dislipidemia, inflamação RENATA GOMES DE ARAÚJO, ANTONIO CASELLA FILHO,
e aterosclerose
TATIANA DE FÁTIMA GONÇALVES GALVÃO, ANTONIO CARLOS PALANDRI CHAGAS

Unidade Clínica de Aterosclerose – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 –


Cerqueira César – CEP 05403-900 – São Paulo – SP

Atualmente, entende-se o processo aterosclerótico não apenas como decorrên-


cia do acúmulo de lípides nas paredes dos vasos, mas também como conseqüência
da disfunção endotelial e da ativação do sistema inflamatório. A descoberta de que
o endotélio sintetiza importantes vasodilatadores, tais como o fator relaxante deriva-
do do endotélio e a prostaciclina, despertou enorme interesse na função endotelial e
em seu papel sobre o controle vascular, tanto em situações fisiológicas como em
processos patológicos, como as síndromes coronarianas agudas. Atualmente, sabe-
se que o endotélio influencia não somente o tônus vascular, mas também o remode-
lamento vascular, por meio da produção de substâncias promotoras e inibidoras de
seu crescimento, e os processos de hemostasia e trombose, por meio de efeitos
antiplaquetários, anticoagulantes e fibrinolíticos. Além de sofrer influência e de estar
suscetível à ação de substâncias inflamatórias, sabe-se que a perda de continuida-
de da placa e a resultante trombose coronariana são a base fisiopatológica da mai-
oria dos casos de síndromes coronarianas agudas.

Palavras-chave: aterosclerose, dislipidemia, inflamação, doença arterial coronaria-


na.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo;2005;6:473-81)


RSCESP (72594)-1570

INTRODUÇÃO dade (LDL) oxidada, infecção crônica e formação de


radicais livres, entre outros. O envolvimento da infla-
A aterosclerose, doença progressiva caracterizada mação na aterosclerose também torna o processo in-
pelo acúmulo de lípides e componente fibroso em gran- flamatório um alvo potencial para o tratamento e a pre-
des artérias, é a causa primária de doença arterial co- venção da doença arterial coronariana(2).
ronariana e acidente vascular cerebral, sendo respon-
sável por aproximadamente 50% das mortes em paí- ATEROSCLEROSE E LESÃO ENDOTELIAL
ses ocidentais(1). Por esse motivo, há grande interesse
na elucidação da etiopatogenia da aterosclerose. A disfunção endotelial é implicada na fisiopatologia
Atualmente, a aterosclerose é compreendida como das doenças cardiovasculares, incluindo: hipertensão,
uma doença inflamatória e não meramente como um doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca crô-
acúmulo passivo de lípides na parede arterial. O pro- nica, doença arterial periférica, diabetes, e insuficiên-
cesso inflamatório crônico envolvendo o endotélio ar- cia renal crônica. A disfunção endotelial foi identificada
terial e que culmina com as complicações da ateros- inicialmente como vasodilatação diminuída a estímu-
clerose pode ser causado por uma resposta inflamató- los específicos, tais como acetilcolina ou bradicinina.
ria ou por fatores como o estresse oxidativo desenca- Nos últimos anos, porém, comprovou-se que o termo
deados por partículas de lipoproteína de baixa densi- disfunção endotelial incluiria não somente a vasodila-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 473
tação reduzida, mas um lio encontra-se lesado, mas sem alteração morfológi-
estado também pró-infla- ca. Essa disfunção endotelial propicia o aumento da
matório e pró-trombótico(2). permeabilidade ao LDL-colesterol, ocorrendo, assim,
ARAÚJO RG e cols. O endotélio, maior ór- maior oxidação e aumento da concentração de LDL-
Dislipidemia, inflamação gão do corpo, é posiciona- colesterol oxidado e retido nos proteoglicanos (a oxi-
e aterosclerose do estrategicamente entre dação decorre do aumento de espécies reativas de
a parede dos vasos san- oxigênio). A oxidação estimula a adesão de moléculas
guíneos. Detecta estímu- de adesão leucocitária na superfície endotelial, sendo
los mecânicos, tais como essas moléculas responsáveis pela atração de monó-
o “shear stress”, e estímu- citos e linfócitos para a parede arterial(8).
los hormonais, tais como Além da alteração de permeabilidade, que provoca
substâncias vasoativas. As aprisionamento da LDL no espaço subendotelial, sabe-
substâncias vasodilatadoras produzidas pelo endoté- se que, nas lesões ateroscleróticas iniciais, células en-
lio são o óxido nítrico (NO), a prostaciclina, os fatores doteliais ou leucócitos que infiltram o endotélio podem
hiperpolarizantes derivados do endotélio e o peptídeo ativar mediadores inflamatórios, como, por exemplo, o
natriurético tipo-C(3). A endotelina-1 (ET-1), a angioten- PDGF, o fator de crescimento de fibroblastos (FGF) e
sina II, o tromboxano A2 e as espécies reativas de oxi- os fatores de crescimento similares à insulina (IGF)(9).
gênio são as substâncias que, agindo sobre o endoté- Assim, a incessante discussão sobre a iniciação da
lio, promovem a vasoconstrição. Os moduladores infla- lesão aterosclerótica suscita o potencial papel das ci-
matórios incluem o NO, a molécula de adesão interce- tocinas inflamatórias nesse processo. Essas proteínas
lular-1 (ICAM-1), a molécula de adesão vascular-1 mediadoras também podem ter importante papel na re-
(VCAM-1), a E-selectina e o NFκ-B(3). A modulação da gulação da expressão de fatores de crescimento por
homeostase é realizada pela liberação e pela ação, no células endoteliais e leucócitos. Cita-se, como exem-
endotélio, de fatores tais como ativador plasminogê- plo, uma dessas citocinas, a interleucina-1 (IL-1), que
nio, fator de inibição tecidual e fator de von Willebrand, pode estimular o aumento da produção de PDGF por
assim como pela liberação de NO, prostaciclina, trom- células musculares lisas vasculares humanas e a mai-
boxano A2, inibidor do ativador do plasminogênio e fi- or expressão de FGF por células musculares lisas hu-
brinogênio. O endotélio contribui também na mitogê- manas(10). Como as células endoteliais são suscetíveis
nese, na angiogênese e no controle da permeabilida- à regulação tanto positiva como negativa, alguns me-
de vascular(3). diadores podem inibir funções pró-aterogênicas das
Assim, as células endoteliais desempenham diver- células musculares lisas. O fator de crescimento e trans-
sas funções fisiológicas na manutenção da integrida- formação beta (TGF-β), por exemplo, pode limitar a
de da parede vascular, constituindo barreira permeá- proliferação da célula muscular lisa, enquanto promo-
vel através da qual ocorre difusão e trocas ou trans- ve aumento da produção de matriz extracelular. O in-
porte ativo de diversas substâncias, além de atuar como terferon gama (IFN-γ), uma citocina derivada de linfó-
superfície não-trombogênica e não-aderente para pla- citos T ativados, pode reduzir a proliferação de células
quetas e leucócitos, e no controle da vasomotricidade. musculares lisas. Então, o acúmulo de células muscu-
Esse mecanismo está comprometido em pacientes ate- lares lisas no local da placa aterosclerótica em forma-
roscleróticos, muito provavelmente pelos efeitos dele- ção depende do balanço entre estímulos promotores e
térios diretos dos níveis plasmáticos elevados de LDL- inibidores do crescimento(11).
colesterol sobre o endotélio vascular; assim, nos paci- O endotélio, como foi citado anteriormente, possui
entes portadores de doença arterial coronariana, há ação controladora da mitogênese e da angiogênese.
predomínio das respostas vasoconstritoras influenci- Nos últimos anos, tem-se estudado a ação do endoté-
ando a patogênese da isquemia(4). Até alguns anos lio no estímulo à formação do “vasa vasorum”; diver-
atrás, o desnudamento do endotélio era considerado o sos estudos sugerem que a neovascularização contri-
responsável por ocasionar a adesão plaquetária, a de- bui para o crescimento de lesões ateroscleróticas, sen-
granulação e a liberação de mediadores fibrinogêni- do um fator-chave na instabilização da placa, condu-
cos, tais como o fator de crescimento derivado de pla- zindo à ruptura. Estudos relevantes focalizaram o pa-
quetas (PDGF)(5). Atualmente, sabe-se que a forma- pel do fator endotelial de crescimento vascular (VEGF)
ção do ateroma pode ocorrer sem descamação endo- na formação do “vasa vasorum”. Essa neovasculariza-
telial, mas sim na presença de disfunção do endoté- ção é derivada do “vasa vasorum” da adventícia e pode
lio(6, 7). também ser denominada microangiopatia intimal. A res-
O processo aterosclerótico inicia-se com a agres- posta angiogênica inicial pelo “vasa vasorum” da ad-
são do endotélio por fatores diversos, como estresse ventícia é estimulada pela hipoxia e pela isquemia que
mecânico e por oxidação do LDL-colesterol. O endoté- ocorre no processo de remodelamento e espessamen-

474 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
to das camadas íntima e coce demonstrado no início da formação do ateroma.
média, o que dificulta a di- Essas moléculas de adesão são divididas em diversos
fusão de substâncias. grupos, mas a molécula de adesão da célula vascular-
ARAÚJO RG e cols. Essa hipoxia induz a for- 1 (VCAM-1) é de particular interesse nos estágios ini-
Dislipidemia, inflamação mação do “vasa vasorum” ciais da aterosclerose(16).
e aterosclerose ao estimular a Hif-1 e a As alterações que se seguem no LDL-colesterol apri-
VEGF. O processo infla- sionado foram propostas em vários estudos no início
matório presente na placa da década de 1980, e baseiam a “hipótese oxidativa”
também induz a neovas- da aterogênese, segundo a qual a LDL oxidada é im-
cularização, pelo fato de portante, e possivelmente obrigatória, na patogênese
os macrófagos serem fon- da lesão aterosclerótica(17). O transporte do LDL-coles-
tes ricas de VEGF e outros terol da corrente sanguínea para o espaço subendote-
reguladores da angiogênese(12). lial é um processo passivo e ocorre de maneira direta-
A importância desses microvasos na formação da mente proporcional a sua concentração no sangue(18).
placa encontra sustentação no fato de esses microva- O processo de oxidação da lipoproteína inicia-se por
sos expressarem as moléculas da adesão (ICAM-1, meio de produtos oxidativos das células da parede ar-
VCAM-1, E-selectina, CD40), o que facilitaria a migra- terial, como endotélio, células musculares lisas e ma-
ção transendotelial de células inflamatórias(13). O CD40 crófagos. Nessa primeira fase da oxidação, apenas a
é um receptor de superfície celular que pertence à fa- fração lipídica da lipoproteína é alterada, mantendo-se
mília dos receptores do fator de necrose tumoral (TNF) íntegra a apolipoproteína B, fração protéica da molé-
e que, apesar de ter sido inicialmente identificada e cula(19, 20). Após esse processo inicial de oxidação, a
funcionalmente caracterizada em células linfocitárias partícula de LDL torna-se levemente oxidada. Berliner
tipo B, é encontrada em outras células, entre as quais e colaboradores(21) demonstraram que a LDL levemen-
se encontram as endoteliais, desenvolvendo importan- te oxidada induz maior adesão de monócitos, mas não
te papel na regulação de respostas imunes e inflama- de neutrófilos, às células endoteliais. Isso ocorre pelo
tórias(14). aumento da expressão das moléculas de adesão e de
A associação entre a neovascularização e a ateros- proteínas quimiotáticas, como a proteína quimiotática
clerose foi confirmada em análise histopatológica em de monócitos-1 (MCP-1). Há ainda estímulo para se-
amostras de placas ateroscleróticas de humanos e nas creção de fatores estimuladores, como o fator estimu-
artérias coronárias de primatas, demonstrando a cor- lador de colônia monocitária (MCS-F), que estimulam
relação entre a extensão da aterosclerose e a neovas- a migração e a diferenciação de monócitos em macró-
cularização. Foi observado que, em primatas ateros- fagos. A oxidação aumentada promove maior atividade
cleróticos, o sangue que fluía pelo “vasa vasorum” era dos macrófagos. Recentemente, considerável esclare-
mais hipercolesterolêmico quando comparado com o cimento a respeito da base molecular do acúmulo lipí-
sangue de outras regiões, e que a suspensão da dieta dico pelos macrófagos vem sendo obtido. Várias molé-
hipercolesterolêmica foi associada à regressão da pla- culas da superfície celular, que se ligam seletivamente
ca e à diminuição do “vasa vasorum”, assim como à a formas modificadas de lipoproteínas (seja por pero-
diminuição do volume de sangue que corria por essa xidação seja por lipólise ou proteólise), foram identifi-
neovascularização.(15) cadas. Elas incluem os receptores “scavenger” de ma-
crófagos(22), o CD-36(23) e o CD68(24).
OXIDAÇÃO DA LDL Nessa segunda fase da oxidação, a fração protéica
da lipoproteína também torna-se alterada. A LDL é dita
A disfunção endotelial, como abordado anteriormen- então oxidada. Essa molécula passa a ser reconheci-
te, foi comprovada como o evento inicial em modelos da por receptores “scavenger” e CD-36(22-24) na superfí-
de hipercolesterolemia, em estudos experimentais. A cie dos macrófagos, que englobam as moléculas de
lesão ao endotélio resulta em aumento de permeabili- lipoproteína e se tornam ricos em conteúdo lipídico.
dade endotelial a lipoproteínas e outros constituintes Essas células, chamadas células espumosas, são ca-
plasmáticos. racterísticas da estria gordurosa, que é a lesão mais
Essa disfunção endotelial causaria inicialmente au- precoce reconhecida no início da aterosclerose.
mento de permeabilidade ao LDL-colesterol no espa- Evidências recentes indicam que a lesão endotelial
ço subendotelial e surgimento de moléculas de ade- decorre da atividade aumentada da LOx-1, que é o prin-
são leucocitária na superfície endotelial. Essas molé- cipal receptor da LDL oxidada, por promover a forma-
culas são responsáveis pela atração de monócitos e ção de radicais superóxido, diminuir a concentração de
linfócitos para a parede arterial. O recrutamento de leu- óxido nítrico e ativar o fator de transcrição nuclear NFκ-
cócitos mononucleares para a íntima é um evento pre- B(25).

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 475
lar (ICAM-1 e ICAM-2) e a molécula de adesão da cé-
ATEROSCLEROSE E IN- lula vascular (VCAM-1), começam a participar do pro-
FLAMAÇÃO cesso de ativação inflamatória, podendo inclusive ser
ARAÚJO RG e cols. utilizadas como marcadoras do processo inflamatório.
Dislipidemia, inflamação O conceito clássico de Essas moléculas permitem adesão estável dos leucó-
e aterosclerose aterosclerose como so- citos e sua subseqüente passagem pela camada de
mente parte de uma de- células endoteliais(27). Em caso de estresse oxidativo, a
sordem do metabolismo e modificação de lipoproteínas na parede vascular pode
da deposição lipídica ob- gerar citocinas que induzem a expressão de moléculas
teve, no passado, grande de adesão, incluindo a VCAM-1. Os leucócitos circu-
aceitação. Entretanto, a lam no sangue como células de forma livre e não ade-
história natural da aterogê- rentes, as quais, após receberem estímulos apropria-
nese estende-se além da dislipidemia. Além disso, a dos, apresentam um fenômeno de rolamento na pare-
ligação da desordem lipídica ao envolvimento vascular de vascular, aderindo-se firmemente à superfície en-
durante a aterogênese e as subsequentes manifesta- dotelial. As moléculas de adesão celular fazem parte
ções clínicas por si só já indicam fisiopatologia bem do recrutamento das células inflamatórias responsá-
mais complexa que mera deposição lipídica(26). veis pelo desenvolvimento do ateroma da parede vas-
Recentemente, emergiu o conceito de aterosclero- cular(28).
se como uma doença inflamatória, multifatorial, que en- Os leucócitos mononucleares, após entrarem no ate-
volve processos inflamatórios do início até um evento roma nascente por meio de adesão às células endote-
final, como, por exemplo, a ruptura de placa ateroscle- liais e penetração na camada íntima por diapedese
rótica, e de que o endotélio influencia não somente o entre as junções intercelulares, iniciam a captação de
tônus vascular pela produção de substâncias promoto- lípides modificados, principalmente o LDL-oxidado pe-
ras e inibidoras de seu crescimento mas também o ba- las espécies reativas de oxigênio (EROS) produzido
lanço entre fatores pró-trombóticos e trombogênicos pelo estresse oxidativo, e se transformam em células
na interface lúmen-parede do vaso, principalmente com espumosas(26, 29). Entretanto, esse acúmulo de macró-
a importante função de regular o processo inflamatório fagos dentro da camada íntima significa um primeiro
na parede do vaso(26). estágio, que predispõe à progressão do ateroma e à
O processo inflamatório está presente desde o iní- evolução para uma placa mais fibrosa e eventualmen-
cio da formação da placa aterosclerótica, com o pro- te mais complicada, que pode ocasionar conseqüênci-
cesso de oxidação do LDL-colesterol ativando macró- as clínicas. As estrias gordurosas observadas nos es-
fagos e adesão leucocitária. As lesões ateroscleróti- tágios iniciais da doença, e que traduzem o acúmulo
cas caracterizadas como placas surgem, na maioria de células espumosas, pode ser reversível e não cau-
dos casos, a partir da segunda década de vida, após sar conseqüências clínicas(30). A oxidação de lipoprote-
vários anos de evolução da doença. São formadas por ínas, como o LDL-colesterol, constitui, portanto, fator
um núcleo acelular de lípides e substâncias necróti- de risco importante para inflamação no processo ate-
cas, circundado pelas chamadas células espumosas rosclerótico. Esse fato pode ser comprovado em vários
(células que englobam grandes quantidades de lipíde- estudos clínicos, nos quais foram encontrados níveis
os, correspondendo a macrófagos), e, mais externa- significantemente elevados dessas moléculas em ca-
mente, por uma capa fibrosa composta de fibras mus- sos de infarto agudo do miocárdio(31, 32).
culares lisas e tecido conjuntivo fibroso. Além do infil- Entre as alterações causadas pela presença de LDL-
trado inflamatório linfo-histiocitário, pode haver ainda oxidada está também a produção de interleucina-1 (IL-
vasos neoformados e deposição de cálcio no centro 1), que estimula a migração e a proliferação das célu-
lipídico-necrótico, em quantidade variável de placa para las musculares lisas da camada média arterial. Estas,
placa e de indivíduo para indivíduo. Nos últimos anos ao migrarem para a íntima, passam a produzir não só
foi demonstrado que na fase inicial do processo atero- citocinas e fatores de crescimento como também a
gênico ocorre a expressão de várias moléculas de ade- matriz extracelular, que formará parte da capa fibrosa
são na superfície de células endoteliais, que essas mo- da placa aterosclerótica madura(33).
léculas modulam a interação do endotélio vascular com A incessante discussão sobre a iniciação da lesão
os leucócitos, e que esse recrutamento de leucócitos aterosclerótica suscita o potencial papel das citocinas
mononucleares para a camada íntima dos vasos é um inflamatórias nesse processo(29). Essas proteínas me-
evento celular precoce que ocorre no ateroma em for- diadoras também podem ter importante papel na regu-
mação(27). lação da expressão de fatores de crescimento por cé-
Assim, após a ativação leucocitária, moléculas en- lulas endoteliais e leucócitos.
doteliais, tais como as moléculas de adesão intercelu- Além do adelgaçamento e fraqueza da capa fibrosa

476 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
da placa e do acúmulo de 1, sendo o NFκ-B o mecanismo de transcrição. Simi-
macrófagos e células T, larmente, Pueyo e colaboradores(41) demonstraram que,
uma diminuição relativa de em células endoteliais de rato, a expressão VCAM-1
ARAÚJO RG e cols. células musculares lisas foi diretamente estimulada pela angiotensina II e pela
Dislipidemia, inflamação pode caracterizar a ruptu- ativação do NFκ-B, e que o fator da transcrição foi ati-
e aterosclerose ra da placa. A morte de vado pelo aumento do estresse oxidativo intracelular.
células musculares lisas, A ativação da expressão das moléculas de adesão
provavelmente por apopto- pela angiotensina II e o NFκ-B é de particular impor-
se, pode contribuir para a tância, pois essas moléculas, principalmente VCAM-1,
escassez de células mus- desempenham papel importante nos estágios iniciais
culares lisas nessas regi- da aterosclerose. A VCAM-1 liga-se ao antígeno tar-
ões da placa e promover dio-4 (VLA-4), expresso seletivamente por vários tipos
seu enfraquecimento, pois foi evidenciado que na pla- de leucócitos recrutados durante a formação das estri-
ca ateromatosa existem células musculares lisas com as gordurosas, as quais são as lesões precursoras do
DNA fragmentado, o que é característico da morte celular ateroma.(42)
programada(34, 35). Estudos “in vitro” têm estabelecido que ci- A angiotensina II também interfere no processo ate-
tocinas inflamatórias podem “disparar” o programa de morte rosclerótico, por induzir o estresse oxidativo por meio
celular por apoptose em células musculares lisas vasculares da produção de espécie reativa de oxigênio, pela ativa-
humanas(36). ção NADH/NADPH(43). Por sua vez, as espécies reati-
vas de oxigênio agem como mensageiros de transdu-
ANGIOTENSINA E ATEROSCLEROSE ção do sinal para diversos fatores importantes de trans-
crição, tais como NFκ-B e ativador da proteína-1, su-
Existem evidências crescentes indicando que a an- blinhando o papel do NFκ-B como mediador da angio-
giotensina e a endotelina-1 promovem e aceleram o tensina II induzindo lesão inflamatória.
processo aterosclerótico por meio de mecanismos in- Todos esses fatores demonstram que o NFκ-B é o
flamatórios, envolvendo interações complexas entre cé- mediador principal da regulação da expressão da an-
lulas inflamatórias, tais como neutrófilos, linfócitos, giotensina, que ele estimula a expressão das molécu-
monócitos/macrófagos e célula lisa vascular. Essa in- las de adesão e citocinas inflamatórias, e que o estres-
teração resulta em resposta inflamatória nas células se oxidativo está envolvido diretamente na ativação da
vasculares com a expressão aumentada de moléculas angiotensina II e do NFκ-B.
da adesão, de citocinas, de metaloproteinases e de
fatores do crescimento(37). O fator de transcrição nucle- IMPLICAÇÕES CLÍNICAS
ar NFκ-B é considerado o principal modulador de infla-
mação, mediando a maioria das respostas inflamatóri- A disfunção endotelial em artérias coronárias, as-
as vasculares(37). O NFκ-B é ativado por estímulos nu- sociada a eventos cardiovasculares, quando avaliada
merosos, tais como citocinas, ativadores da proteína de forma não-invasiva em artérias periféricas pode pre-
quinase e, sobretudo, espécies reativas de oxigênio. dizer eventos coronarianos em indivíduos com ou sem
Após a ativação do NFκ-B, ocorre a transcrição dos doença arterial coronariana.
genes envolvidos na patogênese da lesão inflamató- A disfunção endotelial foi associada a risco elevado
ria. Esses genes, certamente, codificam a formação de de aterosclerose em crianças e adultos jovens livres
citocinas, tais como interleucina-6 e fator de necrose de sintomas, bem como em indivíduos com anteceden-
tumoral alfa (TNFα), quimiocinas, tais como a proteína tes familiares de diabetes melito do tipo II, e a lesão
quimiotática 1 do monócito (MCP-1), as moléculas de endotelial correlacionou-se a resistência à insulina(3).
adesão intercelular-1 (ICAM-1 e ICAM-2) e a molécula Além da análise da função endotelial como preditor de
de adesão da célula vascular (VCAM-1), que também aterosclerose, pesquisas recentes evidenciam que mar-
participarão do processo de ativação inflamatória(38). cadores envolvidos na disfunção endotelial e marca-
Em modelo experimental do processo de ateroscle- dores de inflamação podem ser preditores de eventos
rose em artéria femoral de coelho, Hernandez-Presa e cardiovasculares(28). As moléculas VCAM-1 soluto e in-
colaboradores(39) observaram atividade aumentada do terleucina-1 predisseram a morte cardiovascular nos
NFκ-B coincidente a infiltração dos macrófagos e ex- pacientes com doença arterial coronariana independen-
pressão aumentada do gene MCP-1 no neoíntima. Ex- temente de outros fatores de risco(28).
pressão aumentada de genes inflamatórios vasculares, Além da importância dos marcadores inflamatórios
tais como VCAM-1, também foi observada na aorta de como preditores de aterosclerose, o envolvimento da
ratos que receberam angiotensina II(40). A angiotensina inflamação na doença aterosclerótica tornou-se alvo
II aumentou a expressão do RNA mensageiro do VCAM- terapêutico. Os bloqueadores dos receptores da angi-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 477
otensina e os inibidores da da eNOS nas células endoteliais.
enzima conversora da an- Um aspecto fascinante que está emergindo na pes-
giotensina demonstraram quisa da função endotelial é a utilização de células pro-
ARAÚJO RG e cols. restaurar a função endote- genitoras endoteliais, as células da medula óssea pri-
Dislipidemia, inflamação lial, e os mecanismos pro- mitivas que têm a habilidade de se diferenciar em célu-
e aterosclerose váveis para essa melhora las endoteliais e de ter papel fisiológico no reparo das
da função podem ser ex- lesões endoteliais(46). Os níveis circulantes de células
plicados pela redução da progenitoras endoteliais correlacionam-se inversamente
oxidação e da inflamação com o grau de disfunção endotelial em humanos em
que ocorre na doença ate- vários graus de risco cardiovascular(47). É interessante
rosclerótica(44). As estati- constatar que a expressão dos eNOS nas células da
nas provaram ter efeitos medula óssea desempenha papel essencial no recru-
benéficos na disfunção endotelial por diminuírem a tamento de células progenitoras endoteliais(48). Estudos
oxidação lipídica e também por seus efeitos pleiotrópi- recentes comprovaram que a terapia com estatinas
cos antiinflamatórios(45), e também por inibir a regula- aumenta o número de circulantes de células progeni-
ção excessiva da LOX-1 e por aumentar a expressão toras endoteliais(49).

Figura 1. Papel da lipoproteína de bai-


xa densidade (LDL) na aterogênese.

Figura 2. NFκ-B é o mediador prin-


cipal da regulação da expressão da
angiotensina, e esta, por sua vez, es-
timula a expressão das moléculas de
adesão e citocinas inflamatórias.
(Modificado de Collins e colaborado-
res(50).)

478 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
HYPERCHOLESTEROLAEMIA, INFLAMMATION AND
ARAÚJO RG e cols. ATHEROSCLEROSIS
Dislipidemia, inflamação
e aterosclerose

RENATA GOMES DE ARAÚJO, ANTONIO CASELLA FILHO,


TATIANA DE FÁTIMA GONÇALVES GALVÃO, ANTONIO CARLOS PALANDRI CHAGAS

Currently, the atherosclerotic process is understood not only as a result of the


accumulation of lipids in the walls of the vases, but also as a consequence of the
endothelial dysfunction and the activation of the inflammatory system. The finding
that the endothelium synthetizes important vasodilators, such as the endothelium-
derived relaxing factor and the prostacyclin, had promoted enormous interest addres-
sed to the endothelium function and its role on the vascular control, both in physiolo-
gical situations and pathological processes (e.g., acute coronary syndromes). Cur-
rently, it’s known that the endothelium not only influences the vascular tonus, but
also the vascular remodeling, through the production of promotional and inhibitor
growth substances, and the processes of modulation of hemostasis and thrombo-
ses, through the inhibition of platelet aggregation, anticoagulant and fribinolytic effects.
Besides suffering influence and being susceptible to inflammatory substance action,
it’s known that the loss of continuity of the plaque and the resulting coronary throm-
boses are the pathophysiologic basis of the majority of the cases of acute coronary
syndromes.

Key words: atherosclerosis, hypercholesterolaemia, inflammation, coronary heart


disease.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo;2005;6:473-81)


RSCESP (72594)-1570

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 481
SÍNDROME METABÓLICA
MINAME MH e col.
Síndrome metabólica MARCIO HIROSHI MINAME, ANA PAULA MARTE CHACRA

Unidade Clínica de Dislipidemias – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – Bloco II –


2º andar – sala 4 – Cerqueira César – CEP 05403-900 – São Paulo – SP

Os autores descrevem os novos critérios diagnósticos para síndrome metabólica


propostos pela “International Diabetes Federation”, além de comentarem sobre o
papel da resistência à insulina como fator importante na fisiopatologia da dislipidemia
e no aumento do risco cardiovascular nos pacientes portadores dessa síndrome.
Finalmente, os autores comentam sobre as estratégias atuais no manejo da síndrome
metabólica, além das novas drogas promissoras no auxílio a seu tratamento, tais
como o rimonabant e os inibidores de “peroxisome proliferator activator receptor”
(PPAR) alfa e gama.

Palavras-chave: síndrome metabólica, fisiopatologia, tratamento.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:482-9)


RSCESP (72594)-1571

INTRODUÇÃO res genéticos responsáveis pelo aparecimento da mes-


ma. Mutações e polimorfismos nos genes associados com
A síndrome metabólica, também conhecida como sín- resistência à insulina, anormalidades nos adipócitos, hi-
drome de resistência à insulina, é caracterizada pela coexis- pertensão e alterações lipídicas ocupam papel central na
tência variável de obesidade, hiperinsulinemia, dislipidemia etiopatogenia da síndrome.
e hipertensão. Outros achados incluem estado pró-inflama- O diagnóstico da síndrome metabólica parece identifi-
tório, microalbuminúria e hipercoagulabilidade. car pacientes com um risco cardiovascular adicional em
O conjunto de fatores de risco que identificam a sín- relação aos fatores de risco clássicos. Em 2001, o “Third
drome metabólica foi reconhecido, pela primeira vez, em Report of the National Cholesterol Education Program
1983. Em 1988, Reaven introduziu o termo síndrome X e Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of
identificou a resistência à insulina, definida como a me- High Blood Cholesterol in Adults” (NCEP-ATPIII)(1) pro-
nor captação da glicose pelos tecidos periféricos, como o pôs os critérios diagnósticos para a síndrome metabóli-
substrato fisiopatológico comum da síndrome. Outros si- ca, baseado em cinco parâmetros: circunferência abdo-
nônimos têm sido utilizados para denominar essa cons- minal, triglicérides, colesterol de lipoproteína de alta den-
telação de fatores de risco (dislipidemia, resistência à in- sidade (HDL-colesterol), pressão arterial e glicemia de
sulina, hipertensão e obesidade), tais como síndrome plu- jejum (Tab. 1). A presença de três dos cinco critérios per-
rimetabólica, síndrome da resistência à insulina e quarte- mite o diagnóstico de síndrome metabólica. Recentemen-
to mortal, entre outros. Em 1998, a Organização Mundial te, a “International Diabetes Federation” propôs algumas
da Saúde estabeleceu o termo unificado síndrome meta- mudanças nos critérios diagnósticos pelo ATP III. Houve
bólica, pois estudos não identificaram a presença de re- redução dos valores de corte para cintura abdominal, de
sistência à insulina como único fator causal de todos os acordo com a etnia do paciente (Tab. 2)(2), além da dimi-
componentes da síndrome. nuição dos níveis de glicemia de jejum para > 100 mg/dl.
A patogênese da síndrome é multifatorial, sendo a obe- O critério proposto pela “International Diabetes Fede-
sidade, a vida sedentária, a dieta e a interação com fato- ration” aumenta a prevalência do diagnóstico de síndro-

482 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
me metabólica. De fato, em des; c) redução dos valores de HDL-colesterol; e d) au-
estudo realizado na Grécia mento das concentrações de apo B.
e conduzido por Athyros e A obesidade abdominal, fruto da interação de fatores
MINAME MH e col. colaboradores(3), com uma genéticos e ambientais, é responsável por adipócitos hi-
Síndrome metabólica amostra de 9.669 indivídu- pertrofiados. O tecido adiposo, reconhecido como um ór-
os, 24,5% tinham síndrome gão endócrino, secreta adipocitocinas, que, na obesida-
metabólica pelo critério da de abdominal, estão em concentração aumentada e rela-
NCEP-ATPIII, enquanto cionadas à resistência à insulina. A alteração primária é,
pelo critério da “Internatio- provavelmente, a incapacidade desse tecido adiposo hi-
nal Diabetes Federation” a pertrofiado em incorporar os ácidos graxos livres aos tri-

Tabela 1. Critérios do “Third Report of the National Cholesterol Education Program Expert Panel on Detection,
Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults” (NCEP-ATPIII) para síndrome metabólica.

Identificação clínica da síndrome metabólica


Fatores de risco Valores de corte

Obesidade abdominal
- Homens Circunferência abdominal > 120 cm
- Mulheres Circunferência abdominal > 88 cm
Triglicérides 150 mg/dl
HDL-colesterol
- Homens < 40 mg/dl
- Mulheres < 50 mg/dl
Pressão arterial 130/85 mmHg
Glicemia de jejum 110 mmHg

Tabela 2. Critérios da “International Diabetes Federation” para síndrome metabólica.

Grupo étnico Circunferência abdominal (cm)

Europeu Homem > 94 Mulher > 80


Sul-asiático Homem > 90 Mulher > 80
Chinês Homem > 90 Mulher > 80
Japonês Homem > 85 Mulher > 90
América do Sul e Central Utilizar recomendação para sul-asiático
África subsaariana Utilizar recomendação para europeu
Populações do Leste Mediterrâneo e
Meio Leste Utilizar recomendação para europeu

prevalência foi de 43,4% (+77%; p < 0,0001). Dessa for- glicérides (esterificação inadequada). Outra alteração é
ma, talvez o critério da “International Diabetes Federati- uma falha dos adipócitos em reter os ácidos graxos livres
on” diagnostique muitos pacientes como portadores de em seu interior, aumentando seu fluxo para a circulação.
síndrome metabólica, mas que apresentam baixo risco Esse mecanismo é facilitado pela resistência à insulina.
cardiovascular. Essas alterações aumentam a quantidade de ácidos gra-
xos livres para o fígado. Na resistência à insulina, o fíga-
FISIOPATOLOGIA DA DISLIPIDEMIA DA do estimula a síntese hepática de triglicérides, pois pro-
SÍNDROME METABÓLICA move a reesterificação desses ácidos graxos, formando
triglicérides, os quais são liberados na circulação na for-
A dislipidemia, principal alteração encontrada na sín- ma de lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL).
drome metabólica, é caracterizada por: a) aumento dos No plasma, ocorre a transferência de lípides entre as
ácidos graxos livres circulantes; b) elevação dos triglicéri- lipoproteínas. A “cholesteryl ester transfer protein” (CETP)

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 483
é um dos determinantes da de triglicérides e hipertensão arterial sistêmica. Esse es-
composição das lipoproteí- tado pré-diabético não foi observado no grupo que não
nas, pois tem a capacidade desenvolveu diabetes, no qual houve predomínio da sen-
MINAME MH e col. de mediar a transferência sibilidade à insulina, além da presença de poucos fatores
Síndrome metabólica de éster de colesterol e tri- de risco associados.
glicérides entre as diversas A resistência à insulina pode se correlacionar com a
lipoproteínas. Nos indivídu- presença de aterosclerose incipiente. O “The Insulin Re-
os obesos, a atividade da sistance Atherosclerosis Study” (IRAS)(10) teve como pro-
CETP está aumentada. A pósito observar a relação entre resistência à insulina e
mesma, portanto, irá pro- aterosclerose da artéria carótida interna. Houve correla-
mover a transferência do ção do espessamento do complexo íntima-média da ar-
éster de colesterol das lipo- téria carótida com a presença de resistência à insulina,
proteínas ricas em éster de colesterol, como a HDL e a mesmo quando ajustada para os fatores de risco tradici-
lipoproteína de baixa densidade (LDL), em troca dos tri- onais.
glicérides das lipoproteínas ricas em triglicérides, como
as VLDL e os quilomícrons. As partículas de HDL ricas AVALIAÇÃO LABORATORIAL DA RESISTÊNCIA À
em triglicérides, após ação da CETP, sofrem hidrólise pela INSULINA NA SÍNDROME METABÓLICA
lipase hepática, tornando-se menores e com depuração
plasmática mais rápida. Conseqüentemente, observa-se Existem vários métodos diretos e indiretos que avali-
redução dos níveis de HDL-colesterol e da apolipoprote- am a presença de resistência à insulina, e os principais
ína A-I. As partículas de LDL ricas em triglicérides também deles serão descritos a seguir.(11-13)
sofrem lipólise pela lipase hepática, tornando-se pequenas e O método considerado “padrão ouro” para se avaliar a
densas. Existem evidências de que as partículas de LDL resistência à insulina é o “clamp” euglicêmico-hiperinsuli-
pequenas e densas são mais aterogênicas, provavelmente nêmico concebido por DeFronzo e colaboradores, em
por penetrarem mais facilmente na íntima da artéria, por so- 1978. É um método indireto, que consiste na infusão de
frerem mais oxidação e por outros motivos(4). insulina contínua no paciente a uma taxa constante, para
que sejam alcançados valores de insulina um pouco aci-
EVIDÊNCIAS EPIDEMIOLÓGICAS DO RISCO ma do basal. A glicemia plasmática é monitorizada e a
CARDIOVASCULAR E DE DIABETES MELITO glicose é infundida continuamente, para que se mante-
DO TIPO II NA SÍNDROME METABÓLICA nha a glicemia próxima ao normal no jejum. Quanto mai-
or for a quantidade de glicose infundida no paciente, para
A síndrome metabólica está associada a aumento do que se mantenha euglicêmico, mais insulino-sensível o
risco de diabetes melito do tipo II e de doença cardiovas- mesmo é. O inverso dessa resposta demonstra a presen-
cular(5-7). O ensaio clínico “Paris Prospective Study”(8) ob- ça de resistência periférica à insulina. Pela sua alta com-
servou os fatores de risco cardiovascular em 7 mil indiví- plexidade técnica, o teste é restrito a protocolos de estu-
duos do sexo masculino. Após 11 anos de seguimento, do.
os níveis elevados de insulina de jejum representaram A fim de se evitar procedimentos muito complexos, foi
fator de risco independente para doença cardiovascular. desenvolvido o método HOMA (“Homeostasis Assess-
O risco maior foi observado acima do quarto quintil dos ment Model”), um modelo matemático proposto por Mat-
níveis de insulina (concentrações > 19 µU/ml). thews e colaboradores, que avalia a sensibilidade à insu-
O agrupamento de fatores de risco associados à re- lina e a função da célula beta com valores obtidos simul-
sistência à insulina pode causar danos nas artérias muito taneamente a partir das concentrações plasmáticas de
antes do desenvolvimento do diabetes melito do tipo II. O glicose e insulina de jejum. Como a secreção de insulina
“Helsinki Policemen Study”(9) avaliou a relação entre re- é pulsátil, são obtidas três amostras de glicose e de insu-
sistência à insulina e desenvolvimento de doença arterial lina de jejum, com intervalos de cinco minutos, sendo uti-
coronariana. Foram feitas mensurações plasmáticas da lizados os valores médios dessas duas variáveis. O HOMA
glicemia e da insulina de jejum em 970 indivíduos saudá- pode ser dividido em dois índices:
veis, e após 22 anos de seguimento o grupo com insulina a) HOMA IR: glicemia de jejum (mmol) X insulina (µU/
acima dos valores dentro dos determinados tercis apre- ml) : 22,5 (esse índice traduz a sensibilidade à insulina);
sentou freqüência maior de eventos cardiovasculares. b) HOMA β: 20 X insulina (µU/ml) : glicemia (mmol) - 3,5
O ensaio clínico San Antonio demonstrou, após 7 anos (esse índice traduz a secreção da célula beta).
de seguimento, que a maioria dos pacientes que evoluiu Estudos epidemiológicos têm utilizado o HOMA para
para diabetes melito do tipo II apresentava, além da re- a mensuração do grau de resistência à insulina, princi-
sistência à insulina, desordens metabólicas múltiplas, palmente a longo prazo, pela simplicidade do método e
como baixos níveis de HDL-colesterol, níveis elevados pela excelente correlação com o “clamp” euglicêmico.

484 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
MINAME MH e col.
Síndrome metabólica

Outro método é a do-


sagem de insulina plas-
mática de jejum. Os níveis
de insulina plasmática no
jejum muitas vezes não
identificam a presença de
resistência à insulina.
Uma determinada por-
centagem de pacientes
com resistência à insuli- Figura 1. Fisiopatologia da síndrome metabólica.
na e diabetes melito do
tipo II pode apresentar
valores normais de insulinemia de jejum. A eficácia duos que praticam exercício aeróbico quatro vezes por
dessa medida é comprometida mediante alguns fa- semana, durante 30 a 40 minutos. No ensaio clínico “The
tores: a) no jejum, a glicose é mais utilizada por teci- Diabetes Prevention Program Group”(14), um grupo de
dos que não dependem da ação da insulina; b) a in- pacientes com intolerância à glicose submetido às mu-
sulina em jejum não reflete a ação da insulina em danças do estilo de vida apresentou significativa redução
tecidos insulino-dependentes; c) valores reduzidos de de risco de evoluir para diabetes melito do tipo II, em rela-
insulina plasmática de jejum, em diabéticos, podem ção ao grupo tratado com metformina e ao grupo place-
refletir falência pancreática e não ausência de resis- bo.
tência à insulina; d) pode haver reação cruzada com Alguns estudos demonstram que determinadas die-
a pró-insulina, que se encontra elevada na resistên- tas podem acentuar as manifestações clínicas da síndro-
cia à insulina; e e) existe uma variabilidade intra-la- me metabólica, como as dietas ricas em carboidratos, na
boratorial acentuada na mensuração da insulina, que ausência de perda de peso. Alguns princípios, portanto,
leva às diferenças encontradas nos resultados. As- devem ser considerados em relação à orientação dietéti-
sim, o uso rotineiro fica comprometido pelo exposto. ca, como evitar dietas com baixo teor de gordura e eleva-
do teor de carboidratos, a menos que a mesma resulte
TRATAMENTO DA SÍNDROME METABÓLICA em perda ponderal, pois quanto mais insulino-resistente
for o indivíduo maior a quantidade de insulina secretada
Modificação do estilo de vida para a manutenção dos valores normais da glicemia. Na
O primeiro passo para a redução do risco cardiovas- ausência de perda de peso, dietas ricas em carboidratos
cular, na síndrome metabólica, consiste na adoção de podem aumentar o grau de resistência à insulina. Uma
um estilo de vida mais saudável, visando sempre a três alternativa consiste em substituir parte do conteúdo de
objetivos principais: perda de peso, atividade física regu- carboidratos por gorduras insaturadas, com ingestão
lar e plano alimentar mais saudável. A perda de 5% a moderada de carboidratos, preferencialmente os carboi-
10% do peso, em indivíduos com sobrepeso ou obesida- dratos complexos. Outra recomendação é a ingestão de
de, representa ganho significativo no aumento da sensi- fibras solúveis.
bilidade à insulina, na redução plasmática da mesma e Existem evidências de que o tratamento individualiza-
na melhora das manifestações clínicas decorrentes da do, estimulando o paciente a atingir seus objetivos, pode
resistência à insulina. A atividade física aumenta o gasto ser mais eficiente que apenas orientações gerais. No es-
energético, que proporciona perda de peso e contribui tudo “Finnish Diabetes Prevention”, 552 indivíduos de
para a manutenção do peso adequado. A atividade física meia-idade com sobrepeso e intolerância à glicose, dos
aumenta a sensibilidade à insulina, observada em indiví- quais 76% apresentavam síndrome metabólica, foram ran-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 485
domizados para grupo con- bólica, também demonstrou maior taxa de metas de LDL-
trole (receberam orienta- colesterol atingidas a favor do grupo rosuvastatina(21).
ções gerais sobre atividade Entre as drogas para tratamento do diabetes melito do
MINAME MH e col. física e perda de peso) ou tipo II em pacientes com síndrome metabólica, vem ganhan-
Síndrome metabólica para grupo intervenção do importância o papel das tiazolidineodionas, também de-
(atendimento individualiza- nominadas de sensibilizadores de insulina. Essas drogas
do com aconselhamento e reduzem a resistência periférica (dos tecidos adiposo e mus-
seguimento visando à per- cular) à ação da insulina. Atualmente existem dois compos-
da de peso, à redução da tos disponíveis: roziglitazona e pioglitazona. O mecanismo
ingesta de gordura, ao au- de ação dessa classe de medicamentos se dá por meio da
mento da ingestão de fibras, ligação e da ativação de receptores intranucleares denomi-
e ao aumento da atividade dados PPAR (“peroxisome proliferator-activator receptor”). Há
física). Após um ano, o grupo intervenção perdeu mais quatro tipos descritos de PPAR, e as tiazolidineodionas esti-
peso que o controle (4,2 kg comparativamente a 0,8 kg; p mulam os PPAR gama, que estão localizados principalmen-
< 0,001), e durante todo o período do estudo (seguimen- te nos tecidos adiposo e muscular e nas células endoteliais
to médio de 3,2 anos) o grupo intervenção apresentou dos vasos. A ação dos PPAR gama consiste em modular a
redução de 58% no risco de desenvolver diabetes com- interação entre os tecidos adiposo e muscular. Quando se
parativamente com o grupo controle (p < 0,001)(15). administram os ativadores dos PPAR gama, ou ligantes dos
PPAR gama, em indivíduos com resistência à insulina, ob-
Tratamento medicamentoso serva-se redução dos níveis plasmáticos de ácidos graxos
Embora as modificações do estilo de vida reduzam o ris- livres. O mecanismo exato desse efeito é desconhecido, mas
co de diabetes melito do tipo II e de eventos cardiovascula- pode estar relacionado com o aumento da oxidação dos áci-
res, pode haver necessidade de intervenções farmacológi- dos graxos livres dentro dos adipócitos, e/ou a redistribuição
cas. O tratamento medicamentoso da síndrome metabólica dos depósitos de gordura central dos tecidos adiposo e mus-
pode ser instituído para controle dos seguintes fatores de cular para o tecido adiposo subcutâneo. A redução dos ní-
risco: hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia, diabetes veis de ácidos graxos circulantes resulta na maior captação
melito, resistência à insulina, e obesidade. de glicose pela célula muscular, com melhor ação da insuli-
A pressão arterial deve ser tratada com a meta de uma na. Esses ativadores dos PPAR gama também diminuem os
redução para valores inferiores a 135 mmHg x 80 mmHg, fatores produzidos e secretados pelo tecido adiposo (TNF-
em indivíduos de alto risco para eventos cardiovasculares. alfa e resistina, entre outros), que promovem a resistência à
Os diabéticos beneficiam-se de valores de pressão arterial insulina e a inflamação vascular, aumentando a secreção de
inferiores a 130 mmHg x 80 mmHg e aqueles com proteinú- fatores que inibem esses processos. A eficácia das tiazolidi-
ria acima de 1 g/24 horas devem atingir cifras inferiores a 120 neodionas em reduzir os níveis de glicose plasmática é, em
mmHg x 75 mmHg(16). média, de 50 mg/dl e o da glico-hemoglobina, de 0,8 a 1,5
As estatinas são os hipolipemiantes de primeira linha(1), ponto porcentual. Elevam os valores de HDL-colesterol em
tendo demonstrado benefícios na evolução clínica de paci- 10% a 15% e de LDL-colesterol, em 15%. A pioglitazona
entes diabéticos(17). Alguns estudos realizados com portado- reduz os níveis de triglicérides em 28% e a rosiglitazona não
res de diabetes melito do tipo II demonstraram que a rosu- altera esses níveis. O efeito colateral comum é o ganho pon-
vastatina é mais efetiva que a atorvastatina em reduzir o LDL- deral de 1 kg a 2 kg, mais exacerbado quando essas drogas
colesterol, melhorando a relação apoB/apoA1 e com melhor são associadas a sulfoniluréias e insulina. Em 5% dos casos
potencial para atingir as metas de LDL-colesterol(18, 19). O es- observa-se edema com retenção hídrica e queda de hema-
tudo MERCURY I(20) avaliou o impacto da troca de atorvasta- tócrito. Há aumento crescente de relatos de pacientes em
tina 10 mg, sinvastatina 20 mg ou pravastatina 40 mg por uso de tiazolidinedionas que apresentaram insuficiência car-
rosuvastatina 10 mg em 3.140 pacientes hipercolesterolêmi- díaca congestiva, relacionada à expansão volêmica, por re-
cos, dos quais 1.342 apresentavam síndrome metabólica. tenção fluida. Até o momento não há casos de hepatotoxici-
Uma análise de subgrupo comparou os efeitos das estatinas dade com o uso de rosiglitazona e pioglitazona, ao contrário
no perfil lipídico daqueles com síndrome metabólica contra do ocorrido com a trogitazona, que foi retirada do mercado.
os que não apresentavam síndrome metabólica. No grupo As tiazoledinedionas podem se tornar um fármaco atrativo
rosuvastatina na dose de 10 mg, 77% dos pacientes com no manejo da síndrome metabólica, visando à sensibilidade
síndrome metabólica atingiram as metas de LDL-colesterol à insulina e à prevenção da aterosclerose. Foram descritos
preconizadas pela NCEP-ATP III, sendo significativamente efeitos favoráveis da troglitazona e da pioglitazona sobre a
maior que os grupos atorvastatina 10 mg (62%), sinvastatina progressão da espessura íntima-média carotídea (IMT) de
20 mg (51%) ou pravastatina 40 mg (34%). O estudo CO- carótida em portadores de diabetes melito do tipo 2(22, 23). O
METS, que comparou rosuvastatina (10-20 mg/dia) com ator- tratamento da rosiglitazona em pacientes coronarianos,
vastatina (10-20 mg/dia) em pacientes com síndrome meta- mas não diabéticos, resultou em redução de parâmetros

486 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
inflamatórios e de ativação dose lática é uma complicação muito rara e está relacio-
celular endotelial(24). Atual- nada com alterações na excreção renal da metformina
mente encontra-se em es- ou a algumas condições de acidose acentuada. O uso da
MINAME MH e col. tudo o fármaco tesaglitazar. metformina está contra-indicado em pacientes com po-
Síndrome metabólica Trata-se de um agonista de tencial para desenvolver acidose lática: em portadores
PPAR alfa e gama, cujo pro- de insuficiência cardíaca, respiratória renal, hepática, na
pósito é melhorar a resis- gravidez e alcoolismo. Os efeitos colaterais mais comuns
tência à insulina e também (gosto metálico na boca, desconforto abdominal e diar-
as anormalidades no perfil réia) são relacionados à dose do medicamento. No estu-
tanto lipídico como glicêmi- do UKPDS, a metformina foi eficaz em prevenir as com-
co. Estudo randomizado re- plicações cardiovasculares em pacientes com diabetes
alizado por Fagerberg e co- melito do tipo II e obesos, para os quais deve ser o medi-
laboradores(25) em 390 indivíduos não-diabéticos com hi- camento de primeira linha. Atualmente existem evidênci-
pertrigliceridemia e obesidade abdominal, comparando a as de melhora da função endotelial com o uso da metfor-
eficácia e a segurança do tesaglitazar (0,1, 0,25, 0,5 e mina em pacientes com síndrome metabólica(27).
1,0 mg/dia) contra placebo, demonstrou melhora do perfil A obesidade presente na síndrome metabólica tam-
lipídico e da sensibilidade à insulina no grupo tesaglita- bém deve ser tratada de forma ativa. Recomenda-se o
zar, representada respectivamente por queda dos trigli- uso de medicamentos nos indivíduos portadores de sín-
cérides de 37% (p < 0,0001), queda do colesterol não- drome metabólica com obesidade (índice de massa cor-
HDL de 15% (p < 0,0001) e aumento do HDL-colesterol pórea > 30 kg/m2) ou com excesso de peso (índice de
de 16% (p < 0,0001), e por redução da concentração de massa corpórea entre 25 kg/m2 e 30 kg/m2) desde que
insulina de jejum (-35%; p < 0,0001) e de glicose plasmá- acompanhado de co-morbidades e que não tenham per-
tica de jejum (p < 0,0001). Infecções respiratórias e sin- dido 1% do peso inicial por mês, após um a três meses
tomas gastrointestinais foram os efeitos adversos mais de tratamento não-medicamentoso(16). Atualmente exis-
comuns e ocorreram de forma similar em todos os gru- tem cinco medicamentos para o tratamento da obesida-
pos. Dessa forma, trata-se de uma droga promissora de no Brasil (anfepramona, femproporex, mazindol, sibu-
como auxiliar no manejo de pacientes com síndrome tramina e orlistat), porém as duas medicações de esco-
metabólica. lha no tratamento da obesidade na síndrome metabólica
A metformina oferece um benefício em potencial para são o orlistat e a sibutramina(16). Mais recentemente vem
o tratamento da síndrome metabólica. Esse medicamen- apresentando resultados promissores uma nova droga
to tem sido amplamente utilizado no tratamento do dia- antagonista de receptor canabióide tipo 1: o rimonabant.
betes melito do tipo II e da síndrome dos ovários policís- Alguns estudos com esse fármaco vêm demonstrando
ticos. A metformina pertence ao grupo das biguanidas e resultados promissores no tratamento da obesidade e de
seu principal mecanismo de ação é a diminuição da pro- fatores de risco metabólicos relacionados, além do trata-
dução de glicose hepática. É indicada em pacientes com mento da dependência ao tabagismo(28). Estudo realizado
diabetes melito do tipo II que não responderam à dieta e por Van Gaal e colaboradores(29) envolvendo 1.507 pacien-
que são geralmente obesos, pois costumam perder peso tes com índice de massa corpórea > 30 kg/m2 ou índice de
com essa medicação. Apesar de as mudanças de estilo massa corpórea > 27 kg/m2 com dislipidemia tratada ou não,
de vida terem sido mais eficazes que o tratamento medi- hipertensão ou ambos foram randomizados para placebo,
camentoso, os resultados do “Diabetes Prevention Pro- rimonabant 5 mg ou rimonabant 20 mg, seguidos por um
gram”(26) demonstraram que a progressão dos indivíduos ano. A perda de peso em um ano foi significativamente
com intolerância à glicose para o desenvolvimento do di- maior no grupo rimonabant 5 mg (média de -3,4 kg; p =
abetes melito do tipo II foi significativamente menor no 0,002 vs. placebo) e no grupo rimonabant 20 mg (-6,6 kg;
grupo metformina em relação ao placebo, confirmando a p < 0,001 vs. placebo), comparativamente com o grupo
ação benéfica dessa terapêutica na prevenção do diabe- placebo. O grupo rimonabant 20 mg produziu significati-
tes melito do tipo II. Esse medicamento reduz os níveis vamente maior redução da circunferência abdominal,
de insulina plasmática e melhora o metabolismo da glico- aumento do nível de HDL-colesterol e de triglicérides, além
se e dos lipídeos nos indivíduos com resistência à insuli- de maior redução da resistência à insulina e da prevalên-
na. A metformina reduz os níveis de triglicérides (em 10% cia da síndrome metabólica. Os efeitos de 5 mg de rimo-
a 15%) e do inibidor-1 do ativador do plasminogênio (PAI- nabant foram clinicamente menos significativos. Dessa
1). Essas drogas não causam hipoglicemia em pacientes forma, o rimonabant pode se tornar, futuramente, umas
não-diabéticos, mesmo em doses elevadas. Não são das drogas de grande potencial no tratamento da obesi-
metabolizadas pelo fígado e sua excreção é renal. A aci- dade na síndrome metabólica.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 487
METABOLIC SYNDROME
MINAME MH e col.
Síndrome metabólica MARCIO HIROSHI MINAME, ANA PAULA MARTE CHACRA

The authors describe the newest criteria for diagnosis of metabolic syndrome
proposed by the International Diabetes Federation. Furthermore, they comment about
the importance of insulin resistance as an important risk factor for cardiovascular
disease and its importance on the physiopathology of dyslipidemia. Finally, the au-
thors comment about current strategies on the management of metabolic syndrome
as well as newer medications, like rimonabant and PPAR alpha and gama inhibitors.

Key words: metabolic syndrome, physiopathology, treatment.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:482-9)


RSCESP (72594)-1571

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 489
HIPERTRIGLICERIDEMIA: IMPLICAÇÕES CLÍNICAS E
MAGALHÃES CC TERAPÊUTICAS
e cols.
Hipertrigliceridemia:
implicações clínicas e
terapêuticas CARLOS COSTA MAGALHÃES, ANTONIO CARLOS PALANDRI CHAGAS,
PROTÁSIO LEMOS DA LUZ

Unidade Clínica de Aterosclerose – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – Cerqueira


César – CEP 05403-900 – São Paulo – SP

A hipertrigliceridemia tem sido associada a risco de doença arterial coronária,


mas sua associação não é tão forte como a da lipoproteína de baixa densidade
(LDL), e a relação dos triglicérides com a aterosclerose tem sido fonte de certa
confusão para os clínicos. Tal confusão decorre em parte dos dados pouco expres-
sivos obtidos dos estudos epidemiológicos, quando são extrapolados para o cenário
clínico. Níveis elevados de triglicérides (> 180 mg/dl) associados a níveis baixos de
colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol) (< 40 mg/dl) são predi-
tores de risco coronário elevado, principalmente se a relação colesterol total/HDL-
colesterol for superior a 5. Os fibratos contribuem para importante redução dos ní-
veis de triglicérides, atuando discretamente sobre os níveis de LDL-colesterol, ten-
do papel destacado no aumento dos níveis de HDL-colesterol. Segundo os resulta-
dos de alguns estudos, existem evidências da importância da redução dos níveis
séricos das concentrações da lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL), como
demonstrado no estudo angiográfico BECAIT, em que os níveis de LDL-colesterol
não foram afetados e os benefícios clínicos e angiográficos parecem estar relacio-
nados à redução dos níveis de triglicérides (VLDL) e de fibrinogênio, com elevação
dos níveis de HDL-colesterol.

Palavras-chave: triglicérides aumentado, risco coronário, HDL-colesterol baixo.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:490-5)


RSCESP (72594)-1572

INTRODUÇÃO pertrigliceridemia) é mais freqüentemente observada na


presença de obesidade e nos indivíduos que fazem uso
Nos últimos anos, estudos experimentais, epidemio- de dieta rica em calorias, açúcares e gordura saturada,
lógicos, genéticos e intervencionistas têm validado que o principalmente em diabéticos, sendo um dos componen-
fator central do processo aterosclerótico é a dislipidemia, tes da síndrome metabólica quando está associado à di-
e que grandes avanços têm sido obtidos nos últimos anos, minuição do HDL-colesterol e de níveis normais de LDL-
contribuindo para que os clínicos melhorem sua capaci- colesterol, mas com predomínio da LDL pequena e den-
dade para identificar e efetivamente tratar as alterações sa (fenótipo B) mais aterogênica, além de aumento geral
lipídicas, que incluem níveis elevados de colesterol total, das lipoproteínas contendo apolipoproteína B (apoB).
de colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL- A hipertrigliceridemia também está associada com ris-
colesterol), de triglicérides e de lipoproteína (a), e de ní- co de doença arterial coronária, não apresentando, no
veis baixos de colesterol de lipoproteína de alta densida- entanto, relação tão forte como a do LDL-colesterol, tor-
de (HDL-colesterol). nando a associação triglicérides e aterosclerose fonte de
A elevação plasmática dos níveis de triglicérides (hi- certa confusão, que decorre em parte de dados epidemi-

490 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
ológicos extrapolados para significativamente elevados, que resultam de defeitos
a prática clínica. genéticos enzimáticos e de apolipoproteínas, com con-
Em análises univariadas centração plasmática de jejum variando de 200 mg/dl a
MAGALHÃES CC de vários estudos prospec- 500 mg/dl (2,3 mmol/l a 5,7 mmol/l) e pós-prandial po-
e cols. tivos, quando os níveis de dendo exceder a 1.000 mg/dl (11,3 mmol/l). Os níveis de
Hipertrigliceridemia: triglicérides são superiores LDL-colesterol e de HDL-colesterol estão freqüentemen-
implicações clínicas e
terapêuticas
a 400 mg/dl existe risco au- te reduzidos, com níveis de colesterol total normais ou
mentado de coronariopa- elevados, dependendo dos níveis de VLDL-colesterol. É
tia(1), principalmente em pa- encontrada em parentes de primeiro grau, e sua preva-
cientes do sexo feminino e lência pode variar de 1:100 a 1:50, com variabilidade fe-
em jovens. Contudo, quan- notípica relacionada a sexo, idade, dieta rica em calorias
do são realizados ajustes e carboidratos, e uso de álcool e de hormônio, principal-
estatísticos para avaliar o efeito de outros fatores de ris- mente de estrogênio(5-7).
co, principalmente com HDL-colesterol, o poder dos trigli-
cérides enfraquece ou desaparece.(1-3) IMPLICAÇÕES CLÍNICAS
Esse achado acontece por causa das diferenças no
metabolismo da HDL e da lipoproteína de muito baixa A implementação de estratégias preventivas requer
densidade (VLDL), que normalmente carrega o triglicéri- uma abordagem prática e esquemática. Na década de
de plasmático, sendo essas lipoproteínas metabolizadas 1990, o “American College of Cardiology” desenvolveu
rapidamente, com meia-vida em menos de uma hora. uma classificação para a intervenção sobre os fatores de
Entretanto, a HDL é metabolizada muito mais lenta- risco modificáveis, que resultaria na redução de risco car-
mente, tendo sua meia-vida por vários dias. As lipoprote- diovascular, a qual foi dividida em quatro categorias(8):
ínas VLDL e HDL são, no entanto, estreitamente ligadas – Classe 1 – intervenção sobre fatores que comprovada-
metabolicamente, e as concentrações da HDL são usual- mente reduzem o risco, como tabagismo, LDL-coles-
mente baixas, quando a concentração dos triglicérides terol, dieta rica em gordura saturada e colesterol, e
(VLDL) está elevada. A HDL, portanto, torna-se um indi- hipertensão;
cador reverso ao que ocorre no metabolismo das VLDL – Classe 2 – intervenção sobre fatores que provavelmen-
(triglicérides). Do ponto de vista prático, os níveis de HDL- te reduzem a incidência de eventos cardiovasculares,
colesterol podem ser usados como indicador de distúrbio como diabetes melito, sedentarismo, HDL-colesterol,
nos triglicérides, assim como a hemoglobina glicosilada triglicérides, obesidade e menopausa;
é usada para indicar quando os níveis glicêmicos estão – Classe 3 – fatores que são aparentemente associados
sob controle, num período de dias ou semanas. com risco coronariano aumentado, que, se modifica-
Outra razão para a confusão sobre o papel dos trigli- do, pode reduzir a incidência de eventos, como fato-
cérides na doença coronária é que somente parte do tri- res psicossociais, lipoproteína (a), homocisteína, es-
glicéride plasmático está relacionada à aterosclerose. tresse oxidativo, e consumo de álcool;
Todas as lipoproteínas contêm triglicérides, e as lipopro- – Classe 4 – fatores associados com risco coronariano
teínas ricas em triglicérides, em sua maioria, são quilo- não-modificáveis ou, se modificáveis, não parecem
mícrons sintetizados pela mucosa da parede do intestino reduzir o risco (idade, sexo, baixa condição socioeco-
delgado, e as VLDL são sintetizadas no fígado. A LDL e a nômica e história familiar de doença cardiovascular).
HDL também contêm pequenas quantidades de triglicéri- Na classe 2, em que os triglicérides são um dos fato-
des. res de maior relevância, dados obtidos de pesquisa bási-
A hipertrigliceridemia severa pode decorrer dos quilo- ca e de grandes estudos observacionais indicam forte
mícrons elevados e das VLDL de grande peso molecular, relação causal e sugerem que intervenções provavelmente
podendo levar à pancreatite, não sendo considerada ate- irão reduzir a incidência de eventos, mas esses dados
rogênica por ser de grande tamanho e não penetrando, são limitados quanto aos benefícios, ao risco e ao custo
portanto, na parede arterial(4). dessa intervenção. Apesar dessa limitação, a interven-
Entretanto, as VLDL de menor peso molecular, bem ção sobre os fatores de risco dessa classe são úteis na
como as IDL (lipoproteínas de densidade intermediária) avaliação do risco cardiovascular global, e tem o potenci-
e as LDL, são aterogênicas, e a hipertrigliceridemia de- al para redução do risco coronariano primário e secundá-
corrente das altas concentrações plasmáticas dessas li- rio. A hipertrigliceridemia encontra-se freqüentemente
poproteínas, por conseguinte com maior facilidade para associada a diabetes, obesidade, sedentarismo e consu-
penetração na parede arteriolar, identifica os indivíduos mo de álcool, e sua prevalência está diretamente ligada a
sob risco aumentado de doença coronária. níveis baixos de HDL-colesterol, que resulta de transtor-
A hipertrigliceridemia familiar (tipo IV da hiperlipopro- no metabólico diferente do encontrado quando os níveis
teinemia) é identifcada pela presença de níveis séricos de LDL-colesterol estão elevados.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 491
O HDL-colesterol tem Em um subgrupo de participantes que apresentavam
sido considerado importan- hipertrigliceridemia associada a relação LDL-colesterol/
te preditor de risco coroná- HDL-colesterol superior a 5, a taxa de eventos coronári-
MAGALHÃES CC rio independente, em que os foi de aproximadamente 26,9%, elevando em seis ve-
e cols. para cada 1 mg/dl de redu- zes o risco coronário nesse pequeno subgrupo de indiví-
Hipertrigliceridemia: ção no HDL-colesterol ocor- duos.
implicações clínicas e
terapêuticas
re 3% a 4% de aumento da O PROCAM também considerou a correlação entre
doença arterial coronária(9, 10). mortalidade por doença coronária e hipertrigliceridemia
Evidências têm demonstra- como fator de risco independente para eventos coronári-
do que as relações coles- os, não considerando os níveis de HDL-colesterol e de
terol total/HDL-colesterol e LDL-colesterol. Por causa de problemas inerentes asso-
LDL-colesterol/HDL-coles- ciados aos estudos epidemiológicos, os mecanismos sub-
terol são melhores preditores de risco coronário que o jacentes ou a causalidade do risco aumentado decorren-
LDL-colesterol isolado. Dados obtidos do estudo “Physi- te desse parâmetro lipídico não puderam ser delineados.
cians Health Study” sugerem que a redução de uma uni- Um possível mecanismo dessa associação inclui a liga-
dade dessa relação, que pode ser facilmente conseguida ção entre hipertrigliceridemia e incidência aumentada de
com uma vastatina, reduz o risco de infarto do miocárdio aterosclerose em decorrência da propensão para hiper-
em 53%(11). coagulabilidade e da persistência na circulação de subpo-
A imprecisão dos valores de triglicérides, decorrente pulações aterogênicas de partículas ricas em triglicéri-
da variabilidade individual, e as interações complexas des(16).
entre triglicérides e outros parâmetros lipídicos podem O “Copenhagen Male Study” é outro estudo epidemi-
obscurecer o impacto dos triglicérides no desenvolvimento ológico, prospectivo, iniciado na década de 1970, em que
da doença arterial coronária. Contudo, níveis de triglicéri- 2.906 homens foram seguidos por 8 anos(17). Os pacien-
des de jejum representam útil marcador de risco, princi- tes foram categorizados em fatores de risco para ateros-
palmente se forem considerados os níveis de HDL-coles- clerose lipídicos e não-lipídicos, de acordo com o tercil do
terol(12). Dados de estudos baseados em estratégias in- nível de triglicérides em jejum. Níveis elevados de triglicé-
tervencionistas em portadores de HDL-colesterol baixo rides foram associados a níveis elevados de colesterol
ou hipertrigliceridemia com níveis de LDL-colesterol nor- total, de LDL-colesterol, de pressão arterial tanto sistóli-
mal são bastante limitados. ca como diastólica, e de índice de massa corpórea, com
grande prevalência de hipertensão arterial e diabetes.
IMPLICAÇÕES TERAPÊUTICAS Níveis baixos de HDL-colesterol e sedentarismo também
estavam associados a elevação dos triglicérides. Durante
Dentre alguns dos estudos epidemiológicos, o “Pros- o período de seguimento, 229 indivíduos tiveram evento
pective Cardiovascular Muenster” (PROCAM) demonstrou isquêmico, dos quais 66 foram fatais. A mortalidade glo-
que a relação entre dislipidemia e eventos coronários bal também foi documentada e 426 homens morreram
poderia ter ligação com a relação colesterol total/HDL- durante esse estudo. Foi encontrada associação entre
colesterol elevados, associada a hipertrigliceridemia(13). níveis de triglicérides e presença de doença arterial coro-
Esses dados corroboraram os do “Helsinski Heart Stu- nária, tendo como base os tercis de HDL-colesterol, rela-
dy”, que demonstrou que 70% dos eventos coronários ção que permaneceu nos controles adicionais para fato-
nesse estudo de prevenção primária com gemfibrozil ocor- res conflitantes, como efeitos das medicações anti-hiper-
reram em um subgrupo semelhante à coorte global, que tensivas, sedentarismo, uso de álcool, e classe socioeco-
corresponde a 10% dos indivíduos randomizados(14). nômica.
O PROCAM publicou, em 1998, o seguimento de 8 A taxa de incidência cumulativa de eventos isquêmi-
anos(15), que analisava parâmetros lipídicos e caracterís- cos foi de 4,6% para tercil inferior dos níveis de triglicéri-
ticas clínicas em 17.437 homens e 8.065 mulheres com des, 7,7% no médio, e 11,5% no superior (p < 0,01). Após
média de idade variando entre 40,4 anos e 36 anos, res- controle de outros fatores de risco para doença isquêmi-
pectivamente. Os fatores de risco considerados foram ta- ca, incluindo HDL-colesterol, os pesquisadores encontra-
bagismo, diabetes, história familiar de infarto do miocár- ram risco relativo para doença isquêmica de 1,5 (p = 0,05)
dio e hipertensão arterial sistólica como preditores inde- e de 2,2 (p < 0,001) para tercil médio e superior, respec-
pendentes de risco coronário, associados aos parâme- tivamente. O “Copenhagen Male Study” indicou que um
tros lipídicos clássicos. A relação LDL-colesterol/HDL-co- gradiente de risco para aterosclerose pode ser demons-
lesterol acima de 5, usada como marcador de risco au- trado pelos níveis elevados de triglicérides, independen-
mentado nas avaliações anteriores, foi associada a 19,2% temente de outros fatores de risco.
de probabilidade de um paciente desenvolver evento ate- Em estudo de intervenção, o “Helsinki Heart Study”
rosclerótico significativo num período de oito anos. demonstrou que o gemfibrozil (fibrato), agente usado para

492 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
redução dos níveis de trigli- receber gemfibrozil de ação prolongada ou dieta, com
cérides e elevação dos ní- seguimento controlado por avaliação angiográfica 32
veis de HDL-colesterol, meses após alocação para medicamento ou placebo. O
MAGALHÃES CC contribuiu para redução de gemfibrozil reduziu os níveis de triglicérides em 36%, as-
e cols. risco entre os indivíduos sociado à elevação dos níveis de HDL-colesterol de 21%,
Hipertrigliceridemia: com níveis elevados de quando comparado com o início do tratamento. O benefí-
implicações clínicas e
terapêuticas
colesterol total e de LDL- cio encontrado foi o de redução estatisticamente signifi-
colesterol(18). Ao final da dé- cativa do diâmetro mínimo da lesão estenótica do vaso
cada de 1990, o estudo “Ve- no grupo sob uso de gemfibrozil, quando comparado com
terans Affairs High-Density placebo (p = 0,002). Novas lesões também foram anali-
Lipoprotein Cholesterol In- sadas, e 14% dos pacientes alocados para dieta desen-
tervention Trial” (VA-HIT) volveram novas lesões, comparados com 2% no grupo
demonstrou que uma redução de 22% de eventos cardi- sob uso de gemfibrozil (p < 0,001). Esse estudo enfatizou
ovasculares foi observada com o uso de gemfibrozil na a importância clínica da determinação do fenótipo lipídi-
população de indivíduos com níveis de HDL-colesterol co como um guia para decisão farmacológica.
abaixo de 40 mg/dl (1,0 mmol/l)(19). Essa redução de risco Embora todos os agentes hipolipemiantes tenham al-
ocorreu na ausência de significativa mudança dos níveis gum efeito nos níveis de colesterol total, LDL-colesterol,
de LDL-colesterol, dado que reforça o potencial dos agen- HDL-colesterol e VLDL-colesterol, os derivados do ácido
tes que atuam sobre os níveis de HDL-colesterol e de fíbrico têm papel importante nos pacientes com níveis
triglicérides. isolados de HDL-colesterol baixo ou elevados de triglicé-
No estudo angiográfico “Bezafibrate Coronary Athe- rides. A evolução angiográfica no estudo LOCAT, que foi
rosclerosis Intervention Trial” (BECAIT), duplo-cego, pla- desenhado para também avaliar o impacto da terapêuti-
cebo controlado, com duração de cinco anos, 92 pacien- ca nos níveis de HDL-colesterol baixo, foi quantitativa-
tes foram randomizados, dos quais 42 pacientes utiliza- mente semelhante a outros estudos angiográficos com
ram bezafibrato e 39, placebo. Pacientes jovens, sexo vastatinas em pacientes portadores de aterosclerose e
masculino, menos de 45 anos de idade, sobreviventes de dislipidemia caracterizada predominantemente pela ele-
um primeiro episódio de infarto do miocárdio, escolhidos vação de colesterol total ou de LDL-colesterol.
pelo fato de os investigadores terem identificado determi- Recentemente foi publicado o estudo “The Ciproamlat
nado número de alterações hemostáticas e metabólicas, Study”(23), que utilizou o ciprofibrato nos 437 pacientes de
que incluíam níveis elevados de fibrinogênio, resistência 4 países latino-americanos (Brasil, Chile, Colômbia e
insulínica e tríade lipídica (hipertrigliceridemia, HDL-co- México), que apresentavam níveis de triglicérides de je-
lesterol baixo e LDL-colesterol de pequena densidade) jum entre 150 mg/dl e 350 mg/dl (1,6 mmol/l a 3,9 mmol/
foram alguns dos critérios de inclusão de pacientes. Esse l), HDL-colesterol abaixo de 40 mg/dl (≤ 1,05 mmol/l) para
estudo foi desenhado para avaliar a provável progressão mulheres e de 35 mg/dl (≤ 0,9 mmol/l) para homens, e
da alteração angiográfica aterosclerótica nos pacientes LDL-colesterol abaixo de 160 mg/dl (< 4,2 mmol/l). Após
sob regime medicamentoso e nos que permaneceram quatro meses os níveis de triglicérides diminuíram 44%
em dieta. A análise angiográfica demonstrou redução de (p < 0,001), os de HDL-colesterol aumentaram 10% (p <
0,13 mm na média do diâmetro mínimo do lúmen da le- 0,001), e os níveis de colesterol não-HDL diminuíram 19%
são no grupo de pacientes sob uso de gemfibrozil, quan- (o colesterol não-HDL foi calculado subtraindo-se o HDL
do comparado com placebo (p = 0,049). Níveis de fibrino- do colesterol total). Respostas mais evidentes do HDL-
gênio e de apoB foram significativamente reduzidos no colesterol foram observadas em pacientes com índice de
grupo gemfibrozil, e apo AI aumentou em três vezes quan- massa corpórea < 25 kg/m2, quando comparados com o
do comparada com placebo. O BECAIT foi um estudo resto da população (8,2% vs. 19,7%; p < 0,001). Contras-
pequeno, que enfatiza a importância da seleção dos pa- tando, casos com peso corpóreo excessivo obtiveram
cientes em relação à terapêutica empregada. Embora o maiores diminuições dos níveis do colesterol não-HDL
mecanismo preciso do benefício do bezafibrato não pos- (-20,8% vs. 10,8%; p < 0,001). Com o uso do ciprofibrato
sa ser deduzido nesse estudo, os resultados podem ser e de dieta isocalórica, aproximadamente metade dos ca-
secundários pela combinação da redução dos níveis de sos alcançou as metas de triglicérides de 150 mg/dl (1,68
triglicérides, fibrinogênio e outros mecanismos envolvi- mmol/l) e cerca de 51% dos pacientes atingiram as me-
dos na composição dos níveis das lipoproteínas e apoli- tas do HDL-colesterol de 40 mg/dl.
poproteínas(20, 21).
Já o estudo “Lopid Coronary Angiography Trial” (LO- CONCLUSÃO
CAT) analisou o efeito do gemfibrozil numa coorte de ho-
mens submetidos a cirurgia de revascularização miocár- Todos os pacientes com HDL-colesterol baixo ou hi-
dica(22). No total, 395 pacientes foram randomizados para pertrigliceridemia devem receber recomendações para

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 493
modificação de seu estilo de HDL-colesterol ou hipertrigliceridemia, devem ser tra-
de vida, que incluem dieta tados adequadamente, devendo ser considerada a pos-
com baixa quantidade de sibilidade de terapêutica combinada (fibrato e vastatina).
MAGALHÃES CC gordura saturada e aumen- Na prevenção primária, medidas não-farmacológicas
e cols. to da atividade física. devem ser enfatizadas para os indivíduos que tenham
Hipertrigliceridemia: Na prevenção secundá- níveis normais de LDL-colesterol, mas com níveis baixos
implicações clínicas e
terapêuticas
ria, pacientes com níveis de HDL-colesterol e/ou hipertrigliceridemia, porque da-
elevados de LDL-colesterol, dos de estudos com o uso de medicação nesses casos
que tenham níveis baixos são ainda insuficientes.

HYPERTRIGLYCERIDAEMIA: CLINICAL AND


THERAPEUTICAL IMPLICATIONS

CARLOS COSTA MAGALHÃES, ANTONIO CARLOS PALANDRI CHAGAS,


PROTÁSIO LEMOS DA LUZ

Hypertriglyceridaemia is also associated with risk of coronary heart disease, but the
association is not as strong as it is for low density lipoprotein (LDL), and the relati-
onship of triglycerides to atherosclerosis has been a source of confusion to clinici-
ans. The confusion is due in part to the oversimplified extrapolation of epidemiologi-
cal data into the clinical setting. High plasma triglyceride levels (> 180 mg/dl) asso-
ciated to low HDL-cholesterol levels (< 40 mg/dl) predicts high risk of coronary heart
disease, especially if the total cholesterol/HDL-cholesterol ratio is greater than 5.
Fibrates significantly contribute to the reduction of triglycerides with modest effect in
LDL-cholesterol, and important elevation of HDL-cholesterol levels. There is also
some trial evidences of the importance of lowering serum concentrations of VLDL,
as observed in the BECAIT angiographic trial, according to which LDL-cholesterol
was unaffected, and angiographic and clinical benefits seemed to be related to re-
ductions in triglycerides (VLDL) and fibrinogen and elevations of HDL.

Key words: hypretriglyceridaemia, coronary heart disease, low HDL-cholesterol.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:490-5)


RSCESP (72594)-1572

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 495
TRATAMENTO NÃO-FARMACOLÓGICO DAS
MARTINEZ TLR e cols. DISLIPIDEMIAS: O QUE OS ESTUDOS ENSINARAM?
Tratamento não-
farmacológico das
dislipidemias: o que os
estudos ensinaram? TANIA LEME DA ROCHA MARTINEZ, HELENA MARIA DO NASCIMENTO,
CARLOS ALBERTO ALMEIDA DE MORAES

Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – 2º andar –


Bloco 2 – Sala 4 – Cerqueira César – CEP 05403-900 – São Paulo – SP

Neste artigo os autores versam sobre o tratamento não-farmacológico das disli-


pidemias, em que as mudanças de estilo de vida são apreciadas, tanto aquelas
relacionadas à dieta e as advindas dos exercícios físicos como as relacionadas ao
abandono do hábito de fumar e às medidas antiestresse. Relatam o que os estudos
internacionais demonstraram e, em nosso meio, os trabalhos de Moraes, que avali-
aram parâmetros clínicos e laboratoriais em 279 pacientes submetidos a interven-
ção aguda no estilo de vida (média, 14,27 dias), as modificações produzidas por
esse tratamento e a presença e a reversão da síndrome metabólica. Os parâmetros
bioquímicos utilizados foram: colesterol total, frações HDL-colesterol e LDL-coleste-
rol, triglicérides, glicose e ácido úrico plasmáticos. Houve melhora significante dos
padrões bioquímicos de entrada, com destaque para os pacientes com síndrome
metabólica, entre os quais aproximadamente 36% deixaram de apresentar essa
condição. A intervenção aguda de estilo de vida reduziu ou reverteu os fatores de
risco para doença arterial coronariana.

Palavras-chave: colesterol, dislipidemia, estilo de vida, tratamento.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:496-505)


RSCESP (72594)-1573

A intervenção não-farmacológica das dislipidemias não lhas e opções muitas vezes automáticas e irrefletidas, sob
pode ser abordada em caráter monotemático; tanto as certo aspecto, subtraindo a este ser o atributo que o tor-
recomendações preconizadas (multiprofissionais) para o na tão destacado na história da vida: o livre arbítrio. Na
estilo de vida como as respectivas respostas sobrepujam evolução da vida o ser humano foi suprido de especializa-
os dados bioquímicos do perfil lipídico. Antes de prescre- da capacidade, sobreposta à de qualquer outra espécie,
vermos as modificações de estilo de vida, há de se aten- qual seja a de interagir com o meio, seus semelhantes e
tar para uma anamnese detalhada dos hábitos e dos com- outras espécies, formar juízo próprio a respeito de si e
portamentos de cada paciente. dessas relações, podendo decidir sobre quais as condu-
Estilo de vida é uma expressão que encerra enorme tas que lhe convêm e segui-las ou não, se assim lhe aprou-
gama de comportamentos e atitudes de um indivíduo ou ver.
de uma sociedade. Fatores culturais, sociais, psicológi- Todavia, no último século, com o advento de fatores e
cos, genéticos, ambientais, educacionais, históricos, ge- tendências como economia de escala, economia de mer-
ográficos, políticos, midiáticos, mercadológicos e outros cado, sociedade de consumo e urbanização social, entre
combinam-se e têm o poder de impulsionar ou induzir o outros, o ser humano tem adotado um estilo de vida que
comportamento do ser humano, levando-o a fazer esco- coloca em risco sua saúde e a própria vida, criando con-

496 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
dições ambientais para que Consenso Brasileiro Sobre Dislipidemias e Diretriz de
genes, antes inexpressí- Prevenção da Aterosclerose(3), reconhece o importante
veis, passem a ter a expres- papel da modificação do estilo de vida como medida fun-
MARTINEZ TLR e cols. são inadequada à vida. damental na prevenção e no tratamento das dislipidemi-
Tratamento não- Dessa forma, percebe- as, da aterosclerose e das doenças arteriais obstrutivas,
farmacológico das se, muitas vezes, as pesso- recomendando empenho para que se consiga o estabe-
dislipidemias: o que os
estudos ensinaram?
as tomando atitudes, fazen- lecimento de hábitos de vida mais adequados à saúde.
do escolhas sobre as quais São reconhecidos como fatores de risco para ateros-
não conseguem refletir. En- clerose arterial e doença arterial obstrutiva: 1) dislipide-
tão passam a ser uma so- mia; 2) diabetes melito; 3) tabagismo; 4) hipertensão ar-
ciedade que ingere álcool terial sistêmica; 5) idade > 45 anos para homens e > 55
em excesso, que se torna anos para mulheres; e 6) antecedente de aterosclerose
adicta de hábitos como o tabagismo, que adquire produ- em parente de primeiro grau, < 55 anos para homens e <
tos sem consciência de seus prejuízos, e até mesmo dos 65 anos para mulheres. Tal definição é homologada pelas
benefícios que possam trazer, e que ingere alimentos de Diretrizes Brasileiras Sobre Dislipidemias e Diretriz de
má qualidade e em quantidades exageradas. Prevenção da Aterosclerose do Departamento de Ate-
Assim, essa sociedade tem se tornado hipertensa, rosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia, em
obesa, diabética, dismetabólica e aterosclerótica. sua terceira edição(3). São também reconhecidos como
Diante dessa constatação, torna-se fundamental que, marcadores de risco condições como: alterações dos fa-
além do desenvolvimento tecnológico para suporte e tra- tores da coagulação, aumento do fibrinogênio plasmáti-
tamento dos problemas da saúde humana, as comunida- co, aumento do nível plasmático de proteína C-reativa
des científicas e acadêmicas disponham-se a estudar o ultra-sensível, sedentarismo e obesidade.
tema e a propor condutas e políticas, ajudando a plasmar Dentre os seis fatores de risco patentes, quatro deles
nas sociedades humanas estilos de ser adequados à vida. estão relacionados com a forma de viver (estilo de vida)
Diversas observações realizadas desde a década de da sociedade. Podem ser deflagrados, mantidos ou mes-
1970 demonstram claramente a relação entre hábitos de mo agravados pelas atitudes tomadas pelo ser humano e
vida, como os alimentares, e a incidência de doenças seu “modus vivendi”. Assim, hábitos como o de fumar e o
degenerativas e mortalidade por doenças cardiovascula- de ingerir sal excessivamente, alimentos industrializados
res. Como publicado em 1979 por Levy(1) a partir de da- ou excesso de carboidratos e/ou gorduras podem acen-
dos colhidos em vinte países, a correlação entre mortali- tuar tendências individuais de instalação e progressão da
dade por doença arterial coronariana e ingestão de calo- aterosclerose arterial, a qual é reconhecida, desde há
rias provenientes de diversos tipos de alimentos mostrou- muito tempo, como fator primordial no desenvolvimento
se fortemente positiva quando tais calorias eram extraí- da maior parte das doenças arteriais obstrutivas e, con-
das preferentemente de alimentos como manteiga (0,546), seqüentemente, a maior responsável pela mortalidade das
ovos (0,592), carne bovina e de aves (0,501), e açúcar sociedades ocidentais(4-6).
(0,676), e negativa quando proveniente de grãos, frutas, Dados disponíveis de longa data vêm demonstrando,
verduras e legumes (-0,633). Ou seja, na medida em que claramente, o papel dos hábitos de vida na gênese de
se aumentou a porcentagem de calorias extraídas de ali- doença aterosclerótica e sua potencial evitabilidade: (1)
mentos vegetais, diminuiu o índice de mortalidade por indivíduos mesmo intensamente tabagistas ao abolirem
doença coronariana, tendo por base dados colhidos em esse hábito têm reduzido à metade seu risco de enfren-
vinte países. tar eventos coronarianos, quando comparados àqueles
Resultados de diversos estudos realizados, como “Se- que não o fizeram(7-9); (2) para cada aumento de 10 mg/dl
ven Countries”, “Eighteen Countries”, “Twenty Countries”, no colesterol total no sangue ocorre aumento de 9% na
“Fourty Countries” e “Ni-Hon-San Studies”, demonstra- mortalidade cardiovascular e de 5% na mortalidade ge-
ram que as populações com altas ingestões de gordura ral(4, 5) ou, ainda, a mortalidade por doença arterial coro-
total, gordura saturada, colesterol e açúcar na dieta tive- nariana foi quase quatro vezes maior nos indivíduos em
ram crescentes índices de mortalidade por doença cardi- que o colesterol total foi de 264 mg/dl, quando compara-
ovascular, assim como alta prevalência de obesidade, hi- dos àqueles que mantinham o nível em até 182 mg/dl(10);
percolesterolemia e diabetes melito. O inverso também (3) a diminuição de 6 mmHg na pressão arterial foi acom-
se mostrou verdadeiro. panhada de redução do risco de acidente vascular ence-
No Brasil, entendendo o problema que hábitos de vida fálico e eventos coronarianos em 42% e 24%, respectiva-
inadequados produzem em termos de morbidade e mor- mente, estando ambas as condições fortemente ligadas
talidade, e acompanhando a orientação do 3o NCEP–AT- à aterosclerose arterial(11-14); e, finalmente, (4) mais recen-
PIII(2), a Sociedade Brasileira de Cardiologia, por meio do temente tem ficado claro o papel do diabetes na produ-
Departamento de Aterosclerose, conforme publicado no ção e na progressão da aterosclerose, bem como da per-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 497
turbação no metabolismo lacionados, a saber: 1) triglicérides > 150 mg/dl; 2) coles-
da glicose denominada re- terol de lipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol) <
sistência à insulina ou into- 40 mg/dl para o sexo masculino) e HDL-colesterol < 50
MARTINEZ TLR e cols. lerância à glicose(5, 15), de- mg/dl para o sexo feminino; 3) hipertensão; e 4) glicemia
Tratamento não- monstrando, claramente, o de jejum > 100 mg/dl, segundo critérios da “International
farmacológico das papel dos hábitos de vida Diabetes Federation”(19).
dislipidemias: o que os
estudos ensinaram?
na gênese de doença ate- A literatura tem apresentado tentativas bem-sucedi-
rosclerótica e sua potencial das de modificação do estilo de vida alterando positiva-
evitabilidade. mente a história natural de doenças, bem como evitando
A obesidade, especial- o surgimento de outras. Publicações recentes demons-
mente em sua forma abdo- tram claramente os benefícios das intervenções no estilo
minal ou visceral, mantém de vida em diversas populações e em ambientes os mais
estreita relação com três dos quatro fatores menciona- variados.
dos acima, a saber: dislipidemia, hipertensão arterial e Knowler e colaboradores(20) publicaram, em 2002, os
diabetes(8). Apesar de não ser reconhecida como fator de resultados de ensaio clínico no qual 3.234 indivíduos com
risco (agente causal) e sim como marcador de risco (as- alteração nas glicemias de jejum e pós-prandial, mas não
sociado com maior risco, mas sem causalidade estabele- diabéticos, portando sobrepeso ou obesidade, foram ran-
cida), a obesidade, por sua relação com os fatores que domizados para as seguintes intervenções: uso de pla-
têm causalidade bem estabelecida, desempenha impor- cebo e intervenção leve no estilo de vida; uso de metfor-
tante papel na gênese, manutenção e progressão da ate- mina e as mesmas alterações no estilo de vida; e um
rosclerose e suas conseqüências(16). terceiro grupo em que foi estabelecido apenas intenso
O aumento de peso tem sido considerado um proble- programa de intervenção no estilo de vida. Os resultados
ma de saúde pública em todo o mundo, não isentando alcançados, após dois anos e dez meses, em média, de-
países ricos nem aqueles considerados “em desenvolvi- monstraram incidência de diabetes estabelecida de 11%,
mento”, como o Brasil. Nos Estados Unidos, na década 7,8% e 4,8%, respectivamente, para os grupos placebo,
de 1960, a prevalência de obesidade era de 24%, ao passo uso de metformina, e intervenção no estilo de vida. Para
que na década de 1990 essa prevalência saltou para 35%. prevenir um caso de diabetes melito tiveram que ser tra-
No Brasil, dados do Ministério da Saúde apontam preva- tados intensivamente quanto aos hábitos de vida 6,9 pes-
lência de 32% para sobrepeso e de 8% para obesida- soas, e usando metformina, 13,9 pessoas. A incidência
de(17-19). de diabetes foi 58% menor no grupo de intensa modifica-
Segundo observações e recomendações do Instituto ção e 31% menor no grupo usando metformina, quando
Nacional do Coração, Pulmão e Sangue dos Estados comparados ao grupo placebo. Finalmente, a incidência
Unidos, apresentam risco aumentado para doenças car- de diabetes foi 39% menor no grupo de intervenção no
diovasculares todas as pessoas que têm índice de mas- estilo de vida que no grupo do metformina.
sa corporal > 25 kg/m2 (peso, em quilogramas, dividido Os dados relatados são consoantes com outros ante-
pelo quadrado da altura, em metros)(5). A taxa de mortali- riormente apresentados em ensaios semelhantes, reali-
dade tem aumento exponencial à medida que o índice de zados na China(21) e na Finlândia(22). Stampfer e colabora-
massa corporal ultrapassa 30(19), ponto que delimita as dores(23) relataram resultados do acompanhamento de
condições do sobrepeso e obesidade. Destaca-se como aproximadamente 84 mil mulheres, a partir de 1980 até
qualificador da concentração de peso e/ou gordura a sim- 1992, nas quais houve clara relação entre modificações
ples medida da circunferência abdominal. Essa medida de estilo de vida e diminuição ou aumento de doença
indica risco aumentado para hipertensão arterial, diabe- coronariana, dependendo do teor das modificações. A sus-
tes melito, dislipidemia e doença cardiovascular em ho- pensão do tabagismo explicou diminuição de 13%, a
mens quando > 94 cm e em mulheres, quando > 80 cm. melhora da qualidade da dieta provocou diminuição de
Mais recentemente tem sido reconhecida a conjun- 16%, enquanto o aumento do índice de massa corporal
ção de múltiplas condições que conferem maior risco de para além de 25 kg/m2, que ocorrera em 38% das partici-
aterosclerose e doenças arteriais obstrutivas, cuja deno- pantes, incrementou em 8% a incidência da doença.
minação mais aceita é a de síndrome metabólica, tendo Verificou-se, também, que 82% dos eventos coronari-
no passado recente várias denominações, de acordo com anos ocorridos no período relatado, que somaram 1.128
os autores que a descreveram: síndrome plurimetabólica casos, estiveram relacionados à não-aderência ao pro-
(Crepaldi), síndrome X (Reaven), síndrome de resistên- grama de estilo de vida preconizado, que consistia de
cia à insulina (De Fronzo e Haffner), e quarteto mortal utilização de dieta rica em fibras de cereais, ácidos gra-
(Kaplan). Um indivíduo é reconhecido como portador de xos ômega-3, folato, prevalência de ácidos graxos poliin-
síndrome metabólica quando apresenta, além da circun- saturados sobre os saturados, prática regular de exercí-
ferência abdominal aumentada, mais dois dos fatores re- cio por no mínimo trinta a sessenta minutos por dia, e

498 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
abstenção de tabagismo. estudo de prevenção secundária na Índia, que acompa-
Estudo de intervenção nhou 1.000 participantes randomizados para dieta nor-
em estilo de vida realizado mal naquela região da Ásia, isto é, basicamente vegetari-
MARTINEZ TLR e cols. na Finlândia por Tuomilehto ana e comparável à fase I da dieta preconizada pelo “Na-
Tratamento não- e colaboradores(22), envol- tional Cholesterol Education Program”, e grupo de inter-
farmacológico das vendo 522 indivíduos por- venção, o qual ingeriu mais verduras, legumes, frutas,
dislipidemias: o que os
estudos ensinaram?
tadores de obesidade e dis- castanhas e grãos integrais, em pouco mais que o dobro,
túrbio do metabolismo da sendo o aporte do ácido graxo alfa-linolênico o dobro no
glicose (intolerância à glico- grupo de intervenção, quando comparado ao grupo con-
se), foi eficiente em evitar a trole. O total de eventos cardíacos, no período de dois
instalação de diabetes me- anos, foi menor no grupo de intervenção que no grupo
lito no grupo randomizado controle que recebeu a dieta indo-mediterrânea (39 vs.
para intervenção: ao final de quatro anos de acompanha- 78 eventos); a morte súbita também apresentou a mes-
mento a incidência de diabetes era de 11% nesse grupo ma tendência (6 vs. 16), bem como infarto do miocárdio
e de 23% no grupo controle. Houve diminuição de 58% (21 vs. 43).
no risco de desenvolvimento de diabetes melito e inci- A dieta típica do Mediterrâneo foi colocada à prova na
dência 63% menor da doença. Grécia em estudo prospectivo(34), abrangendo 22.043 in-
Em artigo de revisão, Kromhout e colaboradores(24) divíduos adultos, tendo havido acompanhamento por 44
analisaram estudos transculturais, como “The Seven meses em média. Alto grau de aderência à dieta preconi-
Countries Study”(25), WHO-MONICA(26) e outros de obser- zada mostrou índice de relação inversa com mortalidade
vação prospectiva (coorte) e de intervenção, como o “Fra- por doença cardiovascular, à razão de 0,67, e inclusive
mingham Heart Study”. Citam mais três importantes es- mortalidade por câncer, à razão de 0,76.
tudos prospectivos de coorte: MRFIT (“Multiple Risk Fac- O estudo “Dietary Approaches to Stop Hypertension”
tor Intervention Trial”), CHA (“Chicago Heart Association (DASH)(35) mostrou ser possível obter diminuições signifi-
Detection Project in Industry”)(27) e “Nurses Health Stu- cativas da pressão arterial com intervenção dietética,
dy”(23). Em todos eles há evidências claras de relação po- equivalentes àquelas obtidas em ensaios clínicos que
sitiva entre estilo de vida adequado e menor incidência utilizam drogas e presumivelmente nas conseqüências
de doença aterosclerótica coronariana. Todavia, desta- nefastas da hipertensão arterial.
cam a importância de serem realizados estudos mais bem A suspensão do tabagismo em 36% de pacientes car-
controlados e com objetivos de avaliação bem definidos. diopatas, por doença arterial coronariana(32), leva à redu-
Em ensaio clínico controlado(28), realizado em Oslo com ção de 30% na mortalidade cardiovascular.
1.232 homens com idade entre 40 e 49 anos, 80% deles Recentemente, Espósito e colaboradores(36) publica-
tabagistas, hipercolesterolêmicos e com pressão arterial ram os resultados de estudo randomizado em que o gru-
sistólica < 150 mmHg, randomizados para grupo controle po de intervenção foi instruído a manter dieta típica do
e de aconselhamento dietético e antitabágico apenas, fi- Mediterrâneo, enquanto o grupo controle permaneceu em
cou clara a diferença de 47% para menor da soma de dieta que chamaram de prudente, durante aproximada-
todos os infartos, fatais e não-fatais, e morte súbita. mente dois anos. O grupo de intervenção teve ao final do
Outra revisão envolvendo cinco estudos de interven- estudo menor incidência de síndrome metabólica e me-
ção e prevenções primária e secundária demonstrou que lhora considerável de índices que apontam risco cardio-
a diminuição média de 13% nos níveis de colesterol plas- vascular, comparado ao grupo controle.
mático foi acompanhada da redução de 30% nos eventos Finalmente, Ornish e colaboradores(37) demonstraram
coronarianos maiores e de 11% na mortalidade por to- que, após cinco anos de acompanhamento, um grupo
das as causas(30). submetido a programa intensivo de modificação no estilo
Num seguimento de 46 meses, o “Lyon Diet Heart Stu- de vida apresentou melhora do diâmetro de estenose
dy”(30) captou diminuição de mortalidade por infarto do arterial coronariana prévia em 7,9%, enquanto no grupo
miocárdio e por todas as causas em 65% e 56%, respec- controle houve acentuação da estenose em 27,7%. O
tivamente. Nessa intervenção foi utilizada dieta tipicamente índice de risco para eventos coronarianos no grupo con-
mediterrânea enriquecida com ácido graxo alfa-linolêni- trole, em face do grupo experimental, foi de 2,47%. Nes-
co(31). te, a intervenção consistiu de dieta estritamente vegetari-
Dois outros estudos avaliando os resultados produzi- ana, com 10% da energia proveniente de gorduras, exer-
dos pela adesão a dietas típicas locais foram publicados cícios aeróbicos regulares e freqüentes, treinamento para
e demonstraram claramente benefícios obtidos como pre- manejo do estresse, suspensão do tabagismo e suporte
venções primária e secundária para doenças vascula- social.
res.(32) Embora haja farta documentação científica compro-
Singh e colaboradores(33) publicaram os resultados de vando que a adoção de estilo de vida cuidadoso para

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 499
com a saúde, individual e grupos de discussão, colóquios informativos e ativida-
social, produz efeitos muito des lúdicas; estímulo ao exercício da espiritualidade
positivos, diminuindo a mor- com a realização de meditação semanal, na profissão
MARTINEZ TLR e cols. bidade e a mortalidade por de fé de cada um, com orientação para busca indivi-
Tratamento não- doenças cardiovasculares, dual do resgate da dimensão espiritual.
farmacológico das e até mesmo geral, a ques- Os pacientes que se submeteram a esse programa
dislipidemias: o que os
estudos ensinaram?
tão de se implantar novos e foram acompanhados por equipe multidisciplinar compos-
bons hábitos permanece ta por médicos, nutricionista, fisioterapeuta, educadores
como um grande desafio. A físicos e especialistas em aconselhamento.
adoção de padrões dietéti- A “imersão” nesse estilo de vida ocorreu no período
cos sugeridos ou aconse- mínimo de dez dias, sendo indicado como ideal o período
lhados nem sempre é con- de três semanas.
seguida(31). A prática de movimento regular ou mesmo de Após os períodos de intervenção, os pacientes rece-
exercícios orientados, ainda que desejado pela socieda- beram recomendação formal de como adicionar compor-
de, é muito dificultada pelos confortos da modernidade; o tamentos que substituam aqueles identificados como in-
alto consumo de alimentos industrializados é cada vez desejáveis.
mais estimulado; e o tabagismo, se bem que condenado Durante o tratamento, em que a experiência vivencia-
em nossos dias, continua tendo larga utilização, especi- da foi avaliada como positiva, restauradora e recupera-
almente entre jovens. Não obstante, como sociedade de dora, os indivíduos receberam informações que comple-
consumo, haja uma busca pelo padrão magro, a imagem mentaram um ciclo pedagógico e o aprendizado pelo bi-
de beleza e vitalidade, produz-se cada vez mais obesida- nômio experiência vivencial e sedimentação conceitual.
de, tendo as prevalências dessa condição, e de sobrepe- Foram avaliados parâmetros clínicos e laboratoriais.
so, quase dobrado na maioria dos países industrializa- Os 279 pacientes permaneceram em tratamento por
dos e também naqueles “em desenvolvimento”, nos últi- tempo igual ou maior que 10 dias (média de 14,27 dias).
mos vinte anos. Todavia, modificações ainda que peque- Foram realizadas dosagens bioquímicas (colesterol total
nas no comportamento podem proporcionar grandes be- e suas frações HDL-colesterol e LDL-colesterol, triglicéri-
nefícios, como ocorre em obesos nos quais a perda de des e ácido úrico) e coletados dados antropométricos.
5% do peso corporal mostra melhora do risco vascular e Foram identificados os indivíduos classificados como por-
desordens coexistentes(39). tadores da síndrome metabólica e observada a evolução
Em nosso país, tendo em vista a grande necessidade dessa condição ao longo do período.
de abordagens que orientem e apóiem indivíduos e a Os parâmetros bioquímicos colesterol total, HDL-co-
sociedade na adoção de estilos de vida que modifiquem lesterol, triglicérides, glicemia e ácido úrico foram deter-
as tendências atuais de deterioração da saúde, especial- minados por métodos enzimáticos. A fração LDL-coleste-
mente no sistema cardiovascular, os trabalhos de Mora- rol foi determinada pela fórmula de Friedewald. O sangue
es(40, 41) demonstraram como a ação aguda na modifica- foi colhido em jejum, na manhã do primeiro dia da inter-
ção de estilo de vida pôde influenciar metabólica e clini- venção e no último dia de observação. Os resultados ob-
camente os indivíduos submetidos a ela. Com essa fina- tidos dos parâmetros bioquímicos e da evolução da sín-
lidade, o autor selecionou 279 indivíduos que foram colo- drome metabólica, na entrada (1) e na saída (2), tratados
cados em programa de hábitos dirigidos e controlados, a estatisticamente, estão apresentados nas Tabelas 1 a 7.
saber: Todos os parâmetros estudados tiveram significância
– dieta ovo-lacto-vegetariana, com leite desnatado e oferta estatística quanto ao estudo evolutivo (p < 0,001), ou seja,
de gema de ovo dentro das normas nutricionais de do momento inicial para o final. De acordo com os dados
menos de 200 mg/dia de colesterol, exercícios físicos estatísticos demonstrados, os índices bioquímicos estu-
diários, predominando os aeróbicos, e gasto calórico dados apresentaram alterações favoráveis. A glicemia
médio de 400 Kcal/dia a 800 Kcal/dia; plasmática teve decréscimo significativo (Tab. 1). Os índi-
– horário de dormir e repousar bem estabelecidos, tendo ces que expressam o metabolismo dos lipídeos, a saber
as 21h30 como limite para a vigília e estimulando-se a o colesterol total, o LDL-colesterol e os triglicérides, apre-
prática de sesta vespertina; horário de despertar bem sentaram evolução favorável e estatisticamente significan-
estabelecido e precoce, estimulando o despertar para te (Tabs. 2, 3 e 4). O HDL-colesterol apresentou incre-
as 6h00 ou, no máximo, 7h30; horários de refeições mento significativo (Tab. 5). Observou-se, ainda, nos indi-
estabelecidos e cumpridos, sendo o desjejum servido víduos que permaneceram em tratamento num período
às 8h00, o almoço às 12h00, o lanche às 15h30 e o maior que dez dias, a presença de síndrome metabólica
jantar às 18h00; aplicação de terapias corporais, como (Tab. 7). Havia 84 pacientes nessa condição inicialmente,
hidro e fisioterapia; e após o período de tratamento constatou-se a manuten-
– estímulo à convivência social por meio de encontros, ção do dismetabolismo em apenas 54 (64% do número

500 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
total de portadores), haven- venção aguda no estilo e vida, independentemente do
do melhora da alteração em escore de Framingham(3), de acordo com o método pro-
30 indivíduos (36% do nú- posto, apresentaram melhora dos parâmetros metabóli-
MARTINEZ TLR e cols. mero total de portadores). cos estudados. Os níveis de colesterol total ficaram próxi-
Tratamento não- Os autores concluem, mos ao nível ótimo, os de LDL-colesterol situaram-se na
farmacológico das nesses estudos, que os pa- categoria desejável, e dos triglicérides dentro do padrão
dislipidemias: o que os
estudos ensinaram?
cientes submetidos a inter- ótimo. Houve evolução clínico-metabólica desejável,

Tabela 1. Resultados da glicose plasmática.

Desvio
Variável Média padrão Mínimo Máximo

GLIC_1 90,53 23,09 61,00 258,00


GLIC_2 85,37 18,25 55,00 194,00

* Variável analisada com transformação log.


Houve decréscimo de forma significativa ao longo das avaliações (p < 0,001)

Tabela 2. Resultados do colesterol plasmático.

Desvio
Variável Média padrão Mínimo Máximo

COL_1 227,34 43,88 120,00 369,00


COL_2 206,08 38,82 107,00 321,00

* Variável analisada com transformação log.


Foi observado, por meio das médias, decréscimo de 9,35% dos níveis de colesterol.

Tabela 3. Resultados da fração LDL-colesterol plasmática.

Desvio
Variável Média padrão Mínimo Máximo

LDL1 144,12200 43,94265 21,80000 274,40000


LDL2 126,46133 38,81837 32,40000 229,40000

Foi observado decréscimo significativo do LDL-colesterol (p < 0,001).

Tabela 4. Resultados dos triglicerídeos plasmáticos.

Desvio
Variável Média padrão Mínimo Máximo

TRIG_1 168,83 79,33 67,00 739,00


TRIG_2 139,53 87,96 60,00 1.326,00

* Variável analisada com transformação log.


Foi observado, por meio das médias, decréscimo de 17,35% dos níveis de triglice-
rídeos.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 501
Tabela 5. Resultados da fração HDL-colesterol.

Desvio
MARTINEZ TLR e cols. Variável Média padrão Mínimo Máximo
Tratamento não-
farmacológico das COL_HDL1 50,41 7,88 29,00 84,00
dislipidemias: o que os
estudos ensinaram?
COL_HDL2 52,46 8,32 5,00 82,00

* Variável analisada com transformação log.


Foi observado decréscimo significativo do HDL-colesterol (p < 0,001).

Tabela 6. Resultados do ácido úrico.

Desvio
Variável Média padrão Mínimo Máximo

AC_UR1 5,52 1,35 2,60 9,50


AC_UR2 5,07 1,28 2,30 8,30

* Variável analisada com transformação log.


Foi observado decréscimo de 8,15% dos níveis de ácido úrico.

Tabela 7. Evolução da síndrome metabólica.

Antes Depois Total

Não portadores (%) 195 (69,9%) 30 (10,7%) 225 (80,6%)


Portadores (%) 84 (30,1%) 54 (19,3)
TOTAL 279 (N)

Por meio do teste não-paramétrico de McNemar, observou-se que essa alteração


do momento antes para o momento depois é significante (p < 0,001).

promovendo indivíduos da condição de portadores à rótica. Tais modificações apontam para o modelo apre-
de não-portadores da síndrome metabólica, modifica- sentado como uma alternativa válida, eficiente e moti-
ções estas que certamente diminuem o risco de fenô- vadora para médio e longo prazos, em promover me-
menos ateroscleróticos e de doença arterial ateroscle- lhor qualidade de saúde e melhor estilo de vida.

502 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
NON PHARMACOLOGICAL DYSLIPIDEMIAS TREATMENT:
MARTINEZ TLR e cols. WHAT DID WE LEARN FROM CLINICAL STUDIES?
Tratamento não-
farmacológico das
dislipidemias: o que os
estudos ensinaram? TANIA LEME DA ROCHA MARTINEZ, HELENA MARIA DO NASCIMENTO,
CARLOS ALBERTO ALMEIDA DE MORAES

This article shows an overview on the non pharmacological dyslipidemias treat-


ment and what we have learnt from international and Brazilian clinical studies. This
intervention changed the life style of 279 patients submitted to diet, exercises, no
smoking and anti stress measures in about 14 days: the biochemical profiles de-
monstrated improvement in all of them and a decrease of 36% on the prevalence of
metabolic syndrome (acute: fourteen days intervention). All these data point to the
importance of life style modifications as a tool for reducing cardiovascular risks.

Key words: cholesterol, dyslipidemia, life style, treatment.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:496-505)


RSCESP (72594)-1573

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504 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
nografia de Mestrado] Pós 41. Moraes CAA, Salgado Filho W, Martinez TLR, Ra-
Graduação Latu Sensu em mires JAF. Intervenção aguda de dieta hipocalórica
Distúrbios Metabólicos e Ris- e vegetariana acrescida de atividade física aeróbi-
MARTINEZ TLR e cols. co Cardiovascular no Centro ca e medidas antiestresse sobre parâmetros clíni-
Tratamento não- de Extensão Universitária – cos e laboratoriais de risco para doença arterial
farmacológico das CEU, 2005. coronariana. Atheros. 2001;12(3):100-12.
dislipidemias: o que os
estudos ensinaram?

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 505
FÁRMACOS HIPOLIPEMIANTES
FORTI N e col.
Fármacos NEUSA FORTI, JAYME DIAMENT
hipolipemiantes

Disciplina de Cardiologia – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 –


Cerqueira César – CEP 05403-900 – São Paulo – SP

A importância do tratamento das dislipidemias na prevenção da doença ateros-


clerótica é sobejamente reconhecida. Neste artigo são abordados aspectos farma-
cológicos e terapêuticos de medicamentos, em uso habitual, com ação predominan-
te na hipercolesterolemia e na hipertrigliceridemia. Ao final, são apresentados os
medicamentos em desenvolvimento, incluindo aqueles capazes de elevar a fração
HDL-colesterol.
Para a escolha do hipolipemiante, devem ser considerados: o diagnóstico preci-
so da dislipidemia (primária e secundária), possível interação com outros fármacos,
idade, fases pré e pós-menopausal, co-morbidades, presença de alteração hepática
ou renal, etilismo, e disponibilidade em farmácias institucionais. Quanto à associa-
ção de hipolipemiantes com diferentes mecanismos de ação, além de adequar as
doses, exige-se maior atenção aos efeitos adversos (clínicos e/ou laboratoriais).

Palavras-chave: hipolipemiantes, hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia, HDL-


colesterol, dislipidemia.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:506-16)


RSCESP (72594)-1574

FÁRMACOS HIPOLIPEMIANTES FÁRMACOS COM AÇÃO PREDOMINANTE


NA HIPERCOLESTEROLEMIA
O tratamento farmacológico das dislipidemias, em
particular da hipercolesterolemia, reveste-se de gran- Incluem medicamentos que agem na síntese intra-
de relevância, não só pela possibilidade de regressão celular do colesterol (vastatinas), inibidores específi-
e/ou estabilização de placas ateroscleróticas, como cos de sua absorção (ezetimiba) e bloqueadores do
também pela possibilidade da diminuição da morbida- ciclo êntero-hepático (resinas seqüestradoras de áci-
de e da mortalidade dependentes de comprometimen- dos biliares).
to aterosclerótico. O advento de novos fármacos tem,
nesse sentido, propiciado controle prolongado e relati- Fármacos que agem na síntese celular do
vamente seguro de indivíduos dislipidêmicos, especi- colesterol – vastatinas
almente os hipercolesterolêmicos. São substâncias capazes de diminuir a síntese in-
Este artigo aborda aspectos terapêuticos dos fár- tracelular do colesterol, por competir com a hidroxi-
macos, atualmente indicados na prática clínica, com metil-glutaril-coenzima A (HMG-CoA) pela HMG-CoA
ação predominante na hipercolesterolemia e na hiper- redutase (HMG-CoA R), inibindo parcialmente a ação
trigliceridemia e em desenvolvimento, chamando a aten- desta última. Essa inibição parcial assegura a forma-
ção para aqueles capazes de elevar os níveis da lipo- ção do colesterol necessário para o equilíbrio da mem-
proteína de alta densidade (HDL-colesterol). brana celular, síntese de hormônios esteróides e de

506 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
vitamina D. Inicialmente fo- tatina, a lovastatina e a sinvastatina sofrem ação do
ram isoladas a partir de 3A4; 2) a fluvastatina, do 2C9, do 2D6 e do 3A; 3) a
cultura de fungos (a me- rosuvastatina usa o 2C9 e o 2C19. A pravastatina utili-
FORTI N e col. vastatina, do Penicillium ci- za pouco o P 450, sendo metabolizada preferencial-
Fármacos trinum; a lovastatina, do mente por sulfatação (Tab. 1). O emprego concomitan-
hipolipemiantes Aspergillus terreus; a pra- te de outros medicamentos que dependem dos mes-
vastatina, da Nocardia au- mos sistemas enzimáticos, ou que são capazes de ini-
trophica). A sinvastatina bir a ação destes, pode ocasionar elevação dos níveis
desenvolveu-se a partir de séricos das vastatinas, aumentando o risco de efeitos
modificações estruturais indesejáveis. Por outro lado, medicamentos que aumen-
da lovastatina. Surgiram tam a atividade enzimática levam à diminuição dos ní-
posteriormente a fluvasta- veis circulantes das vastatinas, diminuindo a eficácia
tina, a atorvastatina, a cerivastatina (retirada do mer- destas últimas (Tab. 2).(3, 4)
cado), a rosuvastatina e a pitavastatina. Apresentadas Diminuição da ação também ocorre pela interação
como lactonas, a lovastatina e a sinvastatina inibem a com: 1) resinas seqüestradoras de ácidos biliares, que
HMG-CoA R somente após hidrólise no fígado e, por acarretam menor absorção das vastatinas quando ad-
isso, são consideradas pró-drogas; as demais, consi- ministradas de modo concomitante; 2) cimetidina e ou-
deradas fármacos ativos, apresentam-se na forma hi- tros inibidores H2, também pela diminuição da absor-
droxiácida e não necessitam daquela transformação. ção; 3) bloqueadores beta-adrenérgicos, pelo retardo
A absorção é intestinal, a metabolização se proces- do fluxo hepático e aumento da excreção hepática.
sa no fígado e a excreção é por via intestinal (a maior Aumento do tempo de protrombina e possibilidade
parte) e por via renal. Diferem em relação ao porcentu- de sangramento podem ser facilitados pela interação
al de absorção, ao efeito da alimentação sobre o apro- da sinvastatina e da lovastatina com varfarina, talvez
veitamento sistêmico, à ligação com as proteínas plas- em decorrência da para-hidroxilação desta no fígado.
máticas, à extração hepática e à meia-vida plasmática Essas vastatinas também podem ocasionar elevação
(Tab. 1).(1, 2) da digoxinemia, por provável alteração na proteína de
Todas as vastatinas são metabolizadas, em maior transporte.
ou menor grau, no citocromo P 450 (CYP P 450), por Além de inibir parcialmente a HMG-CoA R, diminu-
meio de diferentes sistemas enzimáticos: 1) a atorvas- indo a síntese intracelular do colesterol, as vastatinas

Tabela 1. Vastatinas: aspectos farmacocinéticos.

Lovas- Sinvas- Pravas- Fluvas- Atorvas- Rosuvas-


Propriedade tatina tatina tatina tatina tatina tatina

Pró-fármaco Sim Sim Não Não Não Não


Efeito do alimento + 50% Despre- - 30% - 15% - 13% Não
zível
Fração absorvida (%) 30 60 a 85 35 98 30 Moderadamente
rápida
T max (horas) 2a4 1,3 a 0,9 a 0,5 a 2a 5
2,4 1,6 1,5 3
Biodisponibilidade (F%) <5 <5 18 10 a 35 12 n.d.
Meia-vida (horas) 2,9 2a3 1,3 a 0,5 a 15 a 20
2,8 2,3 30
Ligação à proteína (%) > 95 95 55 a 98 98 n.d.
60
Hidro/lipofílica Lipo Lipo Hidro Hidro Lipo Hidro
Metabólito sistêmico Ativo Ativo Inativo Inativo Ativo Inativo
Metabolização CYP CYP Sulfa- CYP CYP CYP 2C9,
3A4 3A4 tação 2C9 2A4 CYP 2C19
Eliminação hepática (%) 70 < 87 71 95 98 n.d.
Excreção (forma ativa)
- Renal (%) 10 13 20 6 Despre- 10
zível
- Fecal (%) 83 58 71 90 Predo- 90
minante

n.d. = não disponível.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 507
aumentam o número de de apolipoproteína AI. Não estimulam a remoção dos
receptores (receptores B- quilomícrons e praticamente não agem sobre os níveis
E) das lipoproteínas de plasmáticos de Lp (a).(5)
FORTI N e col. baixa densidade (LDL), Paralelamente à ação no perfil lipídico, as vastati-
Fármacos principalmente no fígado, nas possuem outros efeitos, conhecidos como pleio-
hipolipemiantes provocando, assim, maior trópicos: 1) aumento da atividade da óxido nítrico (NO)
depuração dessas partícu- sintase, NO e inibição da endotelina, melhorando a fun-
las e conseqüente declínio ção endotelial; 2) antioxidante de LDL e de HDL; 3)
de seus níveis plasmáti- diminuição dos valores da proteína C-reativa, provo-
cos. Adicionalmente, inter- cando efeito antiinflamatório; 4) inibição da migração e

Tabela 2. Medicamentos que interagem com os sistemas enzimáticos do citocromo P 450.

Sistema enzimático Metabolização Indução Inibição

CYP 3A4 Antagonistas do cálcio Fenilbutazona Cimetidina


Losartan Rifampicina Quinidina
Quinidina, amiodarona Barbituratos Eritromicina
Digitoxina Fenitoína Triacetoolean-
domicina
Lovastatina, sinvastatina, Carbomazepina Cetoconazol
atorvastatina, cerivastatina
Ciclosporina, rapamicina Itraconazol
Midozalam, triazolam, Miconazol
diazepam
Etinilestradiol Propaxifeno
Eritro, claritro,
roxitromicina
Tanoxifen, R warfarin
Terfanadina, astemizol,
loratadina
Cisapride
Indinavir, retonavir,
saquinavir
Carbomazepine
Omeprazol, lanzoprazol
CYP 2C9 Diclofenaco Rifampicina Sulfafenazol
Fenitoína
Piroxican, tenoxican
Tolbutamida
S warfarin
Fluvastatina

ferem na secreção das lipoproteínas de muito baixa proliferação das células musculares lisas e da forma-
densidade (VLDL), de densidade intermediária (IDL) e ção das células espumosas; 5) diminuição do fator te-
de apo B, interferências que também contribuem para cidual e da agregação plaquetária; 6) estabilização da
a redução de LDL circulantes. A menor produção de placa aterosclerótica; 7) menor formação de osteoclas-
VLDL e a maior captura pelas células hepáticas de re- tos e estimulação da formação de osteoblastos (efeito
manescentes de VLDL (receptores B-E) são respon- antiosteoporótico); e 8) modulação da função imune (em
sáveis pela diminuição da trigliceridemia. As vastati- alguns animais). Esses efeitos são variáveis e não são
nas induzem elevações discretas de HDL, provavelmen- comuns a todas as vastatinas, necessitando de com-
te por diminuir a atividade da proteína de transferência provação mais ampla.(6)
do colesterol-éster (CETP) e por aumentar a síntese Na prática, em doses habituais, as vastatinas redu-

508 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
Tabela 3. Modificações das variáveis lipídicas induzidas pelo uso de vastatinas em
diferentes doses.

FORTI N e col. Modificações em


Fármacos Dose diária variáveis lipídicas (%)
hipolipemiantes
Vastatina (mg) ↓ LDL-c ↓ HDL-c ↓ TG

Lovastatina 20 24 7 120
40 34 9 16
80 40 10 19
Sinvastatina 10 28 5 4
20 35 5 11
40 40 12 19
Pravastatina 10 19 12 9
20 25 16 13
40 27 16 15
Fluvastatina 20 21 2 7
40 25 8 10
80 34 4 12
Atorvastatina 10 39 6 19
20 43 9 26
40 50 6 29
80 60 5 37
Rosuvastatina 10 51 14 10
20 57 10 23
40 63 10 28
80 65 13 23

LDL-c = colesterol ligado à lipoproteína de baixa densidade; HDL-c = colesterol


ligado à lipoproteína de alta densidade; TG = triglicérides.

zem os valores do colesterol total (de 15% a 60%), do lesterolemia familiar homozigótica.
LDL-colesterol (20% a 60%) e dos triglicérides (10% a São eficazes em homens e mulheres, jovens e ido-
20%) e aumentam os de HDL-colesterol (5% a 10%). sos, crianças e adolescentes. Entretanto, não devem
Essas variações diferem para cada fármaco e são dose- ser indicadas para gestantes ou mulheres com pos-
dependentes, verificam-se a partir de 15 dias de uso, sibilidade de engravidar ou em fase de aleitamento.
estabilizam-se a partir dos 30 dias e mantêm-se com o Doses inferiores às habituais são capazes de atingir
uso contínuo (Tab. 3). Se ocorrer interrupção do trata- o objetivo em idosos. A administração de vastatina
mento, as taxas lipídicas se modificam e tendem a re- em crianças e adolescentes é restrita aos casos de
tornar às anteriores em cerca de 30 dias. Se necessá- hipercolesterolemia de origem genética. Também são
rio, ajuste de dose pode ser feito mensalmente, obser- eficazes após procedimentos de revascularização,
vando-se elevações de 6% a 8% na redução de LDL- renais submetidos ou não a transplante, pós-trans-
colesterol quando dobrada. São administradas à noite plante cardíaco e na fase aguda de infarto do mio-
e, nas doses habituais, de uma só vez. Na Tabela 4 cárdio.(7-9)
estão as apresentações e as doses utilizadas na clíni- A tolerância às vastatinas é boa. Náuseas, flatu-
ca.(1, 2) lência, obstipação intestinal, cefaléia, prurido e do-
As vastatinas são indicadas para o tratamento da res musculares podem surgir, e raramente aparecem
hipercolesterolemia comum, da hipercolesterolemia fa- erupções cutâneas, púrpura trombocitopênica e ic-
miliar (forma heterozigótica ou combinada familiar) da terícia. Elevações transitórias das transaminases oxa-
hiperlipidemia mista, das dislipidemias secundárias (em lo-acética (TGO) e glutâmico-pirúvica (TGP) e da cre-
particular, do diabetes melito, da síndrome nefrótica e atinofosfoquinase (CPK) podem ocorrer; somente
do hipotireoidismo). Reduções discretas de colesterol quando essas elevações alcançam valores respecti-
total e de LDL-colesterol são observadas na hiperco- vamente superiores a 3 ou 10 vezes os iniciais o

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 509
medicamento deve ser horas antes ou três horas depois das resinas), inibi-
suspenso. As modifica- dores seletivos da absorção de colesterol (ezetimi-
ções das enzimas hepáti- ba), fibratos e ácido nicotínico. A associação com fi-
FORTI N e col. cas não dependem de al- bratos e/ou ácido nicotínico requer monitorização
Fármacos teração celular hepática mais freqüente das enzimas hepáticas e muscula-
hipolipemiantes anterior, uso de bebidas res.
alcoólicas e colestase, Benefícios do tratamento da hipercolesterolemia
mas podem ser favoreci- com vastatinas vêm sendo evidenciados por estudos
das nessas condições.(1, 2) controlados por angiografia, ressonância magnética,
Recomenda-se sua de- ultra-sonografia e estudos clínicos prospectivos de

Tabela 4. Vastatinas: apresentação, posologia e horário preferencial de administração.

Horário
Dose recomendada_____ preferencial de
Vastatina Apresentação Habitual Máxima administração

Lovastatina Comprimidos 20 mg 20 mg-40 mg 80 mg Após o jantar


Sinvastatina Comprimidos 5 mg, 10 mg 40 mg* À noite
10 mg, 20 mg e 40 mg
Pravastatina Comprimidos 10 mg 20 mg 40 mg À noite
Fluvastatina Cápsulas 20 mg 20 mg 80 mg À noite
e 40 mg
Atorvastatina Comprimidos 10 mg, 10 mg 80 mg Não há
20 mg e 40 mg
Rosuvastatina Comprimidos 10 mg 10 mg 40 mg Não há
e 20 mg

* Doses bem mais elevadas (80 mg/dia e 160 mg/dia) já foram empregadas em casos de hipercolesterolemia
grave.

terminação a cada três meses no primeiro ano de longa duração. Estes últimos avaliaram grandes po-
uso. Mialgia pode ocorrer na presença ou não de au- pulações e grupos especiais (idosos, crianças, mu-
mento de CPK e é atribuída a níveis circulantes ele- lheres, hipertensos, renais, diabéticos, pacientes em
vados das vastatinas e, menos freqüentemente, faci- fase aguda do miocárdio e após transplante renal e
litada pelo exercício físico. A interação com outros cardíaco).(16)
medicamentos (fibratos, ácido nicotínico, eritromici- Meta-análise recentemente publicada, envolven-
na e ciclosporina) aumenta o risco de mialgia, po- do 90.056 participantes de 14 estudos clínicos ran-
dendo levar a rabdomiólise e conseqüente insufici- domizados, demonstrou que a redução de 40 mg/dl
ência renal aguda (em especial em indivíduos sub- de LDL-colesterol obtida com as vastatinas diminui
metidos a transplante de órgãos). A cerivastatina, em cerca de 21% o risco em cinco anos de eventos
quando associada a genfibrozila, aumentou a morta- coronários, revascularização miocárdica e acidente
lidade por rabdomiólise, acarretando sua retirada do vascular cerebral.(17)
mercado.(10-13) Recentemente, foram descritos casos
de polineuropatia periférica associada ao uso pro- Fármacos inibidores da absorção de
longado de vastatina; especula-se que esse raríssi- colesterol – ezetimiba
mo acometimento dependa da formação de metabó- A ezetimiba é um fármaco que inibe, de modo se-
litos tóxicos para os nervos, de alteração de função letivo, a absorção intestinal do colesterol da dieta e
da membrana nervosa, e inibição da ubiquinona, al- dos sais biliares. Age na borda do enterócito, no du-
terando a utilização de energia pelos neurônios. (14, 15) odeno e no jejuno, inibindo a ação da proteína do
As vastatinas podem ser associadas a outros fár- esterol. Com isso, menos colesterol é ofertado para
macos com mecanismo de ação diferente: resinas se- a formação dos quilomícrons (Qm). Não interfere na
qüestradoras de ácidos biliares (se administradas três absorção de triglicérides e de vitaminas lipossolú-

510 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
veis.(1, 18, 19) se altera; entretanto, os mesmos cuidados devem
É administrada na ser observados em relação aos fármacos associ-
dose de 10 mg/dia, sem ados. (22, 23)
FORTI N e col. horário preestabelecido,
Fármacos e, após sua absorção Fármacos bloqueadores do ciclo êntero-hepático
hipolipemiantes (duas a três horas), sofre, do colesterol – resinas seqüestradoras de ácidos
no fígado, processo de biliares
glicuronidação, transfor- São resinas de troca iônica (trocam o íon cloro pela
mando-se em glicuroní- carboxila dos ácidos biliares conjugados com glicina
deo ativo, que se localiza ou taurina) não absorvíveis. Bloqueiam a reabsorção,
na borda do enterócito e na porção proximal do íleo, de ácidos biliares, diminu-
retorna à circulação ênte- indo sua oferta ao fígado e aumentando sua excreção
ro-hepática (20%). Tem meia-vida longa (22 horas) e fecal. Aumentam a síntese hepática de colesterol e a
é eliminada nas fezes (77%) após extenso processo expressão dos receptores de LDL (receptores B-E);
de recirculação; não é metabolizada no sistema CYP elevam a atividade de 7 alfa hidroxilase (enzima que
450 3A4. Não são necessários ajustes posológicos. regula a formação dos ácidos biliares a partir do coles-
Antiácidos e resinas seqüestrantes diminuem sua terol) e a síntese hepática de VLDL. Como resultado,
absorção. A ação se faz sentir logo após 14 dias: re- há diminuição das taxas sanguíneas de LDL-colesterol
dução de LDL-colesterol (18%) e de triglicérides (7% (15% a 30%) e discreta e eventual elevação de triglicé-
a 8%) e elevação de HDL-colesterol (2% a 3%). Não rides.(1, 24-26)
foram observadas diferenças significativas relaciona- São indicadas para o tratamento da hipercoleste-
das à idade e ao sexo. (1) rolemia leve ou moderada, mas seu uso está mais res-
É indicada para o tratamento das diferentes for- trito atualmente pelo surgimento dos inibidores seleti-
mas de hipercolesterolemia, de preferência em as- vos de absorção intestinal. Constituem ainda uma das
sociação com vastatina, acentuando a redução de primeiras alternativas para o tratamento de crianças e
LDL-colesterol. Por exemplo, a associação de 10 mg/ adolescentes.(27) Podem ser indicadas para mulheres
dia de ezetimiba com sinvastatina 10 mg/dia, 20 mg/ em idade fértil e também para idosos. Cuidados com a
dia e 40 mg/dia reduziu o LDL-colesterol, respectiva- suplementação vitamínica devem ser observados. São
mente, em 27%, 30% e 38%. Reduções de LDL-co- contra-indicadas quando os níveis de triglicérides es-
lesterol obtidas com 10 mg/dia de ezetimiba associ- tão elevados.(1)
ada a menor dose de vastatina são de magnitude No mercado brasileiro, é disponível apenas a coles-
semelhante à obtida com as doses máximas de vas- tiramina; em outros países, existem o colestipol e o co-
tatina. Chama a atenção a redução de LDL-coleste- lesevelam. A colestiramina, cuja estrutura é de um co-
rol obtida em pacientes (com idade superior a 12 polímero de estireno com divinil-benzeno combinado a
anos) com hipercolesterolemia familiar homozigóti- grupos de amônio quaternário em forma de cloreto in-
ca, comprovada por testes genéticos: em associa- solúvel, é apresentada em envelopes de 4 g na forma
ção com atorvastatina 80 mg/dia, reduziu o LDL-co- de grânulos. Inicia-se o tratamento com 4 g/dia e, se
lesterol em 27,6%, ao passo que a atorvastatina, na necessário, aumenta-se progressivamente até o máxi-
mesma dosagem, administrada isoladamente, redu- mo de 16 g/dia(1). Recomenda-se a dissolução dos grâ-
ziu o LDL-colesterol em somente 7%. (20, 21) nulos em suco de frutas, para melhorar o sabor, e a
A associação de ezetimiba com fibrato foi objeto ingestão junto às refeições. Há, no comércio, a forma
de recente publicação. Em pacientes com hiperlipi- “light”, que contém fenilamina para melhorar a tolerân-
demia mista, a administração concomitante de ezeti- cia.
miba (10 mg/dia) e fenofibrato (160 mg/dia) reduziu Os efeitos indesejáveis das resinas são: obstipação,
o LDL-colesterol em 20,4%, o não-HDL-colesterol em empachamento, náuseas, meteorismo, exacerbação da
30,4% e os triglicérides em 44%, e aumentou o HDL- absorção de vitaminas lipossolúveis (A, D e K) e ácido
colesterol em 19%. Essas modificações foram mais fólico, digoxina, tiroxina e warfarina. Recomenda-se a
acentuadas quando comparadas às obtidas com os ingestão destas uma hora antes ou quatro horas de-
medicamentos isolados.(22) pois das resinas. Podem ocasionar acidose hiperclorê-
A tolerância à ezetimiba é muito boa. A freqüên- mica e o uso prolongado, hipoprotrombinemia. Eleva-
cia de distúrbios gastrointestinais (empachamento, ção dos valores das transaminases hepáticas e da fos-
náuseas, diarréia) é inferior a 4% e a de mialgia é fatase alcalina também é relatada. A tolerância é pe-
inferior a 1%, podendo ocorrer elevações discretas quena, em qualquer idade, porém ainda menor em
das enzimas hepáticas. Mesmo quando associadas pacientes idosos.(1)
a vastatina ou fibrato, a tolerância à ezetimiba pouco As resinas podem ser eventualmente associadas a

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 511
vastatinas nos casos de ram a HMG-CoA R.(28-31)
hipercolesterolemia, acen- Dessas ações resultam diminuição da trigliceride-
tuando as reduções de mia (35% a 55%), aumento de HDL-colesterol (10% a
FORTI N e col. LDL-colesterol, e a fibratos 25%) e diminuição de LDL-colesterol (10% a 35%).
Fármacos ou ácido nicotínico na hi- Eventualmente, ocorre aumento de LDL-colesterol
hipolipemiantes pertrigliceridemia conco- como resultado da competição de remanescentes de
mitante. Esses outros hi- VLDL com LDL pelos receptores B-E. Também podem
polipemiantes devem ser reduzir Lp (a), por mecanismos não esclarecidos.
administrados três horas Os fibratos possuem efeitos sobre fatores da coa-
antes ou três horas depois gulação: redução da fibrinogenemia, da agregação pla-
das resinas. quetária, do fator VII e de PAI-1. Podem melhorar a to-
lerância à glicose. Entretanto, esses efeitos variam de
FÁRMACOS COM AÇÃO PREDOMINANTE medicamento para medicamento.(29)
NA HIPERTRIGLICERIDEMIA Administrados de preferência após uma refeição, são
absorvidos no intestino, ligam-se em alto grau à albu-
Este grupo de medicamentos tem indicação na hi- mina, são metabolizados pelo CYP 450 3A4 e são ex-
pertrigliceridemia endógena, que corresponde ao in- cretados pelos rins. O pico máximo de ação, a meia-
cremento de VLDL. vida, a apresentação e as doses habituais são variá-
veis para cada fibrato (Tab. 5).(29-31)
Fibratos São indicados para a terapêutica da hipertrigliceri-
São derivados do ácido fíbrico: clofibrato, bezafibra- demia endógena isolada ou associada à hipercoleste-
to, fenofibrato, etofibrato, genfibrozila, cipofibrato. rolemia (tipos IV, IIb e III).
Diminuem a lipólise no tecido adiposo, reduzindo a Os fibratos são bem tolerados. São relatados efei-
oferta de ácidos graxos ao fígado, levando a menor tos indesejáveis (5% a 10%), mas reversíveis, com a
síntese de triglicérides e conseqüentemente de VLDL. interrupção do tratamento: intolerância gástrica, diar-
Estimulam a atividade da lipase lipoprotéica. Aumen- réia, litíase biliar (mais comum com clofibrato), fraque-
tam a excreção do colesterol hepático pelas vias bilia- za muscular, mialgia, diminuição da libido, erupção cu-
res e a afinidade dos receptores B-E pelas LDL. Em tânea, cefaléia e insônia. Podem elevar as taxas de
decorrência da redução de triglicérides das VLDL, for- enzimas hepáticas, de CPK, de uréia e de creatinina e
mam-se LDL grandes e menos densas, facilmente cap- diminuir o tempo de protrombina. Atenção especial deve
tadas pelos receptores B-E, e reduzem a lipemia pós- ser dada quando se administra fibrato a paciente com
prandial. Recentemente, demonstrou-se que os fibra- litíase biliar, função renal diminuída e em tratamento
tos são capazes de ativar os fatores de transcrição anticoagulante. Não devem ser usados em mulheres
nuclear (PPARs alfa), reduzindo a produção da apoli- grávidas ou amamentando. Interagem com fármacos
poproteína CIII, aumentando a produção da lipase li- metabolizados pelo CYP 3A4, o que requer cuidados
poprotéica e das apolipoproteínas AI e AII. Diminuem especiais em casos de polimedicação.(29-31)
a regulação dos receptores hepáticos SRB1, diminuin- A associação de fibratos com outros hipolipemian-
do o “clearance” de HDL. Em estudos experimentais, tes pode ser feita, observando-se as seguintes precau-
diminuíram a suscetibilidade de LDL à oxidação e inibi- ções: 1) a administração concomitante com colestira-

Tabela 5. Fibratos: pico máximo de ação, meia-vida, apresentação e doses habituais.

Pico máximo Meia-vida Apresentação Doses habituais


Fibrato (horas) (horas) (mg) (mg/dia)

Clofibrato 4 12 500 1.000-2.000


Bezafibrato 2 1,5 a 2 200 600
400 (retard) 400
Etofibrato 8 16 500 500
Genfibrozila 2 7,6 300 600-1.200
600
Fenofibrato 4a6 19,6 a 26,6 250 250
200 (micronizado)
Cipofibrato 1a2 80 100 100-200

512 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
mina diminui a absorção é administrada uma vez ao dia, está associada à redu-
do fibrato (se necessário, ção dos rubores, mas o risco de hepatotoxicidade é
o fibrato deve ser ingerido maior.(32, 33)
FORTI N e col. três horas antes ou três
Fármacos horas depois da colestira- Ômega 3
hipolipemiantes mina); 2) a associação Os ácidos graxos ômega 3 (eicosapentaenóico e
com vastatina favorece docosaexaenóico) são componentes de óleo de pei-
mialgia e pode facilitar rab- xes de águas frias e profundas. Inibem a síntese de
domiólise. Com monitori- VLDL no fígado, aumentam seu catabolismo, e diminu-
zação adequada das en- em a agregação plaquetária.(30, 31, 34, 35)
zimas hepáticas e muscu- Encontram indicação somente em casos de hiper-
lares e ajustes de dose, trigliceridemia grave em associação a fibratos e nos
essa associação pode ser empregada em casos de hi- casos de intolerância a fibratos.
perlipidemia mista. Ressalte-se que a associação de São totalmente absorvidos após seis horas da in-
genfibrozila com vastatina representa maior risco de gestão. A dose mínima recomendada é de 4 g/dia, e,
alterações musculares e rabdomiólise e não deve ser no mercado, estão disponíveis em cápsulas de 1 g.
utilizada.(29-31)
FÁRMACOS COM AÇÃO SOBRE O
Ácido nicotínico METABOLISMO LIPÍDICO EM DESENVOLVIMENTO
O ácido nicotínico inibe a atividade de lipases hor-
mônio-sensíveis, diminuindo a quantidade de ácidos A busca por novos fármacos que agem em diferen-
graxos na circulação e a oferta ao fígado. Em conse- tes pontos do metabolismo lipídico prossegue. Encon-
qüência, há diminuição da síntese de VLDL no fígado, tram-se em desenvolvimento pesquisas de medicamen-
com reflexos na formação de IDL e LDL nos capilares. tos com ação sobre a hipercolesterolemia, sobre a hi-
Estimula a síntese e diminui o catabolismo de apo AI. pertrigliceridemia e para elevar a fração HDL-coleste-
Dessas ações resultam diminuição de 30% da triglice- rol, considerada antiaterogênica.
ridemia e de LDL-colesterol e aumento de HDL-coles-
terol (15%).(30, 31) Fármacos com ação sobre a hipercolesterolemia
É recomendado principalmente para o tratamento e/ou hipertrigliceridemia
da dislipidemia mista, mas pode ser empregado na te- As pesquisas estão sendo desenvolvidas baseadas na
rapêutica da hipertrigliceridemia endógena (como al- inibição(1, 36):
ternativa aos fibratos). Também pode ser utilizado para 1) da síntese de ácidos biliares, como, por exemplo, inibido-
elevar a fração HDL-colesterol. res do 7 alfa-hidroxilase;
É administrado na dose de 2 mg/dia a 6 g/dia, divi- 2) do colesterol-ester-hidroxilase, enzima envolvida no meta-
didos em duas a três tomadas/dia, após as refeições. bolismo intestinal do colesterol;
É rapidamente absorvido, atingindo concentração má- 3) da proteína de transplante de ácidos biliares (ASBT);
xima em menos de uma hora, e a eliminação é renal. O 4) da acil-colesterol-acil-transferase (ACAT), enzima respon-
tratamento é iniciado com dose baixa, aumentando-se sável pela reesterificação do colesterol absorvido nos ente-
progressivamente. rócitos;
A tolerância é baixa, particularmente para o produ- 5) da proteína de transferência microssomal de triglicérides
to de liberação imediata. Os principais efeitos indese- (MTP), que diminui o transporte dos lípides exógenos, difi-
jáveis são: náuseas, dores epigástricas, rubor facial ou cultando a formação de quilomícrons e levando à menor for-
generalizado (este pode ser minimizado pela adminis- mação de VLDL;
tração de aspirina 30 minutos antes), urticária, eleva- 6) da esqualeno-sintase , envolvida na síntese do colesterol;
ção das taxas de glicose, ácido úrico e enzimas hepá- 7) da acil-CoA-diaciltransferase, participante da síntese de
ticas, e potencialização de anti-hipertensivos. Há rela- triglicérides.
tos de Acanthosis nigricans. Aumenta o risco de mio-
patia quando associado a vastatina.(30, 31) Fármacos com ação predominante em
Recentemente, foram lançadas duas formas de áci- HDL-colesterol
do nicotínico: de liberação gradual (ER) e de liberação Fibratos, ácido nicotínico e vastatinas elevam a fra-
prolongada, lenta (SR). A forma ER é administrada na ção HDL-colesterol em cerca de 10%, 20%, e 5% a
dose de 500 mg a 2 g (também iniciando com dose 10%, respectivamente(1, 37, 38). Em estudo recentemente
baixa e aumentando progressivamente), a absorção é publicado, a associação de genfibrozila, ácido nicotíni-
mais lenta e menor, e os efeitos gastrintestinais e o co e colestiramina em pacientes somente com HDL-
risco hepatotóxico são menores. A forma SR também colesterol = 34 mg/dl + 6 mg/dl elevou o HDL-coleste-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 513
rol em 36%. Essa elevação cetrapib (Pfizer). Em paciente com hiperlipidemia mo-
foi responsabilizada por di- derada, o JTT 705 aumentou o HDL-colesterol (37%) e
minuição de obstrução das diminuiu o LDL-colesterol (7%). O torcetrapib, em indi-
FORTI N e col. artérias coronárias e de víduos com HDL-colesterol inferior a 40 mg/dl, na dose
Fármacos eventos cardiovascula- de 120 mg/dia, durante quatro semanas, aumentou os
hipolipemiantes res.(39) valores dessa fração em 46% quando administrado iso-
Várias investigações ladamente e em 61% quando concomitante a 20 mg/
estão sendo desenvolvi- dia de atorvastatina; em uso isolado por oito semanas,
das no sentido de identifi- o aumento foi de 106%.(40)
car um fármaco que, iso- Estão sendo objeto de investigação: 1) ativadores/
ladamente, tenha capaci- moduladores seletivos de LXR (fator de transcrição das
dade de elevar mais acen- superfamílias de receptores nucleares); 2) inibidores
tuadamente as taxas baixas de HDL-colesterol. Em fase das lipases hepática e endotelial; 3) moduladores de
mais avançada de pesquisa, encontram-se os inibido- receptores hepáticos SRB1; e 4) miméticos de lisoes-
res de CETP: JTT 705 (Roche, Japan Tobacco) e o tor- fingolípides.(38)

HYPOLIPIDEMIC DRUGS

NEUSA FORTI, JAYME DIAMENT

Treatment of dyslipidemia in order to prevent atherosclerotic disease is widely


accepted. This review includes: 1) pharmacologic and therapeutic aspects of hypo-
cholesterolemic and hypotriglyceridemic drugs most commonly used in clinical prac-
tice; 2) considerations regarding hypolipidemic drugs association; 3) new therapeu-
tic approaches: new hypolipidemic drugs and drugs to increase HDL-cholesterol.
Before pharmacologic intervention, clinicians must correctly screen dyslipidemia
and consider the following conditions: drug interactions, aging, menopausal status,
comorbidity, renal or hepatic disease, alcohol abuse and availability of selected dru-
gs in the public health system.

Key words: hypolipidemic drugs, hypercholesterolemia, hypotriglyceridemia, HDL-


cholesterol, dyslipidemia.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:506-16)


RSCESP (72594)-1574

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516 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
ABORDAGEM DAS DISLIPIDEMIAS NA PREVENÇÃO
FONSECA FAH e cols. PRIMÁRIA E SECUNDÁRIA: O QUE HÁ DE NOVO?
Abordagem das
dislipidemias na
prevenção primária
e secundária: FRANCISCO A. H. FONSECA, CARLOS M. C. MONTEIRO, SERGIO A. B. BRANDÃO
o que há de novo?

Setor de Lípides, Aterosclerose e Biologia Vascular –


Universidade Federal de São Paulo

Endereço para correspondência: Rua Pedro de Toledo, 458 – CEP 04039-001 –


São Paulo – SP

O melhor conhecimento da história natural da aterosclerose revelou a importância


crucial dos lipídeos. Dessa forma, têm sido propostas intervenções mais agressivas
sobretudo para os pacientes em prevenção secundária ou sob alto ou muito alto
risco de eventos coronarianos. Hoje, com os fármacos disponíveis, essas metas têm
sido alcançadas com maior facilidade. Embora esses fármacos sejam muito seguros,
alguns cuidados, especialmente para doses elevadas ou quando associados, são
importantes.

Palavras-chave: dislipidemias, tratamento, hipolipemiantes.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:517-25)


RSCESP (72594)-1575

INTRODUÇÃO europeu, o estudo “European Action on Secondary Pre-


vention through Intervention to Reduce Events” (EURO-
A aterosclerose é a doença mais prevalente da so- ASPIRE)(4) revelou que apenas 32% dos pacientes em
ciedade moderna e, com base nos estudos da cidade prevenção secundária estavam recebendo terapia hipoli-
de Framingham, estima-se que 50% dos homens e 30% pemiante e que, dentre estes, a metade permanecia com
das mulheres apresentarão manifestações da sua for- valores de colesterol acima das metas.
ma mais comum de apresentação, a doença arterial
coronariana, ao longo de suas vidas(1). ESTRATIFICAÇÃO DO RISCO CARDIOVASCULAR
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, as
doenças cardiovasculares são responsáveis por 5 a 12 Estudos observacionais como o “Prospective Car-
milhões de mortes anuais em países desenvolvidos e por diovascular Münster “(PROCAM) e o “Framingham
10 a 40 milhões de mortes anuais em países em desen- Heart Study” demonstraram a importância dos fatores
volvimento. Desse total, estima-se que a metade dessas de risco e seu sinergismo e permitiram a elaboração
mortes decorra da doença arterial coronariana(2). de um escore para a obtenção do risco absoluto de
Apesar das fortes evidências de que a redução do eventos coronarianos.
colesterol possa modificar a história natural desses O escore de Framingham foi revisto recentemente
pacientes, alguns estudos demonstram claramente que e modificado pelo “National Cholesterol Education Pro-
as diretrizes na prevenção primária ou secundária da gram” (NCEP/ATP III)(5). Com base nesse novo escore,
doença coronariana têm sido negligenciadas. os pacientes, independentemente de sua condição em
Nos Estados Unidos, o “National Health and Nutrition prevenção primária ou secundária da aterosclerose, são
Examination Survey” (NHANES III)(3) mostrou que 65% classificados em três níveis de risco: alto, intermediá-
dos pacientes elegíveis para o tratamento hipolipemiante rio ou baixo para a ocorrência de morte ou infarto do
não recebiam qualquer forma de terapia. No continente miocádio em dez anos (Tab. 1).

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 517
Tabela 1. Categorias de risco absoluto de eventos coronarianos (NCEP III).

Categoria de risco Diagnóstico


FONSECA FAH e cols.
Abordagem das Alto risco DAC ou DAC equivalente
dislipidemias na Risco absoluto* > 20%* Diabetes melito (tipos 1 ou 2)
prevenção primária
e secundária:
Múltiplos fatores de risco†
o que há de novo? Risco intermediário Geralmente 2 ou mais
Risco absoluto* entre 10% e 20%* fatores de risco
Baixo risco Geralmente 0 a 1 fator de risco
Risco absoluto* < 10%*

* Risco absoluto para morte ou infarto(6).



Múltiplos fatores de risco com risco absoluto > 20% em dez anos.
DAC = doença arterial coronariana; DAC equivalente = doença vascular periférica,
doença carotídea sintomática, aneurisma de aorta abdominal.

Para facilitar a identificação dos pacientes que de- aqueles que mantêm níveis de triglicérides ou HDL-
vem ter seu risco avaliado pelo novo escore, o NCEP/ colesterol inadequados).
ATP III classifica como de alto risco os pacientes com Além disso, como muitos dos desfechos coronaria-
manifestações da aterosclerose e todos os diabéticos nos ocorrem entre os indivíduos com risco intermediá-
e de baixo risco pacientes com 0 ou 1 dos seguintes rio, foi sugerido que, nessa condição, os pacientes com
fatores: dois ou mais fatores de risco, incluindo novos parâme-
- idade em homens a partir dos 45 anos e mulheres a tros como a proteína C-reativa ultra-sensível > 3 m/dl
partir dos 55 anos; ou o escore de cálcio > 75 percentil, tenham como meta
- antecedente familiar de doença coronariana prema- principal o LDL-colesterol < 100 mg/dl (opcional)(6). Além
tura (parentes de primeiro grau do sexo masculino disso, uma vez obtido o LDL-colesterol-alvo, foi pro-
< 55 anos ou feminino < 65 anos); posta como meta secundária a obtenção de valores
- hipertensão arterial (PA > 140/90 mmHg) ou anti-hi- desejáveis para os triglicérides (< 150 mg/dl) e para o
pertensivo; HDL-colesterol (> 40 mg/dl para a população geral e
- fumo (qualquer quantidade de cigarros fumados no > 45 mg/dl para os diabéticos)(7), e para os indivíduos
mês anterior); com triglicérides > 200 mg/dl foi sugerida uma meta
- HDL-colesterol < 40 mg/dl (homens ou mulheres). para o colesterol não-HDL 30 mg acima da meta do
No caso de HDL-colesterol > 60 mg/dl, deve ser des- LDL-colesterol. Nesse novo documento, foi sugerida a
contado um fator de risco. associação de fármacos como estatinas e fibratos ou
Com base nessa classificação inicial, os pacientes estatinas e ácido nicotínico para a obtenção dos valo-
de alto risco (aqueles com manifestações prévias de res lipídicos ideais em todas as frações lipídicas e não
aterosclerose ou diabetes) devem ter LDL-colesterol- apenas no LDL-colesterol.
alvo < 100 mg/dl e para os considerados de baixo ris-
co, LDL-colesterol-alvo < 160 mg/dl. Entretanto, os pa- ESTRATÉGIAS INICIAIS
cientes que apresentarem dois ou mais fatores de ris-
co precisam ter seu risco coronariano avaliado pelo O tratamento de indivíduos em prevenção primá-
escore de Framingham para determinação da meta li- ria da doença coronariana, sobretudo os de risco
pídica a ser alcançada (Tab. 2). baixo (< 10%), deve ter como enfoque prioritário modi-
Em 2004, novas recomendações do NCEP/ATP III ficação do estilo de vida, abstenção do fumo, exercíci-
foram publicadas, incluindo a consideração para um os físicos e dieta adequada em seu conteúdo calórico
tratamento mais agressivo (opcional), com meta de e nutricional(5).
LDL-colesterol < 70 mg/dl para pacientes de muito alto Por outro lado, além da ênfase para um adequado
risco, como aqueles com síndromes coronarianas agu- estilo de vida, para os indivíduos de risco intermediá-
das ou coronarianos sem adequado controle dos fato- rio, especialmente com dois ou mais fatores de risco, e
res de risco, principalmente os diabéticos, os que per- para os classificados como de alto ou muito alto risco
manecem fumando apesar da aterosclerose estabele- essas medidas são muitas vezes insuficientes para o
cida ou, ainda, para os coronarianos que preencham alcance das metas. Nesse caso, o tratamento farma-
critérios de síndrome metabólica (especialmente entre cológico tem permitido o alcance das metas na maio-

518 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
Tabela 2. Estimativa de risco coronariano absoluto para homens e mulheres.

Homens Mulheres
FONSECA FAH e cols.
Abordagem das Idade Pontos Idade Pontos
dislipidemias na 20-34 9 20-34 -7
prevenção primária 35-39 4 35-39 -3
e secundária: 40-44 0 40-44 0
o que há de novo? 45-49 3 45-49 3
50-54 6 50-54 6
55-59 8 55-59 8
60-64 10 60-64 10
65-69 11 65-69 12
70-74 12 70-74 14
75-79 13 75-79 16
Colesterol Idade Idade Idade Idade Idade Colesterol Idade Idade Idade Idade Idade
total (anos) (anos) (anos) (anos) (anos) total (anos) (anos) (anos) (anos) (anos)
(mg/dl) 20-39 40-49 50-59 60-69 70-79 (mg/dl) 20-39 40-49 50-59 60-69 70-79
< 160 0 0 0 0 0 < 160 0 0 0 0 0
160-199 4 3 2 1 0 160-199 4 3 2 1 1
200-239 7 5 3 1 0 200-239 8 6 4 2 1
240-279 9 6 4 2 1 240-279 11 8 5 3 2
≥ 280 11 8 5 3 1 ≥ 280 13 10 7 4 2
Fumo Idade Idade Idade Idade Idade Fumo Idade Idade Idade Idade Idade
(anos) (anos) (anos) (anos) (anos) (anos) (anos) (anos) (anos) (anos)
20-39 40-49 50-59 60-69 70-79 20-39 40-49 50-59 60-69 70-79
Não 0 0 0 0 0 Não 0 0 0 0 0
Sim 8 5 3 1 1 Sim 9 7 4 2 1
HDL-colesterol (mg/dl) Pontos HDL-colesterol (mg/dl) Pontos
≥ 60 -1 ≥ 60 -1
50-59 0 50-59 0
40-49 1 40-49 1
< 40 2 < 40 2
PA sistólica PA sistólica
(mmHg) Não tratada Tratada (mmHg) Não tratada Tratada
< 120 0 0 < 120 0 0
120-129 0 1 120-129 1 3
130-139 1 2 130-139 2 4
140-159 1 2 140-159 3 5
≥ 160 2 3 ≥ 160 4 6
Risco absoluto Risco absoluto
Total de pontos em 10 anos (%) Total de pontos em 10 anos (%)
<0 <1 <9 <1
0 1 9 1
1 1 10 1
2 1 11 1
3 1 12 1
4 1 13 2
5 2 14 2
6 2 15 3
7 3 16 4
8 4 17 5
9 5 18 6
10 6 19 8
11 8 20 11
12 10 21 14
13 12 22 17
14 16 23 22
15 20 24 27
16 25 ≥ 25 ≥ 30
≥ 17 ≥ 30

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 519
ria dos indivíduos e com A BASE DE EVIDÊNCIAS PARA O EMPREGO
considerável rapidez. DE HIPOLIPEMIANTES E AS MODIFICAÇÕES
Além disso, formas gra- DAS METAS DE LDL-COLESTEROL
FONSECA FAH e cols. ves de dislipidemias, como
Abordagem das níveis muito elevados de Diversos ensaios clínicos com estatinas, fibratos,
dislipidemias na triglicérides (especialmen- niacina e resinas demonstraram que as terapias hipoli-
prevenção primária
e secundária:
te quando > 1.000 mg/dl) pemiantes reduzem o risco de morte e de eventos car-
o que há de novo? devem receber tratamen- diovasculares em pacientes que apresentam ou não
to farmacológico ao lado história de doença arterial coronariana prévia, nos hi-
de restrição de gorduras pertensos, nos diabéticos, nas síndromes isquêmicas
(< 15% do valor calórico agudas ou, ainda, com a utilização de tratamento mais
total). Nesses indivíduos rigoroso(9-24).
não é possível a determinação do LDL-colesterol pela Mais recentemente, uma meta-análise de 14 estu-
fórmula de Friedewald (LDL-colesterol = colesterol to- dos com estatinas(25) demonstrou que a redução do
tal – HDL-colesterol – triglicérides/5), pois esse cálcu- LDL-colesterol de apenas 1 mmol (aproximadamente
lo não é válido para valores de triglicérides > 400 mg/ 38 mg/ml) está associada com 12% de redução de
dl. Nessa situação, devemos usar o colesterol não-HDL mortalidade total e 18% de mortalidade coronariana,
como meta a ser atingida, sendo seus valores de refe- além de expressiva redução das taxas de eventos co-
rência 30 mg acima do LDL-colesterol-alvo. ronarianos ou necessidade de revascularização.
No caso de indivíduos com níveis muito elevados Na realidade, todos esses estudos demonstraram
de LDL-colesterol (> 190 mg/dl), uma forma genética que a redução do colesterol pode ser considerada bas-
de dislipidemia geralmente está presente (como, por tante segura e pode ser mantida em longo prazo, sem
exemplo, hipercolesterolemia familiar), mas esse alto evidências de alterações metabólicas deletérias ou
valor de colesterol pode ser secundário a um hipoti- aparecimento de qualquer forma particular de câncer(25).
reoidismo. No caso da hipercolesterolemia de base Os estudos que demonstraram maior grau de redu-
genética, além do rastreamento dos familiares e das ção do LDL-colesterol também se acompanharam de
avaliações laboratoriais pertinentes uma cuidadosa menores taxas de eventos coronarianos e de mortali-
atenção deverá ser dada para o diagnóstico da doença dade total (Tabs. 4 e 5).
arterial coronária.
Para a hipoalfalipoproteinemia (HDL-colesterol < 40 COMO ALCANÇAR AS METAS LIPÍDICAS-ALVO
mg/dl), o tratamento de causas secundárias, como
melhor compensação do diabetes, perda de peso ou Com base nos estudos de desfechos clínicos men-
exercícios, constitui a conduta inicial. Entretanto, medi- cionados e, mais recentemente, com os resultados de
camentos para elevação do HDL-colesterol também têm avaliações por imagem (ultra-som) em carótidas e em
sido sugeridos, especialmente para pacientes de alto artérias coronárias, pode-se verificar a necessidade de
ou muito alto risco. Além disso, pacientes em preven- reduções médias de cerca de 50% no LDL-colesterol
ção secundária com HDL-colesterol baixo e hiperco- para se evitar a progressão da aterosclerose(32, 33). Re-
lesterolemia apresentam alta incidência de recorrên- duções do colesterol não-HDL e, especialmente, au-
cia de eventos, que não foram controlados apenas com mentos do HDL-colesterol também parecem influenci-
o uso da estatina, como foi mostrado no “Scandinavian ar a evolução clínica e anatômica da aterosclerose(23).
Sinvastatin Survival Study” (4S)(7). Na abordagem das dislipidemias na prevenção pri-
Nos dias atuais, grande ênfase tem sido dada ao di- mária ou secundária, algumas estratégias podem ser
agnóstico da síndrome metabólica. Em 2001, o NCEP/ seguidas.
ATPIII sugeriu critérios muito simples para seu diagnósti-
co(5). Entretanto, em 2005 novos critérios foram sugeridos Estratégia 1
pela “International Diabetes Federation”(8). A obesidade – Alcançar a meta de LDL-colesterol com a menor dose
visceral passou a ser uma alteração obrigatória, detecta- de hipolipemiante, mas que atinja a meta-alvo.
da com base na circunferência abdominal (Tab. 3), além Para os pacientes de alto ou muito alto risco, a dose
de pelo menos duas das seguintes condições: do hipolipemiante (geralmente uma estatina) pode ser
- glicemia > 100 mg/dl ou tratamento para diabetes; iniciada já com a dose necessária para se atingir a meta.
- triglicérides > 150 mg/dl; Entretanto, para subgrupos de risco, idosos, mulheres
- HDL-colesterol < 40 mg/dl (homens) ou < 50 mg/dl de baixo peso, pacientes em uso concomitante de ou-
(mulheres); tros fármacos que possam interferir no metabolismo
- pressão arterial > 130/85 mmHg ou uso de anti-hiper- do hipolipemiante, pacientes com comprometimento de
tensivo. função hepática ou renal, hipotireoidismo e co-morbi-

520 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
Tabela 3. Valores propostos para o diagnóstico da síndrome metabólica com base
na obesidade visceral pela “International Diabetes Federation” (IDF).

FONSECA FAH e cols. Grupo étnico Circunferência abdomial


Abordagem das
dislipidemias na Europídeos*
prevenção primária
e secundária:
- Homem > 94 cm
o que há de novo? - Mulher > 80 cm
Sul da Ásia
- Homem > 90 cm
- Mulher > 80 cm
Chineses
- Homem > 90 cm
- Mulher > 80 cm
Japoneses
- Homem > 85 cm
- Mulher > 90 cm
América Central e do Sul**
- Homem > 90 cm
- Mulher > 80 cm
África (subsaariana)** Semelhantes aos europídeos*
Mediterrâneo (leste)** Semelhantes aos europídeos*
Centro-oeste árabe** Semelhantes aos europídeos*

* Indivíduos de origem européia.


** Valores sugeridos até que novos dados estejam disponíveis.

dades, tais como doenças auto-imunes, SIDA e pós- com estatina. Em casos mais raros, pode ser feita associ-
transplante, devem receber a dose do hipolipemiante ação de ezetimiba + estatina + resina ou niacina.
titulada gradualmente e com adequado monitoramen-
to de enzimas. Estratégia 2
Geralmente, para que sejam alcançados valores > 50% – Atingir meta de colesterol não-HDL em pacientes com
em relação aos valores basais ou LDL-colesterol < 70 triglicérides > 200 mg/dl.
mg/dl são necessárias doses máximas de sinvastatina Neste sentido, ao lado da meta de LDL-colesterol
(80 mg/dia), doses de atorvastatina de 40 mg/dia a 80 (objetivo primário), é preciso buscar mudanças no esti-
mg/dia e de rosuvastatina entre 10 mg/dia e 40 mg/dia. lo de vida que possam melhorar de forma global o per-
Pode ainda ser empregada a combinação de ezetimiba fil lipídico (exercícios, perda de peso, dieta, melhor con-

Tabela 4. Eventos coronarianos e níveis de LDL-colesterol.

Estatina Placebo comparador*


LDL-C Taxa de LDL-C Taxa de
atingido evento de DAC atingido evento de DAC
Estudo (mg/dl) (% de pacientes) (mg/dl) (% de pacientes)

4S26 122 19,4 190 28,0


LIPID27 112 12,3 150 15,9
CARE28 98 10,2 135 13,2
HPS29 89 8,7 128 11,8
TNT30 77 6,7 101 8,3

* O comparador no TNT foi atorvastatina 10 mg.


LDL-c = LDL-colesterol; DAC = doença arterial coronariana.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 521
Tabela 5. Mortalidade total e LDL-colesterol.

Mortalidade total (% de pacientes)


FONSECA FAH e cols. Estudo Anos Estatina Placebo comparador*
Abordagem das
dislipidemias na HPS29 5,0 12,9 14,7
prevenção primária
e secundária:
LIPID27 6,1 11,0 14,1
o que há de novo? 4S26 5,4 8,2 11,5
PROSPER31 3,.2 10,3 10,5
CARE28 5,0 8,6 9,4
TNT30 4,9 5,7 5,6

* O comparador no TNT foi atorvastatina 10 mg.

trole de diabetes, etc.). ladamente ou combinadas com ezetimiba propicia au-


Entretanto, com freqüência não conseguimos uma mentos moderados no HDL-colesterol. A combinação
modificação no estilo de vida que permita o alcance de de estatina com niacina constitui uma perspectiva a ser
todas as metas e, nesse caso, individualmente, podemos considerada com base em estudos mais recentes(34).
considerar a administração concomitante de um segun- Novas perspectivas terapêuticas têm sido propostas
do fármaco, geralmente um fibrato ou niacina. É impor- para elevação do HDL-colesterol por interferência no
tante que os fármacos não sejam iniciados simultanea- metabolismo da HDL, mas esses fármacos ainda não
mente, mas ao lado de adequado monitoramento seja estão disponíveis no mercado(35).
adicionado o segundo fármaco e a dose de estatina seja
preferencialmente inicial, com cuidadosa titulação. Estratégia 4
A importância epidemiológica da aterosclerose e os
Estratégia 3 custos sociais e econômicos dos desfechos cardiovas-
– Atingir a meta de HDL-colesterol. culares motivaram um dos maiores avanços no conhe-
Evidências epidemiológicas, análise de subgrupos cimento da aterogênese, da história natural da ateros-
de pacientes com baixos níveis de HDL-colesterol em clerose e de possibilidades de intervenção nesse pro-
vários ensaios clínicos e estudos experimentais têm cesso. Hoje, os hipolipemiantes constituem os fárma-
sugerido grande importância para a HDL. Sendo as- cos mais estudados, em uma variedade de situações
sim, ao lado de uma meta adequada de LDL-colesterol clínicas da infância à senilidade, e esses estudos trou-
e de colesterol não-HDL, buscam-se valores adequa- xeram grande responsabilidade ao clínico.
dos de HDL-colesterol (> 40 mg/dl para a população Crescem as evidências de que mudanças discretas
geral e > 45 mg/dl para os diabéticos). Mudanças no nos lipídeos estão longe de propiciar o melhor benefí-
estilo de vida, exercícios, parar de fumar, perda de peso, cio com esses fármacos. De fato, os melhores resulta-
etc. são importantes, mas, em geral, a efetividade des- dos só são contemplados com adequada conscienti-
sas medidas é limitada e demanda vários meses. Paci- zação para os pacientes da importância da adoção de
entes com reduções isoladas de HDL-colesterol (sem um melhor estilo de vida e, quando necessário, de uma
hipertrigliceridemias ou uma causa secundária) apre- disciplinada rotina de exames e uso de medicamentos,
sentam maior desafio para se atingir as metas propos- para que a segurança e a efetividade do tratamento
tas. O principal fármaco hoje disponível é a niacina, caminhem juntas. Novos marcadores, como homocis-
que deve ter sua dosagem titulada com paciência (ge- teína, Lp(a), fibrinogênio, etc., apenas sugerem a ne-
ralmente a cada quatro semanas) para melhor tolera- cessidade de melhor controle lipídico pelo risco adicio-
bilidade, sendo os melhores resultados por vezes obti- nal de desfechos cardiovasculares e não para as me-
dos apenas após um ano de terapia. O uso de fibratos didas de controle específico desses marcadores de ris-
e algumas estatinas (sinvastatina e rosuvastatina) iso- co cardiovascular.

522 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
DYSLIPIDEMIA APPROACH IN PRIMARY AND
FONSECA FAH e cols. SECONDARY PREVENTION: WHAT’S NEW?
Abordagem das
dislipidemias na
prevenção primária
e secundária: FRANCISCO A. H. FONSECA, CARLOS M. C. MONTEIRO, SERGIO A. B. BRANDÃO
o que há de novo?

A better understanding of the natural history of atherosclerosis has revealed a


crucial importance of lipids. Therefore, more aggressive treatment has been proposed,
especially for secondary prevention patients or for those at high or very-high coronary
risk. Nowadays, lipid targets have been successfully achieved by the use of more
effective drugs either alone or combined. These drugs appear to be safe, however,
appropriate monitoring is recommended especially when high doses or combination
is required.

Key words: dyslipidemia, treatment, hypolipidemic agents.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:517-25)


RSCESP (72594)-1575

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prevenção primária
e secundária:
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prevenção primária
e secundária:
o que há de novo?

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 525
ESTRATÉGIA NA ABORDAGEM DAS DISLIPIDEMIAS
COELHO OR e col. NAS SÍNDROMES CORONARIANAS AGUDAS
Estratégia
na abordagem
das dislipidemias
nas síndromes OTÁVIO RIZZI COELHO, OTÁVIO RIZZI COELHO FILHO
coronarianas agudas

Departamento de Clínica Médica – Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP

Endereço para correspondência: Rua Benjamin Constant, 2050 –


CEP 13010-142 – Campinas – SP

As síndromes coronarianas agudas representam importante causa de mortalida-


de nos países desenvolvidos e no Brasil. Apesar dos últimos avanços no tratamento
das síndromes coronarianas agudas, uma parcela significativa dos pacientes apre-
senta evolução desfavorável nos primeiros meses após evento coronariano. Estu-
dos de prevenção secundária demonstraram que as estatinas, quando iniciadas três
a seis meses após síndromes coronarianas agudas, diminuíram o risco de morte e
angina recorrente. Estudos observacionais demonstraram benefício do uso precoce
de estatinas após síndrome coronariana aguda. Três estudos recentes prospectivos
controlados confirmaram os benefícios do uso precoce de estatinas após síndromes
coronarianas agudas, mostrando também que essa terapia é segura inclusive quan-
do são utilizados regimes intensivos da terapia redutora de colesterol.

Palavras-chave: síndromes coronarianas agudas, dislipidemia, estatinas, tratamento.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:526-34)


RSCESP (72594)-1576

INTRODUÇÃO Por exemplo, após a ocorrência de síndrome coronari-


ana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST,
As síndromes coronarianas agudas, definidas como o risco de morte ou infarto do miocárdio não-fatal che-
angina instável, infarto agudo do miocárdio sem supra- ga a 10%, e o risco de morte, infarto do miocárdio ou
desnivelamento do segmento ST e infarto agudo do isquemia recorrente atinge 20%(3-6). Apesar de reduzir
miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST, o risco de novos eventos coronarianos e de reduzir a
apresentam alta prevalência e grande importância clí- isquemia miocárdica, a estratégia de revascularização
nica na atualidade. Nos Estados Unidos, estima-se que miocárdica percutânea ou cirúrgica não altera o pro-
ocorra aproximadamente 1,5 milhão de admissões hos- cesso fisiopatológico da aterosclerose coronariana(5, 6).
pitalares por síndromes coronarianas agudas.(1) No Estudos de prevenção secundária têm demonstra-
Brasil, esse problema não é diferente e os dados for- do claramente benefícios clínicos do uso das estatinas
necidos pelo DATASUS demonstram que as síndromes (4S, CARE, LIPID)(7-11), um inibidor da 3-hidroxi-3-me-
coronarianas agudas são uma importante causa de tilglutaril coenzima A (HMG-CoA), em pacientes com
morbidade e mortalidade em nosso país.(2) Apesar dos doença arterial coronária estável. Um dado interessante
recentes avanços no tratamento das síndromes coro- desses estudos reside no fato de que o benefício da
narianas agudas, com novos medicamentos e novas redução do risco de morte e de evento coronariano não-
modalidades terapêuticas invasivas, o risco de even- fatal ocorreu apenas após período de 12-24 meses de
tos sucessivos e de isquemia recorrente ainda é alto. tratamento. Parte desse achado pode ser justificado

526 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
pelo número pequeno de coronariana, sendo essa alteração particularmente im-
eventos da população es- portante nos pacientes com síndrome coronariana agu-
tudada e pela dose mode- da(18). A hiperlipidemia reduz a atividade da óxido nítri-
COELHO OR e col. rada de estatina emprega- co sintetase e também estimula seu catabolismo. A
Estratégia da. correção da hiperlipidemia com estatinas pode parcial-
na abordagem Com os avanços no co- mente restaurar a função endotelial, promovendo o
das dislipidemias
nas síndromes
nhecimento da biologia aumento da expressão óxido nítrico sintetase endoteli-
coronarianas agudas molecular, passamos a al e do número de células endoteliais progenitoras(19).
compreender melhor a fi- A hiperlipidemia pode também promover um estado pró-
siopatologia das síndro- trombótico, caracterizado por aumento da ativação pla-
mes coronarianas agudas, quetária, diminuição da produção de óxido nítrico e
sendo aceitável atualmen- aumento da produção de fator tecidual, que também é
te uma tríade de fatores agindo em conjunto: disfunção restaurado com o tratamento com estatina(20-24).
endotelial, inflamação e ativação da coagulação(12). Al-
guns mecanismos tentam justificar os motivos pelos ESTUDOS OBSERVACIONAIS
quais a terapia precoce com estatinas poderia modifi-
car favoravelmente a fisiopatologia das síndromes co- Estudos observacionais, que utilizaram terapia pre-
ronarianas agudas e, com isso, melhorar o prognósti- coce com inibidores da HMG-CoA em paciente com
co após um evento coronariano. A aterosclerose é um síndrome coronariana aguda, sugerem que o tratamen-
processo inflamatório caracterizado por infiltração de to pode melhorar o prognóstico desse grupo de paci-
macrófagos e linfócitos T na parede das artérias. Os entes. Um dos primeiros desses estudos foi publicado
macrófagos ativados e outras células inflamatórias po- por Stenestrannd e Wallentin como parte do registro
dem secretar uma série de substâncias que podem ter “Swedish Register of Cardiac Intensive Care” (RISKS-
efeito pró-trombótico (mediado por fator tecidual) e HIA)(25), que envolveu cerca de 58 hospitais. Os auto-
degradar a capa fibrosa das placas de aterosclerose res analisaram cerca de 19.500 pacientes com menos
(mediado por metaloproteinase). Estudos clássicos de 80 anos, hospitalizados por infarto agudo do mio-
demonstraram haver importante relação entre lesão cárdio que receberam alta hospitalar. Apesar de o re-
coronária e infiltração de células inflamatórias(13); além gistro não indicar qual estatina foi usada, os dados do
disso, já foi demonstrado que os níveis de marcadores estudo demonstram que 14.071 pacientes sem estati-
inflamatórios, como níveis de proteína C-reativa e CD40 na apresentaram mortalidade em um ano de 9,3%,
ligante, estão usualmente elevados nas síndromes co- enquanto 5.528 pacientes em uso de estatina, desde a
ronarianas agudas e associados com pior prognósti- alta hospitalar, tiveram mortalidade em um ano de 4,0%.
co.(14) Quando foram feitas análises ajustadas com outras
Dados experimentais sugerem que a terapia com variáveis, o uso de estatina na alta do paciente foi as-
estatina pode ter efeito antiinflamatório “in vitro”. Li e sociado com redução de 25% do risco relativo para
Chen(15), utilizando a proteína C-reativa para estimular mortalidade em um ano (p = 0,001).
monócitos humanos a produzir interleucina 6 (IL-6), de- O segundo estudo observacional utilizou dados do
monstraram que a terapia com estatina reduz a produ- GUSTOIIb e do PURSUIT e comparou a mortalidade
ção de IL-6. Dados indiretos de outros estudos clínicos por todas as causas dos pacientes com síndrome co-
sugerem que as estatinas podem reduzir os níveis da ronariana aguda que receberam alta com e sem tera-
proteína C-reativa. Em uma subanálise do estudo pia com estatina(26). Dos 20.809 pacientes estudados,
CARE(16), que incluiu pacientes com infarto agudo do cerca de 18% utilizaram estatina, sendo observada já
miocárdio entre 3 e 20 meses da inclusão, foi demons- em 30 dias redução da mortalidade favorável ao grupo
trado que o uso da pravastatina por cinco anos reduziu tratado, que foi mantida até seis meses (1,7% contra
a proteína C-reativa em 17%. Mais recentemente, em 3,5%; p < 0,0001).
um estudo clínico com 40 pacientes hipercolesterolê- Em uma análise do estudo PRISM (“Platelet Recep-
micos ambulatoriais, o tratamento com simvastatina tor Inhibition in Ischemic Syndrome Management’)(27),
reduziu os níveis de proteína C-reativa após 14 dias cerca de 1.600 pacientes hospitalizados com síndro-
de tratamento. Macin e colaboradores(17) demonstraram, me coronariana aguda foram avaliados retrospectiva-
em um estudo com 90 pacientes com síndrome coro- mente, dos quais 465 já faziam uso de estatina no mo-
nariana aguda, que o tratamento precoce com atorvas- mento da hospitalização. Nesse estudo foram utiliza-
tatina 40 mg/dia reduz os níveis de proteína C-reativa, das as seguintes estatinas: simvastatina (50%), lovas-
comparando admissão com alta hospitalar(17). tatina (24%) e pravastatina (20%). O uso de estatina
A aterosclerose também está associada com piora esteve associado com redução da isquemia recorrente
da função endotelial e alteração da vasomotricidade (p < 0,01), redução da necessidade de revasculariza-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 527
ção (p = 0,042) e redução tudo (mortalidade com 90 dias, infarto agudo do mio-
do período de hospitaliza- cárdio, re-hospitalização, morte e angina recorrente)
ção (p = 0,02). Foram tam- como para o “endpoint” secundário (“endpoint” primá-
COELHO OR e col. bém estudados os benefí- rio, acidente vascular cerebral associado ou sozinho).
Estratégia cios do uso precoce, nas Estudos observacionais demonstrando dados ora
na abordagem primeiras 24 horas, de favoráveis ora desfavoráveis ao uso de estatinas na fase
das dislipidemias
nas síndromes
uma estatina após a im- aguda das síndromes coronarianas agudas indicavam
coronarianas agudas plantação de stent coroná- a necessidade de estudos prospectivos, randomizados
rio com sucesso em 705 (Tab. 1), com grande número de pacientes, que investi-
pacientes: 335 com angi- gassem o uso dos inibidores da HMG-CoA precoce
na estável, 224 com angi- após evento coronariano agudo.
na instável e 145 com in-
farto agudo do miocárdio não-Q. Pacientes que já fazi- ESTUDOS CLÍNICOS PROSPECTIVOS
am uso de terapia hipolipemiante foram excluídos e a
terapia com estatina foi iniciada apenas quando o LDL- O primeiro grande estudo randomizado, cego, pla-
colesterol excedia o percentil 75. Os autores desse cebo-controlado, que investigou a introdução precoce
estudo demonstraram que, nos pacientes com angina de uma estatina nas síndromes coronarianas agudas
instável, a terapia com estatina pós-angioplastia redu- foi “The myocardial ischemia reduction with acute cho-
ziu o risco de infarto agudo do miocárdio em seis me- lesterol lowering trial” (MIRACL)(29). Esse estudo ran-
ses (“endpoint” primário do estudo) para níveis seme- domizou 3.086 pacientes em 122 centros, portadores
lhantes aos do grupo de pacientes com angina estável. de angina instável ou infarto agudo do miocárdio não-
Entretanto, no grupo de pacientes com infarto agudo Q. Foram excluídos pacientes com colesterol total
do miocárdio não-Q não houve redução do risco. > 270 mg/dl (310 mg/dl em alguns países nórdicos e
Em contraste com os estudos já citados, Newby e África do Sul), infarto agudo do miocárdio com onda Q
colaboradores(28), utilizando dados do estudo SYM- nos últimos meses, programação para cirurgia de re-
PHONY e 2nd SYMPHONY, estudaram uma popula- vascularização em três meses e para intervenção co-
ção de 12.365 pacientes com síndrome coronariana ronária percutânea em seis meses, bloqueio de ramo
aguda, que não faziam uso de estatina antes da inclu- esquerdo, sinais de disfunção ventricular esquerda gra-
são no estudo. Os pacientes foram divididos em dois ve na apresentação, uso prévio de vitamina E, gravi-
grupos: um que fez uso de estatina precoce antes de dez, insuficiência renal, e uso concomitante de drogas
sete dias após o evento coronariano (n = 3.952) e ou- que alterassem função hepática. Os paciente foram ran-
tro que não fez uso de estatina (n = 8.413). Os autores domizados para receber atorvastatina 80 mg/dia ou pla-
não encontraram benefícios no grupo que fez uso de cebo, tendo a terapia redutora do colesterol sido inicia-
estatina precoce, tanto para “endpoint” primário do es- da em média 63 horas após a admissão hospitalar. Os

Tabela 1. Estudos prospectivos de estatina nas síndromes coronarianas agudas.

MIRACL FLORIDA A-TO-Z PROVE-IT

Número de pacientes 3.000 540 4.500 4.000


Diagnóstico AI, IAMSS IAM AI, IAMSS, SCA
IAMCS
Medicação/dose Atorvastatina Fluvastatina Simvastatina Pravastatina
80 mg 40 mg 2x dia 40-80 mg/dia 40 mg/dia e
atorvastatina
80 mg/dia
Placebo controlado? Sim Sim Sim Não
Seguimento 4 meses 1 ano 2 anos 2-3 anos
Início da terapia Em 4 dias Em 24 horas Em 2-5 dias Em 10 dias

AI = angina instável; IAMCS = infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST; IAMSS =
infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST; SCA = síndrome coronariana aguda;
IAM = infarto agudo do miocárdio.

528 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
desfechos combinados hospitalizações decorrentes de infarto agudo do mio-
primários para esse estu- cárdio sintomático (6,2% vs. 8,4%; IC 95%; p = 0,02).
do foram: morte, infarto Os pacientes que receberam atorvastatina 80 mg apre-
COELHO OR e col. agudo do miocárdio não- sentaram redução do LDL-colesterol de aproximada-
Estratégia fatal, parada cardíaca res- mente 40% (127 mg/dl para 72 mg/dl). Outro dado in-
na abordagem suscitada ou sinais de is- teressante foi que o grupo tratado com atorvastatina
das dislipidemias
nas síndromes
quemia miocárdica recor- apresentou risco reduzido de desenvolver acidente
coronarianas agudas rentes necessitando de re- vascular não-fatal (risco relativo = 0,41; IC 95%; p =
hospitalização. Os desfe- 0,02). Vale salientar que, comparativamente ao grupo
chos combinados secun- placebo, o uso do redutor do colesterol não reduziu
dários foram: os desfechos isoladamente o risco de morte, infarto agudo do mio-
primários, acidente vascu- cárdio não-fatal, e parada cardíaca ressuscitada. Tam-
lar cerebral não-fatal, aparecimento de insuficiência bém não foram observadas diferenças nos dois grupos
cardíaca ou piora da classe funcional, angina necessi- de pacientes quanto a incidência de revascularização,
tando de hospitalização, revascularização miocárdica piora da insuficiência cardíaca ou piora da angina.
cirúrgica ou por intervenção percutânea. No total, 1.538 Quanto ao aparecimento de efeitos adversos, apesar
pacientes receberam atorvastatina 80 mg e 1.548, pla- de o grupo tratado não ter apresentado aumento signi-
cebo. As características demográficas e os níveis de ficativo, foi observado aumento maior que três vezes
colesterol dos dois grupos eram semelhantes. O grupo das enzimas hepáticas no grupo da estatina (2,5% vs.
tratado com atorvastatina apresentou redução de risco 0,6%; p < 0,001). Mesmo com o resultado do estudo
relativo de 16% para os desfechos primários combina- MIRACL sendo favorável, cumpre ressaltar que o be-
dos (14,8% vs. 17,4%; IC 95%, 0,70-1,00; p = 0,048) nefício ocorreu apenas nos desfechos primários com-
(Fig. 1). O benefício concentrou-se na redução de re- binados e que o intervalo de confiança dessa análise

Figura 1. Tratamento intenso com estatina reduz os desfechos primários combinados de infarto agudo do mio-
cárdio não-fatal, morte, parada cardíaca ressuscitada e piora da angina com evidência objetiva de re-hospitaliza-
ção após síndrome coronariana aguda.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 529
foi muito grande, sugerin- 0,005; IC 95%) (Fig. 2) para desfechos primários com-
do necessidade de caute- binados de morte por qualquer causa, infarto agudo do
la nas conclusões do es- miocárdio, acidente vascular cerebral, angina instável
COELHO OR e col. tudo. Além disso, o desfe- e revascularização. Esse benefício já esteve presente
Estratégia cho que teve redução mais 30 dias após a randomização e manteve-se no decor-
na abordagem importante foi o de re-hos- rer do estudo(34). Em relação à redução do LDL-coles-
das dislipidemias
nas síndromes
pitalização por infarto agu- terol, o grupo atorvastatina reduziu em média 42% (106
coronarianas agudas do do miocárdio sintomá- mg/dl para 62 mg/dl) e o grupo pravastatina, 10% (106
tico. mg/dl para 95 mg/dl). Apesar de o grupo tratado com
Outro ensaio clínico atorvastatina ter apresentado maior aumento de enzi-
randomizado placebo- mas hepáticas (3,3% vs. 1,1%; p < 0,001), não ocorre-
controlado foi o estudo ram diferenças na descontinuidade do estudo por efei-
“Fluvastatin on Risk of Diminishment After Acute Myo- tos colaterais entre os grupos(35). Os autores concluí-
cardial Infarction” (FLORIDA)(30, 31), publicado em 2002, ram que o tratamento intenso com atorvastatina não
que avaliou o uso da fluvastatina 40 mg duas vezes ao apenas reduziu mais intensamente o LDL-colesterol e
dia, 24 horas após o início dos sintomas de infarto agu- os níveis de proteína C-reativa como também reduziu
do do miocárdio. Todos os pacientes tiveram seguimento a mortalidade e a morbidade. Os autores também afir-
de um ano. Os desfechos primários foram: evidência mam que esse benefício é precoce e que a terapia
de isquemia residual no eletrocardiograma ambulatori- agressiva do colesterol foi bem tolerada sem aumentar
al de 48 horas e eventos clínicos (morte e infarto agu- significativamente os eventos adversos.
do do miocárdio). Diferentemente dos achados do es- O estudo “A-to-Z”(36) foi um estudo de duas fases. A
tudo MIRACL, os autores não encontraram nenhuma primeira investigou o uso de heparina de baixo peso
alteração significativa na isquemia reconhecida pelo ele- molecular “versus” heparina não-fracionada em paci-
trocardiograma de 48 horas e nos eventos clínicos en- entes com síndrome coronariana aguda que recebe-
tre os dois grupos. Em relação à presença de isque- ram ácido acetilsalicílico e tirofibam. A segunda fase
mia, no eletrocardiograma foi demonstrada apenas ten- do estudo (fase Z) comparou o uso precoce de estati-
dência de redução no grupo tratado com fluvastatina na com dose baixa de estatina iniciada três a seis me-
(50% vs. 61%; p = NS). Para explicar os achados neu- ses após infarto agudo do miocárdio com e sem supra-
tros desse estudo, os autores sugerem que, como cer- desnível do segmento ST. Os pacientes foram rando-
ca de 90% dos pacientes tinham recebido ácido acetil- mizados para simvastatina 40 mg/dia por 30 dias se-
salicílico e betabloqueador, a mortalidade geral do es- guido de simvastatina 80 mg/dia contra placebo por
tudo (apenas 2% a 4%) acabou sendo menor que a quatro meses seguido de simvastatina 20 mg/dia. Cer-
esperada no desenho inicial do protocolo. ca de 4.500 pacientes foram randomizados em 322
O estudo “Pravastatin or Atorvastatin Evaluation and centros em 41 países. O grupo de pacientes tratados
Infection Therapy” (PROVE-IT)(32, 33) foi um ensaio mul- com simvastatina 80 mg/dia apresentou redução mais
ticêntrico, randomizado, duplo-cego, droga contra dro- intensa do LDL-colesterol, que se manteve mesmo após
ga, que incluiu 4.162 pacientes com síndrome corona- quatro meses da randomização. Apesar de existir uma
riana aguda para receber atorvastatina 80 mg/dia (n = tendência favorável à terapia intensiva com simvastati-
2.099) ou pravastatina 40 mg/dia (n = 2.063). O objeti- na 80 mg, o estudo “A-to-Z” não demonstrou redução
vo do estudo era verificar se o benefício da redução do significativa dos desfechos primários (infarto agudo do
LDL-colesterol para níveis de 100 mg/dl com pravasta- miocárdio, readmissão por síndrome coronariana agu-
tina seria semelhante à redução com atorvastatina para da, acidente vascular cerebral isquêmico) e secundári-
níveis próximos a 70 mg/dl. O estudo incluiu pacientes os (desfechos primários, revascularização, insuficiên-
até dez dias da hospitalização, realizando seguimento cia cardíaca, re-hospitalização por causa cardiovascu-
médio de dois anos. O desfecho primário do estudo foi: lar).
morte de qualquer causa, infarto agudo do miocárdio, Um dado interessante desse estudo diz respeito aos
angina instável necessitando hospitalização, revascu- níveis de proteína C-reativa. Os autores demonstraram
larização em 30 dias (cirúrgica ou percutânea) e aci- que, no primeiro mês de tratamento, os níveis de pro-
dente vascular cerebral. Os desfechos secundários fo- teína C-reativa não apresentaram diferença entre os
ram: os desfechos primários e comparação dos níveis grupos, e apenas com quatro meses após a randomi-
de proteína C-reativa. As características demográficas zação ocorreu redução significativa a favor do grupo
dos dois grupos eram semelhantes, e o LDL-colesterol que usou simvastatina 80 mg/dia (p < 0,001). Recente-
médio nos dois grupos foi de 106 mg/dl. Os pacientes mente, Nissen(37), em um editorial, sugeriu que a dife-
randomizados para tratamento intensivo com atorvas- rença dos níveis de proteína C-reativa entre os grupos
tatina apresentaram redução de risco de 16% (p = do estudo “A-to-Z” poderia ser a explicação para os

530 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
resultados neutros do es- nas modesta na evolução desses pacientes(29, 33), es-
tudo. Tanto no MIRACL ses estudos demonstraram que essa terapia é segura
como no PROVE-IT os ní- e que talvez seu benefício seja mais intenso nos paci-
COELHO OR e col. veis de proteína C-reativa entes de alto risco. Conforme já foi discutido, a infla-
Estratégia entre os grupos no final do mação tem papel muito importante na fisiopatologia dos
na abordagem estudo apresentavam dife- eventos coronarianos agudos e alguns achados recen-
das dislipidemias
nas síndromes
renças maiores que no “A- tes sugerem que a terapia com estatinas reduz marca-
coronarianas agudas to-Z” (MIRACL, 34%; dores de inflamação de maneira independente do LDL-
PROVE-IT, 38%; e “A-to- colesterol(12). Entretanto, ainda faltam comprovações,
Z”, 16,7%). Essa observa- com estudos dirigidos, para avaliar se realmente existe

Figura 2. A terapia intensiva com atorvastatina 80 mg/dia após síndrome coronariana aguda reduz significativa-
mente o risco de óbitos e eventos cardiovasculares.

ção sugere que o efeito precoce das estatinas nas sín- relação clara entre redução de marcadores de inflama-
dromes coronarianas agudas estaria mais relacionado ção na fase aguda e melhora do prognóstico.
com o efeito antiinflamatório e que o benefício tardio A atual diretriz da Sociedade Brasileira de Cardio-
estaria mais relacionado com a redução do LDL-coles- logia para o tratamento das dislipidemias orienta a in-
terol. trodução de terapia redutora do colesterol, caso o LDL-
colesterol dosado nas primeiras 24 horas do evento
CONCLUSÃO coronariano seja > 130 mg/dl, ficando a critério do
médico assistente a introdução quando o LDL varia de
Apesar de os estudos clínicos prospectivos rando- 100 mg/dl a 130 mg/dl, sugerindo também que quando
mizados com estatina na fase aguda das síndromes a terapia é introduzida antes da alta hospitalar a ade-
coronarianas agudas terem demonstrado melhora ape- rência ao tratamento é maior(38).

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 531
STRATEGY APPROACH OF DYSLIPIDAEMIA IN ACUTE
COELHO OR e col. CORONARY SYNDROMES
Estratégia
na abordagem
das dislipidemias
nas síndromes OTÁVIO RIZZI COELHO, OTÁVIO RIZZI COELHO FILHO
coronarianas agudas

Acute coronary syndromes represent an important cause of death in developed


countries and also in Brazil. Although the last advances in the treatment of acute
coronary syndromes, many patients present adverse events after acute coronary
syndromes. Secondary prevention trials have shown that the initiation of statin the-
rapy within 3-6 months after acute coronary syndromes decreases the risk of death
and recurrent angina. Observational studies have demonstrated benefits of early
statin therapy after acute coronary syndromes. Three recent prospective controlled
trials confirmed the benefit and safety of the use of statin early after acute coronary
syndromes.

Key words: acute coronary syndromes, dyslipidaemia, statins, treatment.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:526-34)


RSCESP (72594)-1576

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534 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
DISLIPIDEMIAS EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES
GIULIANO ICB e col.
Dislipidemias em ISABELA C. B. GIULIANO, BRUNO CARAMELLI
crianças e adolescentes

Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 –


CEP 05403-900 – São Paulo – SP

A prevalência da dislipidemia, em associação ou não à obesidade infantil, tem


apresentado aumento nos últimos anos, atingindo valores que variam entre 2% e
40% e sendo mais freqüente com o aumento da idade e entre as meninas. Há fortes
evidências funcionais e anatômicas da presença de aterosclerose já na infância,
sendo a dislipidemia o fator de risco de maior impacto em sua gênese. Além disso,
determinadas doenças e medicamentos modificam o metabolismo lipídico nessa
população em direção a um perfil mais aterogênico. Critérios e valores de referência
já foram propostos para caracterização dessas alterações metabólicas. O tratamen-
to baseia-se inicialmente em dieta, atividade física e controle do peso, e, quando
indicado, pode-se utilizar medicamentos como estatinas, resinas, ezetimiba e nutra-
cêuticos.

Palavras-chave: lípides, crianças, adolescentes, fatores de risco, aterosclerose.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:535-43)


RSCESP (72594)-1577

EPIDEMIOLOGIA DAS DISLIPIDEMIAS terolemia nas crianças. No mundo, há descrições de


NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA prevalência de dislipidemia em crianças que variam
entre 2,9% e 33%, quando considerados níveis de co-
Evidências demonstram uma tendência secular de lesterol total maiores que 200 mg/dl(3).
piora do perfil lipídico em crianças e adolescentes e o No Brasil, as prevalências descritas de colesterol
aumento em níveis epidêmicos da obesidade infantil total sérico mais elevado do que 170 mg/dl variam de
parece ser o fenômeno de maior impacto nessa as- 28% a 40%(4-6), valor considerado como não-desejável
censão(1). Apesar disso, alguns estudos têm demons- pela III Diretriz Brasileira de Prevenção da Ateroscle-
trado aumento dos níveis de colesterol total e de co- rose(7). Os níveis de lípides variam de 158 a 167, de 79
lesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-co- a 93, de 92 a 96 e de 49 a 53 para colesterol total,
lesterol) e diminuição do colesterol de lipoproteína de triglicerídeos, LDL-colesterol e HDL-colesterol, respec-
alta densidade (HDL-colesterol), mesmo após o ajuste tivamente(5, 6).
para o índice de massa corporal em populações infantis, A dislipidemia na infância obedece ao fenômeno de
demonstrando também a ascensão independente da pre- trilha, havendo um coeficiente de correlação entre o
valência da dislipidemia nessa faixa etária. Esse fenôme- colesterol total na infância e na fase adulta de 0,35 a
no parece ser fruto das profundas mudanças dietéticas e 0,55. A probabilidade de uma criança manter-se no
comportamentais das crianças na atualidade(2). quartil superior dos níveis de colesterol total quando
Considerando o fato de que não há consenso nos adulto é de cerca de 80%(8).
pontos de corte para dislipidemia na infância nem um Com relação às características demográficas, os es-
estudo populacional representativo sobre o assunto, tudos têm demonstrado variações dos níveis dos lípi-
não há como determinar a prevalência de hipercoles- des segundo a idade, com pico máximo em torno dos

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 535
9 anos. Descrevem-se ní- do em famílias com história de aterosclerose(12). Além
veis mais elevados de lípi- disso, descreve-se uma relação direta entre os níveis
des em meninas, principal- de colesterol total nas crianças e a incidência de even-
GIULIANO ICB e col. mente após a maturação tos maiores – infarto agudo do miocárdio e acidente
Dislipidemias em sexual, do colesterol total, vascular encefálico – nos adultos dessa mesma popu-
crianças e adolescentes do HDL-colesterol e do lação. Esses achados também foram encontrados em
LDL-colesterol, sendo a estudos brasileiros e relacionados aos dados do DA-
menarca o período no qual TASUS (Tab. 1; Fig. 1).
ocorre maior ascensão. No
sexo masculino, há uma DISLIPIDEMIA E A ASSOCIAÇÃO COM
diminuição progressiva de OUTRAS DOENÇAS
colesterol total, LDL-coles-
terol e HDL-colesterol nessa fase(9). Nos meninos, a A obesidade infantil é um dos fatores de risco para
redução do HDL-colesterol parece guardar associação aterosclerose que se associa de maneira mais estreita
negativa com os níveis de testosterona; o estradiol, por com dislipidemia. Na maioria dos casos ocorrem níveis
sua vez, apresenta associação negativa com o coles- elevados de colesterol total, triglicerídeos, LDL-coles-
terol de lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL- terol – sendo mais prevalentes as subclasses de me-
colesterol), o LDL-colesterol, o colesterol total e os tri- nor tamanho, portanto mais aterogênicas – e níveis
glicerídeos. Já nas meninas encontrou-se associação baixos de HDL-colesterol. Quanto mais grave a obesi-
positiva do estradiol com o HDL-colesterol e negativa dade e maior o número de outros fatores de risco, mais
com o VLDL-colesterol. Este, por sua vez, apresenta freqüentemente esse perfil é encontrado, em especial
associação negativa com o índice estradiol/testostero- os distúrbios do metabolismo dos carboidratos, carac-
na livre(9).Por outro lado, não há consenso sobre a as- terizando a síndrome metabólica(14).
sociação entre níveis de lípides e cor da pele. Nas crianças com diabetes melito, não se encon-
tram alterações significativas em relação a colesterol
LÍPIDES E A ATEROGÊNESE NA INFÂNCIA total e lipoproteínas como LDL-colesterol, HDL-coles-
terol e triglicerídeos. Contudo, descrevem-se elevações
A aterosclerose inicia-se na infância, podendo ser dos níveis de LpA-I e de HDL-colesterol glicosilado e
encontradas estrias gordurosas em fetos de mães com diminuição da relação LpA-I:LpA-II, o que confere a
dislipidemia, e altas prevalências de placas ateromato- essas crianças um perfil metabólico mais aterogênico
sas na segunda década. A gravidade, a extensão e a que o das crianças não-diabéticas(15).
prevalência de tais lesões parecem estar associadas à Entre as principais doenças que cursam com disli-
presença dos fatores de risco classicamente descritos pidemia na infância, destacam-se(16, 17): obesidade, hi-
em adultos. Um dos fatores com maior grau de associ- potireoidismo, hipopituitarismo, diabetes melito, síndro-
ação com a prevalência de tais lesões é a dislipidemia, me nefrótica, insuficiência renal crônica, atresia biliar
especialmente níveis elevados de colesterol total e LDL- congênita, doenças de armazenamento, lúpus eritema-
colesterol e baixos de HDL-colesterol(10). toso sistêmico, colestases crônicas, transplantes de ór-
Além dos achados de necropsias, têm sido descri- gãos sólidos, síndrome de Prader Willi, síndrome dos
tas associação positiva entre espessamento médio-in- ovários policísticos, síndrome da imunodeficiência ad-
timal, alterações da distensibilidade e tonometria de quirida (SIDA) e deficiência de hormônio do crescimento
artérias em crianças com dislipidemia, além de evidên- como seqüela de câncer na infância.
cias de ativação plaquetária (como elevações séricas As drogas que mais comumente alteram o perfil li-
de ICAM e VCAM), assim como elevações de proteína pídico estão apresentadas na Tabela 2.
C-reativa de alta sensibilidade. Essas alterações pare-
cem ser potencializadas quando há a associação com DISLIPIDEMIAS GENÉTICAS NA INFÂNCIA
a obesidade, pela interação com a elevação da leptina
e a diminuição dos níveis da adiponectina. Todos es- A partir da segunda década de vida, a hipercoleste-
ses achados sugerem uma tendência à aceleração da rolemia familiar e a hipoalfalipoproteinemia podem apre-
progressão da aterosclerose, já nessa faixa etária, tanto sentar manifestações precoces da aterosclerose. Nas
mais grave quanto mais altos os níveis das lipoproteí- hipertrigliceridemias, a complicação mais freqüente é
nas mais aterogênicas e maior a associação desta com a exacerbação de quadros de pancreatite. Achados re-
outros fatores de risco(11). centes têm descrito novos polimorfismos dos genes res-
A dislipidemia pode se iniciar na infância e manter ponsáveis pelo metabolismo dos lípides, como os das apo-
essa característica durante o crescimento e o desen- lipoproteínas, o que abre novas possibilidades terapêuti-
volvimento, fenômeno mais freqüentemente observa- cas em médio prazo, a partir de terapia gênica(18).

536 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
Deve-se suspeitar de nhecidas de distúrbios do metabolismo dos lípides, têm-
hipercolesterolemia fami- se encontrado fenótipos característicos também entre
liar quando a criança as subclasses de lipoproteínas. A subclasse pequena
GIULIANO ICB e col. apresentar colesterol to- e densa do LDL-colesterol (SDLDL-colesterol), por
Dislipidemias em tal > 270 mg/dl ou LDL- exemplo, com maior poder de aterogênese, parece ser
crianças e adolescentes colesterol > 200 mg/dl, mais prevalente nas crianças com os fenótipos IIb (em
com parentes de primei- 83%) e IV (em 55%) de Fredrickson, sugerindo uma
ro grau com colesterol mediação genética em tal associação(20).
total > 220 mg/dl ou LDL- Métodos diagnósticos adicionais para o acompanha-
colesterol > 155 mg/dl (19). mento de formas graves de dislipidemias têm sido su-
Além das formas já co- geridos, como a ultra-sonografia abdominal, a ecocar-

Tabela 1. Mortalidade por complicações da aterosclerose nos adultos e colesterol total de sua população infantil,
Brasil, 2000.

Mortalidade (por Colesterol total


Cidade 100 mil habitantes) (mg/dl)

Bento Gonçalves 227 167(4)


Florianópolis 224 162(5)
Campinas 223 160(6)
Belo Horizonte 222 158(13)

Fonte: DATASUS-MS. Dados de 2000, referentes à mortalidade por 100 mil habitantes por doenças isquêmicas
do coração, aterosclerose e doenças cerebrovasculares.

Tabela 2. Drogas que mais comumente alteram o perfil lipídico.

Classe Drogas

Anti-hipertensivos Tiazidas, clortalidona, espironolactona, betabloqueadores


Imunossupressores Ciclosporina, prednisolona, prednisona
Esteróides sexuais Estrógenos, progestágenos, contraceptivos orais
Anticonvulsivantes Ácido valpróico
Outros inibidores Ácido acetilsalicílico, ácido ascórbico, amiodarona, alopurinol,
de protease

Figura 1. Mortalidade por


complicações da aterosclero-
se nos adultos e colesterol
total (CT) de sua população
infantil, Brasil, 2000.
Fonte: DATASUS-MS. Dados
de 2000, referentes à morta-
lidade por 100 mil habitantes
por doenças isquêmicas do
coração, aterosclerose e do-
enças cerebrovasculares.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 537
diografia e a ultra-sonogra- Nutrição
fia de artérias carótidas, Além do aumento da diversidade e da densidade
pelo risco de manifesta- calórica dos alimentos infantis relacionados ao aumento
GIULIANO ICB e col. ções precoces da ateros- da obesidade em todo o mundo(25), as altas prevalênci-
Dislipidemias em clerose, já na segunda as de dislipidemia infantil no Brasil podem ser explica-
crianças e adolescentes década(21). das por mudanças observadas nos hábitos de nossas
crianças, que se tornaram cada vez mais sedentárias
DIAGNÓSTICO DE e modificaram sua dieta. Houve o aumento da ingestão
DISLIPIDEMIA de gorduras e colesterol nas regiões norte, nordeste e
sudeste, aumento da ingestão de gorduras saturadas
Segundo a I Diretriz Bra- nas regiões metropolitanas e diminuição da ingestão
sileira para a Prevenção da de alimentos ricos em fibras(26).
Aterosclerose na Infância(22), nas crianças de 2 a 10 anos O leite materno é rico em gorduras saturadas. O
de idade deve-se solicitar perfil lipídico quando houver: bebê amamentado exclusivamente ao seio tem nível
1) pais ou avós com história de aterosclerose precoce, médio de colesterol total de cerca de 180 mg/dl e o
ou seja, antes dos 55 anos para o sexo masculino e an- amamentado com leite de fórmula tem cerca de 150
tes dos 65 anos para o sexo feminino; mg/dl. Apesar disso, evidências demonstram que as
2) parentes de primeiro grau com valores de colesterol crianças amamentadas ao seio apresentam perfil lipí-
total > 240 mg/dl e de triglicerídeos > 400 mg/dl; dico mais favorável quando atingem a adolescência,
3) outros fatores de risco, como obesidade, sedentaris- sugerindo que níveis elevados de colesterol na lactân-
mo, tabagismo, hipertensão arterial, diabetes melito, ní- cia podem induzir regulação endógena do metabolis-
veis de HDL-colesterol < 35 mg/dl; mo dos lípides ao longo da vida(27).
4) história positiva de pancreatite aguda, xantomas erup- Estudos têm demonstrado que, em crianças com
tivos, arco corneano palpebral, e xantomas em tornoze- alimentação qualitativamente adequada e sem grande
los, face dorsal das mãos e joelhos; número de infecções, a restrição moderada de gordu-
5) história familiar desconhecida. ras pode determinar a diminuição dos níveis de coles-
Aos 10 anos de idade, toda criança deve ter determi- terol sérico, sem prejuízo para seu crescimento e de-
nado seu colesterol total em jejum, realizando perfil lipídi- senvolvimento. Apesar disso, a recomendação se apli-
co caso seu nível esteja acima do desejável. Caso haja ca a crianças com mais de 2 anos de idade, pois a
indicação da determinação do perfil lipídico, deve-se rea- ingestão de gorduras nos dois primeiros anos de vida
lizar o exame mediante todos os cuidados já descritos na interfere na mielinização do sistema nervoso central(23).
população adulta, considerando os valores de referência Além da gordura saturada, o controle da ingestão
descritos na Tabela 3. Idealmente, deve-se repetir o perfil de colesterol e de gordura trans também parece influ-
lipídico e calcular a média entre os valores. A conduta enciar os níveis dos lípides séricos nas crianças. A res-
dependerá do resultado da média de LDL-colesterol. posta ou não à ingestão de colesterol pode variar tam-
bém na infância, sendo descrita a classificação das cri-
anças em hipo ou hiperabsortivas(28).
CONDUTAS NA DISLIPIDEMIA NA INFÂNCIA A quantidade diária de gordura total na dieta das
E NA ADOLESCÊNCIA crianças deve estar entre 25% a 35% do total calórico
consumido no dia, sendo de até 10% do tipo saturada,
A conduta na dislipidemia na infância dependerá da de até 10% do tipo poliinsaturada e de até 20%, mono-
média do LDL-colesterol de duas amostras indepen- insaturada. O consumo dos ácidos graxos trans deve
dentes(23), conforme apresentado na Tabela 4. ser inferior a 1% do total energético. Com relação ao

Tabela 3. Valores de referência para lípides em crianças e adolescentes(22).

Desejáveis Limítrofes Aumentados


Lípides (mg/dl) (mg/dl) (mg/dl)

Colesterol total < 150 150-169 > 170


LDL-colesterol < 100 100-129 > 130
HDL-colesterol > 45
Triglicerídeos < 100 100-129 > 130

538 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
Tabela 4. Conduta na dislipidemia, segundo níveis de LDL-colesterol(24).

LDL-colesterol (mg/dl) Conduta


GIULIANO ICB e col.
Dislipidemias em < 110 Dosar novamente em cinco anos;
crianças e adolescentes controle de hábitos de vida;
controle do índice de massa corporal.
110-129 Controle de hábitos de vida;
dieta tipo I;
reavaliar em um ano;
controle do índice de massa corporal.
> 130 Descartar causas para dislipidemia;
dieta tipo I;
dieta tipo II;
controle do índice de massa corporal;
meta:
- ideal: < 100 mg/dl;
- mínimo: < 130 mg/dl.

colesterol, a ingestão alimentar não deve ultrapassar ria, sendo esta, como já descrito, uma das maiores
300 mg por dia(29). causas do aumento da prevalência de dislipidemia na
Para o cálculo da quantidade de fibras na infância, infância em todo o mundo(32).
deve ser utilizada a fórmula: fibras (g) = idade (em gra- Estudos recentes têm demonstrado que a atividade
mas) + 5. física parece ter efeito independente na melhora da fun-
A ingestão de fibras – especialmente as solúveis – ção endotelial e dos níveis de proteína C-reativa de
tem ação sinérgica com a restrição de gorduras na di- alta sensibilidade, mesmo em crianças com dislipide-
minuição do colesterol total sérico de crianças. Estu- mias, associado ou não à obesidade(33).
dos que compararam dieta hipogordurosa, com e sem Atualmente, recomenda-se a dose de uma hora por
a suplementação de fibras, encontrou melhora do per- dia de atividade física moderada a intensa na infância.
fil lipídico de forma mais significativa no primeiro gru- Associada à prática desportiva, recomenda-se também
po(30). a redução para no máximo duas horas/dia de ativida-
Estudos recentes têm demonstrado associação ne- des sedentárias (televisão, jogos eletrônicos ou com-
gativa entre o nível glicêmico dos alimentos ingeridos putador)(23).
e níveis de HDL-colesterol na infância. Todavia, não há
estudos determinando se a redução do nível glicêmico Tratamento farmacológico nas dislipidemias
dos alimentos (opção mais freqüente por alimentos in- na infância
tegrais, diminuição da ingestão de açúcares simples) Os valores de referência do LDL-colesterol para a
possa determinar aumento de seus níveis em crianças intervenção com hipolipemiantes dependem dos fato-
com níveis baixos de HDL-colesterol(31). res de risco presentes, da história familiar e da magni-
tude da elevação do LDL-colesterol(34) (Tab. 5).
Atividade física Seqüestrantes de ácidos biliares (resinas)
Apesar de muitos estudos demonstrarem que não A colestiramina e o colestipol (este não disponível
há uma diminuição significativa dos níveis de coleste- no Brasil) são resinas aprovadas para uso em crian-
rol total e de LDL-colesterol com a prática desportiva, ças. As reduções do LDL-colesterol são relativamente
ela deve ser indicada como prevenção e tratamento modestas. As resinas podem aumentar os níveis de
coadjuvante das dislipidemias na infância. Em primeiro triglicerídeos (maior síntese de VLDL-colesterol) e di-
lugar, por contribuir com o aumento do HDL-colesterol, minuir a absorção de vitaminas lipossolúveis e de áci-
da relação HDL/colesterol total e das subclasses me- do fólico.
nos aterogênicas do HDL-colesterol e do LDL-coleste- A associação com a ezetimiba demonstrou benefí-
rol. Mas talvez o maior impacto seja no controle da cios adicionais na redução do colesterol total e do LDL-
obesidade infantil, pois estudos populacionais demons- colesterol. A dose usual para a colestiramina na infân-
tram que o sedentarismo infantil pode ser a maior cau- cia é de 4 g/dia a 10 g/dia, podendo chegar a 16 g/dia
sa da epidemia mundial de obesidade nessa faixa etá- nos casos mais graves(35).

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 539
Tabela 5. Critérios para tratamento hipolipemiante em crianças com idade > 10
anos, segundo o LDL-colesterol.

GIULIANO ICB e col. LDL-colesterol (mg/dl) Quadro clínico


Dislipidemias em
crianças e adolescentes > 190 Dislipidemia de base genética
> 160 História familiar de doença arterial
coronariana prematura ou dois ou mais fatores
de risco (HDL-colesterol < 35 mg/dl, fumo,
hipertensão arterial, obesidade, diabetes)

Obs.: Em crianças menores, a utilização de fármacos deve ficar reservada a casos


especiais, considerando os níveis de lípides séricos e a associação de outros fato-
res de risco.

Estatinas plicação. Nessa situação, além do controle dos demais


A experiência com esses hipolipemiantes na infân- fatores de risco, está indicado o uso da pravastatina.
cia ainda é limitada pela falta de estudos em longo pra- Ezetimiba
zo. Os estudos têm determinado segurança no uso em É empregado na dose de 10 mg/dia e não apresen-
crianças com mais de 10 anos de idade. E em meni- ta os sintomas de desconforto gastrointestinal obser-
nas, após um ano da menarca. Entretanto, as adoles- vados com as resinas. É usado preferencialmente em
centes em idade fértil não devem fazer uso das estati- associação com estatinas. Seu uso em crianças com
nas sem adequada contracepção, pois seu uso pode mais de 10 anos de idade já foi aprovado, nos Estados
estar associado com malformações, especialmente do Unidos, para hipercolesterolemia grave(38).
sistema nervoso central(36). A efetividade da atorvastatina e da sinvastatina em
As doses empregadas são variadas em função do associação com a ezetimiba foi testada em portadores
nível de LDL-colesterol basal e para as formas mais de hipercolesterolemia familiar homozigótica e na sis-
graves de hipercolesterolemia familiar tem sido sugeri- tosterolemia. Mesmo naquele grupo de pacientes, a
da a associação de estatinas com resina ou, mais re- adição da ezetimiba a doses altas das estatinas pro-
centemente, com ezetimiba. A dose usual é de 10 mg/ moveu importante redução do LDL-colesterol, pelo
dia a 40 mg/dia, podendo chegar a 80 mg/dia nas dis- menos 20% maior que a obtida apenas com as estati-
lipidemias graves, preferencialmente associado a eze- nas em doses mais elevadas, sendo a associação bem
timiba(37). tolerada.
As estatinas podem induzir aumento discreto e tran- Nutracêuticos e suplementos alimentares
sitório das enzimas hepáticas e miosite, sendo reco- O uso de ácidos graxos ômega-3 pode contribuir
mendada a monitoração tanto das enzimas hepáticas para redução discreta na trigliceridemia. Os estanóis e
como da creatinofosfoquinase. As crianças em utiliza- fitosteróis são contra-indicados na presença de sitos-
ção de anti-retrovirais (especialmente os inibidores da terolemia(39). A dose usual de ácidos graxos ômega-3 é
protease) são especialmente suscetíveis a essa com- de 2 g/dia a 4 g/dia(40).

540 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
DYSLIPIDEMIA IN CHILDREN AND ADOLESCENTS
GIULIANO ICB e col.
Dislipidemias em ISABELA C. B. GIULIANO, BRUNO CARAMELLI
crianças e adolescentes

The prevalence of dyslipidemia in childhood has increased, ranging between 2%


to 40%. It increases with age and is more frequent in girls. There are compelling
evidences that atherosclerotic disease begins in childhood, and that dyslipidemia is
the most important risk factor related to the genesis and progression of the illness.
Moreover, some drugs and diseases could increase lipid levels in this population,
leading to a more aterogenic profile. Both criteria and reference values for the defini-
tion of the metabolic modifications in children and adolescents were proposed. The
treatment is based on diet, physical activity and weight control, and there are drugs
that could be safety used at this age, when indicated.

Key words: lipids, children, adolescents, risk factors, atherosclerosis.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:535-43)


RSCESP (72594)-1577

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 543
DISLIPIDEMIAS EM OCTOGENÁRIOS
LIBERMAN A e cols.
Dislipidemias em ALBERTO LIBERMAN, CLÁUDIA FELÍCIA GRAVINA TADDEI, STELA MARIS GRESPAN
octogenários

Faculdade de Medicina da PUC – Campinas


Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

Endereço para correspondência: Av. Andrade Neves, 699 – 3º andar –


CEP 13013-161 – Campinas – SP

A abordagem do tratamento das dislipidemias nos pacientes com mais de 80


anos de idade deve ser cuidadosa e implica a análise de múltiplos dados, a saber:
condições de saúde tanto funcional como cognitiva, fatores de risco associados, co-
morbidades, presença de doença subclínica, e interação medicamentosa decorren-
te de polifarmácia. Enquanto o risco relativo de doença cardiovascular associada a
dislipidemia diminui no idoso, o risco absoluto de morbidade e de mortalidade, ao
contrário, aumenta com o envelhecimento. A razão colesterol total/HDL-colesterol
representa a mais importante fração lipídica em octogenário, e a identificação de
doença aterosclerótica subclínica auxilia na decisão de tratamento em prevenção
primária. A avaliação clínica, associada à análise de segurança, tolerabilidade e
preferência do paciente, devem ser consideradas em prevenção primária. Em pre-
venção secundária, recomenda-se tratamento farmacológico, com introdução gra-
dativa do fármaco, e monitorização cuidadosa de sintomas e interação medicamen-
tosa.

Palavras-chave: dislipidemia, octogenário, estatina, doença subclínica.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:544-52)


RSCESP (72594)-1578

INTRODUÇÃO de adulta e acima dos 65 anos com taxas de cresci-


mento variáveis entre os diversos grupos etários. O
Nas últimas décadas do século 20, países com maior crescimento do número de octogenários é, em muitos
ou menor grau de desenvolvimento socioeconômico países, mais veloz que os demais, notadamente nas
foram surpreendidos com o fenômeno do envelheci- populações européias. No Brasil, segundo o Censo do
mento de sua população. Entre suas múltiplas causas, IBGE de 2000, o número de idosos é da ordem de 14,5
é relevante o papel da urbanização como conseqüên- milhões de pessoas, dos quais 3,7 milhões têm idades
cia dos novos modos de produção industrial e agríco- superiores a 75 anos, significando, em relação ao Cen-
la, notadamente após a 2ª Guerra Mundial. Melhores so de 1991, crescimento de 49,3%(1).
condições sanitárias e habitacionais e acesso à edu- O envelhecimento considerado saudável acalenta
cação e à atenção médica foram, sem dúvida, alguns o sonho da humanidade que conhece a finitude como
dos atrativos responsáveis pelo êxodo rural para as ci- inerente a sua própria condição. A sociedade, particu-
dades. larmente nos países em desenvolvimento, não teve tem-
Simultaneamente, o desenvolvimento ímpar da me- po de se preparar para essa novidade do velho. A des-
dicina preventiva e curativa possibilitou a ampliação da proporção entre a massa de trabalhadores economi-
esperança de vida ao nascer. Como resultado também camente ativos e o pagamento de um número cres-
da redução dos índices de mortalidade infantil e do cente de aposentadorias representa significativo impac-
adulto, uma larga proporção de indivíduos atingiu a ida- to nas finanças públicas, e reformas previdenciárias vêm

544 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
LIBERMAN A e cols.
Dislipidemias em
octogenários

Figura 1. Envelhecimento,
fatores de risco e doença
cardiovascular(2).

sendo motivo de discussão em todas as sociedades. ovascular clínica ou subclínica(2) (Fig. 1), altamente pre-
Não menos inquietante é a repercussão sobre a as- valente em octogenários.
sistência médica e a necessidade de mudanças nas
políticas de saúde, quando os dados fornecidos por PREVALÊNCIA DA DISLIPIDEMIA
estudos observacionais demonstram ser os idosos, e,
em especial, os octogenários, de maior vulnerabilida- Estudos epidemiológicos, transversais e prospecti-
de às doenças crônicas e degenerativas, em particular vos têm demonstrado que, conquanto os níveis séri-
as cardiovasculares. cos de colesterol total e de colesterol de lipoproteína
O envelhecimento é determinado pela interação de baixa densidade (LDL-colesterol) tendam a se ele-
entre os fatores genéticos e o estilo de vida, por sua var na meia-idade, tais níveis podem estabilizar e mes-
vez subordinado às diferenças socioeconômicas e cul- mo diminuir após os 65 anos. Entre os octogenários, o
turais, responsáveis pela grande heterogeneidade des- sexo feminino apresenta valores de colesterol total e
sa população. O envelhecer é um processo que se dá LDL-colesterol mais elevados que o sexo masculino,
no tempo e isso gera a pressuposição de que as alte- não obstante a diminuição dos níveis lipídicos(3) (Fig.
rações serão tanto maiores quanto maior o tempo de 2).
exposição a alguns fatores capazes de operar a trans- Estudos prospectivos(4) demonstram que, em am-
formação do fisiológico em patológico. bos os sexos, os valores de colesterol de lipoproteína
Os estudos epidemiológicos há muito reconhece- de alta densidade (HDL-colesterol) permanecem está-
ram alguns fatores, hoje clássicos, como promotores veis, embora diminuídos em relação aos mais jovens,
de risco para as doenças cardiovasculares, quais se- sendo mais elevados no sexo feminino quando compa-
jam: dislipidemia, diabetes melito, hipertensão arterial, rados ao sexo masculino, apesar da discreta diminui-
sedentarismo e tabagismo. Esses fatores, no entanto, ção após os 50 anos. Com o envelhecimento, a razão
podem ter seus efeitos atenuados por meio de inter- colesterol total/HDL-colesterol diminui em homens e au-
venções no estilo de vida ou farmacológicas. A carga menta nas mulheres, porém após os 80 anos essa ra-
hereditária e a idade, entretanto, persistem imutáveis. zão é igual nos dois sexos(5).
Dentre todas as causas, a idade é superior em poder e O Estudo Multicêntrico em Idosos (EMI) mostrou da-
prevalência como fator predisponente às doenças car- dos obtidos pela análise transversal de 2.196 idosos
diovasculares. com doença cardiovascular estabelecida, atendidos em
O envelhecimento progressivo predispõe ao surgi- ambulatórios de cardiologia e geriatria de 36 centros,
mento de alterações degenerativas, que, em conjunto localizados em 13 Estados e nas 5 regiões brasilei-
com os fatores de risco a que estamos continuamente ras(6). Os fatores de risco encontrados, por ordem de
expostos, promovem o aparecimento de doença cardi- freqüência, foram: sedentarismo (74%), hipertensão

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 545
LIBERMAN A e cols.
Dislipidemias em
octogenários

Figura 2. Perfil lipídico e


idade(3).

Figura 3. Estudo Multicên-


trico em Idosos(EMI) – Pre-
valência dos fatores de ris-
co em idosos no Brasil(6).

arterial (53%), dislipidemia (33%), obesidade (30%), e 24%, respectivamente; p = não significativo).
diabetes melito (13%) e tabagismo (6%) (Fig. 3). Nes- Para melhor conhecer os octogenários, analisou-se
se estudo, a análise do colesterol total nas faixas etá- essa mesma população por faixa etária dividida a cada
rias de 65 a 74 anos, de 75 a 84 anos, e com idade cinco anos (65-69 anos, 70-74 anos, 75-79 anos, e ≥
igual ou superior a 85 anos demonstrou redução gra- 80 anos)(7). Consideraram-se elevados o colesterol to-
dativa da prevalência de colesterol > 240 mg/dl (32%, tal > 200 mg/dl e o LDL-colesterol > 130 mg/dl, e redu-
30% e 19%, respectivamente; p < 0,05). Tal resulta- zido o HDL-colesterol < 35 mg/dl. Verificou-se nova-
do poderia sugerir que a hipercolesterolemia perde mente aparente redução da prevalência de hipercoles-
sua importância em octogenários, uma vez que sua terolemia nos octogenários (66%, 71%, 61% e 54%,
prevalência diminui. Entretanto, quando se analisa- respectivamente; p < 0,05). A análise do LDL-coleste-
ram as frações do colesterol, verificou-se que não rol, entretanto, não mostrou diferença de prevalência
ocorreram alterações significantes entre as três fai- nos octogenários comparativamente com as faixas mais
xas etárias, quer em relação ao HDL-colesterol re- jovens (69%, 63%, 61% e 60%, respectivamente; p =
duzido (< 35 mg/dl – 15%, 15% e 19%, respectiva- não significante). A prevalência do HDL-colesterol re-
mente, na população analisada) quer em relação ao duzido foi maior nos octogenários (14%, 16%, 15% e
LDL-colesterol aumentado (> 160 mg/dl – 33%, 35% 17%, respectivamente; p < 0,05).

546 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
DISLIPIDEMIA COMO coronariana em octogenários é a razão colesterol to-
FATOR DE RISCO tal/HDL-colesterol(11) (Tab. 1).
É importante considerar que os valores do coleste-
LIBERMAN A e cols. Em muito idosos, o rol total e do LDL-colesterol expressos tardiamente po-
Dislipidemias em aparecimento de eventos dem diferir daqueles a que o octogenário esteve ex-
octogenários coronarianos nem sempre posto na maior parte de sua vida, especialmente se
se correlaciona com os ní- ocorrer emagrecimento na idade mais madura. Assim,
veis do perfil lipídico obti- o tempo de evolução da dislipidemia na anamnese deve
dos, razão pela qual a im- ser considerado.
portância da dislipidemia A dislipidemia leve ou moderada costuma associar-
na morbidade e na morta- se a maior número de eventos coronarianos em idosos
lidade por doença arterial que em faixas etárias mais baixas(12), ou seja, cresce o
coronariana em octogenários segue gerando contro- risco absoluto e mesmo pequenos aumentos podem
vérsias. Os resultados do Estudo de Framingham, na provocar grande impacto na saúde pública.
subpopulação de 65 a 94 anos de idade, evidenciaram Rubin estudou 2.746 homens, nas faixas etárias
que a hipercolesterolemia continuava a exercer impac- > 60 e < 79 anos durante dez anos e verificou que o
to na incidência de doenças cardiovasculares apenas risco relativo para doença arterial coronariana au-
em homens, embora atenuado em relação aos mais mentou de 1,4 para 1,7 morte por 1.000 pacientes,
jovens(8). O Estudo de Honolulu avaliou a associação quando comparou idades de 60 a 64 e de 75 a 79
entre mortalidade global e colesterol durante vinte anos. anos, respectivamente. O risco absoluto, no entanto,
Os níveis de colesterol diminuíram significativamente aumentou de 2,2 aos 60 anos para 11,3 mortes por
nas faixas etárias mais avançadas, mas mantiveram 1.000 após os 75 anos de idade. Esse estudo verifi-

Tabela 1. Risco de doença arterial coronariana pela razão colesterol total/HDL-colesterol em cada sexo de
acordo com a idade no Estudo de Framingham(11).

Colesterol total/HDL-colesterol Q5/Q1 Risco Relativo


Idade (anos) 50-59 60-69 70-79 80-89

Homem 2,5 1,7 2,3 5,6


p< 0,001 0,01 0,004 0,05
Mulher 3,1 3,5 2,8 4,8
p< 0,0001 0,0001 0,001 0,024

relação positiva com as doenças cardiovasculares. A cou que o risco absoluto e atribuível da doença arte-
elevada relação entre mortalidade por todas as causas rial coronariana não só aumentou dramaticamente
e níveis baixos de colesterol total suscitou dúvidas so- com a idade como também seus resultados sugerem
bre a intervenção terapêutica agressiva na população excesso de mortalidade naqueles idosos no quartil
de idosos(9). Em outro estudo prospectivo (EPESE), do de colesterol mais elevado(13).
qual participaram 2.527 mulheres e 1.377 homens, A dislipidemia freqüentemente se associa a diabe-
seguidos por 4,4 anos, o HDL-colesterol baixo foi pre- tes, hipertensão arterial, obesidade e doença renal, e
ditor de mortalidade por doença arterial coronariana e sua relevância pontual dependerá do impacto do con-
de novos eventos coronários em idosos com mais de junto desses fatores dentro do risco cardiovascular glo-
70 anos, mas o colesterol total aumentado associou- bal.
se à mortalidade por doença arterial coronariana(10) Os dados epidemiológicos de octogenários devem
apenas no sexo feminino. Entretanto, assim como ob- considerar a elevada prevalência de doença arterial co-
servado no estudo brasileiro EMI(6), quando são avalia- ronariana manifesta ou subclínica, a presença de co-
das as frações do colesterol a maioria dos estudos morbidades, a alta mortalidade e a seleção natural.
demonstra relação positiva entre dislipidemia e desen- Nesse sentido, o “Cardiovascular Health Study”, estu-
volvimento de doença arterial coronariana nos idosos(11). do observacional realizado em 5.888 indivíduos com
Mais ainda, dados do Estudo de Framingham indicam, idades acima de 65 anos em quatro comunidades ame-
conforme mencionado anteriormente, que o índice lipí- ricanas, demonstrou que a prevalência de doença ate-
dico mais importante como preditor de doença arterial rosclerótica tanto manifesta como subclínica é elevada

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 547
nessa faixa etária (14) . A ESTUDOS DE INTERVENÇÃO FARMACOLÓGICA
doença arterial subclínica
foi identificada de forma Os fármacos mais amplamente estudados no trata-
LIBERMAN A e cols. não-invasiva pelas medi- mento das dislipidemias foram os inibidores da HMG-
Dislipidemias em das da espessura da ca- CoA redutase (estatinas). Entretanto, a limitada inclu-
octogenários mada médio-intimal caro- são de octogenários em estudos clínicos restringe a
tídea, do índice tornozelo/ obtenção de dados obtidos por meio da medicina ba-
braquial, de discinesias da seada em evidências científicas.
parede do ventrículo es-
querdo à ecocardiografia Prevenção secundária
ou de alterações eletrocar- Apenas dois estudos de prevenção secundária in-
diográficas. No início do cluem octogenários:
estudo, 39% de homens e 35,9% de mulheres apre- 1) “Heart Protection Study” (HPS)(17) – Esse estudo ava-
sentavam doença aterosclerótica subclínica. Em seu liou 20.536 pacientes de 40 a 80 anos de idade, sendo
seguimento, evidenciou-se que apenas uma minoria dos 5.806 com idade ≥ 70 anos. O número exato de octo-
indivíduos era isenta de doença cardíaca e que a do- genários não foi identificado, bem como a idade com
ença de apresentação silenciosa predominava sobre a que os octogenários incluídos chegaram ao término do
forma manifesta(15). Os fatores de risco clássicos estão estudo. Os pacientes apresentavam uma ou mais das
relacionados a ambas as formas de doença arterial seguintes condições: a) doença arterial coronariana (in-
coronariana, manifesta e subclínica (silenciosa). farto agudo do miocárdio, angina estável ou instável,
A utilização de marcadores de doença subclínica revascularização miocárdica ou angioplastia); b) doen-
pode ser útil na identificação dos octogenários de alto ça oclusiva de artérias não-coronárias (acidente vas-
risco, uma vez que não se utiliza o escore de Framin- cular cerebral, insuficiência vascular periférica, claudi-
gham em octogenários, pois esse escore não inclui ido- cação intermitente, endarterectomia de carótida); c)
sos com mais de 79 anos. A identificação de doença diabetes melito; d) hipertensão arterial tratada. O LDL-
subclínica e de HDL reduzido pode contribuir para a colesterol foi inferior a 116 mg/dl em 33% dos pacien-
decisão clínica de intervenção preventiva farmacológi- tes, entre 116 mg/dl e 135 mg/dl em 25%, e maior que
ca . 135 mg/dl em 42%. O tempo de seguimento foi de cin-
co anos. Observou-se, com o uso de sinvastatina, re-
TRATAMENTO DAS DISLIPIDEMIAS dução da mortalidade em 18%, de incidência de pri-
meiro infarto agudo do miocárdio em 38%, de infarto
A abordagem do tratamento das dislipidemias nos agudo do miocárdio não-fatal ou morte coronária em
pacientes com mais de 80 anos deve ser cuidadosa, e 27%, e acidente vascular cerebral em 25%. Tais redu-
implica a análise de múltiplos dados. Esse tema apre- ções ocorreram em todas as faixas etárias, incluindo
senta alta complexidade diante das dificuldades que os octogenários. O HPS foi o primeiro estudo a assina-
se apresentam nessa faixa etária: heterogeneidade das lar que pacientes com níveis relativamente baixos de
condições de saúde geral (grau funcional e cognitivo), colesterol em uso de estatina apresentavam benefíci-
alterações fisiológicas da idade, múltiplos fatores de os semelhantes aos de níveis mais elevados.
risco, co-morbidades, interações medicamentosas de- 2) “Prospective Study of Pravastatin in the Elderly at
correntes de polifarmácia e, finalmente, limitações so- Risk” (PROSPER)(18)) – Destaca-se entre os estudos
cioeconômicas e análise de expectativa de vida. De por ser o primeiro direcionado apenas a idosos. Incluiu
acordo com o Programa Nacional de Educação em 5.804 pacientes entre 70 e 82 anos de idade (média,
Colesterol do Departamento Nacional de Saúde em 75 anos), com doença vascular (coronária, cerebral,
Washington (1993)(16), o tratamento da hipercolestero- periférica) ou com fatores de risco para doença vascu-
lemia não é indicado se a expectativa de vida for inferi- lar (hipertensão arterial, tabagismo, diabetes melito).
or a dois anos. A expectativa de vida de um octogená- O colesterol total deveria estar entre 155 mg/dl e 350
rio no Brasil é de 6,1 anos, segundo dados do IBGE de mg/dl e os triglicérides, abaixo de 500 mg/dl. O tempo
2000(1). de seguimento foi de 3 a 5 anos, com média de 3,2
É relevante assinalar a maior freqüência no octoge- anos. Observou-se, com o uso da pravastatina, redu-
nário de dislipidemia secundária a outras doenças, tais ção de 15% no desfecho composto de mortalidade co-
como doença tireoidiana (mais comum no sexo femini- ronária, infarto agudo do miocárdio ou acidente vascu-
no), diabetes melito, insuficiência renal e doenças de lar cerebral, e redução de 24% na mortalidade coroná-
caráter consumptivo. Nesse caso, o tratamento da do- ria. Não foi detectada redução significante de acidente
ença de base pode levar ao desaparecimento da disli- vascular cerebral ou disfunção cognitiva, fato atribuído
pidemia. à falta de poder estatístico ou à curta duração do estu-

548 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
do(19). Observou-se ainda longitudinal realizado em quatro comunidades ameri-
que idosos com baixo canas, que teve início em 1989, com 5.201 idosos da
HDL-colesterol apresenta- raça branca. Em 1992, foram incluídos 687 idosos da
LIBERMAN A e cols. ram os maiores benefíci- raça negra, totalizando 5.888 idosos saudáveis ≥ 65
Dislipidemias em os. Eventos adversos fo- anos. Destes, foram selecionados 2.914 idosos, com
octogenários ram relatados com igual média de idade de 72,5 anos, sem doença cardiovas-
freqüência entre o grupo cular no início do estudo, para avaliar o uso de hipoli-
placebo e o grupo pravas- pemiante em prevenção primária no idoso. Foi admi-
tatina (55% vs. 56%, res- nistrado tratamento com estatina ou nenhum tratamen-
pectivamente). Mialgia foi to, de acordo com as diretrizes do Programa de Edu-
relatada em 36 ocasiões cação Nacional do Colesterol. O objetivo primário de
no grupo pravastatina e interesse consistiu em eventos cardiovasculares com-
em 32 vezes no grupo placebo. Nenhum grupo apre- binados de infarto agudo do miocárdio fatal e não-fa-
sentou aumento de CPK maior que dez vezes o limite tal, acidente vascular cerebral fatal e não-fatal e morte
superior do normal. Aumento em transaminases maior por doença arterial coronariana, excluindo RM. O tem-
que três vezes o limite superior do normal foi encontra- po de seguimento foi de 7,3 anos. Durante esse perío-
do em um paciente de cada grupo. Houve aumento de do ocorreram 382 novos eventos cardiovasculares (158
25% na incidência de câncer (199 casos no grupo pla- infartos, 159 acidentes vasculares cerebrais, e 64 mor-
cebo “versus” 245 no grupo pravastatina). Atribuiu-se tes por doença arterial coronariana). No grupo estati-
essa ocorrência ao recrutamento de idosos com cân- na, observou-se redução de 56% na incidência de even-
cer oculto, e não a efeito do fármaco, uma vez que a tos cardiovasculares, e de 44% na mortalidade por to-
incidência de câncer nessa faixa etária é de 290 casos das as causas. A redução do risco de eventos cardio-
em cada grupo, maior que o que foi encontrado. Além vasculares ocorreu entre participantes com idade de
disso, não houve predomínio de um tipo de câncer e o 65 a 73 anos e nos com ≥ 74 anos. Esse estudo pros-
aparecimento foi predominantemente no primeiro ano pectivo realizou verificação confiável dos eventos car-
do estudo, considerado precoce para o tratamento pro- diovasculares, dos fatores de risco a cada ano, e do
vocar tal efeito. uso contínuo da medicação. Apresentou como limita-
ções o pequeno número de eventos e mortes, reduzin-
Prevenção primária do o poder de encontrar diferentes associações em
Grandes estudos clínicos documentaram de maneira análises de subgrupo e o desenho observacional do
conclusiva que as estatinas diminuem o risco dos even- estudo. A conclusão do estudo foi que, para prevenção
tos coronários em pelo menos 30% dos pacientes por- primária em idosos, a terapia farmacológica deve ser
tadores ou não de doença arterial coronariana conhe- considerada em pacientes de alto risco, como diabe-
cida. A maioria desses estudos com estatina, embora tes, múltiplos fatores de risco ou doença subclínica (cer-
incluísse indivíduos com idades entre 65 e 75 anos, ca de 80% dos idosos desse estudo seriam considera-
não incluiu o número suficiente de octogenários para dos de alto risco). O uso de estatina para prevenção
obter as informações sobre o papel das estatinas na primária de doença arterial coronariana em idosos para
prevenção primária nessa faixa etária. os quais se recomenda redução de colesterol asso-
1) “Heart Protection Study” (HPS)(17) – Conforme men- ciou-se com redução da incidência de eventos cardio-
cionado anteriormente, esse estudo incluiu pacientes vasculares e mortalidade por todas as causas.
de 40 a 80 anos, com seguimento de cinco anos. Seu 3) “Prospective Study Of Pravastatin In The Elderly”
planejamento foi de um estudo não apenas de preven- (PROSPER)(18) – Assim como o HPS, foi um estudo
ção secundária, mas também primária, uma vez que de prevenção secundária e também primária, uma
incluiu pacientes sem doença arterial coronariana pré- vez que dentre os 5.804 indivíduos de 70 a 82 anos
via, portadores de doença cerebrovascular, e/ou insu- incluídos 50% apresentavam doença cardiovascular
ficiência vascular periférica, e/ou diabetes melito, e e 50% apenas fatores de risco. Analisando o subgru-
obteve redução de eventos também nesses pacientes. po de pacientes sem doença arterial coronariana (pre-
Não foi fornecida a idade dos pacientes sem doença venção primária, n = 3.239), o uso de pravastatina
arterial coronariana; porém, na análise final, verificou- não foi associado a redução dos desfechos primári-
se que a redução de eventos vasculares foi menor em os (Fig. 4).
todas as faixas etárias de pacientes com o tratamento
por estatina. Esse estudo não incluiu o número sufici- EFEITOS COLATERAIS E SEGURANÇA
ente de octogenários para concluir o benefício da pre-
venção primária nesses pacientes(20). As alterações farmacocinéticas e farmacodinâmicas
2) “Cardiovascular Health Study” (CHS)(21) – Estudo dos medicamentos observadas em idosos reduzem a

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 549
LIBERMAN A e cols.
Dislipidemias em
octogenários

Figura 4. Estudo PROS-


PER -– Eventos cardiovas-
culares de acordo com a
prevenção primária e a pre-
venção secundária(18).

faixa de segurança terapêutica e são exacerbadas pe- PREVENÇÃO DO ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL
las co-morbidades presentes e pela polifarmácia. O
conjunto desses fatores aumenta a possibilidade de O papel das estatinas na prevenção do acidente vas-
efeitos colaterais, ainda mais freqüentes em octogená- cular cerebral tem sido enfatizado nos últimos anos a
rios que em idosos mais jovens(20). Assim, como com partir de dados obtidos dos estudos de intervenção que
qualquer outro fármaco a ser utilizado nessa faixa etá- visam primariamente à prevenção de doença arterial
ria, medidas de precaução devem ser observadas. O coronariana(17, 22). Durante o estudo HPS, mais de 1.000
tratamento deverá ser iniciado após prévia avaliação participantes tiveram pelo menos um acidente vascu-
laboratorial dos perfis hepático, renal e muscular do lar cerebral. Houve redução significativa (25%) de even-
paciente, a qual servirá de base para a orientação te- tos cerebrais nos três primeiros anos de tratamento (p
rapêutica posterior. Após o início do tratamento, é re- < 0,0001), e, após cinco anos, a redução do risco de
comendável repetir os exames entre a quarta e a sexta acidente vascular cerebral foi significativa tanto em jo-
semanas, na vigência do fármaco, e como rotina se- vens como em idosos (< 70 anos na seleção: 274 [3,7%]
mestral ou na introdução de fármacos com potencial sinvastatina vs. 349 [4,7%] placebo; p = 0,02; entre 70
interação com as estatinas. Os critérios para interrup- e 80 anos na seleção: 170 [5,8%] sinvastatina vs. 236
ção do tratamento estabelecidos são os aumentos de [8,2%] placebo ; p = 0,0003). Não se observou evidên-
três vezes no valor máximo de TGP e de dez vezes da cia de benefício da sinvastatina no declínio cognitivo.
CPK. No estudo PROSPER(18), conforme mencionado an-
Outra preocupação no uso das estatinas é seu po- teriormente, não foi detectada redução significante de
tencial carcinogênico, sobretudo em octogenários, fai- acidente vascular cerebral ou disfunção cognitiva, fato
xa mais propensa às degenerações neoplásicas. No atribuído à falta de poder estatístico ou à curta dura-
estudo PROSPER, o uso da pravastatina foi associado ção do estudo (RR 1,03; IC 95%, 0,81-1,31; p = 0,81).
ao diagnóstico de câncer com significância marginal, Os investigadores sugerem que os benefícios das es-
durante o tratamento (245 [8,5%] pravastatina vs. 199 tatinas na prevenção do acidente vascular cerebral só
[6,8%] placebo; p = 0,02). A análise dos dados demons- se estabelecem após três anos de intervenção, enquan-
trou que o aumento da incidência de câncer ocorreu to são mais precoces na redução de risco de doença
na fase inicial do tratamento, sugerindo não haver cor- arterial coronariana.
relação de causa/efeito. Entre os 1.600 indivíduos com
câncer diagnosticado durante o HPS, não ocorreu au- CONCLUSÃO
mento significativo entre os participantes mais jovens
ou mais idosos. Cada vez mais o cardiologista sente-se propenso a

550 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
prescrever estatinas para dos indivíduos com idade acima dos 80 anos, embora
os muito idosos portado- apenas 30% a 40% fossem sintomáticos(23). As infor-
res de doença arterial co- mações da presença de doença cardiovascular mani-
LIBERMAN A e cols. ronariana. A extensão de festa ou silenciosa em mais de 70% dos idosos no “Car-
Dislipidemias em seu uso para pacientes diovascular Health Study” reforça a idéia de que o ido-
octogenários com doença cerebrovas- so é portador em potencial de aterosclerose, dificul-
cular e periférica ou diabe- tando a distinção entre prevenção primária e secundá-
tes melito vem sendo pro- ria, diante da alta prevalência das doença ateroscleró-
gressivamente incorpora- ticas subclínicas. Recomenda-se, portanto, avaliação
da à prática clínica diária. clínica e análise da segurança, da tolerabilidade e da
Essa decisão encontra preferência do octogenário ao se considerar tratamen-
subsídios no corpo de evi- to farmacológico do idoso sem doença clínica manifes-
dências dos benefícios promovidos por esses agentes ta, mas com múltiplos fatores de risco, em especial di-
hipolipemiantes na evolução das doenças ateroscleróti- abetes.
cas e estimula seu emprego com critério e segurança. Colocar o idoso em perspectiva de suas motivações
A falta de certezas na esfera da prevenção primária em viver, adaptação a suas limitações, inserção no
coloca o médico no desconfortável cenário da dúvida ambiente familiar e social, necessidades e expectati-
quanto à validade científica do ato de intervir no silên- vas humaniza a relação médico/paciente e, se não con-
cio. Entretanto, dados de estudos necroscópicos mos- fere certeza à dúvida científica, resgata pela ética o
tram lesões coronarianas em aproximadamente 90% fundamento na arte de medicar.

DYSLIPIDEMIAS IN OCTOGENARIANS

ALBERTO LIBERMAN, CLÁUDIA FELÍCIA GRAVINA TADDEI, STELA MARIS GRESPAN

The approach to treating dyslipidemias in patients older than 80 years must be


adopted cautiously and implies the analysis of multiple data, i.e.: functional and cog-
nitive health status, risk factors involved, comorbidities, presence of subclinical dise-
ase, and drug interaction due to polypharmacy. While the relative risk of cardiovas-
cular disease associated with dyslipidemia decreases in the aged, the absolute risk
of morbidity and mortality increases with aging. The total cholesterol/HDL ratio re-
presents the most important lipid fraction in the octogenarian and the identification
of subclinical atherosclerotic disease helps to decide on treatment for primary pre-
vention. Clinical evaluation, combined with analysis of safety, tolerability and patient
preference, should be considered for primary prevention. For secondary prevention,
pharmacological treatment is recommended with gradual introduction of medicati-
on, along with careful monitoring of symptoms and drug interactions.

Key words: dyslipidemia, octogenarian, statin, subclinical disease.

((Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:544-52)


RSCESP (72594)-1578

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 551
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552 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
ABORDAGEM TERAPÊUTICA DAS DISLIPIDEMIAS
SANTOS RD e col. EM SITUAÇÕES ESPECIAIS: HIPERCOLESTEROLEMIA
Abordagem terapêutica
das dislipidemias em FAMILIAR HOMOZIGÓTICA REFRATÁRIA
situações especiais:
hipercolesterolemia
familiar homozigótica
refratária RAUL D. SANTOS, ANA PAULA MARTE CHACRA

Unidade Clínica de Dislipidemias – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 –


2º andar – Sala 4 – Cerqueira César – CEP 05403-900 – São Paulo – SP

A hipercolesterolemia familiar é doença autossômica dominante, que, em sua


forma heterozigótica, afeta cerca de 1/500 pessoas, e, na forma homozigótica, 1/
1.000.000 pessoas. Contudo, em famílias portadoras das mutações que diminuem a
expressão do receptor da lipoproteína de baixa densidade, cerca de uma em cada
duas pessoas é afetada. Ambas as formas associam-se a níveis elevados de coles-
terol e doença arterial coronária precoce e na forma homozigótica há também doen-
ça da aorta e da valva aórtica. Em alguns casos da hipercolesterolemia familiar
heterozigótica e na maioria dos casos de homozigotos, além de uso de doses eleva-
das de estatinas associadas aos bloqueadores de absorção do colesterol, podem
ser necessários tratamentos alternativos, como derivação ileal, aférese e transplan-
te hepático, para controle eficaz dos níveis extremamente elevados de colesterol.

Palavras-chave: hipercolesterolemia familiar, estatinas, ezetimiba, plasmaférese,


transplante hepático.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:553-60)


RSCESP (72594)-1579

INTRODUÇÃO ença(2, 3). Essas mutações determinam a redução da


síntese e da expressão dos receptores da LDL, com
A hipercolesterolemia familiar é uma doença gené- diminuição da capacidade de remoção dessas partícu-
tica, caracterizada por alterações no metabolismo dos las da circulação e conseqüente aumento dos níveis
lipídeos, as quais determinam elevações dos níveis plasmáticos de colesterol total às custas do LDL-co-
plasmáticos de colesterol, às custas do aumento das lesterol. É uma das dislipidemias primárias mais fre-
lipoproteínas de baixa densidade (LDL). O defeito pri- qüentes e, em sua forma heterozigótica, acomete cer-
mário da hipercolesterolemia familiar é uma redução ca de 1:500 pessoas, ao passo que na forma homozi-
da expressão dos receptores hepáticos da LDL, que gótica, muito rara, a prevalência é de 1:1.000.000. Es-
removem o colesterol da circulação, tendo sido descri- tima-se que, no Brasil, existam cerca de 320 mil pes-
tas mais de 900 mutações para esse receptor(1, 2). soas afetadas pela forma heterozigótica e cerca de 160
É uma doença monogênica, com transmissão au- pacientes com a forma homozigótica, a maioria das
tossômica dominante, caracterizada pela presença de quais não recebe tratamento adequado. Esse fato é
mutações nos genes que codificam o receptor da LDL, extremamente importante em decorrência do apareci-
sendo necessária a presença de apenas um dos ale- mento precoce da doença arterial coronária em porta-
los com a mutação para a manifestação clínica da do- dores de hipercolesterolemia familiar. Dessa forma, a

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 553
doença sempre deve ser mente, esses locais, pouco convencionais do acometi-
suspeitada na presença mento aterosclerótico, refletem que o ateroma apre-
de níveis elevados de co- senta bases etiológica e fisiopatológica decorrentes da
SANTOS RD e col. lesterol geralmente acima hipercolesterolemia pura, oposta à origem multifatorial
Abordagem terapêutica do percentil 95 para idade da doença coronariana que se observa na população
das dislipidemias em e sexo em portadores de em geral(6).
situações especiais:
hipercolesterolemia
doença coronária precoce
familiar homozigótica e quando há história fami- DIAGNÓSTICO
refratária liar tanto para dislipidemia
como para doença coroná- O diagnóstico da hipercolesterolemia familiar homo-
ria. A triagem “em casca- zigótica é feito na presença de níveis muito elevados
ta”, ou seja, a de familia- de colesterol total às custa da fração LDL-colesterol
res de portadores de doença coronária precoce ou dis- (geralmente acima de 600 mg/dl), associada ou não à
lipidemia é eficaz já que nas famílias de portadores de presença de xantomas ou doença arterial coronária pre-
mutação um em cada dois indivíduos é afetado. Ob- matura, além da história familiar de hipercolesterole-
serva-se alta penetrância dos genes mutantes em al- mia ou doença cardiovascular precoce. Pode-se con-
gumas populações, como no sul do Líbano, no sul da firmar o diagnóstico por meio da determinação genéti-
Itália e na África do Sul, dada a homogeneidade étnica ca da mutação, em centros especializados(5).
e a prevalência de consangüinidade nesses povos(3).
A hipercolesterolemia familiar homozigótica, muito TRATAMENTO
rara, é caracterizada pela presença de dois alelos, cada
qual com uma mutação herdada do pai e da mãe, res- Tratamento farmacológico
pectivamente. Os indivíduos com o fenótipo homozigó- O tratamento da hipercolesterolemia familiar homo-
tico praticamente não expressam receptores para re- zigótica ilustra a dificuldade em se controlar os níveis
moção da LDL, sendo observados valores de coleste- de colesterol plasmático dos pacientes, pois a respos-
rol plasmático acima de 600 mg/dl e de LDL-colesterol, ta à terapêutica farmacológica é quase sempre precá-
acima de 500 mg/dl. Na hipercolesterolemia familiar ho- ria e varia de acordo com a mutação presente. Há ca-
mozigótica, são freqüentes os casos de consangüini- sos em que as doses máximas de estatinas diminuem
dade, isto é, de casamentos entre familiares portado- os níveis plasmáticos de LDL-colesterol em 5% a 28%,
res da forma heterozigótica(4). enquanto em outros não se observa qualquer redução
Em decorrência das elevadas concentrações plas- dos mesmos, demonstrando capacidade quase nula de
máticas de colesterol, os pacientes apresentam qua- expressão dos receptores hepáticos de LDL, mesmo
dro clínico característico. Os xantomas ocorrem em com associação de vários hipolipemiantes(7).
quase 100% dos casos de hipercolesterolemia familiar Em pacientes com hipercolesterolemia familiar ho-
homozigótica, antes dos 10 anos de idade, e caracteri- mozigótica, foi observada a potencialização do efeito
zam-se por lesões na pele, que nada mais são do que hipolipemiante quando se associou o ezetimiba, na
depósitos de colesterol no tecido subcutâneo, localiza- dose de 10 mg/dia, à atorvastatina, na dose de 80 mg/
dos mais comumente na face dorsal das mãos, cotove- dia, com reduções de 25% dos níveis de colesterol to-
los, joelhos e tendão de Aquiles(5).O comprometimento tal e LDL-colesterol(5).
cardíaco pode se estabelecer precocemente, com a As estatinas, associadas ou não a outras drogas ou
presença de doença arterial coronária prematura e a outras terapêuticas, devem ser consideradas preco-
quadro clínico de angina, infarto do miocárdio ou mor- cemente em pacientes com hipercolesterolemia famili-
te súbita já na primeira infância. A formação da placa ar homozigótica, principalmente nos pacientes que não
de aterosclerose acomete locais pouco freqüentes, in- têm acesso a terapêuticas não-farmacológicas.
cluindo aorta ascendente, arco aórtico e óstios coro- O conhecimento da história natural das hipercoles-
nários. A alteração inicial é o espessamento das ca- terolemias familiares homo e heterozigóticas, bem como
madas íntima e média da parede da aorta ascendente, a resposta precária à terapêutica medicamentosa, con-
o que predispõe à formação de placas nessa localida- tribuíram para o desenvolvimento de técnicas alterna-
de(5). As deformidades anulares do arco aórtico, como tivas para a redução dos níveis de colesterol.
a estenose supravalvar aórtica, são achados caracte-
rísticos da hipercolesterolemia familiar homozigótica, Cirurgia de derivação ileal
mas também a válvula aórtica e o seio de Valsalva são O colesterol proveniente da dieta e o colesterol en-
acometidos pela aterosclerose prematura. A coronari- dógeno, presente na bile, alcançam o intestino delga-
ografia revela alta proporção de pacientes com este- do, onde sofrerão ação dos sais biliares, sendo emulsi-
nose dos óstios coronários e lesão triarterial. Provavel- ficados em micelas. As micelas prendem-se à borda

554 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
em escova das membra- veis. Outro medicamento, o ezetimiba, vem sendo utili-
nas dos enterócitos intes- zado, preferencialmente à colestiramina, para diminui-
tinais, para que o coleste- ção dos níveis de colesterol plasmático em associação
SANTOS RD e col. rol seja transferido das com as estatinas(5), por meio da inibição da absorção
Abordagem terapêutica micelas para os enteróci- intestinal do mesmo, mas ainda não há ensaios clíni-
das dislipidemias em tos no duodeno e no jeju- cos que demonstrem sua eficácia na redução de even-
situações especiais:
hipercolesterolemia
no, através de um trans- tos.
familiar homozigótica portador de esterol (estu- A experiência dessa técnica com pacientes hiper-
refratária dos ainda não definiram a colesterolêmicos graves deu-se por meio de um estu-
natureza molecular desse do de casos controle, no qual 27 pacientes com hiper-
transportador). Após a ab- colesterolemia familiar heterozigótica foram seleciona-
sorção, uma parte do co- dos para tratamento cirúrgico e outros 27 compuseram
lesterol contido nos enterócitos retorna novamente ao o grupo controle recebendo dieta. Os níveis de coles-
lúmen intestinal, através de um transportador denomi- terol total de ambos os grupos eram, em média, supe-
nado ABCG5/G8. Os sais biliares incorporam o coles- riores a 500 mg/dl. Houve redução persistente do co-
terol no lúmen intestinal, para que sejam absorvidos lesterol total de 33% no grupo cirúrgico comparativa-
no íleo terminal, retornando para o fígado. O colesterol mente ao grupo controle, durante seguimento de dez
não absorvido é eliminado com as fezes. O metabolis- anos, mas não se observou redução de eventos coro-
mo intestinal do colesterol é responsável pela absor- nários e de mortalidade cardiovascular(11).
ção de 60%, em média, do mesmo(2). Com base nesses estudos, a cirurgia de derivação
A partir de reconhecimento do íleo terminal como ileal está indicada em pacientes com hipercolesterole-
uma região especializada no processo de absorção de mia grave refratária, como adjuvante ao tratamento me-
sais biliares e, conseqüentemente, de colesterol, Bu- dicamentoso. O fator que limita o uso dessa técnica é
chwald idealizou a cirurgia de derivação ileal, realiza- que a mesma é muito invasiva, além dos efeitos cola-
da pela primeira vez em 1968, como adjuvante no tra- terais, como flatulência, diarréia e diminuição da ab-
tamento de pacientes hipercolesterolêmicos(8). A cirur- sorção de vitaminas lipossolúveis. Além disso, em nos-
gia consiste na exclusão do íleo, em alça cega, do trân- sa opinião, embora seja interessante, a proposta da
sito intestinal, para redução da absorção de sais bilia- derivação ileal foi implantada na época em que não se
res e colesterol. Existem poucos estudos na literatura utilizavam doses elevadas de fármacos potentes como
que utilizaram essa técnica, sendo o maior deles o es- a atorvastatina e a rosuvastatina. Além disso, a associ-
tudo POSCH(9), iniciado em 1978 e elaborado para tes- ação com bloqueadores de absorção era realizada
tar a eficácia da cirurgia de derivação ileal, comparada naquela época com colestiramina, um medicamento
à dieta, na redução do colesterol e de eventos coroná- muito menos tolerável que a ezetimiba disponível atu-
rios. Foi um estudo randomizado, duplo-cego, em que almente. Dessa forma, esse procedimento só poderia
foram avaliados 823 pacientes com doença coronária ser realizado após refratariedade ao tratamento clínico
prévia e colesterol total acima de 220 mg/dl. Nesse mais atual.
estudo, um grupo de pacientes recebeu dieta e outro Ainda não existem estudos comparando a deriva-
foi submetido a tratamento cirúrgico. Foram observa- ção ileal a esses regimes farmacológicos mais moder-
das reduções de 23% dos níveis de colesterol total e nos de tratamento no que concerne à prevenção da
de 38% do LDL-colesterol, com redução da progres- doença cardiovascular.
são da aterosclerose avaliada por angiografia e redu-
ção de 35% de eventos combinados incluindo mortali- Transplante hepático
dade cardiovascular após dez anos, e que persistiu até Quando se descobriu que 70% dos receptores para
18 anos de seguimento no grupo tratado com cirurgia, remoção da LDL plasmática se localizavam na superfí-
comparativamente à dieta(10). O estudo POSCH, por- cie dos hepatócitos, o transplante hepático pareceu ser
tanto, foi o pioneiro a comprovar a teoria lipídica de uma terapêutica promissora, pois o fígado transplanta-
que reduções dos níveis de colesterol plasmático, pela do expressaria normalmente os receptores de LDL nos
técnica de derivação ileal, corroboraram a redução de pacientes com ausência genética da expressão dos
eventos cardiovasculares. mesmos(12).
Atualmente, a derivação ileal não é indicada para o O primeiro transplante hepático foi realizado, em
tratamento das hipercolesterolemias moderadas, pois 1984, em uma criança de 6 anos de idade, portadora
existem medicamentos mais eficazes, como as estati- de hipercolesterolemia familiar homozigótica, com car-
nas, na redução do colesterol e de eventos cardiovascu- diopatia isquêmica terminal decorrente da doença e que
lares. Vale ressaltar que o estudo POSCH foi concebi- necessitava de transplante cardíaco, o que era inviável
do numa fase em que as mesmas não eram disponí- pelo defeito metabólico de base(12). Foram então reali-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 555
zados, concomitantemen- cessária com heparina e citrato. As colunas podem ser
te, transplante hepático e regeneradas e reutilizadas pelo mesmo paciente.
transplante cardíaco com 2) Adsorção pelo sulfato de dextram celulose: o sulfato
SANTOS RD e col. sucesso, com normaliza- de dextram faz uma ligação covalente com a celulose,
Abordagem terapêutica ção dos níveis de LDL-co- formando um complexo que se liga seletivamente às
das dislipidemias em lesterol plasmáticos. partículas de LDL e lipoproteína de muito baixa densi-
situações especiais:
hipercolesterolemia
Os dados de literatura dade (VLDL). Após o plasma ser separado do sangue
familiar homozigótica demonstram 11 relatos de por uma membrana, o mesmo passa pela coluna que
refratária casos de transplante he- contém o sulfato de dextram celulose, que adsorverá o
pático, em que todos os LDL-colesterol e o VLDL-colesterol do plasma. Há ne-
pacientes apresentavam cessidade de heparinização do plasma para passagem
diagnóstico de hipercoles- na coluna. Esse foi o primeiro método descartável de
terolemia familiar homozigótica, com idades entre 2 e LDL-aférese.
46 anos. Desses pacientes, 7 receberam transplante 3) Sistema extracorpóreo de precipitação da LDL pela
de coração e fígado e 4 apenas de fígado. Os relatos heparina (sistema HELP): é um sistema completamen-
de sobrevida são de quatro anos em 2 pacientes e de te diferente dos demais, que envolve a precipitação das
dez anos em 1 paciente(13, 14). partículas de LDL pela adição de heparina no plasma.
O transplante hepático é uma terapêutica invasiva Após a separação do plasma do sangue, a heparina é
e com sobrevida limitada, além do risco de complica- adicionada ao plasma, reduzindo o pH do mesmo, quan-
ções, como rejeição crônica e efeito colateral das dro- do ocorre a precipitação das partículas de LDL. Esse
gas imunossupressoras. Essa técnica é preconizada precipitado é removido por filtração. A seguir, o plasma
para pacientes com hipercolesterolemia familiar homo- passa por uma coluna de adsorção que remove o ex-
zigótica grave, incluindo aqueles com apenas 2% de cesso de heparina e acrescenta tampões de bicarbo-
atividade dos receptores hepáticos para LDL, e que já nato ao mesmo, restabelecendo o pH para que o plas-
apresentam comprometimento cardiovascular ou mes- ma retorne ao paciente. Efeitos colaterais como san-
mo na ausência do mesmo, como prevenção da pro- gramento são raros.
gressão da aterosclerose, pois o transplante normali- 4) Adsorção direta de lipoproteínas utilizando filtro de
za os níveis de LDL-colesterol plasmático(15, 16). hemoperfusão (DALI): esse é o método mais moderno
para remoção das partículas de LDL-colesterol e é o
LDL-aférese único que não preconiza a separação do plasma dos
O primeiro procedimento com plasmaférese foi rea- outros componentes do sangue. O sangue passa dire-
lizado em 1975(17, 18), em um paciente com hipercoles- tamente por um filtro de adsorção, que é formado por
terolemia familiar homozigótica, que consistia na se- microporos revestidos por uma substância denomina-
paração do plasma do sangue para remoção do coles- da ácido poliacrílico, que confere carga negativa aos
terol e outros componentes plasmáticos. Relatos sub- poros. Quando o sangue passa pelo filtro, as apo B100
seqüentes demonstraram que esse procedimento rea- das partículas de LDL, carregadas positivamente, são
lizado repetidas vezes, a longo prazo, apresentava efeito atraídas para dentro dos poros carregados negativa-
benéfico na redução da progressão da aterosclerose, mente, sendo aprisionadas pelos mesmos. Os poros
além de prolongar a sobrevida de pacientes com hi- têm diâmetro semelhante ao diâmetro das partículas
percolesterolemia familiar homozigótica(19). de LDL, permitindo apenas a entrada das mesmas,
Várias tentativas foram feitas para se remover sele- evitando assim que outros componentes do sangue
tivamente as partículas de LDL do plasma. Em 1981, também sejam retirados. Cada filtro é descartável, não
Stoffel utilizou uma coluna de sefarose, que continha podendo ser reutilizado, o que confere a esse procedi-
anticorpos anti-LDL, o qual removia as partículas de mento custo elevado. A anticoagulação é necessária
LDL-colesterol. Esse procedimento foi denominado de com heparina e citrato. É um procedimento eficaz, se-
LDL-aférese(17). guro e bem tolerado, com pouquíssimos efeitos colate-
Foram desenvolvidos outros métodos de LDL-afé- rais.
rese e, atualmente, as técnicas disponíveis são(17): Aplicação clínica da LDL-aférese
1) Imunoadsorção: consiste na remoção das partícu- A principal indicação clínica da LDL-aférese é para
las de LDL do plasma usando anticorpos anti-LDL. Foi pacientes com hipercolesterolemia familiar homozigó-
o primeiro método a ser desenvolvido e tem sido utili- tica, e pode ser realizada uma ou duas vezes por se-
zado há mais de vinte anos. É formada por um separa- mana(20-22). São descritos casos de pacientes submeti-
dor de células, que separa o plasma do sangue, e por dos a LDL-aférese semanalmente, há pelo menos quin-
uma coluna, que contém anticorpos policlonais de ove- ze anos, sem efeitos colaterais e com resolução dos
lhas anti-apo B100 humana. A anticoagulação é ne- xantomas e regressão da aterosclerose. As complica-

556 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
ções mais freqüentes da ses estudos não foram controlados, um foi controlado
hipercolesterolemia famili- e não-randomizado, e somente dois foram controlados
ar homozigótica são fibro- e randomizados. Todos envolveram pacientes com do-
SANTOS RD e col. se da válvula aórtica e es- ença arterial coronária, a maioria deles portadores de
Abordagem terapêutica tenose grave, combinada hipercolesterolemia familiar heterozigótica. A LDL-afé-
das dislipidemias em com obstrução do óstio de rese foi realizada uma a duas vezes por semana, num
situações especiais:
hipercolesterolemia
coronária, necessitando período de um a cinco anos, em que se utilizaram os
familiar homozigótica de cirurgia para troca val- vários métodos já descritos. Concomitantemente à afé-
refratária var e revascularização mi- rese, foram prescritas medicações para a maioria dos
ocárdica. É possível que pacientes, que incluíram estatinas, resinas de troca e
com a introdução de um probucol. Nos ensaios clínicos FHRS e LAARS(30, 31),
método que diminua as ambos randomizados, apesar das reduções do LDL-
concentrações de colesterol antes da instalação das colesterol de 44% e 47%, respectivamente, nos gru-
complicações decorrentes da aterosclerose a necessi- pos tratados com drogas “versus” 53% e 63% nos gru-
dade de cirurgia seja significativamente menor. O ide- pos submetidos a aférese, não foram observadas dife-
al, portanto, é o início da LDL-aférese antes dos 10 renças em relação à progressão ou à regressão das
anos de idade. lesões ateroscleróticas avaliadas por angiografia. Em
Efeitos colaterais contraste, no estudo L-CAPS(32), não-randomizado, o
Em relação aos efeitos adversos, que ocorrem de grupo tratado com aférese associada a hipolipemian-
forma esporádica (4% dos pacientes), são observados tes orais apresentou redução do LDL-colesterol de 43%,
instabilidade hemodinâmica, reações alérgicas ao ci- com regressão angiográfica significativa das lesões,
trato, sangramentos pelo consumo de fatores de coa- comparativamente ao grupo tratado somente com hi-
gulação, e redução de plaquetas e fibrinogênio. O efei- polipemiantes, que, apesar da diminuição plasmática
to colateral mais importante é a reação anafilactóide de 34% dos níveis de LDL-colesterol, não foram obser-
durante a aférese em pacientes que estão utilizando vadas reduções angiográficas das lesões. Uma das
inibidores da enzima de conversão, pois essas reações explicações para a diferença de resultados entre os
são mediadas pela bradicinina e os inibidores da enzi- estudos é que a redução angiográfica da progressão
ma de conversão inibem seu metabolismo, sendo re- da doença arterial coronária só ocorre quando a dimi-
comendável que os pacientes interrompam o uso dos nuição plasmática dos níveis de LDL-colesterol ultra-
mesmos(17, 23, 24). passar o limiar de 40%.
LDL-aférese em crianças O impacto do tratamento com LDL-aférese na re-
A LDL-aférese, em crianças homozigóticas, é eficaz dução de eventos cardiovasculares foi avaliado no es-
em reduzir os níveis de colesterol acompanhado de reso- tudo de Hokuriko(33), que não demonstrou diferenças
lução dos xantomas, além de melhorar os sintomas de na mortalidade total, mas reduções de 70% de even-
isquemia miocárdica(22). Há relatos, na literatura, de 12 tos coronarianos no grupo aférese, comparado ao gru-
crianças com hipercolesterolemia familiar homozigótica po tratado com medicamentos. Esse não foi um ensaio
que estão sob tratamento de LDL-aférese, com idades clínico randomizado e as doses de estatina, no grupo
que variam de 6 a 17 anos, e que toleram bem o procedi- controle, foram restritas a 10 mg e 20 mg de pravasta-
mento. Além de seguro, esse procedimento não interfere tina por dia. O estudo retrospectivo que comparou a
com o desenvolvimento e o crescimento dos pacientes. A incidência de eventos coronários antes e depois da ins-
única complicação é anemia por deficiência de ferro, que tituição do tratamento com LDL-aférese (DALI), em 60
responde bem à reposição oral. pacientes com doença arterial coronária e hipercoles-
LDL-aférese na doença arterial coronária terolemia, demonstrou redução significativa de even-
A LDL-aférese representa uma terapêutica promis- tos coronários no período pós-LDL-aférese(34).
sora para pacientes com doença arterial coronária e A LDL-aférese, combinada aos hipolipemiantes
hipercolesterolemia severa, refratária ao uso de dro- orais, é um método seguro e efetivo, que pode mudar o
gas hipolipemiantes. As evidências clínicas para seu prognóstico de pacientes com hipercolesterolemia fa-
uso são baseadas em estudos não-controlados, pela miliar homozigótica, além de prevenir a progressão de
própria dificuldade ética em se randomizar pacientes doença arterial coronária em pacientes com hiperco-
com doença arterial coronária estabelecida para o uso lesterolemia familiar heterozigótica, refratários à tera-
ou não de drogas redutoras de colesterol(25-27). pêutica convencional e com níveis de colesterol per-
No período de 1992 a 1999, foram publicados oito sistentemente elevados. Contudo, sua utilização é limi-
estudos angiográficos com LDL-aférese(26-33). Cinco des- tada pelo alto custo do procedimento.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 557
TREATMENT OF SEVERE AND REFRACTORY
SANTOS RD e col. HOMOZYGOUS FORM OF FAMILIAL
Abordagem terapêutica
das dislipidemias em HYPERCHOLESTEROLEMIA
situações especiais:
hipercolesterolemia
familiar homozigótica
refratária RAUL D. SANTOS, ANA PAULA MARTE CHACRA

Familial hypercholesterolemia is an autosomal dominant disease that affects on


its heterozygous and homozygous forms 1/500 and 1/1,000,000 people respective-
ly. However, in families affected by these mutations that reduce the expression of the
LDL receptor the prevalence is one in every two people. Both forms of the disease
are associated with severely increased cholesterol levels, early onset of coronary
artery disease and in the homozygous form disease of the aorta and the aortic
valve. In some cases of heterozygous familial hypercholesterolemia, in addition to
the use of elevated doses of statins associated with cholesterol absorption blockers,
alternative treatments like ileal-bypass, apheresis and hepatic transplantation might
be necessary to control the severely elevated cholesterol levels.

Key words: familial hypercholesterolemia, statins, ezetimibe, apheresis, hepatic trans-


plantation.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:553-60)


RSCESP (72594)-1579

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familiar homozigótica
refratária

560 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
EFEITOS PLEIOTRÓPICOS DAS ESTATINAS:
XAVIER HT UM NOVO ANTIINFLAMATÓRIO?
Efeitos pleiotrópicos
das estatinas: um novo
antiinflamatório?
HERMES TOROS XAVIER

Disciplina de Cardiologia – Divisão de Moléstias Cardiovasculares –


Faculdade de Ciências Médicas de Santos – UNILUS

Endereço para correspondência: Av. Ana Costa, 374 – cj. 102 – CEP 11060-002 –
Santos – SP

A aterosclerose é hoje reconhecida como uma condição mais complexa do que


simplesmente um depósito lipídico na parede arterial. Inflamação e imunidade estão
presentes em todos os estágios evolutivos e são responsáveis pelo agravamento do
processo aterosclerótico e pela instabilização da placa. O tratamento com estatinas
pode reduzir o risco cardiovascular por mecanismos independentes de sua ação
hipolipemiante, capazes de modular a composição e a biologia da placa, contribuin-
do para sua estabilização. Efeitos dependentes e independentes da redução do LDL-
colesterol pelas estatinas parecem ser responsáveis pelas suas funções antiinfla-
matórias. Embora reconhecido, o papel dos efeitos pleiotrópicos das estatinas ainda
não foi testado adequadamente sobre desfechos clínicos.

Palavras-chave: antiinflamatório, aterosclerose, efeitos pleiotrópicos, estatinas.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:561-6)


RSCESP (72594)-1580

INTRODUÇÃO subgrupos, que demonstraram menor incidência de


doença cardiovascular em pacientes tratados com es-
Os benefícios da terapia hipolipemiante com os ini- tatinas comparados aos indivíduos sem tratamento,
bidores da hidroximetilglutaril – coenzima A (HMG-CoA) tendo ambos os mesmos níveis de LDL-colesterol, e
redutase, as estatinas, estão bem estabelecidos. Fo- que os efeitos do tratamento estavam presentes inde-
ram reconhecidos a partir da demonstração inequívo- pendentemente dos níveis basais de LDL-colesterol,
ca, em um número expressivo de estudos clínicos, da mesmo em pacientes com LDL-colesterol < 100 mg/dl,
capacidade de reduzir os principais desfechos cardio- estabeleceu-se a hipótese de que os benefícios do tra-
vasculares: eventos isquêmicos coronários, necessida- tamento com estatinas na redução do risco cardiovas-
de de revascularização do miocárdio, mortalidade car- cular poderiam não depender exclusivamente de sua
diovascular e acidente vascular cerebral em todos os ação redutora de LDL-colesterol, mas, também, secun-
subgrupos, incluindo pacientes com manifestações de dariamente, a outros efeitos, denominados pleiotrópi-
aterosclerose, diabéticos, hipertensos, idosos e mulhe- cos, os quais estariam relacionados a ações positivas
res, e também da mortalidade total em pacientes de sobre fatores envolvidos na patogênese da doença
alto e muito alto risco cardiovascular. vascular aterosclerótica, hoje reconhecida como uma
Esses benefícios, considerados um efeito de clas- condição mais complexa do que simplesmente um de-
se, foram atribuídos, primeiramente, à redução dos ní- pósito lipídico na parede arterial.(1-10)
veis séricos de LDL-colesterol. A partir das análises de A aterosclerose é interpretada como uma resposta

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 561
defensiva do tecido conec- substâncias e responsáveis pela modulação de inúme-
tivo da parede arterial di- ros processos celulares, entre eles: produção e ação
ante de uma agressão per- biológica do óxido nítrico endotelial, fenômenos proli-
XAVIER HT manente, em que a biolo- ferativos, quimiotaxia, migração e adesão celular, coa-
Efeitos pleiotrópicos gia alterada da parede gulação e fibrinólise, todos intimamente relacionados
das estatinas: um novo vascular pela ação dos com inflamação e aterosclerose (Fig. 2).(12-14)
antiinflamatório?
agentes agressores pro- Estudos “in vitro” têm demonstrado, de maneira uni-
duz uma resposta tecidu- forme, o papel antiinflamatório das estatinas. Quando
al caracterizada, funda- da administração desses agentes em culturas de célu-
mentalmente, por inflama- las que participam do processo aterosclerótico, como
ção e imunidade, que es- células endoteliais, células musculares lisas, monóci-
tarão presentes em todos tos/macrófagos e linfócitos T, ocorre diminuição das fun-
os estágios evolutivos, desde a gênese até a placa ções celulares pró-inflamatórias implicadas no proces-
vulnerável, sendo responsáveis pelo agravamento do so aterosclerótico.
processo e pela instabilização da placa ateroscleróti- As estatinas podem interferir nos processos pró-in-
ca.(11) flamatórios de adesão e migração celular por meio da
Desse entendimento deriva o reconhecimento de diminuição dos níveis de expressão e função das pro-
que as estatinas podem reduzir o risco cardiovascular teínas mediadoras (Tab. 1).
por mecanismos capazes de modular a composição e Existem dados relevantes de que a ação das estati-
a biologia das placas ateroscleróticas vasculares, im- nas parece depender da menor ativação de algumas
pedindo sua progressão e evitando a ruptura e as com- proteínas que interferem em várias e importantes vias
plicações tromboembólicas, contribuindo, assim, para de sinalização celular, as quais estão implicadas na
a estabilização da placa. modulação de processos inflamatórios e relacionadas
Mais recentemente, com a introdução dos marca- a genes que condicionam a síntese de citocinas, fato-
dores séricos de inflamação, a mensuração da ativida- res de coagulação e maior expressão de óxido nítrico.
de inflamatória sistêmica e vascular tornou-se possí- A redução de mevalonato determina menor ativação
vel. A demonstração de que indivíduos com níveis per- das proteínas Ras e Rho, promovendo efeitos antiin-
sistentemente elevados de marcadores como proteína flamatórios, melhor equilíbrio hemostático e recupera-
C-reativa, interleucina 6 (IL-6), amilóide sérico A, mo- ção da reatividade vascular dependente do endotélio.
lécula de adesão intercelular-1 (ICAM-1), P-selectina Têm sido demonstradas outras ações imunomodulató-
ou fosfolipase A2 associada à lipoproteína (Lp-PLA2) rias na inflamação, como a mobilização de células-tron-
apresentam elevado risco cardiovascular tem levanta- co e a diminuição da resistência à insulina, entre ou-
do, atualmente, questionamentos importantes sobre o tras.(16)
papel destes, não somente como marcadores mas É preciso ressaltar que a redução do colesterol, “per
como potenciais objetivos terapêuticos. Devemos des- se”, também modifica favoravelmente os processos bi-
tacar que as estatinas têm eficácia comprovada em ológicos e os mediadores pró-inflamatórios da estabili-
diminuir os níveis desses marcadores inflamatórios, dade da placa aterosclerótica (Tab. 2).
independentemente de sua ação hipolipemiante. Existem sugestivas evidências que suportam a hi-
Embora reconhecido, o papel dos efeitos pleiotrópi- pótese de que as estatinas exerçam propriedades an-
cos das estatinas ainda não foi testado adequadamen- tiinflamatórias independentes de sua ação hipolipemi-
te sobre desfechos clínicos que possam distingui-los ante; entretanto, ainda restam algumas incertezas a
dos efeitos dependentes da ação hipolipemiante. Ain- serem determinadas em estudos futuros. Algumas
da permanece incerto, também, o grau de benefícios ações antiinflamatórias creditadas às estatinas, como
derivados exclusivamente da ação hipolipemiante des- a redução da expressão de metaloproteinases e pró-
ses fármacos. coagulantes, bem como a proliferação e a migração de
células musculares lisas, ocorrem em modelos animais
EFEITOS PLEIOTRÓPICOS DAS ESTATINAS em resposta a dieta hipogordurosa isolada. As concen-
trações de estatina necessárias para produzir efeitos
O mecanismo de ação das estatinas se dá pela ini- diretos “in vitro” não são as normalmente utilizadas na
bição competitiva da HMG-CoA redutase, enzima cha- clínica. As estatinas hidro e lipofílicas, a despeito de
ve na biossíntese de colesterol (Fig. 1). apresentarem efeitos antiinflamatórios distintos, promo-
Esse bloqueio da transformação da HMG-CoA em vem, ambas, os mesmos benefícios cardiovasculares.
mevalonato interrompe a seqüência biológica de for- E, por último, a administração de outros agentes an-
mação dos compostos intermediários da síntese do tiinflamatórios, como os inibidores da COX-2, não apre-
colesterol, os isoprenóides, precursores de diversas sentam benefícios cardiovasculares e o conhecimento

562 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
XAVIER HT
Efeitos pleiotrópicos
das estatinas: um novo
antiinflamatório?

Figura 1. Biossíntese do colesterol, bloqueio da HMG-CoA redutase.

Figura 2. Compostos isoprenóides intermediários do colesterol e modulação de pro-


cessos celulares. (Modificado de Liao (13).)

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 563
sobre seus potenciais efei- pode atenuar a oxidação das lipoproteínas e, portanto,
tos adversos ainda é limi- diminuir os estímulos pró-inflamatório e ateroscleróti-
tado.(15-17) co. Por outro lado, as propriedades antiinflamatórias
XAVIER HT Em conclusão, e em LDL-independentes incluem uma série de mecanismos
Efeitos pleiotrópicos resposta à questão inicial- distintos que podem ou não envolver a via HMG-CoA
das estatinas: um novo mente formulada “As esta- redutase/mevalonato.
antiinflamatório?
tinas são um novo antiin- Mesmo motivados por um interesse crescente so-
flamatório?”, poderíamos bre os efeitos pleiotrópicos das estatinas, sobretudo
responder: “Sim, mas...” as ações antiinflamatórias, o foco de nossa atenção
Embora exerçam funções permanece sendo o LDL-colesterol, o fator de risco mo-
antiinflamatórias, ambos dificável primordial da aterosclerose, principal objetivo
os efeitos LDL-dependen- terapêutico no alcance das metas para a redução do
tes e LDL-independentes parecem ser responsáveis por risco cardiovascular.
essas funções. A redução dos níveis de LDL-colesterol

Tabela 1. Ativação de processos pró-inflamatórios e expressão de mediadores após a administração de estati-


nas. (Adaptado de Schonbeck e Libby(15).)

Processos Mediadores Tipo celular

↓ Adesão ↓ Mac-1, ICAM-1, VCAM-1 Mø e CT para o endotélio;


↓ E-selectina e L-selectina sangue periférico
↓ Migração ↓ MCP-1, IL-8 CE, CML, Mø e CT
↓ RANTES
↓ Proliferação ↓ CML e CE CE, CML e Mø
↑ Função endotelial ↑ eNOS CE
↓ LDL-ox e Endotelina-1
↓ Degradação da matriz ↓ Metaloproteinases CE e Mø
↑ Apoptose ↑ Caspase-3/-9 CE, CML e Mø
↓ Prenilação de p21RhoB
↓ Trombose ↓ FT, VIIa, t-PA, Pq, TxA2 CE, Mø e Pq;
↑ Fib, PAI-1, PGI2 sangue periférico
↓ Mediadores inflamatórios ↓ CD40/-40L, TNFá, PCR, CE e Mø;
IL-1ß/-6/-12, COX2, SA-A, sangue periférico
IFNγ, MHC II
↑ PPARγ

Tabela 2. Efeitos antiinflamatórios da redução do co-


lesterol “per se”. (Adaptado de Libby e Aikawa(17).)

Redução do colesterol

↓ Redução do número de macrófagos


↑ Maturação das células musculares lisas
↑ Colágeno intersticial
↓ Expressão das matrizes metaloproteinases
↓ Expressão de fator tecidual
↓ Expressão de CD40 ligante/CD40
↓ Expressão de moléculas de adesão (VCAM-1, MCP-1)
↓ Estresse oxidativo

564 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
PLEIOTROPIC EFFECTS: STATINS AS
XAVIER HT ANTI-INFLAMMATORY AGENTS?
Efeitos pleiotrópicos
das estatinas: um novo
antiinflamatório?
HERMES TOROS XAVIER

In the contemporary view, the atherosclerosis does not result from the passive
lipid deposition in the arterial wall. Inflammation and immunity play an active and
complex role in all stages of atherosclerosis. Statins reduce cardiovascular risk through
mechanisms beyond mere lipid lowering and that action may derive from modulation
of the composition and biology of the plaque, leading plaque stabilization. Both lipid-
lowering -dependent and -independent functions appear to be responsible by anti-
inflammatory effects of statins. Despite suggestive evidence, the role of the pleiotro-
pic effects of statins remains controversy. Future studies addressing this issue must
confront current uncertainties and concerns.

Key words: anti-inflammatory, atherosclerosis, pleiotropics, statins.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:561-6)


RSCESP (72594)-1580

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566 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
SEGURANÇA NA UTILIZAÇÃO DE FÁRMACOS
BERTOLAMI M e col. HIPOLIPEMIANTES
Segurança na utilização
de fármacos
hipolipemiantes
MARCELO CHIARA BERTOLAMI, ANDRÉ ARPAD FALUDI

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

Endereço para correspondência: Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 – Ibirapuera –


CEP 04012-180 – São Paulo – SP

Os fármacos hipolipemiantes têm sido desenvolvidos amplamente desde o reco-


nhecimento do papel das dislipidemias como fatores de risco para aterosclerose e
suas complicações. Hoje dispomos de medicamentos potentes e seguros, capazes
de isoladamente ou em associação produzir adequação do perfil lipídico da maioria
dos pacientes às metas terapêuticas recomendadas pelas diretrizes. Apesar disso,
os dados internacionais mostram a subutilização desses produtos, particularmente
nos pacientes de mais alto risco, que sabidamente apresentariam grandes benefíci-
os se pudessem contar com sua prescrição. Uma das causas identificadas para a
pouca utilização dos hipolipemiantes é o receio dos possíveis efeitos colaterais des-
ses fármacos, principalmente quando doses maiores seriam necessárias. Diante
disso, é de extrema importância o conhecimento, por parte dos profissionais de
saúde, do perfil de segurança e das possíveis interações desses medicamentos
entre si e com outros produtos utilizados freqüentemente na clínica. Esta revisão
traz discussão sobre a segurança do uso dos hipolipemiantes isolados ou em asso-
ciação, bem como sobre as possíveis interações importantes na prática diária.

Palavras-chave: toxicidade de drogas, hiperlipidemia, efeitos adversos, interação


de medicamentos.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:567-73)


RSCESP (72594)-1581

INTRODUÇÃO sa forma, tem sido recomendado o emprego da medi-


cação hipolipemiante com vistas à prevenção cardio-
Desde o reconhecimento de que as dislipidemias vascular por tempo indeterminado, procurando-se ade-
são importantes fatores de risco para o desenvolvimento quar as metas terapêuticas a cada situação individual
da aterosclerose e de suas complicações, medidas te- de risco. Além disso, com a evolução do conhecimento
rapêuticas voltadas para sua correção têm sido institu- agregado pelos diversos estudos, essas metas têm sido
ídas. Envolvem, além de modificações do estilo de vida, modificadas ao longo dos anos, tornando-se cada vez
a freqüente utilização contínua de medicamentos ca- mais rigorosas, o que exige mais freqüente utilização
pazes de melhorar o perfil lipídico de diferentes formas. de medicamentos para sua obtenção. Diante da ne-
Estudos clínicos randomizados controlados por place- cessidade do emprego desses produtos por longos
bo têm demonstrado claramente que esses fármacos anos, muitas vezes em altas doses e/ou em associa-
são capazes de reduzir o risco cardiovascular em di- ções, é muito importante o conhecimento de seu perfil
versas populações submetidas a variados riscos de de segurança e de quais os cuidados que devem ser
aparecimento das manifestações ateroscleróticas. Des- tomados para sua prescrição e uso continuado. Esses

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 567
aspectos são abordados minases geralmente é observada com a suspensão do
neste artigo. medicamento ou com a redução da dose e muitas ve-
zes não reaparece com a reintrodução do mesmo pro-
BERTOLAMI M e col. FÁRMACOS duto ou pela seleção de outra estatina(3). É contra-indi-
Segurança na utilização HIPOLIPEMIANTES cada a prescrição de uma estatina em paciente com
de fármacos doença hepática ativa, mas a presença de aumento
hipolipemiantes
Os medicamentos em- crônico das transaminases pode até melhorar em pa-
pregados para o tratamen- cientes com fígado gorduroso(4). A recomendação é de
to das dislipidemias po- que se faça a determinação inicial das transaminases
dem ser classificados, de (TGO e TGP) antes de se iniciar o medicamento e pos-
modo simples, naqueles teriormente que se faça seu controle (a mais sensível
que agem principalmente é a TGP) a cada vez que se determina o perfil lipídico,
sobre o colesterol e naqueles que atuam principalmente principalmente se ocorrer aumento de dose(5). Reco-
sobre os triglicérides. Essa classificação traz, portan- menda-se que se houver aumento das transaminases
to, a informação de que todos eles podem, além de acima de três vezes o limite superior da normalidade,
manifestar sua ação predominante, atuar sobre as ou- o tratamento deva ser suspenso ou pelo menos a dose
tras frações do perfil lipídico, como LDL-colesterol (co- reduzida(5). O aumento das transaminases antes de se
lesterol de lipoproteína de baixa densidade), triglicéri- iniciar o tratamento com estatina não é considerado
des e HDL-colesterol (colesterol de lipoproteína de alta contra-indicação para seu uso; entretanto, elas devem
densidade). Os que atuam principalmente sobre o co- ser prescritas com cuidado nos casos em que há indi-
lesterol são as estatinas, a ezetimiba e as resinas, en- cação. Pacientes com cirrose avançada apresentam
quanto os que atuam preferencialmente sobre os trigli- aumento de dez a vinte vezes dos níveis séricos de
cérides são os fibratos, o ácido nicotínico (niacina) e o estatinas. Entretanto, os pacientes portadores de cir-
óleo de peixe. As questões envolvendo a segurança e rose tipicamente têm baixos níveis de colesterolemia e
as interações dos diversos medicamentos serão dis- não requerem agentes hipolipemiantes(6).
cutidas a seguir, de acordo com seu grupo farmacoló- A miopatia é o efeito colateral potencialmente mais
gico. perigoso das estatinas. O termo se refere a qualquer
doença dos músculos, que pode ser adquirida ou her-
MEDICAMENTOS COM AÇÃO PREDOMINANTE dada e que pode se manifestar ao nascimento ou du-
SOBRE O COLESTEROL rante a vida. Ocorre em cerca de 5% dos pacientes
tratados, o que não é diferente das taxas observadas
Estatinas nos grupos que empregaram placebo. Engloba diver-
São bem toleradas pela maioria dos pacientes. Vá- sas condições(1):
rios são os efeitos colaterais que podem surgir, depen- - Mialgia: é a dor com ou sem fraqueza muscular, não
dendo do uso desses medicamentos: intolerância di- acompanhada do aumento da enzima muscular
gestiva, cefaléia, distúrbios do sono, alopécia, disfun- (CK).
ção erétil, alergias de pele, alterações hematológicas, - Miosite: refere-se aos sintomas musculares com au-
dores articulares e neuropatia periférica, entre outros. mento da CK. Entretanto, há possibilidade da ocor-
A necessidade de suspender uma estatina por causa rência de aumento da CK, potencialmente perigo-
dos efeitos colaterais ocorre em média de 2,5% a 3% so, absolutamente sem qualquer sintoma muscular.
dos casos, independentemente de qual a estatina em- Em conseqüência, é recomendada a monitorização
pregada. Os principais efeitos colaterais dependentes da CK durante o tratamento com as estatinas.
do emprego desses medicamentos são a miopatia e a - Rabdomiólise: define os sintomas musculares acom-
hepatopatia. O aumento das transaminases (TGO e/ panhados de aumento importante da CK (em geral
ou TGP) em conseqüência do uso das estatinas ocorre acima de dez vezes o limite superior da normalida-
em 0,5% a 2% dos casos e é dose-dependente(1). Os de), leva ao aumento da creatinina com disfunção
aumentos das enzimas usualmente ocorrem nas pri- renal, urina escura e mioglobinúria. É potencialmente
meiras 12 semanas de tratamento. Ainda é questioná- fatal, aparecendo a cada 100 mil prescrições de
vel se o aumento das transaminases dependente do estatina. Uma pessoa em um milhão das que rece-
emprego das estatinas representa ou não verdadeira bem estatina irá falecer em conseqüência da rab-
hepatotoxicidade. A chance de ocorrência de hepatite domiólise(7). Os casos de rabdomiólise relatados em
clínica com o uso das estatinas é inferior a um em um geral ocorreram em pacientes que empregavam uma
milhão de casos tratados(1). A progressão para insufici- estatina associada a um ou mais medicamentos, o
ência hepática com as estatinas é extremamente rara, que seguramente contribuiu para a ocorrência do
se é que ocorre(2). A reversão do aumento das transa- problema. A retirada da cerivastatina do mercado

568 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
internacional em 2001, zada em casos de dislipidemia com doença hepática
pela constatação de que aguda. Em associação com as estatinas, é bem tolera-
ela era responsável por da, não aumentando a chance de aparecimento das
BERTOLAMI M e col. oitenta vezes mais casos alterações das transaminases, que ocorrem em no
Segurança na utilização de miólise que os relata- máximo 2% dos casos(9, 10).
de fármacos dos para as outras estati-
hipolipemiantes
nas, trouxe preocupação Resinas
entre médicos, pacientes e Como não são absorvidas pelo trato gastrointesti-
autoridades de saúde. En- nal, não têm ação sistêmica. Portanto, os efeitos cola-
tretanto, a prescrição cui- terais comuns decorrentes do uso das resinas (no Bra-
dadosa das estatinas, me- sil somente dispomos da colestiramina) são relaciona-
dicamentos muito úteis na dos ao aparelho digestivo. Freqüentemente aparecem
prevenção cardiovascular, não perdeu espaço. obstipação intestinal, plenitude gástrica e aumento do
Alguns pacientes assintomáticos poderão apresen- meteorismo, razão pela qual a tolerabilidade em adul-
tar aumentos da CK entre três e dez vezes o limite su- tos e idosos é muito ruim. Em alguns pacientes pode
perior da normalidade, o que exige monitorização se- ocorrer aumento importante da trigliceridemia, chegan-
manal dos níveis da CK. Se esses níveis ultrapassa- do ao risco do aparecimento da pancreatite aguda.
rem dez vezes o limite superior da normalidade, o me- Nesses casos, a resina deverá ser suspensa ou, dian-
dicamento deverá ser suspenso até que haja normali- te da impossibilidade de tal ação, deverá ser iniciado
zação dos níveis. Entretanto, mesmo que os níveis não medicamento para reduzir os níveis de triglicérides. A
atinjam dez vezes o limite superior da normalidade, se colestiramina pode influir na absorção das vitaminas
mostrarem aumento significativo em cada dosagem não lipossolúveis, o que leva à necessidade de monitoriza-
há necessidade de esperar que aumentem mais e o ção dos níveis do INR quando o paciente usa anticoa-
medicamento deve ser suspenso até a normalização gulantes orais. Em crianças é recomendada a reposi-
dos níveis. Posteriormente, outro medicamento pode ção de vitaminas A e D durante o emprego prolongado
ser testado ou até o mesmo em doses menores. Tem da colestiramina.
sido sugerida para os casos em que a estatina não é O emprego das resinas raramente produz agres-
tolerada, por mialgia, mas a CK é nada ou pouco alte- são hepática(11), diante do que não é necessário o con-
rada, a prescrição da coenzima Q10, na tentativa de trole periódico das enzimas hepáticas durante o trata-
se conseguir manter a estatina. Entretanto, essa reco- mento com esses produtos.
mendação não é de consenso. Em alguns pacientes, a utilização da colestiramina
Algumas situações sabidamente são fatores de ris- pode levar ao aumento da trigliceridemia, o que pode
co para a miopatia induzida pelas estatinas: interações induzir excepcionalmente o aparecimento de episódi-
medicamentosas (polimedicados), altas doses das es- os de pancreatite aguda. Assim, quando houver aumen-
tatinas, idade avançada, sexo feminino, pequena es- to dos triglicérides sob ação da colestiramina, ela de-
trutura corporal, distúrbios eletrolíticos, insuficiência verá ser suspensa ou, se isso não for possível, deverá
renal, diabetes melito, insuficiência hepática, doenças ser adicionado outro produto capaz de levar à redução
hepatobiliares obstrutivas, hipotireoidismo, período dos triglicérides (como um fibrato ou a niacina).
perioperatório, estatinas lipofílicas.
É importante salientar que as estatinas têm sua ex- MEDICAMENTOS COM AÇÃO PREDOMINANTE
creção predominante pelo fígado e vias biliares. Entre- SOBRE OS TRIGLICÉRIDES
tanto, a pravastatina é a única delas que apresenta ex-
creção quase que exclusivamente renal. Diante disso, Fibratos
ou não deve ser empregada ou, se o for, sua prescri- Os efeitos colaterais observados com o emprego
ção deve ser feita com muito cuidado em pacientes por- dos fibratos não são freqüentes, sendo os mais comuns
tadores de disfunção renal. os gastrointestinais. Podem ocorrer cefaléia, mialgia,
perturbação do sono, alopécia, prurido, erupção cutâ-
Ezetimiba nea, diminuição da libido e disfunção erétil, e, muito
É medicamento muito bem tolerado, raramente le- raramente, leucopenia. O mais preocupante deles é a
vando a queixas gastrointestinais. Raros casos de mi- miopatia, sendo recomendada a monitorização da CK
algia e rabdomiólise foram descritos, mas sempre em e os cuidados para eventual suspensão do medicamen-
associação com estatinas. Não parece produzir danos to semelhantes aos preconizados com as estatinas(12).
hepáticos, uma vez que o aumento das enzimas hepá- A hepatotoxicidade com os fibratos ocorre mais rara-
ticas com esse produto é semelhante ao observado mente que com as estatinas, e o controle das enzimas
com o placebo(8). Recomenda-se que ela não seja utili- hepáticas não é consenso. Desde a época em que o

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 569
clofibrato era o único me- prostaciclina, envolvida com a gênese desse fenôme-
dicamento disponível des- no. Entretanto, em nossa experiência, são poucos os
se grupo, sabe-se que os pacientes que se beneficiam desse tratamento. Mais
BERTOLAMI M e col. fibratos aumentam o con- raramente, o tratamento com a niacina pode levar a
Segurança na utilização teúdo de colesterol da bile, pele seca e “acanthosis nigricans”, hipotensão postu-
de fármacos levando a maior litogenici- ral, síncope e arritmias atriais.
hipolipemiantes
dade. O uso dos fibratos
pode, em alguns pacientes Óleo de peixe
(cerca de um terço dos tra- O óleo de peixe, rico nos ácidos graxos do tipo ôme-
tados com esses medica- ga-3, eicosapentaenóico e docosa-hexaenóico, tem
mentos), produzir, parale- sido recomendado para o tratamento das hipertriglice-
lamente à redução dos tri- ridemias. Entretanto, seu efeito é discreto e muito pior
glicérides e aumento do HDL-colesterol, aumento do que o observado com os fibratos ou a niacina. Pode
LDL-colesterol. O aparecimento desse efeito poderá ser prescrito nos casos em que esses medicamentos
levar à necessidade da suspensão do medicamento ou não são tolerados ou não funcionam de forma adequa-
da associação com um medicamento capaz de reduzir da, isoladamente ou em associação. As doses requeri-
o LDL-colesterol (estatina, ezetimiba ou resina). das são altas, em geral superiores a 3 gramas por dia,
Os fibratos sofrem excreção principalmente pelos o que leva a efeitos gastrointestinais insuportáveis para
rins, de forma que seu emprego em pacientes com fun- muitos pacientes. Muitos se queixam, também, de que
ção renal prejudicada deve ser feito com muito cuida- passam a exalar odor de peixe com doses altas do
do. Além de poderem ter maior toxicidade nos pacien- medicamento. Os óleos de peixe disponíveis no mer-
tes portadores de insuficiência renal (principalmente cado brasileiro são ricos em colesterol, uma vez que
pela miopatia), podem ser, também, nefrotóxicos, le- derivam de produto de origem animal e não são purifi-
vando à piora da função renal. cados. Dessa forma, em alguns pacientes, altas doses
desses produtos podem levar ao aumento do LDL-co-
Niacina lesterol, exigindo ou suspensão do uso ou adição de
As apresentações da niacina, ou ácido nicotínico, outros medicamentos.
têm evoluído ao longo do tempo, de acordo com as
necessidades e com os efeitos colaterais apresenta- INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS
dos. Assim, inicialmente era empregada a niacina de
ação rápida, cujo principal efeito colateral, que pratica- As indicações e conseqüentes prescrições dos me-
mente inviabilizava seu emprego, era o “flush” cutâneo, dicamentos hipolipemiantes têm sido cada vez maio-
que aparecia minutos após a ingestão do medicamen- res. Eles são empregados por pacientes que podem
to. Posteriormente foi desenvolvida a niacina de ação ter necessidade da utilização de numerosos outros me-
prolongada, com a qual se obteve melhora do efeito dicamentos, para as mais diversas finalidades. A asso-
“flush”, mas a possibilidade de alterações hepáticas ciação de um ou mais desses produtos entre si e com
induzidas por essa formulação chegava a 50% dos outros pode ter conseqüências importantes, uma vez
casos. Finalmente podemos contar com a niacina de que a interação entre eles pode levar à diminuição ou
ação intermediária, que apresenta boa redução da ao aumento dos efeitos terapêuticos, bem como dos
chance de aparecimento do “flush” e também com pou- possíveis efeitos colaterais. Desse modo, é muito im-
ca probabilidade de levar a alterações hepáticas. É re- portante o conhecimento de quais as possíveis intera-
comendada a determinação das transaminases antes ções dos hipolipemiantes entre si e desses fármacos
e durante o tratamento com a niacina. Além desses com outros do mercado.
efeitos possíveis de aparecer com o tratamento com a As estatinas têm como principal via de metaboliza-
niacina, podem surgir, também, aumentos do ácido úri- ção o citocromo P-450 (CYP450), particularmente o
co (com desencadeamento de crises de gota) e da gli- 3A4. Essa é também a via de metabolização da maio-
cemia, embora com menor probabilidade com a forma ria dos medicamentos empregados na prática clínica.
de ação intermediária. Pode ocorrer miopatia, caracte- Conseqüentemente torna-se muito importante saber
rizada por mialgia acompanhada ou não de elevação quais as possíveis interações entre os medicamentos
da CK; entretanto, a incidência é muito baixa, por isso decorrentes dessa via metabólica. Observe-se que a
não é necessária a monitorização da enzima muscular fluvastatina usa o CYP450 2C9, enquanto a rosuvas-
durante o tratamento com niacina(13). A literatura refere tatina utiliza o 2C9 e o 2C19, citocromos pelos quais
que o emprego de aspirina 500 mg cerca de meia hora menor número de medicamentos é metabolizado e,
antes da tomada da niacina pode levar à diminuição do portanto, teoricamente há menos chance de apareci-
aparecimento do “flush”, por diminuir a liberação de mento de interações.

570 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
INTERAÇÕES nicotínico, apesar de não contra-indicada, também deve
MEDICAMENTOSAS ser realizada com cuidado.
ENVOLVENDO AS A interação medicamentosa pode se fazer por ou-
BERTOLAMI M e col. ENZIMAS DO tros mecanismos além da via citocromo P-450; assim,
Segurança na utilização CITOCROMO P-450 3A4 é importante salientar que em qualquer associação me-
de fármacos (CYP450 3A4) dicamentosa deve ser lembrada a possibilidade de in-
hipolipemiantes
teração.
É importante lembrar
que ocorre interação clini- CONCLUSÃO
camente significativa entre
os fibratos e as estatinas. Os medicamentos hipolipemiantes disponíveis atu-
Embora essa associação almente representam grande avanço na área da pre-
tenha esse potencial de interação, não é contra-indica- venção cardiovascular. Entretanto, apresentam, como
da formalmente, de modo que pode ser empregada com toda medicação, possíveis efeitos indesejáveis, alguns
cuidado. O tipo de interferência não decorre do CYP450 deles sendo até potencialmente graves. Felizmente, es-
3A4, mas de outro processo de metabolismo das esta- ses efeitos colaterais não são freqüentes, o que permi-
tinas, a glucoronidação, que é inibido pelos fibratos. te que a prescrição da medicação hipolipemiante pos-
Particularmente a associação do genfibrozil com qual- sa ser feita com base na busca das metas lipídicas pro-
quer estatina tem sido contra-indicada, pois esse fibra- postas pelas diretrizes, empregando-se as doses ne-
to mostrou-se o mais problemático diante da associa- cessárias e suficientes para tal, eventualmente com
ção com a cerivastatina e com qualquer outra estatina. associação de produtos. Outra informação importante
Tem sido verificado, na prática, que a associação das é que a associação dos hipolipemiantes entre si e com
estatinas com os fibratos aumenta a chance de hepa- outros medicamentos é capaz de produzir interações,
totoxicidade para 3,2%(14). que devem ser reconhecidas pelo médico assistente
Além disso, a associação da estatina com o ácido para melhor proteção auferida aos pacientes.

Tabela 1. Exemplos de substratos do CYP450 3A4.

Atorvastatina Lovastatina Sinvastatina Anlodipina


Prednisona Diazepam Sildenafil Cisaprida
Lidocaína Alprazolan Carbamazepina Propafenona
Cilostazol Amiodarona Pioglitazona Quinidina
Verapamil Nifedipina

Tabela 2. Inibidores clinicamente significantes do CYP450 3A4.

Claritromicina Eritromicina Diltiazem Verapamil Amiodarona


Cetoconazol Itraconazol Fluconazol Ciclosporina Suco de
“grapefruit”
Cimetidina Ciprofloxacina Norfloxacina Norfluoxetina Ritonavir e outros
antivirais

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 571
SAFETY OF THE USE OF HYPOLIPIDEMIC DRUGS
BERTOLAMI M e col.
Segurança na utilização MARCELO CHIARA BERTOLAMI, ANDRÉ ARPAD FALUDI
de fármacos
hipolipemiantes

Since the recognition of the role of dyslipidemias as risk factors for atherosclero-
sis and its complications, the development of drugs for their treatment has been
notorius. Nowadays we have potent and safe medications capable, alone or in com-
bination, to lead to the adequation of the lipid profile of the majority of patients to the
therapeutical targets recommended by the guidelines. In spite of this, international
data show under-utilization of these products, particularly for high risk patients who
would have great benefits with their use. One of the identified causes for the little
utilization of hypolipidemic drugs is the fear of possible adverse effects of these
products mainly when high dosis would be necessary. Hereafter it is of extreme
importance the knowledge, by health professionals, of the safety profile and the
possible interactions of these medication between them and with other products
routinely used. This review brings up the discussion about safety of the use of hypo-
lipidemic drugs alone or in association, as well as possible interactions important for
daily practice.

Key words: drug toxicity, hyperlipidemia, adverse effects, drug interaction.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:567-73)


RSCESP (72594)-1581

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572 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
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BERTOLAMI M e col.
Segurança na utilização
de fármacos
hipolipemiantes

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 573
ESTRATÉGIA NO SEGUIMENTO A LONGO PRAZO
FALUDI AA e col. DE PACIENTES DISLIPÊMICOS SOB
Estratégia no seguimento
a longo prazo de TRATAMENTO FARMACOLÓGICO
pacientes dislipêmicos
sob tratamento
farmacológico
ANDRÉ ARPAD FALUDI, MARCELO CHIARA BERTOLAMI

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

Endereço para correspondência: Rua dos Otonis, 162 – Vila Clementino –


CEP – 04025-000 – São Paulo – SP

A maior parte dos pacientes hiperlipidêmicos necessita, para controle adequado


e obtenção das metas terapêuticas, além de modificações do estilo de vida, associ-
ação de terapia farmacológica. Neste artigo é discutida a melhor forma de acompa-
nhar o paciente que faz uso de medicamentos hipolipemiantes, no que diz respeito
à obtenção das metas terapêuticas e dos efeitos adversos dos vários fármacos. É
discutido, também, o controle adequado dos exames relacionados ao perfil de segu-
rança, objetivando, sempre, fornecer ao paciente o máximo de segurança no trata-
mento, extraindo todos os possíveis benefícios do agente farmacológico em ques-
tão e reduzindo, por outro lado, seus potenciais riscos.

Palavras-chave: hiperlipidemia, agentes hipolipêmicos, efeitos adversos.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:574-9)


RSCESP (72594)-1582

INTRODUÇÃO de medidas tanto higieno-dietéticas como medicamen-


tosas, evidenciam de forma inquestionável os benefí-
A doença arterial coronária é a principal causa de cios da redução da colesterolemia sobre os eventos
morte no mundo Ocidental. Segundo dados da Organi- cardiovasculares, tanto na prevenção primária como na
zação Mundial da Saúde (OMS), estima-se que apro- prevenção secundária da doença aterosclerótica.
ximadamente 16 milhões de adultos morrem por ano Uma vez realizado o diagnóstico da dislipidemia e
vítimas das doenças cardiovasculares e 32 milhões de afastada uma possível causa secundária em sua gê-
adultos por ano são acometidos por infarto do miocár- nese, o primeiro passo no tratamento consiste em de-
dio(1). Numerosos são os fatores de risco que atuam de finir a meta lipídica a ser alcançada para se obter o
forma direta na elevada prevalência dessa doença. máximo possível de benefícios na redução dos even-
Nesse contexto, as hiperlipidemias desempenham pa- tos cardiovasculares. Essas metas preconizadas, con-
pel importante na gênese da doença aterosclerótica. forme o NCEP ATP III(3) e a III Diretrizes Brasileiras
Estudos epidemiológicos, experimentais e clínicos de- sobre as Dislipidemias e Diretriz de Prevenção da Ate-
monstram claramente essa associação, ou seja, quan- rosclerose do Departamento de Aterosclerose da So-
to maior as concentrações de colesterol total e de co- ciedade Brasileira de Cardiologia(4), são obtidas por
lesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-co- meio do cálculo do risco pela tabela de Framingham.
lesterol) maior é a incidência de doença arterial coro- Assim, as metas dependem do risco cardiovascular do
nária(2). Além disso, os estudos de intervenção, por meio paciente. Quanto maior o risco menor será a meta a

574 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
ser atingida e mantida e cidade variável, em que se analisam, além da obten-
vice-versa (Tab. 1). ção e/ou manutenção das metas terapêuticas estabe-
Recentemente, após a lecidas pelas diretrizes, a presença de possíveis sinto-
FALUDI AA e col. análise dos estudos mas decorrentes da terapia hipolipemiante, bem como
Estratégia no seguimento PROSPER (5) , HPS (6) , os exames laboratoriais de segurança.
a longo prazo de ALHAT , ASCOT (8) e
(7)
A periodicidade da avaliação clínico-laboratorial dos
pacientes dislipêmicos
sob tratamento
PROVE-IT(9), foi publicado pacientes dislipidêmicos varia de caso a caso. Depen-
farmacológico um documento adicional de da obtenção das metas terapêuticas, da presença
ao NCEP-ATP III, no qual de sintomas, da adesão ao tratamento, da classe de
se estabeleceu novo pata- hipolipemiante prescrita e do eventual uso da associa-

Tabela 1. Metas de colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-colesterol) a serem atingidas no trata-
mento das dislipidemias.

Risco Categoria de pacientes Meta de LDL-colesterol

Alto risco Portadores de aterosclerose < 100 mg/dl


Diabetes melito
Risco de DAC > 20%
Risco moderado Risco de DAC entre 10% e 20% < 130 mg/dl
Baixo risco Risco de DAC < 10% < 160 mg/dl

DAC = doença arterial coronária.

mar de redução do LDL-colesterol, menor que 70 mg/ ção de fármacos hipolipemiantes, que sabidamente
dl. Estariam nessas metas terapêuticas indivíduos com pode aumentar a ocorrência de eventos adversos clíni-
risco muito elevado de doença arterial coronária (paci- cos e/ou laboratoriais. Assim, dependendo da situação,
entes com síndrome isquêmica aguda, pacientes por- como as expostas anteriormente, as visitas podem ter
tadores de doença arterial coronária associada a fato- freqüência mensal, bimestral e, como na nossa Insti-
res de risco importantes, entre os quais diabetes, into- tuição, no máximo semestral.
lerância à glicose, tabagismo e síndrome metabólica)(10).
São considerados ideais os valores de triglicérides abai- SEGUIMENTO DOS PACIENTES EM USO DE
xo de 150 mg/dl e de colesterol de lipoproteína de alta- ESTATINAS
densidade (HDL-colesterol) superiores a 40 mg/dl no
homem e a 50 mg/dl na mulher. As estatinas são medicamentos seguros, bem tole-
Estabelecida qual a meta de LDL-colesterol que de- rados e raramente induzem a ocorrência de eventos
vemos atingir, iniciamos a terapia hipolipemiante. Esta colaterais. Os mais freqüentes são cefaléia, sintomas
pode inicialmente ser realizada por meio de modifica- digestivos (diarréia, obstipação, flatulência, dispepsia),
ções do estilo de vida isoladamente (dieta, atividade exantema cutâneo, prurido e mialgia. Além da monito-
física, cessação do vício de fumar); caso essas medi- rização clínica, os pacientes devem ser monitorados
das não produzam os benefícios esperados sobre o sob o aspecto laboratorial. Assim, é imprescindível a
perfil lipídico, deve-se então associar terapia medica- realização de exames de segurança de hepatotoxici-
mentosa. Entretanto, não raramente, dependendo da dade, as aminotransferases (ALT e AST), e de toxici-
gravidade da dislipidemia, principalmente as de etiolo- dade muscular, a creatinofosfoquinase (CPK). Consti-
gia genética, podemos optar pelo início do tratamento tuem critérios de interrupção do tratamento com as
com a associação de modificações do estilo de vida e estatinas a presença de sintomas desconfortáveis, prin-
tratamento farmacológico. É importante salientar que, cipalmente a mialgia, descrita em 1% a 7% dos ca-
uma vez iniciada a terapia farmacológica, esta deve sos(11), mesmo sem elevação da CPK. Laboratorialmen-
ser mantida de forma indefinida, exceto quando hou- te, são critérios para interrupção do tratamento eleva-
ver motivo para sua interrupção. ção de ALT e/ou AST três vezes acima do limite supe-
O seguimento do paciente portador de dislipidemia rior da normalidade e CPK dez vezes acima do limite
em tratamento farmacológico é realizado com periodi- superior da normalidade. As enzimas hepáticas e mus-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 575
culares devem ser monito- de vista laboratorial, raramente podem ocasionar ele-
radas antes de iniciar o tra- vação de ALT e AST, como também da CPK. Da mes-
tamento, após trinta dias, ma forma que para as estatinas, constituem critérios
FALUDI AA e col. três meses e, posterior- para a interrupção do medicamento elevações de ALT
Estratégia no seguimento mente, a cada seis meses e AST três vezes acima do limite superior da normali-
a longo prazo de de tratamento ou quando dade e da CPK dez vezes acima do limite superior da
pacientes dislipêmicos
sob tratamento
houver indicação do pon- normalidade. São contra-indicados na insuficiência
farmacológico to de vista clínico. É impor- hepática grave. Alterações leves de função hepática
tante ressaltar que a mo- requerem cautela em sua utilização. Na prática diária,
nitorização deve ser reali- freqüentemente nos deparamos com portadores de hi-
zada com mais brevidade pertrigliceridemia importante, com elevação das tran-
e freqüência sempre que saminases séricas decorrente da presença de estea-
se utilizam doses elevadas da estatina, quando se au- tose hepática à ultra-sonografia abdominal (infiltração
menta a dose do medicamento e quando se associam gordurosa do fígado). Nessas situações, o uso de fi-
outros medicamentos hipolipemiantes como fibratos e bratos, com monitorização cuidadosa da função hepá-
ácido nicotínico, que sabidamente aumentam o risco tica, freqüentemente normaliza as concentrações de
de eventos adversos. Às vezes pode ocorrer elevação triglicérides como também das transaminases.
da enzima muscular após realização de exercícios físi- Fato que requer atenção especial é a função renal,
cos em indivíduos que utilizam estatina. Nesses ca- pois essa classe de medicamentos é excretada pelos
sos, a elevação da CPK pode ser conseqüente ao es- rins. Assim, devem ser utilizados com muito cuidado
forço muscular realizado e não decorrente do uso da nos indivíduos que apresentam insuficiência renal.
estatina. Assim, é sempre importante pesquisar a prá- Nesses casos, quando indicado, os fibratos devem ser
tica de atividade física nos dias que precederam a co- utilizados em doses menores que as habitualmente em-
leta do exame. Quanto às aminotransferases, tem sido pregadas.
descrita elevação em indivíduos após excesso alcoóli-
co, principalmente nos dias que precederam a realiza- SEGUIMENTO DOS PACIENTES EM USO DE
ção do exame laboratorial. ÁCIDO NICOTÍNICO
Com a utilização das estatinas, tem sido descrita
proteinúria discreta, transitória e reversível, não sen- Apesar de constituir uma classe terapêutica alta-
do, portanto, preditiva de doença renal aguda e pro- mente eficaz no tratamento das hipertrigliceridemias e
gressiva(12). de pacientes com concentrações baixas de HDL-co-
É importante ressaltar que o maior porcentual de lesterol, sua utilização é limitada pelos efeitos colate-
redução do LDL-colesterol ocorre com as doses inici- rais, que são muito freqüentes. Ocorre, portanto, alta
ais de estatinas, e cada vez que a dose é dobrada ocor- prevalência de interrupção do tratamento, em até 50%
re apenas aumento adicional médio de 6% na redução dos casos. Dentre os eventos adversos, os mais fre-
do LDL-colesterol. Os eventos adversos com as estati- qüentes são calor, rubor, alterações digestivas (dor
nas, apesar de infreqüentes, exibem correlação bem abdominal, náuseas, diarréia e dispepsia, e, às vezes,
definida e dose-dependente. Assim, para adequarmos reativação de úlcera péptica) e prurido(14). Além disso,
o perfil de risco/benefício com as estatinas, é sempre são descritas, com a utilização desses medicamentos,
prudente iniciar a terapia com doses baixas, muitas elevações da glicemia e do ácido úrico(15). Vale ressal-
vezes eficazes e seguras, e aumentar progressivamente tar que grande parte dos pacientes hipertrigliceridêmi-
até a obtenção das metas recomendadas para cada cos com ou sem HDL-colesterol baixo, que têm indica-
caso, minimizando ao máximo o potencial de eventos ção para usar essa classe de medicamentos, é porta-
adversos. dora de diabetes, situação que deve ser analisada com
cuidado, embora a hiperglicemia não seja contra-indi-
SEGUIMENTO DOS PACIENTES EM USO DE cação para a prescrição da niacina. O aumento da gli-
FIBRATOS cemia ocorre menos freqüentemente com a forma de
liberação intermediária; quando presente, é mais dis-
Os fibratos, medicamentos que atuam de forma pre- creta e geralmente de caráter transitório. A niacina pode
dominante sobre os triglicérides, são fármacos bem to- aumentar as transaminases, na maioria das vezes de
lerados. Raramente são descritos efeitos adversos; forma discreta e transitória, sendo, portanto, contra-in-
quando presentes, os mais freqüentes são sintomas dicação absoluta a presença de doença hepática crô-
digestivos (dores abdominais, diarréia, meteorismo, nica. São raramente descritas elevações da CPK, com
náuseas), tonturas, cefaléia, prurido, urticária, mialgia ou sem queixa de dor muscular, sendo esta mais fre-
e aumento da incidência de litíase biliar(13). Do ponto qüente quando se usa o ácido nicotínico associado às

576 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
estatinas. Comumente são a monitorização desses pacientes segue os mesmos
transitórias, retornando princípios já descritos com esses fármacos.
aos valores pré-tratamen- Na prática clínica, a ezetimiba é indicada na mono-
FALUDI AA e col. to com a suspensão do terapia da hipercolesterolemia para pacientes que re-
Estratégia no seguimento medicamento. querem reduções moderadas de LDL-colesterol ou
a longo prazo de A niacina de liberação quando existe intolerância ao uso de estatinas. Além
pacientes dislipêmicos
sob tratamento
imediata tem como princi- disso, indicamos freqüentemente na terapia combina-
farmacológico pais efeitos colaterais o da, principalmente naqueles pacientes que não tole-
calor e o rubor decorren- ram doses elevadas de estatina, ou quando, apesar da
tes da liberação de pros- dose máxima de estatina, necessitamos reduções ain-
taglandinas durante sua da maiores das concentrações de LDL-colesterol.
metabolização; portanto,
podem ser reduzidos com a administração de aspirina SEGUIMENTO DOS PACIENTES EM USO DE
30 a 60 minutos antes da tomada do ácido nicotínico. RESINAS
Além disso, a apresentação de liberação intermediária
também reduz esse evento adverso desconfortável. Representadas pela colestiramina (a única existen-
Assim, é importante monitorar as enzimas hepáti- te no mercado brasileiro), pelo colestipol e pelo cole-
cas e musculares, a glicose e o ácido úrico em todos selevam, são resinas na forma de cloreto insolúvel, não
os pacientes que utilizam essa classe de medicamen- absorvidas no trato gastrointestinal, não possuindo,
tos antes do início e um, três e seis meses após sua portanto, efeito sistêmico.
introdução ou aumento de dose. Quanto a seus efeitos colaterais, são freqüentes e
constituem causa habitual para interrupção do trata-
SEGUIMENTO DOS PACIENTES EM USO DE mento. Entre eles, os mais freqüentemente relatados
EZETIMIBA são os efeitos sobre o aparelho digestivo. Nesse as-
pecto, os mais comuns e desconfortáveis são a obsti-
A ezetimiba é um fármaco que inibe a absorção de pação intestinal, o empachamento, as náuseas e o me-
colesterol biliar e proveniente da dieta, sem alterar a teorismo. Além disso, diminuem a absorção de vitami-
absorção de gorduras, triglicérides e vitaminas lipos- nas lipossolúveis (A, D e K) bem como de ácido fólico,
solúveis. Apresenta, quando utilizado como monotera- muitas vezes sendo necessária sua reposição, princi-
pia, efeito hipolipemiante moderado (redução do LDL- palmente em crianças e idosos.
colesterol em média de 18%), sendo geralmente utili- Alteram a absorção de numerosos medicamentos,
zado em associação às estatinas, produzindo efeito entre os quais digoxina, tiroxina, tiazidas e warfarina,
adicional importante na redução do colesterol total e sendo, portanto, recomendável a administração des-
do LDL-colesterol. A ezetimiba não é metabolizada no ses fármacos após três a quatro horas do uso da resi-
citocromo P-450, não apresentando, portanto, intera- na ou uma hora antes.
ção com outros medicamentos. Os eventos adversos Como efeito bioquímico indesejável, podem causar
da ezetimiba são similares aos do placebo(16). Os even- elevações dos níveis de triglicérides, devendo, portan-
tos mais freqüentemente relatados são dor abdominal, to, ser usadas com cautela em pacientes portadores
fadiga e diarréia. Elevações assintomáticas das enzi- de hipertrigliceridemia, uma vez que podem aumentar
mas hepáticas podem ocorrer. Entretanto, elevações o risco de pancreatite aguda. Raramente produzem al-
de ALT e AST acima de três vezes o limite superior da terações da fosfatase alcalina e das transaminases.
normalidade ocorrem raramente e de forma similar ao Assim, apesar de a utilização clínica das resinas
placebo (0,5% vs. 0,3%). São geralmente assintomáti- atualmente ser muito limitada, os pacientes que delas
cas, não associadas a colestase, e retornam aos valo- necessitam devem ser avaliados periodicamente quanto
res normais após descontinuação do tratamento. aos eventos colaterais mais comuns, como também
Pelo fato de a ezetimiba ser utilizada quase sempre quanto ao perfil de segurança hepático e da trigliceri-
associada com as estatinas e, às vezes, com fibratos, demia.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 577
LONG TERM FOLLOW-UP STRATEGY FOR PATIENTS
FALUDI AA e col. USING HYPOLIPIDEMIC DRUGS
Estratégia no seguimento
a longo prazo de
pacientes dislipêmicos
sob tratamento ANDRÉ ARPAD FALUDI, MARCELO CHIARA BERTOLAMI
farmacológico

The vast majority of hyperlipidemic patients need, for adequate control and the-
rapeutic targets attainment, association of pharmacological therapy beyond lifestyle
modifications. This article discusses the better way of following the patient that uses
hypolipidemic drugs, in relation to the obtainment of the therapeutic targets and to
the many medications side effects. It also discusses the adequate control of the
security profile of related exams, always seeking for the patient’s maximal security of
the treatment, extracting all possible benefits of the pharmacological agent and re-
ducing its potential risks.

Key words: hyperlipidemia, antilipemic agents, adverse effects.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:574-9)


RSCESP (72594)-1582

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 579
PERSPECTIVAS FUTURAS
IZAR MCO e cols.
Perspectivas futuras MARIA CRISTINA DE OLIVEIRA IZAR, ANDREZA OLIVEIRA SANTOS,
FRANCISCO ANTONIO HELFENSTEIN FONSECA

Setor de Lípides, Aterosclerose e Biologia Vascular – Disciplina de Cardiologia –


Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP-EPM

Endereço para correspondência: Rua Pedro de Toledo, 458 – Vila Clementino –


CEP 04039-001 – São Paulo – SP

A terapêutica das dislipidemias tem se voltado para a redução dos níveis de LDL-
colesterol, por inibir a síntese endógena do colesterol ou por bloquear sua absorção,
conseguindo-se, assim, maior alcance de metas, com fármacos cada vez mais po-
tentes, especialmente quando usados em associação. Fibratos e ácido nicotínico,
agindo preferencialmente sobre os triglicérides, promovem maiores aumentos de
HDL-colesterol e, associados às vastatinas, auxiliam na otimização do perfil lipídico.
Apesar do grande impacto epidemiológico do HDL-colesterol no risco cardiovascu-
lar, estratégias específicas para atuar sobre o HDL não eram disponíveis até o mo-
mento. O torcetrapib, um inibidor da proteína de transferência de ésteres de coleste-
rol, promove grandes elevações de HDL-colesterol especialmente em combinação
com as estatinas. Terapias biológicas surgem como novas possibilidades e envol-
vem o uso de proteínas, DNA, anticorpos ou outras substâncias derivadas ou sinte-
tizadas a partir de tecidos vivos com propósitos terapêuticos. O maior avanço em
estudos clínicos se deu com a utilização de apolipoproteínas-miméticas, como a
apolipoproteína AI Milano, uma variante recombinante da apo AI. Infusões da apo AI
Milano reduziram o desenvolvimento da aterosclerose em modelos animais e em
humanos. Outras estratégias, como a auto-imunização, formando anticorpos que
neutralizam a proteína de transferência de ésteres de colesterol também estão sen-
do estudadas em ensaios clínicos. Terapia gênica para elevar os níveis de HDL-
colesterol pela superexpressão de lecitina:colesterol-aciltransferase encontra-se em
perspectiva, mas sua habilidade em prolongar a expressão gênica com segurança
irá requerer o desenvolvimento de vetores adequados.

Palavras-chave: lipoproteína de alta densidade, aterosclerose, proteína de transfe-


rência de ésteres de colesterol, lecitina:colesterol-aciltransferase, apolipoproteína
AI.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:580-8)


RSCESP (72594)-1583

INTRODUÇÃO potentes fármacos hipolipemiantes, como as estati-


nas, que são agentes ideais para uso a longo prazo
A principal razão para que o foco de diretrizes no e provaram-se efetivos em grandes ensaios clínicos
manuseio dos lípides plasmáticos seja a redução dos randomizados, com reduções do risco relativo da or-
níveis circulantes da lipoproteína de baixa densida- dem de 25% a 35%(1). No entanto, a maior parte dos
de (LDL-colesterol) relaciona-se à disponibilidade de eventos coronarianos continua a ocorrer, a despeito

580 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
da terapia com as estati- livre de lipídeos, contendo basicamente a apolipo-
nas. Assim, existe grande proteína AI (apo AI), que é produzida principalmente
interesse na identificação pelo intestino e pelo fígado. A apo AI liga-se a um
IZAR MCO e cols. de outros alvos terapêu- transportador de membrana localizado na superfície
Perspectivas futuras ticos para controlar a epi- celular, o ABCA-1, levando à translocação de coles-
demia de aterosclerose e terol e fosfolípides da membrana para a lipoproteína
a conseqüente doença nascente. Uma enzima associada ao HDL, a
cardiovascular. Interven- lecitina:colesterol-aciltransferase (LCAT), esterifica
ções sobre os níveis de esse colesterol celular que é dirigido ao interior da
colesterol de lipoproteína partícula, em decorrência das características de hi-
de alta densidade (HDL- drofobicidade que adquire, tornando a lipoproteína
colesterol) baseiam-se no mais esférica e progressivamente maior conforme o
conceito de que elevações do HDL-colesterol pos- processo continua. A HDL madura, de maior tama-
sam reduzir a aterosclerose. Essa expectativa é de- nho, é capaz de trocar o colesterol no plasma com
rivada de estudos epidemiológicos, que demonstram as VLDLs, fenômeno que é mediado pela proteína
associação inversa entre os níveis de HDL-coleste- de transferência de ésteres de colesterol (CETP), e
rol e a taxa de eventos cardiovasculares(2-4). Entre- pode ainda ser reconhecida pelos receptores de HDL
tanto, evidências diretas de que elevações dos ní- hepáticos (SR-B1), resultando na remoção seletiva
veis de HDL-colesterol possam reduzir o risco cardi- da carga de colesterol e reiniciando o processo de
ovascular parecem promissoras, mas são ainda es- maturação da HDL. Embora os macrófagos arteriais
cassas e incompletas(5). O entendimento do metabo- não produzam apo AI, eles necessitam de sua pre-
lismo lipídico e principalmente do transporte reverso sença para livrarem-se do excesso de colesterol via
do colesterol propiciou que enzimas e apolipoproteí- ABCA-1. Intervenções em que se aumentaram os
nas-chave fossem estudadas como alvos terapêuti- níveis de apo AI na placa foram capazes de modular
cos, visando à elevação dos níveis de HDL-coleste- o transporte reverso de colesterol, sem necessaria-
rol e também ao melhor efluxo do colesterol dos teci- mente requererem o aumento de HDL(7) (Fig. 1).
dos periféricos. A apo AI serve como co-fator na ativação da LCAT
plasmática(8), promove o efluxo de colesterol tecidual
METABOLISMO DA HDL em culturas de células(9), além de poder desempe-
nhar um papel na função da HDL como aceptora de
O sistema de transporte de lipoproteínas é cruci- componentes de superfície de VLDLs e QM durante
al no mecanismo pelo qual genes, dieta e hormônios sua lipólise nos tecidos periféricos. Defeitos na fun-
interagem, regulando os níveis plasmáticos de co- ção aceptora da HDL podem comprometer o catabo-
lesterol e triglicérides e sua distribuição tecidual. lismo das lipoproteínas ricas em triglicérides elevan-
Existem cinco classes de lipoproteínas: quilomícrons do seus níveis plasmáticos.
(QM), lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL), O HDL-colesterol é transportado ao fígado de duas
lipoproteínas de densidade intermediária (IDL), lipo- maneiras: por meio dos receptores “scavenger” clas-
proteínas de baixa densidade e lipoproteínas de alta se B, tipo I (SR-BI), onde o colesterol é transferido
densidade. Para o transporte no plasma, triglicérides diretamente, e por um segundo mecanismo pelo qual
e ésteres de colesterol devem ser empacotados no ésteres de colesterol na HDL são transferidos pela
interior dessas lipoproteínas, formando um core hi- CETP às VLDLs e LDLs, retornando então ao fígado,
drofóbico circundado por uma monocamada de fos- onde são reconhecidos pelo receptor de LDL (Fig.
folípides polares na superfície da partícula. Essa ca- 1). O HDL-colesterol, captado pelo fígado, é então
mada superficial contém ainda pequenas quantida- excretado sob a forma de sais biliares e colesterol,
des de colesterol não esterificado e proteínas, cha- completando-se o processo do transporte reverso de
madas apolipoproteínas, as quais são responsáveis colesterol(10). A HDL também diminui a aterosclerose
pela solubilização dos lípides, podendo também in- por suas propriedades antioxidantes(11).
teragir com enzimas e receptores celulares envolvi- Fármacos que atuem no metabolismo da HDL e
dos no metabolismo lipídico (6). terapias biológicas surgem como novas perspectivas
O transporte reverso de colesterol é o mecanis- na prevenção e no tratamento da aterosclerose (Tab.
mo pelo qual o excesso de colesterol tecidual é cap- 1; Fig. 1). A utilização de uma CETP, o uso de vaci-
tado dos tecidos periféricos e transportado ao fíga- nas anti-CETP e a infusão de uma variante recombi-
do pela corrente sanguínea. O carreador desse co- nante da apo AI podem mudar ainda mais o cenário
lesterol é a partícula HDL. A partícula HDL começa no tratamento das dislipidemias, mas, para isso, há
seu processo de maturação como uma lipoproteína necessidade de ensaios clínicos randomizados e

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 581
controlados que avaliem dores da CETP simultaneamente elevam os níveis
desfechos clínicos. de HDL-colesterol e reduzem o LDL-colesterol(12, 13).
A CETP modula as trocas de ésteres de colesterol
IZAR MCO e cols. TERAPIAS por triglicérides entre HDL e VLDL-LDL e pode ser
Perspectivas futuras FARMACOLÓGICAS pró-aterogênica, se a transferência de ésteres de
colesterol de VLDL-LDL mediada pela CETP for cap-
Inibição da proteína de tada por macrófagos arteriais, ou antiaterogênica, se
transferência de os ésteres de colesterol retornarem ao fígado por
ésteres de colesterol meio dos receptores de LDL, pela via do transporte
Novas intervenções reverso de colesterol(12). Indivíduos com deficiência
terapêuticas sobre os ní- de CETP por defeitos moleculares no gene da CETP
veis de HDL-colesterol apresentam níveis muito elevados de HDL-coleste-
estão em desenvolvimento com propostas de fárma- rol e de apo AI(14-16), surgindo o conceito de que a
cos que elevem os níveis de HDL-colesterol efetiva- inibição da CETP possa elevar o HDL-colesterol. Em
mente, por longo período de tempo ou indefinidamen- modelos animais, a inibição da CETP por anticorpos
te. Entre os agentes testados clinicamente, os inibi- monoclonais, oligonucleotídeos anti-senso, pequenas

Figura 1. Representação esquemática do metabolismo da partícula HDL e das novas estratégias farmacológi-
cas e biológicas para elevar os níveis de HDL-colesterol.
LPL = lipoproteína lipase; LH = lipase hepática; LCAT = lecitina:colesterol-aciltransferase; CETP = proteína de
transferência de ésteres de colesterol; ABC-A1 = transportador ATP Binding Cassete-A1; SR-B1 = receptor de
varredura B tipo 1; EC = ésteres de colesterol; TG = triglicérides; LDL-R = receptor de LDL; LRP = receptor
relacionado à proteína; Apo = apolipoproteína; QM = quilomícron; VLDL = lipoproteína de muito baixa densidade;
IDL = lipoproteína de densidade intermediária; LDL = lipoproteína de baixa densidade; HDL = lipoproteína de
alta densidade.

582 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
moléculas e anticorpos ção das subclasses de HDL e LDL, com aumentos
induzidos por vacinas re- do tamanho das partículas(13). Esse fármaco está em
sultou em elevação do fase pré-clínica e estudos maiores de eficácia e se-
IZAR MCO e cols. HDL-colesterol(17-21). gurança estão sendo conduzidos (Tab. 1; Fig. 1).
Perspectivas futuras Estudo em fase 2 de
investigação com um TERAPIAS BIOLÓGICAS
novo inibidor sintético da
CETP (JTT-705) demons- Terapias biológicas surgem como novas possibili-
trou diminuição de 37% dades e envolvem a utilização de proteínas, DNA,
na atividade da CETP, anticorpos ou outras substâncias derivadas ou sin-

Tabela 1. Efeitos das estratégias sobre o HDL-colesterol nos lípides plasmáticos e no desenvolvimento da ate-
rosclerose.

Intervenção HDL-colesterol LDL-colesterol Apo-AI Apo B Aterosclerose

Inibidor da CETP 1
↑16-91% a 1
↓21-42% 1
↑27% 1
↓26%
(torcetrapib) 2
↑ 46b-61 c% 2
↓8b-17c% 2
↑ 13c-16b% 2
↓ 10b-14 c% ?
2
↑ 106%d 2
↓ 17d% 2
↓ 17d% 2
↓17d%
Vacina anti-CETP 3
↑ 42% 3
↓ 22% - - 3
↓ 40% placas
(CETi) 1
sem mudançase
4
Apo-miméticas 4
↑↑↑ - ↑↑↑ - 4
↓ 4,3% vol.
(Apo AI-Milano) ateroma
Terapia gênica 5
↑3-5 vezes 5
↓ 2-4 vezes - 5
↓ 3-4 vezes 5
↓ placa só em
(hLCAT) LDLr+/+

Em indivíduos com HDL-colesterol normal1 ou baixo2; em coelhos Nova Zelândia3; em humanos com síndromes
coronarianas agudas4; em coelhos LDLr+/+, +/- ou -/-5.
Administração de torcetrapib: a30 mg, 60 mg e 120 mg, uma ou duas vezes por dia; b120 mg/dia; c120 mg uma vez
por dia + atorvastatina 20 mg/dia; d120 mg duas vezes por dia; ea vacina não foi efetiva em produzir anticorpos
em uma única injeção em humanos.

elevação de 34% no HDL-colesterol, e redução em tetizadas a partir de tecidos vivos com propósitos te-
7% nos valores de LDL-colesterol(22). rapêuticos. Existem várias terapias biológicas em de-
Outros inibidores sintéticos da CETP foram testa- senvolvimento clínico para prevenção e tratamento
dos, e o mais promissor, o torcetrapib, foi capaz de da aterosclerose.
inibir a atividade da CETP de forma dose-dependen-
te (30 mg, 60 mg, 120 mg uma vez por dia, e 120 mg Auto-imunização com vacina anti-CETP
duas vezes por dia). Em pacientes normolipidêmicos Estratégias imunoterapêuticas para reduzir a ati-
houve aumentos de HDL-colesterol entre 16% e 91% vidade da CETP “in vivo” baseiam-se na utilização
ao final de 14 dias de tratamento (23). Com altas do- de uma vacina para elicitar a formação de anticor-
ses, o LDL-colesterol foi reduzido em 42% (23). pos que se ligam e bloqueiam a função da CETP(21).
Em pacientes com HDL-colesterol < 40 mg/dl e A vacina (TT/CETP) é um peptídeo sintético quiméri-
sem doença coronariana, o torcetrapib foi adminis- co contendo 31 aminoácidos, que possui uma cisteí-
trado isoladamente ou em combinação com a ator- na na porção N-terminal, um epítopo para a célula T,
vastatina 20 mg/dia. Houve redução da atividade da consistindo dos resíduos 830 a 843 da toxina tetâni-
CETP em todos os indivíduos. Em conseqüência, ca e um epítopo para a célula B consistindo dos resí-
observou-se marcante elevação dos níveis de HDL- duos 461 a 476 da CETP humana. O epítopo para a
colesterol com torcetrapib 120 mg quando adminis- célula T da toxina tetânica liga-se a vários haplótipos
trado uma (aumento de 46% a 61%, este associado do complexo MHC e elicita forte resposta das célu-
à atorvastatina) ou duas (106%) vezes por dia (13). las T-“helpers” para as células B, enquanto o epítopo
Além desses efeitos, houve redução dos níveis de para a célula B com a seqüência da CETP humana
LDL-colesterol em 17% (com atorvastatina) e de apo foi selecionado por elicitar anticorpos específicos anti-
B. O torcetrapib alterou significantemente a distribui- CETP. Coelhos da raça Nova Zelândia foram imuni-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 583
zados com a vacina anti- fato, uma hora após a infusão do complexo rApo AI
CETP e apresentaram Milano/fosfolípides, a capacidade do plasma em pro-
reduzida atividade enzi- mover efluxo de colesterol em camundongos trata-
IZAR MCO e cols. mática (21) . Quando ali- dos era duas vezes maior. Os efeitos antiateroscle-
Perspectivas futuras mentados com dieta rica róticos, que incluíam redução do conteúdo de ma-
em colesterol, além de crófagos e de lipídeos, persistiam por 48 horas após
elevação do HDL-coleste- uma única infusão(28).
rol (42%) e de redução do Esse mesmo modelo foi testado em humanos por-
LDL-colesterol (24%) no tadores de síndromes coronarianas agudas, nos
grupo vacinado, obser- quais uma infusão endovenosa semanal do comple-
vou-se redução de cerca xo rApo AI Milano/fosfolípides ou placebo foi realiza-
de 40% na área da aorta da durante cinco semanas. Os pacientes foram acom-
ocupada por placa aterosclerótica(21). panhados por ultra-som intracoronariano no início e
Em humanos, a vacina (CETi-1) foi inicialmente ao final do tratamento. Os pacientes tratados com o
testada em 36 indivíduos. Quando administradas em complexo apo AI Milano/fosfolípides exibiram redu-
altas doses (250 mg), em apenas um indivíduo hou- ção do volume do ateroma (-14,1 mm3 ou 4,3%; p <
ve o desenvolvimento de anticorpos anti-CETP com 0,001)(29), quando comparados ao grupo placebo, sem
uma única injeção. Num estudo de extensão, com 23 alterações na carga da placa (+0,14%; p = 0,97).
pacientes, 53% (8/15) que receberam uma segunda Foi relatado que a apo AI Milano possui maior ca-
injeção da vacina ativa desenvolveram anticorpos. A pacidade de promover efluxo de colesterol que a apo
vacina foi bem tolerada e não promoveu alterações AI nativa(30). Esses aspectos são importantes já que
laboratoriais significantes. A CETi-1 é uma terapia a preocupação de especialistas hoje enfoca também
capaz de induzir auto-anticorpos em humanos. Pes- o transporte reverso de colesterol como alvo tera-
quisas futuras são necessárias para determinar se pêutico e abre oportunidade para uma nova era no
inoculações repetidas irão induzir suficiente quanti- manejo das dislipidemias e da aterosclerose. Infu-
dade de anticorpos anti-CETP para inibir efetivamente sões de apolipoproteínas têm sido utilizadas em sis-
a CETP e aumentar os níveis de HDL(24), além de temas experimentais por vários anos. Injeções de apo
atenuar o curso da aterosclerose (Tab. 1; Fig. 1). E, uma apolipoproteína com estrutura semelhante à
apo AI, têm significante efeito na redução de placas
Apolipoproteínas-miméticas lipídicas em coelhos hipercolesterolêmicos(31, 32).
Em uma pequena comunidade no norte da Itália, Já as injeções de apo AI normal demonstraram
chamada Limone sul Garda, foram identificados cer- ser factíveis como intervenção para a aterosclerose
ca de 40 indivíduos portadores de uma variante ge- por modularem o transporte reverso de colesterol(33).
nética da apo AI, conhecida como apo AI Milano. A variante apo AI Milano utilizada em estenose aórti-
Esses indivíduos apresentavam níveis baixos de ca de coelhos deficientes em apo E também mostrou
HDL-colesterol (entre 10 mg/dl e 30 mg/dl), longevi- efetividade no efluxo de colesterol e redução de ma-
dade, e muito menos aterosclerose do que seria es- crófagos(34). Tem sido sugerido, com base nas vari-
perado pelos seus níveis de HDL-colesterol(25, 26). O antes Paris e Milano da apo AI, que essa proteína
perfil lipídico dos portadores da variante apo AI Mila- envolva a HDL como um cinturão, sendo essa carac-
no caracteriza-se por baixos níveis de HDL, eleva- terística de conformação da molécula a responsável
ção de triglicérides e valores normais de LDL-coles- pela ligação estrutural da apo AI com a HDL discoi-
terol(27), fenótipo bastante comum em outras situa- dal(35).
ções clínicas relevantes, como diabetes melito e sín- A apo AI Paris foi descrita pela primeira vez em
drome metabólica. um paciente francês que apresentava níveis baixos
A apo AI Milano difere da apo AI nativa pela subs- de HDL, elevação de triglicérides e valores normais
tituição de uma cisteína na posição 173 por arginina, de LDL-colesterol. A apo AI Paris caracteriza-se pela
permitindo a formação de homo-dímeros por meio substituição de uma cisteína por uma arginina na
de uma ligação dissulfídica. Com base nesses acha- posição 151(36).
dos, foi formulada uma apo AI Milano recombinante Os resultados dos estudos de Niessen e colabo-
(rApo AI Milano) num complexo com fosfolípides na- radores(29) demonstram que a placa arterial é um te-
turais para mimetizar as propriedades da HDL nas- cido passível de sofrer rápida redução no volume do
cente. Experimentos com camundongos e coelhos ateroma(29). A apo AI Milano, por suas pontes dissul-
ateroscleróticos demonstraram que o complexo rApo fídicas, aumenta a estabilidade da partícula HDL e
AI Milano/fosfolípides rapidamente mobilizava coles- diminui as interconversões no plasma. Portadores da
terol, reduzindo a carga aterosclerótica da placa. De mutação apo AI Milano tiveram seu plasma incubado

584 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005
com frações das lipopro- LCAT normalizava a hipoalfalipoproteinemia(39). A su-
teínas. Houve redução da perexpressão do gene da LCAT foi testada em coe-
esterificação do coleste- lhos normais (Nova Zelândia) e naqueles deficientes
IZAR MCO e cols. rol e menor transferência no receptor de LDL (WHHL). A superexpressão da
Perspectivas futuras de lípides entre a HDL e LCAT (hLCAT) resultou em reduções de LDL-coles-
a LDL. A presença dos terol e apo B. Houve predominância no plasma de
dímeros de apo AI Mila- HDL sobre LDL nos animais hLCAT+/LDLr+/+ e hL-
no foi responsável pela CAT+/LDLr+/-, enquanto as lipoproteínas ricas em
maior estabilidade do apo B predominaram no plasma de coelhos LDLr-/-,
HDL 3 , indicando que a independentemente do grau de expressão da hLCAT.
composição da apolipo- Isso sugere um papel da LCAT no catabolismo do
proteína desempenha LDL(40). Entretanto, nos animais LDLr-/- não houve
papel crucial na interconversão da partícula de efeito protetor da hLCAT no desenvolvimento da ate-
HDL (37). Em presença de complexos de apo AI e fos- rosclerose, apesar de aumentos de cinco vezes nos
folípides, a exportação do colesterol livre de culturas valores de HDL-colesterol, possivelmente pelo efeito
de macrófagos ricos em colesterol torna-se mais efe- maciço da presença de partículas contendo apo B.
tiva, podendo ser um mecanismo importante na for- Efeito protetor da hLCAT só foi observado na pre-
mação das células espumosas e no desenvolvimen- sença de receptores de LDL funcionantes (LDLr+/+)
to da aterosclerose (38). recebendo dieta aterogênica, observando-se apenas
A utilização da apo AI Milano está sendo testada 5% de área coberta por placa nos hLCAT+ compara-
em maior número de indivíduos e poderá ser uma da aos 35% naqueles hLCAT-(40).
ferramenta adicional na melhoria dos níveis de HDL- A terapia gênica com apo AI Milano foi também
colesterol e também na estabilização da placa ate- testada num sistema de liberação baseado em vetor
rosclerótica após uma síndrome coronariana aguda viral, demonstrando que injeções endovenosas des-
(Tab. 1; Fig. 1). sa construção viral foram eficientes em manter altos
níveis circulantes da proteína (apo AI Milano) por
Terapia gênica períodos prolongados (até 220 ng/ml em 22 sema-
A LCAT é a principal enzima responsável pela es- nas)(41).
terificação do colesterol livre presente nas lipoprote- Estratégias farmacológicas e biológicas para mo-
ínas plasmáticas, e possui papel fundamental no me- dificação dos níveis de HDL-colesterol surgem como
tabolismo da HDL e no transporte reverso do coles- novas perspectivas na prevenção e tratamento da ate-
terol, um processo que envolve a mobilização do co- rosclerose. A utilização de CETP, o uso de vacinas
lesterol das células periféricas para o fígado, onde anti-CETP, e as apolipoproteínas-miméticas podem
este é catabolisado. Dessa forma, a terapia gênica mudar ainda mais o cenário no tratamento das disli-
com a LCAT pode se constituir num atrativo alvo te- pidemias, mas, para isso, há necessidade de ensai-
rapêutico. Foi demonstrado que em animais defici- os clínicos randomizados e controlados que avaliem
entes no receptor de LDL (LDLr-/-) a terapia com desfechos clínicos.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 585
FUTURE PERSPECTIVES
IZAR MCO e cols.
Perspectivas futuras MARIA CRISTINA DE OLIVEIRA IZAR, ANDREZA OLIVEIRA SANTOS,
FRANCISCO ANTONIO HELFENSTEIN FONSECA

Therapeutic strategies for dyslipidemia have been focused on LDL-cholesterol


reduction by inhibiting cholesterol synthesis and the absorption of dietary choleste-
rol and bile acids, thus getting more patients to LDL-cholesterol targets with new
potent drugs, mainly when used in combination. Fibrates and nicotinic acid, prefe-
rently acting on triglycerides and HDL-cholesterol have been proposed in associati-
on with statins to optimize lipid profile. However, in spite of the great impact of HDL-
cholesterol levels on cardiovascular risk, specific strategies to efficiently raise HDL-
cholesterol levels are not currently available. Pre-clinical studies are ongoing to eva-
luate a new class of drugs which inhibit the cholesteryl-ester transfer protein, torce-
trapib, capable of promoting great elevations of HDL-cholesterol, especially in com-
bination with statins. Biological therapies emerge as new possibilities and include
the utilization of proteins, DNA, antibodies, or other substances derived or synthesi-
zed from living tissues with therapeutical purposes. There are many biological thera-
pies under investigation to prevent and treat atherosclerosis. The greatest advance
in clinical studies occurred with the utilization of apolipoprotein mimetics, and these
include the recombinant apolipoprotein-AI Milano associated to phospholipid com-
plexes. Intravenous injections of these apolipoprotein mimetics have demonstrated
to reduce atherosclerosis development in both animals and humans. Other strategi-
es such as autoimmunization, to form antibodies that neutralize cholesteryl-ester
transfer protein are under clinical investigation. Gene therapy to raise HDL-choleste-
rol by overexpression of lecithin:cholesterol-acyltransferase is in perspective, howe-
ver its ability to promote a long lasting effect on gene expression will require develo-
pment of new vectors.

Key words: high-density lipoprotein, atherosclerosis, cholesteryl ester transfer pro-


tein, lecithin:cholesterol-acyltransferase, apolipoprotein AI.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;6:580-8)


RSCESP (72594)-1583

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