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LEONARDO AUGUSTO BARBOSA LEMOS

PROCESSOS DE FINANCIAMENTOS IMOBILIÁRIOS PÚBLICOS PARA


POPULAÇÕES DE BAIXA RENDA

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-graduação em Engenharia Civil da
Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para obtenção do Grau
de Mestre. Área de Concentração:
Engenharia Civil.

Orientador: professor Nélio Domingues Pizzolato, D.Sc.

Niterói
2003
LEONARDO AUGUSTO BARBOSA LEMOS

PROCESSOS DE FINANCIAMENTOS IMOBILIÁRIOS PÚBLICOS PARA


POPULAÇÕES DE BAIXA RENDA

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-graduação em Engenharia Civil da
Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para obtenção do Grau
de Mestre. Área de Concentração:
Engenharia Civil.
Aprovada em julho de 2003

BANCA EXAMINADORA

Professor Nélio Domingues Pizzolato, D.Sc.


Universidade Federal Fluminense

Professor Carlos Alberto Pereira Soares, D.Sc.


Universidade Federal Fluminense

Professor André Luiz Carvalhal da Silva, D.Sc.


Universidade Federal do Rio de Janeiro

Niterói
2003
Este trabalho é dedicado

À minha mãe, pelo amor, dedicação e incentivo total durante toda minha vida.

À minha noiva Alessandra, que através de sua maturidade, amor, dedicação e


paciência, me ajudou a obter mais esta vitória em minha vida.

Aos meus amigos (irmãos), pela amizade e companheirismo.


AGRADECIMENTOS

Ao professor Nélio, meu orientador, pela sabedoria, tranqüilidade e importantes


orientações prestadas para confecção deste trabalho.

Aos professores André Luiz e Carlos Alberto, pelo interesse em participar da banca
examinadora e pelos comentários e observações realizados acerca deste trabalho.

Aos colegas e amigos da UFF, que muito contribuíram para dirimir dúvidas e para
ajudar a resolver os problemas do dia-a-dia.

À UFF, pelos seus professores, mestres na transmissão do saber.


SUMÁRIO

FOLHA DE APROVAÇÃO 2

DEDICATÓRIA 3

AGRADECIMENTOS 4

SUMÁRIO 5

LISTA DE TABELAS 8

LISTA DE SIGLAS 10

RESUMO 12

ABSTRACT 13

CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO 14

1.1 APRESENTAÇÃO 14

1.2 OBJETIVO 14

1.3 RELEVÂNCIA 15

1.4 METODOLOGIA 15

1.5 ESTRUTURAÇÃO DO TRABALHO 16


CAPÍTULO 2 – DÉFICIT HABITACIONAL NO BRASIL 18

2.1 INTRODUÇÃO 18

2.2 QUANTIFICAÇÃO DO DÉFICIT HABITACIONAL 22

2.3 BALANÇO DOS RESULTADOS 27

CAPÍTULO 3 – HISTÓRICO DO FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO NO BRASIL


31

3.1 DO DESCOBRIMENTO À CRIAÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO DA


HABITAÇÃO 31

3.2 A CRIAÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH) 33


3.2.1 Origens e Características Gerais do SFH 33
3.2.2 Os Planos de Financiamento do BNH 36
3.2.3 Análise das Atuações do BNH no Financiamento de Habitações de Baixa
Renda 41
3.2.4 A Extinção do BNH e a Atual Situação do Financiamento Imobiliário no Brasil
45

CAPÍTULO 4 – FINANCIAMENTOS IMOBILIÁRIOS PÚBLICOS PARA


POPULAÇÕES DE BAIXA RENDA 58

4.1 EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS RELEVANTES: OS CASOS CHILENO,


ARGENTINO E AMERICANO 58
4.1.1 O Caso Chileno e sua Política de Subsídios Públicos para Financiar a Compra
de Habitações 59
4.1.2 O Caso da Argentina e suas Políticas de Financiamento Imobiliário 63
4.1.3 O Caso Americano 67
4.1.4 Algumas Lições para o Caso Brasileiro 72

4.2 PROPOSTA DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO 75


4.2.1 Comentários Referentes ao Projeto de Lei Complementar N° 227 78

CAPÍTULO 5 – CONCLUSÃO 89

6 – OBRAS CITADAS 93

7 – OBRAS CONSULTADAS 95

8 – ANEXOS 98

8.1 EXEMPLOS DE PLANOS FINANCEIRAMENTE INCONSISTENTES 98


8.2 COMENTÁRIOS SOBRE AS MEDIDAS PROVISÓRIAS 2221 E 2223 102

8.3 PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR N° 227 104


LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Consolidação das Estimativas dos Componentes do Déficit Habitacional


– Brasil e Grandes Regiões – 2000 21

Tabela 2 – Déficit Habitacional Consolidado Total – Brasil e Grandes Regiões –


2000 21

Tabela 3 – Distribuição das Famílias Conviventes Urbanas por Faixas de Renda


Mensal Familiar – Brasil e Grandes Regiões – 2000 – Percentagem
23

Tabela 4 – Distribuição dos Cômodos Urbanos Alugados e Cedidos por Faixa de


Renda Mensal Familiar – Brasil e Grandes Regiões – 2000 –
Percentagem 23

Tabela 5 – Distribuição dos Domicílios Urbanos Improvisados Segundo Faixas de


Renda Mensal Familiar – Brasil e Grandes Regiões – 2000 –
Percentagem 24

Tabela 6 – Distribuição dos Domicílios Rústicos Urbanos por Faixa de Renda


Mensal Familiar – Brasil e Grandes Regiões – 2000 – Percentagem
25

Tabela 7 – Estimativa do Déficit Habitacional Urbano por Faixas de Renda Mensal


Familiar – Brasil e Grandes Regiões – 2000 27

Tabela 8 – Estimativa da População Correspondente ao Déficit Habitacional –


Brasil e Grandes Regiões – 2000 27

Tabela 9 – Aplicações do BNH em Programas – Percentagem 40

Tabela 10 – Estimativas dos Financiamentos do SFH por Faixa de Renda 42

Tabela 11 – Subsídios Fornecidos pelo Governo Chileno de Acordo com o Valor


Máximo da Residência 59
Tabela 12 – Valores Mínimos de “D” e Índices “P” e “Y” em Função do Valor da
Operação Básica 76

Tabela 13 – Financiamentos Subsidiados de Acordo com o Projeto de Lei N° 227


80

Tabela 14 – Subsídio Suficiente para Aquisição de Unidades Residenciais (ou


Material de Construção) de Acordo com a Renda Familiar 84
LISTA DE SIGLAS

ABECIP Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança

APE Associação de Poupança e Empréstimo

BNH Banco Nacional da Habitação

CAH Certificado para Aquisição da Habitação

CEF Caixa Econômica Federal

CES Coeficiente de Equiparação Salarial

COHAB Companhia Habitacional

CRI Certificado de Recebíveis Imobiliários

DPH Depósito em Poupança Habitacional

EUA Estados Unidos da América

FAHS Fundo para Aquisição da Habitação Social

FCVS Fundo de Compensação de Variações Salariais

FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

FHA Federal Housing Administration

FJP Fundação João Pinheiro

FONAVI Fundo Nacional de Moradia

HFA Housing Finance Agency

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada


OGU Orçamento Geral da União

ORTN Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional

PAIH Plano de Ação Imediata para a Habitação

PAR Programa de Arrendamento Residencial

PASS Programa de Ação Social em Saneamento

PBQP-H Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade Habitacional

PCM Plano de Correção Monetária

PES Plano de Equivalência Salarial

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

RC Resolução do Conselho de Administração

RD Resolução de Diretoria

SAC Sistema de Amortização Constante

SAHS Sistema de Aquisição da Habitação Social

SBPE Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo

SCI Sociedade de Crédito Imobiliário

SFH Sistema Financeiro da Habitação

SFI Sistema Financeiro Imobiliário

VA Veterans Administration
RESUMO

O estudo da problemática habitacional no Brasil é de grande importância para


o desenvolvimento de políticas habitacionais viáveis. A população de baixa renda,
totalmente à margem dos processos de financiamento imobiliário, deve conseguir
meios de adquirir sua moradia para assim, resolver mais um problema que a atinge.
O presente trabalho está baseado no estudo do financiamento imobiliário no Brasil e,
a partir do entendimento deste, propor soluções que, de alguma forma, amenizem a
problemática habitacional. Primeiramente, avaliou-se a atual situação do déficit
habitacional no Brasil e as classes sociais mais atingidas, para assim, conhecer o
grau em que se encontra o problema. Após a quantificação do déficit, partiu-se para
um estudo do histórico do financiamento imobiliário no Brasil, para se verificar a
atuação do poder público acerca do problema habitacional. Também são analisados
processos de financiamento imobiliário público em países como o Chile, a Argentina
e os Estados Unidos, para de alguma forma, prover lições para o caso brasileiro.
Finalmente, propõe-se um sistema de financiamento, baseado nas experiências
internacionais, a fim de se mostrar um caminho viável a ser seguido para a
resolução do problema.
ABSTRACT

The study of housing problem in Brazil is of great importance to the


development of feasible housing policies. The low-income people, that lives in margin
of housing finance processes, shall get founds to acquire their house in order to
solve a further problem that reach them. The present work is based on study of real
estate financing in Brazil and, from it comprehension, propose solutions that reduce
housing problem. First, evaluates actual situation of housing deficit in Brazil and
social groups more reaches, in order to know the grade that the problem come
across. After quantification of the deficit, goes to a study of the history of real estate
financing in Brazil, in order to verify the government performance in this housing
problem. Real estate public finances in countries like Chile, Argentina and the United
States are either analyzed to provide lessons to the Brazilian case. Finally, proposes
a financing system, based on international experiences, in order to indicate a viable
way to be followed for resolution of the problem.
1 – INTRODUÇÃO

1.1 – Apresentação

A moradia produzida pela Indústria da Construção Civil se difere de outros


bens de consumo produzidos por outras indústrias pelo seu alto valor agregado. O
consumidor, de uma forma geral, não possui meios financeiros de adquirir o bem
sem que haja um financiamento do mesmo. O financiamento, para a indústria
habitacional, é de suma importância para a viabilidade do negócio, pois sem um
financiamento eficaz não há como alcançar o mercado consumidor e
conseqüentemente aumentar o consumo dos bens produzidos.

Entender como funcionam os sistemas de financiamentos imobiliários no


Brasil é uma forma de buscar soluções para a problemática do déficit habitacional no
país. É bastante compreensível que as populações de baixa renda só poderão
resolver seus problemas habitacionais com um sistema de financiamento onde o
governo atue de forma conjunta, ou seja, existe a necessidade de uma intervenção
governamental, com relação ao fornecimento de subsídios, para que seja possível
ao carente obter sua moradia.

1.2 – Objetivo

Pretende-se com a abordagem do tema, apresentar uma proposta de


financiamento imobiliário público para a população de baixa renda viável. A proposta
é elaborada através do entendimento da problemática do déficit habitacional no
Brasil, da análise de ações passadas e atuais do governo na área habitacional.

1.3 – Relevância

A Construção Civil tem bastante importância em vários níveis da sociedade.


Por ser um setor que necessita de uma grande demanda de mão de obra e por
cuidar do sistema habitacional, a Indústria da Construção Civil tem ligação direta
com a taxa de desemprego e com o déficit habitacional, itens de grande relevância
para a sociedade como um todo.

Pesquisarmos melhorias para os processos de financiamentos imobiliários é


importante para uma melhor aplicação de recursos e para resolver um grave
problema nacional, o déficit habitacional.

Com uma melhor aplicação dos recursos para diminuição do déficit


habitacional, através de formas de financiamento viáveis, haverá um aquecimento
geral no mercado imobiliário que promoverá uma série de benefícios ao setor além
de benefícios sociais ao país. Como benefícios ao setor de construção civil, pode-se
citar um significativo aumento no número de negócios, o que tornará o setor atrativo
para empresários que queiram investir na construção. Como benefícios sociais, além
de uma maior oferta de emprego e uma conseqüente maior arrecadação de
impostos, pode-se citar a melhoria social das classes de baixa renda, que poderá se
converter em outros benefícios para a sociedade como um todo. A moradia é um
passo inicial para formação do cidadão e um grande passo para diminuição da
exclusão social que existe hoje em nosso país.

1.4 – Metodologia

Para entender a mecânica do mercado de financiamento habitacional,


procurou-se primeiramente avaliar a real situação em que o país se encontra em
relação à carência habitacional. O estudo do Déficit Habitacional tem o objetivo não
só de se descobrir o real número de moradias de que o país necessita, mas também
de avaliar em qual classe da população essa carência é dominante e qual
componente do déficit incide mais sobre esta população. Ao analisar-se esses
números, é possível avaliar um melhor direcionamento de recursos e assim atacar o
problema de forma racional.

Após o reconhecimento da atual problemática, procurou-se estudar que ações


o país tomou ao longo do tempo para amenizar a carência habitacional. Avaliar o
passado é importante para que erros antigos não se repitam e para entender o
porquê da atual situação brasileira acerca do problema habitacional. Assim, avaliou-
se o passado e procurou-se verificar o que existe hoje em matéria de financiamento
habitacional no Brasil, para de alguma forma mostrar qualidades e também
apresentar críticas aos atuais sistemas de financiamento imobiliário.

Por fim, foram estudados os casos chileno, argentino e americano. Os dois


primeiros devido à similaridades econômicas e sociais com o Brasil e o último devido
à intervenção governamental exemplar no mercado imobiliário de baixa renda. O
objetivo é identificar sugestões úteis para desenvolver um modelo nacional viável,
capaz de fornecer condições para que sejam produzidas unidades residenciais em
grande escala, concomitantemente à evolução do mercado de capitais líquidos,
suficientemente sofisticado a ponto de absorver letras lastreadas em hipotecas. A
aplicação dessas experiências internacionais de sucesso ao caso brasileiro é então
verificada através de uma proposta de financiamento imobiliário viável para a
população de baixa renda.

1.5 – Estruturação do Trabalho

Visando atingir os objetivos propostos, o presente trabalho foi estruturado da


seguinte forma:

• Capítulo 2: Déficit Habitacional no Brasil – para se verificar a atual situação da


problemática habitacional no país;
• Capítulo 3: Histórico do Financiamento Imobiliário no Brasil – para analisar e
entender as ações do governo no âmbito do financiamento imobiliário; e

• Capítulo 4: Financiamento Imobiliário Público para Populações de Baixa


Renda – para analisar os casos internacionais relevantes e assim apresentar
uma proposta viável de financiamento imobiliário público para a população de
baixa renda.
CAPÍTULO 2 – DÉFICIT HABITACIONAL NO BRASIL

2.1 – Introdução

Conhecer a atual situação do Déficit Habitacional no Brasil é de grande


importância para o desenvolvimento de políticas habitacionais viáveis, tanto no setor
público como no privado, que possam, de alguma forma, atenuar a problemática
exposta.

[...] o sucesso de qualquer política pública, bem como de decisões de


investimento do setor privado, depende, em grande parte, da disponibilidade
e da qualidade das informações sobre a realidade que se propõe
transformar1. (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2001, p. vii)

O presente capítulo é baseado nas informações publicadas pela Fundação


João Pinheiro (FJP) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD)2, para dimensionar e qualificar o Déficit Habitacional no Brasil em 2000.
Este estudo foi baseado em informações colhidas pelo Censo Demográfico e pela
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), ambos elaborados pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Através do processamento dos
microdados das referidas pesquisas, chegou-se aos números do Déficit Habitacional.

O Déficit Habitacional é caracterizado pela necessidade de construção de


novas moradias, seja em função de reposição de estoque de domicílios existentes,
seja em função do incremento deste estoque, detectados em um certo momento.

1
Apresentação de Ovídio de Angelis – Ministro da Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano.
2
Projeto PNUD–BRA–00/019 – Habitar Brasil – BID.
O termo déficit, apesar de sua ampla institucionalização e aceitação nos
meios acadêmicos e profissionais, deve seguir um novo conceito, sendo
caracterizado como um subitem das necessidades habitacionais, que englobam não
apenas a unidade habitacional em si, mas também os serviços de infra-estrutura e
saneamento, ou seja, o habitat de uma forma geral. Seguindo este raciocínio, as
necessidades habitacionais convergem a três segmentos: Déficit Habitacional,
Inadequação de Moradias e Demanda Demográfica.
A Inadequação de Moradias reflete os problemas relacionados à qualidade de
vida dos moradores e não deve ser relacionada ao dimensionamento do estoque de
habitações. O conhecimento dos números relativos à Inadequação de Moradias visa
ao delineamento de políticas complementares à construção de moradias, o que não
faz parte do escopo desta dissertação. Neste sentido, a combinação de forças entre
prefeituras e governos estaduais, gerando condições de infra-estrutura, e o governo
federal cuidando da área de financiamento, é de suma importância para buscar
soluções para esta problemática.

A Demanda Demográfica não foi considerada como Déficit Habitacional, mas


apenas como um dimensionamento da quantidade de moradias adicionais que
devem ser acrescidas para acomodar o crescimento populacional em determinado
intervalo de tempo.

Assim, para um melhor entendimento do Déficit Habitacional, este deve ser


desmembrado em duas vertentes: o déficit por reposição do estoque e o déficit por
incremento de estoque.

O déficit por reposição do estoque contempla o total de domicílios rústicos e


os domicílios depreciados.

Os domicílios rústicos são aqueles que não apresentam paredes de alvenaria


ou madeira aparelhada e que representam não apenas desconforto para seus
moradores, mas também um risco de contaminação por doenças, em decorrência
das suas condições de salubridade. Esses domicílios, em razão dessas
características, devem, então, ser repostos.

Os domicílios depreciados são aqueles com 50 anos ou mais de vida


degradados pelo envelhecimento e necessitando de reposição. Para se determinar o
número de domicílios depreciados foram utilizados dados disponíveis referentes à
cidade de Belo Horizonte. Estes dados foram considerados como um primeiro
parâmetro para o cálculo da depreciação nas grandes metrópoles brasileiras.
Estimativas baseadas em estudo de caso referentes ao município de Belo Horizonte
informam que os domicílios construídos há 50 anos ou mais, em 2000, ainda em uso
residencial, representam 23% do total dos domicílios recenseados pelo Censo
Demográfico 1950, grande parte não apresentando graves problemas de
habitabilidade. Foi feita, então, uma extrapolação desse percentual para a Região
Metropolitana de Belo Horizonte, e em seguida para as demais Regiões
Metropolitanas. Com esta extrapolação, obteve-se a estimativa do total das moradias
com mais de 50 anos nas áreas metropolitanas. É importante considerar que nem
todas as moradias com mais de 50 anos necessitam ser repostas, pois muitas delas
já vêm passando, ao longo dos anos, por serviços de manutenção ou reformas.
Assim, como forma de uma primeira aproximação, foi aplicado sobre o referido
universo o percentual de 15% para as Regiões Metropolitanas, a fim de se computar
as unidades a serem repostas. Para as demais Unidades da Federação brasileiras
não houve preocupação com a reposição de domicílios rurais, já que estes, devido
ao grande êxodo rural ocorrido a partir da década de 50, encontram-se
abandonados. Devido a este fato, houve preocupação apenas na depreciação do
estoque dos domicílios em situação urbana. Para estes, estimou-se em 20% a
parcela dos domicílios urbanos recenseados em 1950 ainda sendo utilizados para
fins residenciais em 2000 e, destes, 10% deveriam ser repostos.

O déficit por incremento de estoque contempla o total de domicílios com


coabitação familiar, os domicílios improvisados e os domicílios com ônus excessivo
com aluguel.
Os domicílios improvisados são aqueles locais construídos sem fins
residenciais e que são utilizados como moradia, o que indica diretamente a carência
de novas unidades habitacionais. Foi computado o número de domicílios
improvisados ao déficit porque há praticamente unanimidade na sociedade sobre a
necessidade e possibilidade de eliminá-los. Não há a menor aceitação social que
pessoas vivam sob viadutos e pontes, dentro de carcaças de automóveis
abandonados, em abrigos de papelão etc.

A coabitação familiar abrange a soma das famílias conviventes secundárias


com as famílias que vivem em cômodos cedidos ou alugados. As famílias
conviventes secundárias são famílias constituídas por, no mínimo, duas pessoas que
residem em um mesmo domicílio junto com outra família, denominada principal. A
inclusão da coabitação ao déficit decorre da expectativa de toda sociedade de que
não é apenas desejável, mas possível e esperado, que toda família nuclear possa
ter acesso a um lar exclusivo.

O ônus excessivo com aluguel corresponde aos domicílios com até três
salários mínimos de renda familiar mensal que despendem mais do que 30% desta
renda com o aluguel, sendo consideradas apenas as casas e apartamentos urbanos
duráveis. Devido ao fato que, para determinada parcela da sociedade o aluguel é
uma opção, já que para alguns, pagar aluguel em bairros melhores é preferível do
que se tornar proprietário em áreas pior localizadas, o ônus excessivo com aluguel
em famílias com renda superior ao limite estipulado não foi considerado como
parcela do déficit.

Para os assalariados de baixa renda, não possuir casa própria é


normalmente sinônimo de extrema insegurança e de grande perda de renda
mensal, já que – diferentemente dos setores médios1 – o aluguel não é para
eles mais uma opção habitacional, mas o limite ou a fronteira da
desagregação social. (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2001, p. 14)

1
Nas grandes metrópoles, setores de classe média, por vezes, optam por morar de aluguel em
bairros melhores do que se tornarem proprietários em áreas menos bem localizadas (infra-estrutura,
status, etc.). Do mesmo modo, para a classe média, as características da regulação da política de
aluguel vai significar a oferta maior ou menor de imóveis, em contraposição àqueles que se mantêm
vagos por decisão dos proprietários.
O índice de comprometimento máximo de 30% de renda familiar foi adotado,
tendo em vista parâmetro tradicional do antigo BNH e, atualmente, da própria Caixa
Econômica Federal, que considera esta percentagem o máximo tolerável de gasto
direto com a habitação.

2.2 – Quantificação do Déficit Habitacional

Mensurar o déficit habitacional inclui reconhecer a necessidade de


incremento e de reposição do estoque de moradias em uso, num
determinado ponto do tempo. Este procedimento está relacionado aos
padrões culturais e socioeconômicos brasileiros, [...]. (FUNDAÇÃO JOÃO
PINHEIRO, 2001, p. 34)

Para consolidar os números do Déficit Habitacional foram utilizadas as


metodologias apresentadas anteriormente para se chegar aos números do déficit por
reposição do estoque e do déficit por incremento de estoque.

Estes componentes do déficit foram, então, produzidos de forma a não haver


interseção entre eles. Podem ser somados para consolidar um montante final de
déficit sem dupla contagem.

Como visto anteriormente, o déficit por reposição do estoque contempla o


total de domicílios rústicos e os domicílios depreciados, e o déficit por incremento de
estoque contempla o total de domicílios com coabitação familiar, os domicílios
improvisados e os domicílios com ônus excessivo com aluguel.

Na Tabela 1 apresenta-se, de forma global, os números destes componentes


do déficit e na Tabela 2 o déficit consolidado total em 2000.
TABELA 1 – Consolidação das Estimativas dos Componentes do Déficit Habitacional – Brasil e Grandes Regiões – 2000.

COABITAÇÃO FAMILIAR DOMICÍLIOS IMPROVISADOS DOMICÍLIOS RÚSTICOS


ÔNUS REPOSIÇÃO
ESPECIFICAÇÃO EXCESSIVO POR
Total Urbano Rural COM ALUGUEL Total Urbano Rural Total Urbano Rural DEPRECIAÇÃO

Norte ... 283.030 ... 30.503 17.187 12.293 4.893 ... 82.966 ... 2.833
Nordeste 1.226.289 979.487 246.802 310.044 41.102 29.388 11.714 1.028.369 384.152 644.217 25.986
Sudeste 1.520.495 1.411.860 108.635 608.592 47.671 43.129 4.542 163.196 121.409 41.787 72.506
Sul 419.372 344.100 75.272 148.231 22.515 18.474 4.041 86.133 64.278 21.855 14.061
Centro-Oeste 277.842 258.312 19.530 115.396 19.389 16.651 2.738 74.243 35.651 38.592 1.612
Brasil (1) 3.731.839 3.276.789 455.050 1.212.766 147.864 119.935 27.928 1.451.953 688.456 763.497 116.998
Fonte: Dados básicos: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Sinopse Preliminar do Censo Demográfico, 2000; Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD), 1999 (microdados).
Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP), Centro de Estatística e Informações.
Legenda: ( ... ) Dado numérico não disponível.
(1) Exclusive o déficit habitacional rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.

TABELA 2 – Déficit Habitacional Consolidado Total – Brasil e Grandes Regiões – 2000

DÉFICIT HABITACIONAL
ESPECIFICAÇÃO
Total Urbano Rural
Norte ... 411.625 ...
Nordeste 2.631.790 1.729.057 902.733
Sudeste 2.412.460 2.257.496 154.964
Sul 690.312 589.144 101.168
Centro-Oeste 488.482 427.622 60.860
Brasil (1) 6.656.526 5.414.944 1.241.582
Fonte: Dados básicos: IBGE, Sinopse Preliminar do Censo Demográfico, 2000; Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 1999 (microdados).
Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP), Centro de Estatística e Informações.
Legenda: ( ... ) Dado numérico não disponível.
(1) Exclusive o déficit habitacional rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.
Analisando-se a Tabela 1 pode-se verificar:

Coabitação Familiar

O fenômeno é predominantemente urbano, já que 87,8% das famílias


conviventes são residentes de áreas urbanas e apenas 12,2% nas rurais.

As Regiões Sudeste e Nordeste respondem por 73,6% do total nacional, em


termos globais, e por 73,0% da parcela urbana do componente. No segmento rural,
a Região Nordeste sozinha possui 54,2% do correspondente montante brasileiro,
vindo em seguida a Sudeste, com 23,9% adicionais.

Não se pode deixar de citar o adicionamento ao componente de coabitação


familiar, a chamada coabitação disfarçada – a vivenciada pelos moradores em casa
de cômodos, que pagam aluguel ou moram de favor (moradia cedida). A
combinação deste fator como déficit habitacional adveio do mascaramento de uma
situação de convivência familiar real e economicamente compulsória.

Estes domicílios são poucos expressivos numericamente, em relação ao total


explicitado de coabitação familiar – abrangem estimativa da ordem de 149 mil
domicílios no Brasil.

Na Tabela 3, apresenta-se a distribuição das famílias conviventes urbanas


segundo as faixas de renda mensal familiar em salários mínimos. Desta Tabela
pode-se destacar que a maioria destas famílias, 77,8% do total urbano, possui, no
máximo, três salários mínimos para seu sustento. Esta expressiva concentração das
famílias conviventes em faixas inferiores de rendimento não deixa dúvidas quanto ao
determinante socioeconômico do fenômeno. Seguindo o mesmo padrão para as
faixas de rendimento de famílias conviventes, a distribuição das famílias urbanas
residentes em cômodos alugados ou cedidos, segundo faixas de renda familiar em
salários mínimos (Tabela 4), possui uma maior concentração nos segmentos mais
baixos de rendimentos. A baixa representatividade do fenômeno afetou seu
detalhamento por renda familiar em várias unidades da Federação.

TABELA 3 – Distribuição das Famílias Conviventes Urbanas por Faixas de Renda


Mensal Familiar – Brasil e Grandes Regiões – 2000 – Percentagem

Faixas de Renda Mensal Familiar


Especificação (em salários mínimos)
até 3 de 3 a 5 de 5 a 10 mais de 10
Norte 85,8 6,7 5,1 2,0
Nordeste 88,8 5,6 3,5 1,2
Sudeste 70,4 13,7 10,2 3,6
Sul 72,7 13,5 9,9 3,0
Centro-Oeste 77,1 10,0 8,3 3,5
Brasil 77,8 10,5 7,6 2,7
Fonte: Dados básicos: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Sinopse Preliminar do Censo
Demográfico, 2000; Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 1999 (microdados).
Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP), Centro de Estatística e Informações.

TABELA 4 – Distribuição dos Cômodos Urbanos Alugados e Cedidos por Faixa de


Renda Mensal Familiar – Brasil e Grandes Regiões – 2000 – Percentagem

Faixas de Renda Mensal Familiar


Especificação (em salários mínimos)
até 3 de 3 a 5 de 5 a 10 mais de 10
Norte 81,1 9,9 6,5 2,5
Nordeste 94,1 5,9 - -
Sudeste 67,3 15,2 12,3 2,3
Sul 100,0 - - -
Centro-Oeste 78,9 14,1 5,1 0,7
Brasil 77,5 12,1 7,3 1,5
Fonte: Dados básicos: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Sinopse Preliminar do Censo
Demográfico, 2000; Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 1999 (microdados).
Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP), Centro de Estatística e Informações.

Ônus Excessivo com Aluguel

As Regiões Sudeste e Nordeste lideram esse item em relação ao total


nacional com, respectivamente, 50,2% e 25,6% do total nacional de domicílios com
ônus excessivo com aluguel.
Domicílios Improvisados

A maior parcela deste componente se encontra nas Regiões Sudeste e


Nordeste, com 32,2% e 27,8%, respectivamente, do total de 147.864 unidades de
domicílios improvisados no país. Este fenômeno possui feição predominantemente
urbana em todo Brasil.

A Tabela 5 apresenta os dados referentes à distribuição da renda familiar,


segundo o número de salários mínimos dos moradores em domicílios improvisados
urbanos. Os dados demonstram o padrão concentrado no segmento de rendimentos
mais baixos.

TABELA 5 – Distribuição dos Domicílios Urbanos Improvisados Segundo Faixas de


Renda Mensal Familiar – Brasil e Grandes Regiões – 2000 – Percentagem

Faixas de Renda Mensal Familiar


Especificação (em salários mínimos)
até 3 de 3 a 5 de 5 a 10 mais de 10
Norte 39,70 2,96 49,63 7,71
Nordeste 75,73 21,91 - -
Sudeste 51,93 16,37 4,92 26,78
Sul 83,75 - - 16,25
Centro-Oeste 62,11 20,90 16,99 -
Brasil 62,90 13,75 13,31 9,27
Fonte: Dados básicos: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Sinopse Preliminar do Censo
Demográfico, 2000; Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 1999 (microdados).
Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP), Centro de Estatística e Informações.

Domicílios Rústicos

O fenômeno da precariedade habitacional brasileira é predominantemente


rural, com 52,6% do total de 1.451.953 domicílios rústicos. Na Região Nordeste, o
problema é bastante grave, já que essa Região conta com 84,4% do total de
domicílios rústicos rurais e com 55,8% da parcela urbana do componente. De forma
global, no Nordeste localizam-se 70,8% do montante nacional dos domicílios
rústicos. Nas demais Regiões, o fenômeno apresenta faceta urbana mais evidente.
A Tabela 6 apresenta a distribuição de renda familiar dos moradores em
domicílios rústicos. Esses números mostram o que já vem sendo apresentado, forte
concentração em segmentos mais baixos de renda e ausência quase total de
representantes com rendimentos superiores a dez salários mínimos.

TABELA 6 – Distribuição dos Domicílios Rústicos Urbanos por Faixa de Renda


Mensal Familiar – Brasil e Grandes Regiões – 2000 – Percentagem

Faixas de Renda Mensal Familiar


Especificação (em salários mínimos)
até 3 de 3 a 5 de 5 a 10 mais de 10
Norte 81,3 11,1 6,5 0,4
Nordeste 90,8 7,1 0,9 -
Sudeste 62,4 27,6 8,1 0,7
Sul 79,1 12,0 6,7 1,7
Centro-Oeste 81,7 8,9 7,2 1,2
Brasil 82,6 12,1 3,9 0,4
Fonte: Dados básicos: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Sinopse Preliminar do Censo
Demográfico, 2000; Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 1999 (microdados).
Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP), Centro de Estatística e Informações.

Depreciação do Estoque de Domicílios

O montante brasileiro alcança 117 mil moradias urbanas cuja precariedade,


em face dos custos possivelmente exorbitantes de recuperação, justifica sua
demolição. As Regiões Metropolitanas do país participam com 55,5% do total,
devido a sua atração populacional e a uma demanda mais elevada por renovação
urbana. Dentre as Regiões, a Sudeste destaca-se com 62,0% do total de domicílios
depreciados, o que mostra a influência das maiores Regiões Metropolitanas do país.

2.3 – Balanço dos Resultados

Como apresentado na Tabela 2, estima-se em 6.656.526 domicílios o déficit


habitacional brasileiro. Essas necessidades de incremento e reposição de novas
moradias possuem incidência claramente urbana, com 81,3% do montante global do
déficit.
Na liderança das demandas habitacionais aparece o Nordeste com 39,5% do
montante global, seguido pelo Sudeste com 36,2% deste. As duas Regiões
representam 75,8% do déficit habitacional brasileiro, sendo que no Nordeste existe
uma parcela significativa do déficit em áreas rurais.

Na composição do déficit habitacional, merece destaque a coabitação familiar,


com 56,1% da estimativa global. A seguir, têm-se os domicílios rústicos com 21,8%
do montante global, seguido pelo ônus excessivo com aluguel (18,2%), domicílios
improvisados (2,2%) e, finalmente, os domicílios depreciados com 1,7%.

O detalhamento do déficit habitacional urbano (excetuando-se o componente


reposição por depreciação) segundo faixas de renda familiar, em salários mínimos, é
apresentado na Tabela 7. Na faixa de até três salários mínimos de rendimento
mensal familiar, encontram-se 84,1% do montante global do déficit habitacional
urbano. Estas famílias, que se encontram nesta situação, não possuem condições
econômicas de solucionar o problema pelos mecanismos atuais dos setores público
e privado, pois não há mecanismos de construção e melhorias habitacionais, exceto
as de caráter assistencial. Nos estratos superiores de renda familiar, predominam as
famílias situadas na faixa adjacente (de três a cinco salários mínimos), absorvendo
8,5% do déficit habitacional urbano. O restante (7,4%) é representado por famílias
com rendimentos superiores a cinco salários mínimos e que podem ter chances de
acesso ao mercado habitacional em seus padrões atuais.
TABELA 7 – Estimativa do Déficit Habitacional Urbano por Faixas de Renda Mensal
Familiar (1) – Brasil e Grandes Regiões – 2000

Faixas de Renda Mensal Familiar


Especificação (em salários mínimos)
até 3 de 3 a 5 de 5 a 10 mais de 10 Total (2)
Norte 343.301 29.235 28.258 6.456 407.250
Nordeste 1.554.079 87.333 35.963 11.604 1.688.979
Sudeste 1.694.803 239.257 154.648 64.613 2.153.321
Sul 465.063 54.020 38.404 14.286 571.773
Centro-Oeste 353.139 33.294 27.858 8.673 422.964
Brasil 4.410.385 443.139 285.131 105.632 5.244.287
Fonte: Dados básicos: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Sinopse Preliminar do Censo
Demográfico, 2000; Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 1999 (microdados).
Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP), Centro de Estatística e Informações.

(1) Exclusive o déficit por depreciação que não pôde ser calculado por faixas de renda.
(2) Inclusive sem declaração de renda.

Finalmente, na Tabela 8, tem-se a população-alvo a ser beneficiada por


políticas que equacionem a questão do déficit habitacional brasileiro.

TABELA 8 – Estimativa da População Correspondente ao Déficit Habitacional –


Brasil e Grandes Regiões (1) – 2000

População Referente ao Déficit Habitacional (1)


Especificação
Total Urbano Rural
Norte ... 1.277.480 ...
Nordeste 8.876.979 5.336.649 3.540.310
Sudeste 6.672.060 6.203.401 468.659
Sul 1.908.901 1.615.538 293.363
Centro-Oeste 1.371.761 1.163.966 207.795
Brasil (2) 20.190.986 15.597.034 4.593.952
Fonte: Dados básicos: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Sinopse Preliminar do Censo
Demográfico, 2000; Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 1999 (microdados).
Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP), Centro de Estatística e Informações.

Legenda: ( ... ) Dado numérico não disponível


(1) Não inclui os moradores em domicílios improvisados.
(2) Exclusive o déficit habitacional rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.

A Região Nordeste concentra a maior parte da população a ser beneficiada


com 44% da população-alvo. A seguir vem o Sudeste com 33% deste total.
Os números do déficit habitacional mostram o quão significativa é esta
problemática no Brasil. A maior concentração destes números nas populações de
baixa renda indica a urgência na confecção de políticas habitacionais para esta
camada da sociedade, totalmente esquecida pelas políticas atuais. A grande
desigualdade social, que existe hoje no país, agrava-se ainda mais quando não se
possui moradia, bem fundamental para a vida de qualquer cidadão.

[...], a concentração da população-alvo em segmentos de baixa renda faz


perceber o ataque às necessidades habitacionais como uma faceta do
combate à pobreza, uma vez que, como contrapartida financeira, pouco se
pode esperar a partir de uma renda familiar tão minguada, na maioria das
famílias afetadas. [...]. (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2001, p. 182)
CAPÍTULO 3 – HISTÓRICO DO FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO NO BRASIL

3.1 – Do Descobrimento à Criação do Sistema Financeiro da Habitação

A transferência da Corte Real Portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808,


caracteriza o início da problemática habitacional brasileira. Naquele princípio o
problema foi resolvido com a construção urgente de moradias e sedes
administrativas para a nobreza e o alojamento, nas fazendas, do escravo
trabalhador.

Da Independência do Brasil (1822) até o 2º Reinado (1840) os problemas


habitacionais eram resolvidos com a construção de Senzalas nas fazendas, ficando
o Poder Público totalmente fora do problema, já que os próprios senhores eram
responsáveis pela acomodação de seus escravos.

A partir do 2º Reinado (1840) até 1864, iniciou-se a industrialização do país e


o apogeu do café. O país cresceu, e cresceu também a problemática habitacional,
com a multiplicação dos cortiços e cabeças-de-porcos nas cidades.

Pressionados pelas classes dominantes, os governantes passaram a se


preocupar com a qualidade das moradias das classes menos favorecidas nas
fazendas e centros urbanos – estas habitações eram constantes focos de doenças
pela total falta de higiene. A problemática habitacional passou, então, a ser resolvida
através de decretos. Estes decretos tinham a função de proibir novas construções de
cortiços e de conceder favores a empresas para construção de habitações para
operários e para as classes pobres.

As ações dos governantes que não destinavam recursos suficientes para


aplicar na redução dos problemas habitacionais, resumiam-se em conceder
benesses para as Empresas que construíam e demoliam habitações para as
classes carentes, classes essas que já começavam a incomodar as
minorias abastadas, com a presença cada vez mais constante, sempre
crescendo a uma taxa maior que as das demolições. (CAVALCANTI, 2000,
p.24)

No início da República, com a chegada de grandes contingentes de


assalariados europeus para trabalharem nos cafezais, e com a migração de
escravos libertos para as áreas urbanas, o crescimento das cidades começava a
exigir medidas concretas no setor habitacional. Neste período, com o crescimento
das fábricas, multiplicaram-se as vilas operárias, cortiços e cabeças-de-porcos. Com
a situação por demais calamitosa, foi executado, então, um plano de urbanização na
cidade do Rio de Janeiro, onde foram abertas avenidas e destruídos cortiços. Estas
obras de urbanização tiveram como efeito paralelo o surgimento das primeiras
favelas, provocado pelo êxodo da população desabrigada pelas demolições.

A partir de 1930, com a instituição da Era Vargas, a ação governamental na


área de habitação foi mais marcante. Foram tomadas várias medidas de âmbito
social para tentar resolver o problema habitacional brasileiro. Estas medidas
caracterizaram-se pela criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões, pela
concessão de isenção de impostos para construção de habitações para populações
de baixa renda, pela proibição da construção ou reconstrução de mocambos no
perímetro urbano e pelos programas de erradicação de favelas.

Em 1946, criou-se a Fundação da Casa Popular, responsável pelas


Operações Imobiliárias e pelo financiamento das Carteiras Prediais dos Institutos ou
Caixas de Aposentadoria e Pensões. Dentre as principais atribuições da Fundação
da Casa Popular pode-se destacar o financiamento de residências, tanto na zona
rural como na urbana, e o financiamento de obras de infra-estrutura. A Fundação da
Casa Popular durou apenas 14 anos, devido aos poucos recursos para tamanho
campo de atuação. Neste período, a sua produção não chegou a 17 mil unidades.

Essas intervenções do governo no setor habitacional não passaram de


ações pontuais, que pouco contribuíram para evitar o agravamento dos
problemas urbanos. Diferentemente do que ocorreu nos países do primeiro
mundo, o processo de urbanização no Brasil foi excessivamente rápido e
não se fez acompanhar de um tratamento adequado das cidades. No
período de 1940/60, a população brasileira passou de 41 milhões para 70
milhões de habitantes, com a taxa de urbanização aumentando de 31%
para 45%. A este incremento populacional correspondeu um aumento do
número de assentamentos irregulares e uma extensão irracional da malha
urbana, consolidando-se a busca das periferias das cidades como local de
moradia da população de menor renda. (FINATEC, 2002, p.5)

3.2 – A Criação do Sistema Financeiro da Habitação (SFH)

3.2.1 – Origens e Características Gerais do SFH

A partir de 1964, foi adotado no Brasil um novo modelo econômico com a


instituição da correção monetária nos contratos imobiliários de forma a solucionar
definitivamente a problemática dos créditos a longo prazo em uma economia
inflacionária. Com isto foram criadas as Obrigações Reajustáveis do Tesouro
Nacional (ORTN’s), que permitiram ao Brasil atrair investimentos estrangeiros e
garantiram aos investidores a manutenção dos fluxos de recursos e da capacidade
de refinanciamento do sistema, bem como dotaram o Governo da capacidade de se
financiar a longo prazo.

Como parte desse novo modelo, foi criado, em 21 de agosto de 1964, pela lei
nº 4.380, o Sistema Financeiro da Habitação (SFH), cujo objetivo era de “facilitar e
promover a construção e a aquisição da casa própria, especialmente pelas classes
de menor renda da população”. Assim, o SFH era composto por:

• Banco Nacional de Habitação (BNH);


• Órgãos federais, estaduais e municipais, inclusive sociedades de economia
mista com participação majoritária do Poder Público (Caixas Econômicas
Estaduais e Federal e as chamadas COHAB’s);

• Sociedades de Crédito Imobiliário (SCI’s, agentes financeiros do sistema);

• Fundações, cooperativas e outras formas associativas para construção ou


aquisição de casa própria, sem finalidade de lucro (Associações de Poupança
e Empréstimo (APE’s), Cooperativas Habitacionais e Institutos de Previdência
Social).

A princípio, os recursos que abasteciam o SFH eram obtidos por meio da


cobrança de 1% sobre a folha de salários das empresas e da emissão de Letras
Imobiliárias. Em 1966 foi regulamentado o Sistema Brasileiro de Poupança e
Empréstimo (SBPE), que era formado pelas Sociedades de Crédito Imobiliário,
Associações de Poupança e Empréstimo e as Caixas Econômicas. A criação deste
sistema tinha o objetivo de organizar as instituições financeiras públicas e privadas
para a captação e aplicação de recursos no setor habitacional, além de priorizar o
atendimento das demandas habitacionais da população de renda média. As
principais fontes de recursos do SBPE eram as Letras Imobiliárias e as Cadernetas
de Poupança. Ainda em 1966 foi instituído o Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS), em substituição às antigas regras de estabilidade no emprego. Os
recursos deste fundo eram obtidos através da contribuição compulsória, realizada
pelo empregador em favor de seus funcionários, de 8% do total dos salários pagos.
Os depósitos do FGTS eram usados para dar suporte financeiro à política
habitacional e permitir um tratamento sistemático ao atendimento das necessidades
habitacionais das camadas mais pobres da população. Além dos recursos captados
pelo SBPE e pelo FGTS, existiam ainda recursos a fundo perdido provenientes do
orçamento da União e a contribuição de proprietários de imóveis alugados.

O Banco Nacional da Habitação (BNH), inicialmente constituído como uma


entidade autárquica, então vinculada ao Ministério da Fazenda, posteriormente ao
Ministério do Interior, e finalmente, ao Ministério do Desenvolvimento Urbano,
recebeu a incumbência de ser o órgão gestor do SFH, ou seja, o BNH era
responsável pela orientação, disciplina e controle do SFH. Cabia ao BNH propor
incentivos à formação de poupança para o sistema, disciplinar o acesso das
Sociedades de Crédito Imobiliário ao mercado de capitais, operar os serviços de
redesconto e de seguros e refinanciar as operações das Sociedades de Crédito
Imobiliário. Além disso, o BHN era responsável pelo estabelecimento das condições
gerais dos financiamentos sob o SFH, tais como, prazo, juros, condições de
pagamento e garantias.

[...] o BNH era a principal engrenagem de um sistema cujas principais


normas eram determinadas exclusivamente pelo setor público, inclusive os
termos dos contratos de financiamento imobiliário, sendo a iniciativa privada
responsável somente pela promoção e execução de projetos de construção
de habitações segundo as diretrizes urbanísticas locais. (CARNEIRO,
2001a, p.6)

Critérios foram estabelecidos para a aplicação dos recursos no setor


habitacional devido à necessidade de compatibilização da rentabilidade dos
financiamentos concedidos com o custo dos recursos captados. Assim,
financiamentos habitacionais para população de baixa renda eram concedidos a
juros baixos e com recursos do FGTS e os financiamentos habitacionais para a
população de renda média eram concedidos pelos agentes do SBPE a juros
maiores, devido à necessidade de remuneração dos recursos captados junto ao
público com as Cadernetas de Poupança.

Dessa forma, o mercado habitacional foi segmentado em três níveis atendidos


pelos diferentes agentes do SFH: o “mercado popular” (famílias com renda mensal
de até 3 salários mínimos e atendidas pelas COHAB’s), o “mercado econômico”
(famílias com renda de 3 a 6 salários mínimos e atendidas por organizações
mutualistas sem fins lucrativos denominadas Cooperativas Habitacionais) e o
“mercado médio” (atendido pelos agentes financeiros do SBPE).
Pela análise das principais metas e características operacionais do BNH é
possível concluir que a intenção original era a criação de uma estrutura de
apoio, orientação e controle para o fomento da construção habitacional
(casa própria) de interesse social com características operacionais
semelhantes ao Federal Housing Administrator (FHA) nos E.U.A., que opera
como órgão regulador das Mutual Savings (as nossas APE’s) e dos Savings
and Loans (as nossas SCI’s). A FHA não faz empréstimos, não executa,
nem planeja empreendimentos imobiliários, atuando tão-somente como
órgão segurador de empréstimos hipotecários imobiliários concedidos pelas
instituições financeiras, podendo ainda, com sua interveniência, possibilitar
financiamentos em condições mais favoráveis aos mutuários de menor
poder aquisitivo. Ademais, o BNH acumularia as funções exercidas pela
Federal Savings and Loans Insurence Corporation, seguradora da
poupança do público nas entidades do sistema. (DE ALBUQUERQUE,
1985, p.13)

3.2.2 – Os Planos de Financiamento do BNH

A princípio o BNH estabeleceu dois planos básicos de correção monetária


para os contratos de financiamento celebrados no âmbito do SFH: os chamados
Plano A e Plano B.

O Plano A consistia no financiamento de habitações com valor não superior a


75 vezes o maior salário mínimo vigente no país. Este plano tinha por objetivo
erradicar habitações anti-higiênicas e atender às classes de baixa renda. De acordo
com o Plano A, que adotava o sistema de amortização de acordo com a Tabela
Price, o saldo devedor era corrigido monetariamente no início de cada trimestre civil
e de acordo com a variação nominal das Obrigações Reajustáveis do Tesouro
Nacional (ORTN’s). As prestações eram reajustadas 60 dias após a entrada em
vigor no novo salário mínimo, segundo a razão entre o valor do maior salário mínimo
vigente no país e o imediatamente anterior.

Segundo De Faro (1992a, p.26), o Plano A era financeiramente inconsistente.


Esta inconsistência era caracterizada pelo aparecimento de resíduos no saldo
devedor na data de pagamento da última parcela contratual, ou seja, após o
pagamento da última parcela, o mutuário ainda devia boa parte de sua dívida. A
inconsistência também poderia aparecer no caso do mutuário quitar sua dívida antes
do prazo contratual, ou seja, num financiamento de 36 meses o mutuário poderia
quitar a dívida na 24ª prestação. Isto acontecia devido à não uniformidade entre o
reajustamento do saldo devedor e as prestações, e também no caso de uma não
simultaneidade de reajustes. No caso do Plano A, as prestações eram reajustadas
por um índice (variação do salário mínimo) e o saldo devedor por outro (variação das
ORTN’s) e também não havia simultaneidade de reajustes, já que o saldo devedor
era reajustado trimestralmente e as prestações eram reajustadas anualmente. Para
ilustrar um plano financeiramente inconsistente são apresentados dois exemplos no
Anexo 1.

Para resolver o problema dos resíduos nos saldos devedores, o BHN


promovia uma prorrogação do prazo contratual até que a dívida fossa totalmente
quitada1. A partir de um certo momento, onde a taxa de variação do valor do salário
mínimo estava sendo substancialmente inferior à de variação do valor das ORTN’s,
a prorrogação do prazo contratual passou a ser bastante comum nos contratos de
financiamento segundo as condições do Plano A. Existia ainda a possibilidade de
eternização da dívida, mesmo que o valor do salário mínimo crescesse mais
rapidamente que o da ORTN e o mutuário pagasse sempre em dia suas prestações,
ou seja, poderiam ocorrer casos aonde o débito jamais viesse a ser liquidado, por
mais que se prorrogasse o prazo contratual. Como demonstrado por De Faro
(1992a, p.31-35), mesmo numa eventualidade onde a taxa de crescimento do salário
mínimo superasse a taxa anual de reajuste da ORTN2, e excluindo-se os contratos
de 180 prestações a taxa efetiva de 0,83% a.m. (10% a.a.), o débito só seria
liquidado antes do prazo contratual com um reajuste das prestações igual ou
superior a 250%, ou seja, a não ser nos casos onde se verificasse uma verdadeira
hiperinflação, não haveria a necessidade de prorrogação do prazo contratual.

1
De acordo com a Instrução nº 5, se após 300 meses ainda persistisse débito, seriam aplicados os
critérios do Plano B. Mais tarde, de acordo com a RC nº 25/67, que criou o chamado Fundo de
Compensação de Variações Salariais, a prorrogação ficou limitada ao máximo de 50% do prazo
original. (DE FARO, 1992a, p.29)
2
A hipótese de reajuste anual do salário mínimo sempre superior a taxa anual de inflação não é, de
acordo com a análise histórica destes índices, condizente com a realidade brasileira.
A possibilidade de eternização da dívida nos contratos de financiamento
segundo as condições do Plano A, causou um grande mal-estar aos mutuários. Para
solucionar este problema, o BNH, através da RC (Resolução do Conselho de
Administração) nº 25/673, de 16 de junho de 1967, instituiu o chamado Fundo de
Compensação de Variações Salariais (FCVS). O FCVS tinha por objetivo garantir
limite de prazo para amortização da dívida aos mutuários com contratos celebrados
sob a égide do SFH.

Este fundo, que recebeu uma dotação inicial, a preços da época, de


Cr$10.000.000,00 (cerca de 529.450 ORTN’s), teve a finalidade precípua de
assumir o débito remanescente dos financiamentos cujas respectivas
prorrogações de prazo alcançassem a 50% do especificado no contrato. Em
contrapartida por esse possível benefício, que na época, em face da
vigência da política de contenção salarial que então seguia curso, se
afigurava como bastante provável, o mutuário devia contribuir para o fundo
com o valor de uma prestação. Mediante essa mesma contribuição,
mutuários dos financiamentos já previamente contratados nas condições do
Plano A puderam, também, de acordo com o RD [Resolução de Diretoria] nº
35/67, de 4 de outubro de 1967, gozar do benefício mencionado. (DE
FARO, 1992a, p.38)

O Plano B consistia no financiamento de habitações com valor unitário


superior a 75 vezes o maior salário mínimo vigente no país. O saldo devedor e as
prestações do Plano B eram simultaneamente corrigidos monetariamente, a cada
trimestre civil, de acordo com a variação nominal das ORTN’s. No Plano B também
era adotado o sistema de amortização da Tabela Price. Assim, de acordo com De
Faro (1992a, p.19), como a correção monetária era aplicada de forma uniforme, o
Plano B era financeiramente consistente. Esta consistência advinha do fato do
débito ser efetivamente liquidado com o pagamento da última prestação contratual,
ou seja, não existiam resíduos no saldo devedor ao final do prazo contratual.

O Plano B, na forma em que foi criado, não apresentou os problemas de


eternização da dívida típicos do Plano A. Seus únicos problemas eram a capacidade
de pagamento do mutuário, já que as prestações acompanhavam a inflação e não
as variações salariais, e a perda inflacionária imposta ao financiador. Segundo De
Faro (1992a, p.23), tome-se como exemplo o caso de um financiamento contratado

3
Nesta mesma resolução, o Plano A passou a poder ser aplicado em financiamentos de habitações
no valor de até 500 salários mínimos e foi criado também o chamado Plano C, que será discutido
mais adiante.
à taxa de 1% a.m., pelo prazo de 10 anos. Estabelecendo-se prestações mensais
calculadas segundo a Tabela Price, com correção monetária trimestral, se for
estimado que a taxa trimestral de inflação se mantenha no nível de 20% (taxa
mensal de 6,27%), a perda do financiador será da ordem de 11,3% do capital
financiado.

O Plano C, criado pela RC nº 25/67, praticamente manteve as mesmas


características do Plano A, reajustes trimestrais do saldo devedor e anuais das
prestações e, por conseqüência, os mesmos problemas. A única diferença com
relação ao Plano A era que as prestações poderiam ser corrigidas em mês
determinado de acordo com o interesse específico do mutuário. Assim, esse mês,
especificado no contrato de financiamento, corresponderia ao imediatamente
seguinte ao que tivesse ocorrido o último aumento salarial da classe a que
pertencesse o mutuário.

Em substituição aos Planos A e C, o BNH, com a RC nº 36/69, criou o Plano


de Equivalência Salarial (PES)4. O PES praticamente manteve todas as
características dos planos substituídos: correção monetária trimestral do saldo
devedor e correção monetária anual das prestações, ambos de acordo com os
Planos A e C. De acordo com este novo plano, salvo os casos de liquidação
antecipada ou de amortização extraordinária, o número de prestações mensais
passou a ser fixo e igual ao número de meses do contrato original. Assim, o FCVS
passou a arcar com o débito remanescente no fim do prazo contratual original. Em
contrapartida, o mutuário daria uma contribuição ao FCVS e, caso o saldo devedor
viesse a ser extinto antes do término do prazo contratual, as prestações pagas a
mais reverteriam-se em benefício do FCVS. Além disso, o mutuário passava a ter
valores de suas prestações multiplicados por um fator denominado de Coeficiente de
Equiparação Salarial (CES).

4
Juntamente com a criação do PES também foi criado o Plano de Correção Monetária (PCM), que
nada mais foi do que um rebatizamento do antigo Plano B, mantido em todas as suas peculiaridades.
O valor do CES, inicialmente determinado em função do mês de assinatura
do contrato, era fixado pelo BNH com base em estimativas do
comportamento futuro da inflação, buscando anular o valor do débito no fim
do prazo contratual. (DE FARO, 1992b, p.7)

O problema apresentado pelo PES foi que o BNH subestimou fortemente os


valores do CES aplicados nos contratos de financiamento e isto resultou num forte
desequilíbrio no FCVS. Além da subestimação dos valores aplicados, o BNH
concedeu vários benefícios, em termos de reduções nas prestações, devido ao não
acompanhamento dos reajustes salariais à inflação, aos mutuários, que serviram
para complicar ainda mais a situação do FCVS.

Segundo De Faro (1992b, p.8), houve uma grande insatisfação entre os


agentes financeiros, no modo como o BNH estava conduzindo esse problema do
FCVS.
Tal percepção, prevalente principalmente entre os agentes financeiros, tem
sido um forte inibidor à concessão de novos financiamentos. Isto porque,
embora teoricamente [o FCVS seja] garantido pelo Governo, é uma real
preocupação dos agentes a de que venham a ser feitos, compulsoriamente,
sócios no prejuízo. (DE FARO, 1992b, p.8)

Para tentar minimizar o impacto negativo no FCVS, o BNH substituiu o


sistema básico de amortização de seus contratos de financiamento, a chamada
Tabela Price, por um sistema conhecido como Sistema de Amortizações Constantes
(SAC). Uma característica do SAC, em relação à Tabela Price, é que suas
prestações iniciais são superiores. Como apresentado por De Faro (1992b, p.9), nas
condições dos planos no âmbito do SFH, a adoção do SAC poderia implicar em
prestações iniciais quase 30% superiores às que seriam obtidas no caso da Tabela
Price. Para o BNH, isto gerava uma vantagem, já que a renda familiar mínima era
expressa em função do valor inicial da prestação. Esperava-se, com isto, um menor
risco de inadimplência por parte do mutuário, pois, exigindo-se uma renda familiar
maior, e com seu comprometimento sendo decrescente como o tempo, podia-se
esperar uma menor taxa de inadimplência.
Outra vantagem, também relativamente ao risco de suspensão de
pagamento, é que o SAC provoca uma amortização mais acelerada.

[...], em idênticas condições quanto a prazo e taxas, o saldo devedor no


caso do SAC é, em qualquer ponto intermediário do prazo contratual,
sempre inferior ao que se teria na eventualidade de adoção da Tabela Price.
(DE FARO, 1992b, p.9)

Outro ponto a destacar é que, como demonstrado por De Faro (1992b, p.10-
11), o SAC requer um CES um pouco menor do que o relativo ao caso da Tabela
Price. Isto implicaria num débito residual menor no caso de adoção do SAC, o que
provocaria um menor comprometimento do FCVS.

3.2.3 – Análise das Atuações do BNH no Financiamento de Habitações de


Baixa Renda

O BNH obteve a sua estrutura definitiva no início da década de 70. Esta


estrutura distanciou-se consideravelmente do modelo inicialmente proposto –
financiamento da casa própria para a população de baixa renda. O BNH, então,
passou a operar não só no financiamento habitacional, como também em áreas
como saneamento, infra-estrutura e planejamento urbano e comunitário, transporte,
apoio nas áreas técnicas, financeira, de estudos e pesquisas, apoio à indústria de
construção civil e de materiais, assessoria a Estados e Municípios, treinamento,
desenvolvimento urbano, infra-estrutura de serviços industriais de utilidade pública,
fomento ao artesanato, comércio e pequena indústria, recuperação urbana e
inúmeras outras.

Esse alargamento de funções foi uma resposta ao centralismo fiscal, que


vigorava na época, e que imobilizou Estados e Municípios como agentes supridores
de serviços públicos em geral, ou seja, coube ao BNH atender à demanda por
serviços públicos pela total incapacidade da administração direta estadual e
municipal de arcar com as despesas destes serviços.
A Tabela 9 apresenta as aplicações do BNH em programas.

TABELA 9 – Aplicações do BNH em Programas – Percentagem

Programas Até 1983


Habitação 49,2
Habitação – Operações
17,3
Complementares
Desenvolvimento Urbano 27,8
Saneamento 19,3
Outros 8,5
Operações de Apoio Técnico e
5,7
Financeiro e Outros
Fonte: Banco Nacional de Habitação

A análise da Tabela 9 demonstra que o programa habitacional, principal


objetivo do BNH, absorveu apenas 50% de suas aplicações. Assim, pode-se concluir
que a habitação deixou de ser a atividade primordial do BNH, que passou a dividir os
recursos disponíveis com as outras tarefas, principalmente obras de
desenvolvimento urbano.

Outro fato que constatou a mudança das características de interesse social do


BNH foi o controle excessivo dos recursos captados e aplicados, pela iniciativa
privada, pouco atuantes nas faixas de baixa renda. De um modo geral, o Estado
assumia os riscos, garantia os recursos, assegurava a continuidade do sistema e a
seguir repassava ao capital financeiro privado parte da massa de recursos captados
pela poupança forçada (FGTS), além de propiciar as condições para a captação de
recursos da poupança voluntária (Cadernetas de Poupança).

Apesar do BNH possuir programas para as faixas de baixa renda (lotes


urbanizados, Cohab’s, dentre outros), estes programas, na prática, não funcionavam
de forma correta. Devido as suas estruturas operacionais terem sido criadas
artificialmente, os programas destinados à população de baixa renda não
conseguiram eliminar a intermediação financeira e produtiva capitalistas,
aumentando, assim, os custos para os interessados nestes programas.
De acordo com De Albuquerque (1985, p.21), a efetiva funcionalidade dos
programas habitacionais de interesse social esbarrava em dois problemas:

Em primeiro lugar, os recursos são captados a custo elevado. Os recursos


do FGTS, das cadernetas de poupança e da emissão de letras imobiliárias
exigem remuneração acima da capacidade de pagamento da maior parte da
população-alvo dos programas habitacionais de interesse social. Assim
sendo, são canalizados para aplicações que propiciem níveis de
remuneração compatíveis com seus custos, ou seja, são canalizados para
financiamento de edificações para as camadas populacionais de renda mais
elevada. (DE ALBUQUERQUE, 1985, p.21)

Em segundo lugar, [...], o BNH é uma instituição de segunda linha [pois atua
por intermédio dos agentes financeiros] e utiliza, em grande parte, o sistema
financeiro privado para a obtenção da necessária capilaridade na
consecução de seus objetivos. Mais uma vez, este modelo de ação
discrimina contra programas cujo valor unitário de financiamento seja mais
baixo (embora possam atender a número significativamente maior de
famílias). Isto ocorre em função dos custos unitários de administração,
cobrança e fiscalização mais elevados, se comparados a financiamentos de
maior volume por unidade. A procura por aplicações de maior valor unitário
é reforçada pela remuneração mais elevada permitida para unidades
habitacionais orientadas para as classes de renda mais alta. (DE
ALBUQUERQUE, 1985, p.21)

Além disso, havia uma grande desproporção entre os recursos do SBPE


(responsável pelos financiamentos para as classes mais elevadas) e do BNH. Como
apresentado por De Albuquerque (1985, p.23), esta desproporção era de 141% em
1972 e chegou a até 439% em 1979. Isto mostra a grande carência de recursos que
havia para o financiamento de projetos populares.

Conclui-se que a estrutura operacional do SFH é marcada por


características que não contribuem para o eficiente funcionamento do
sistema. Embora seu objetivo primordial tenha sido o atendimento à
demanda populacional de interesse social, parcela significativa é orientada
para os mercados de renda mais elevadas. Muito embora o SFH dependa
fundamentalmente das garantias governamentais oferecidas, o BNH atua
tão somente como banco de segunda linha, oferecendo perspectivas de alta
rentabilidade ao setor financeiro (privado e oficial) [...]. Vê-se, portanto, que
além do BNH ter-se transformado numa grande agência de
desenvolvimento urbano, sobrepondo-se aos objetivos habitacionais, sua
estrutura operacional financeira não está direcionada, como deveria, para o
atendimento dos objetivos de interesse social inicialmente propostos. (DE
ALBUQUERQUE, 1985, p.28)
Para mostrar como a faixa social foi prejudicada pela falta de recursos, a
Tabela 10 apresenta os financiamentos do SFH por faixa de renda. Desta Tabela
pode-se verificar que somente 10% dos recursos do SFH foram orientados para o
atendimento da faixa de renda até 3 salários mínimos. No outro extremo, para as
faixas de renda familiar de mais de 10 salários mínimos, foram canalizados 62% dos
recursos.

TABELA 10 – Estimativa dos Financiamentos do SFH por Faixa de Renda

Faixa de Renda em Salários Mínimos Percentagem por Faixa


Até – 1,92 6,03
1,92 – 3,10 3,84
3,10 – 5,85 13,81
5,85 – 9,73 14,27
9,73 – 25,37 56,48
25,37 – + 5,57
Fonte: BNH / Fundação João Pinheiro “Avaliação do Profilurb no Brasil”, BNH, 1982, p.15

Para De Albuquerque (1985, p.32), a crescente participação do SBPE na


captação dos recursos foi responsável pelo total esquecimento, por parte do SFH,
das classes de baixa renda.

[...], a explicação para o evidente distanciamento do SFH de seus objetivos


habitacionais acha-se, em primeiro lugar, na crescente participação do
SBPE na captação de recursos, e conseqüentemente em aplicações
habitacionais fora das áreas de interesse social. Dentro das limitações
legais, o SBPE orienta os recursos para unidades habitacionais de maior
valor unitário, uma linha de ação coerente com seus objetivos de
maximização de lucros. Além das melhores garantias, e de custos
administrativos unitários mais baixos, os extratos residenciais de maior valor
revelam-se capazes de suportar os custos de captação mais elevados do
SBPE. (DE ALBUQUERQUE, 1985, p.32)

Analisando o que foi apresentado até aqui, pode-se verificar que o BNH
pouco atuou para resolver a problemática habitacional da população de baixa renda.
De uma forma geral, como apresentado por De Albuquerque (1985, p.41), apenas
12% dos recursos do SFH eram orientados para as habitações de interesse social,
ou seja, um oitavo do total potencialmente disponível para a finalidade que, em
última análise, foi a causa geradora de criação do SFH.
Outro ponto importante a destacar diz respeito aos subsídios concedidos aos
mutuários do SFH. O Governo Federal, a fim de minimizar o problema de
inadimplência, adotou medidas de concessão indiscriminada de subsídios que
possibilitaram uma redução imediata das prestações. Foram concedidos bônus e
adotaram-se índices de reajuste inferiores aos pactuados nos contratos, onerando
excessivamente, ainda mais, o FCVS.

Como afirmado pela ABECIP (1994, p.57), o governo justificou a redução das
prestações como uma forma de benefício social aos mutuários das classes sociais
menos favorecidas. Entretanto quem mais tirou vantagem destes benefícios foram
os mutuários pertencentes aos extratos de renda média e superior, pela maior
facilidade e agilidade na interpretação da legislação.

Chega-se, então, a uma conclusão extremamente importante: os subsídios


concedidos indiscriminadamente tiveram um efeito perverso, à medida que
foram aplicados em razão inversamente proporcional às necessidades, ou
seja, quanto maior a dívida, maior o subsídio. Quem possuía dívidas mais
elevadas, resultantes de maior valor de financiamento e, logo, possuidor de
maior renda, recebeu subsídios maiores em detrimento daquela parcela
realmente carente. O resultado foi a transferência de patrimônio da
coletividade poupadora para a coletividade dos mutuários, além da
transferência de renda das classes mais pobres para as mais abastadas e
de recursos dos pretendentes à casa própria para os que já haviam
adquirido a sua moradia. (ABECIP, 1994, p.57)

3.2.4 – A Extinção do BNH e a Atual Situação do Financiamento Imobiliário no


Brasil

A grave crise macroeconômica que atingiu o Brasil no início dos anos 80


agravou ainda mais os problemas apresentados pelo SFH. Esta crise culminou numa
drástica política de ajustamento interno, que provocou um achatamento generalizado
nos salários reais da população e uma redução do nível de emprego. Estes fatores
provocaram uma forte instabilidade na poupança interna do país, com a queda de
recursos das Cadernetas de Poupança e do FGTS, provocados pela diminuição dos
depósitos e elevação dos saques dos mesmos.
Além da perda de recursos, o descompasso entre os índices de inflação e
aqueles utilizados para correção dos salários e a queda do nível de emprego
passaram a gerar altos níveis de inadimplência dos mutuários, comprometendo o
equilíbrio atuarial do SFH. A taxa de inadimplência foi elevada em todas as classes
sociais, sobretudo nas classes de maior poder aquisitivo, devido aos elevados
reajustes de prestações impostos às mesmas. Como as classes de maior renda
possuem grande poder de reivindicação junto à opinião pública, ocorreu um
verdadeiro aumento de ações na justiça e a criação de inúmeras associações de
mutuários, que culminou no citado aumento da inadimplência. Para minimizar este
problema, o Governo Federal adotou medidas de concessão indiscriminada de
subsídios, o que possibilitou uma redução imediata das prestações e um alívio para
as classes de maior poder aquisitivo.

Essa concessão de subsídios, a inconsistência financeira dos planos do BNH


e as mudanças introduzidas nos contratos do SFH por inúmeros planos econômicos
do governo, provocaram um enorme rombo no FCVS. O déficit do FCVS e a baixa
taxa de retorno dos investimentos habitacionais (provocados, em parte, pela política
de aumentos das prestações inferiores à correção monetária) vieram a inviabilizar o
sistema, o que tornou praticamente impossível a retomada da política habitacional
nos antigos moldes do SFH. Por estes motivos, o Governo Federal resolveu extinguir
o BNH em 1986. A partir de então, as funções do BNH foram transferidas à Caixa
Econômica Federal (CEF), um banco sem qualquer tradição prévia na gestão de
programas habitacionais.

De acordo com Santos (1999, p.19), na Caixa Econômica Federal a questão


habitacional foi relegada a um interesse setorial, enquanto o BNH, que possuía um
efetivo de funcionários qualificados que acumulavam a memória técnica de mais de
vinte anos de funcionamento do setor, tinha o problema habitacional como atividade-
fim.

O fechamento do BNH é descrito por Azevedo (1995, p.297 e 298) da


seguinte maneira: “A forma como se deu essa decisão foi motivo de
surpresa (...) uma vez que ocorreu de maneira abrupta e sem margem para
contrapropostas. Este procedimento chocava-se com as declarações de
intenções e encaminhamentos anteriores feitos pelo próprio governo (...) A
maneira como o governo incorporou o antigo BNH à Caixa Econômica
Federal torna explícita a falta de proposta clara para o setor. Em outras
palavras, nenhuma solução foi encaminhada para os controvertidos temas
que permeavam o debate anterior. Nesse sentido, a pura desarticulação
institucional do banco, sem o enfrentamento de questões substantivas,
somente agravou os problemas existentes.”. (SANTOS, 1999, p.19)

Após a extinção do BNH, a área habitacional caiu numa imensa confusão


institucional, provocada por reformulações constantes nos órgãos responsáveis pela
questão urbana em geral e pelo setor habitacional em particular. As atribuições na
área habitacional do governo, antes praticamente concentrados no BNH, foram
pulverizadas por vários órgãos federais, como o Banco Central (que passou a ser o
órgão normativo e fiscalizador do SBPE), a Caixa Econômica Federal (gestora do
FGTS e agente financeiro do SFH), o ministério urbano do momento (formalmente
responsável pela política habitacional) e a então chamada Secretaria Especial de
Ação Comunitária, a responsável pela gestão de programas habitacionais
alternativos.

A grave crise financeira e institucional, entretanto, não impediu que ações


fossem tomadas na área habitacional. Tais ações, entretanto, [...],
basearam-se no fortalecimento dos programas alternativos do SFH e não
em modificações no sistema propriamente dito. Com efeito, nesse período,
os programas habitacionais alternativos passaram a ter desempenho bem
superior ao sistema convencional. Entre esses programas, merece destaque
o Programa Nacional de Mutirões Comunitários, [...], voltado para famílias
de renda inferior a três salários mínimos. Com grande aporte de recursos
orçamentários a fundo perdido, tal programa propunha-se a financiar cerca
de 550 mil unidades habitacionais. (SANTOS, 1999, p.20)

A adoção desses programas alternativos, devido a um contexto de instituições


democráticas pouco amadurecidas, contribuiu para uma má utilização de recursos. A
total ausência de uma política clara de prioridades para alocação de recursos,
tornaram os programas presa fácil para o clientelismo e para toda a sorte de tráfico
de influência.

Percebe-se assim que a crise do SFH, em particular, e a de todo o setor


habitacional, em geral, aprofundou-se durante o período 1985/1989. Ao
longo desses anos, o equilibro atuarial do SFH sofreu fortes abalos e ,com a
extinção do BNH, o setor habitacional foi atirado em grande crise
institucional. Mesmos os pesados investimentos realizados nos programas
alternativos, se por um lado tiveram o mérito de focalizar uma faixa de renda
que vinha sendo negligenciada, por outro foram objeto de todo tipo de má
utilização de recursos, o que contribuiu para enfraquecer as COHAB’s e,
portanto, aumentar a centralização da política habitacional. Não é
surpreendente, pois, que a atuação do governo da época na área
habitacional tenha sido classificada pelo IPEA (1989, p.34) como “um
conjunto de ações segmentadas, sem articulação adequada a uma política
consistente e coerente com os objetivos expressos nos planos de governo,
que determinou tratamento prioritário à população de baixa renda”.
(SANTOS, 1999, p.20)

Durante o conturbado governo Collor (1990-1992), o quadro de crise das


políticas públicas na área de habitação se agravou ainda mais. Foram adotadas
mudanças superficiais no SFH (como a facilitação da quitação dos imóveis e a
mudança no mecanismo de correção das prestações) e criaram-se programas que
se caracterizaram pela má utilização dos recursos públicos. O principal programa, o
Plano de Ação Imediata para a Habitação (PAIH), previa a construção de
aproximadamente 245 mil unidades habitacionais em 180 dias, por meio da
contratação de empreiteiras privadas. Foram detectadas, então, várias
irregularidades neste programa, como o alongamento do prazo de 180 dias para
mais de 18 meses, o custo unitário médio foi bem superior ao previsto, ocasionando
uma diminuição de 245 mil para 210 mil unidades. Além disso, por motivos
clientelistas, o plano não seguiu os percentuais de alocação de recursos definidos
pelo Conselho Curador do FGTS para os diversos estados da Federação.

Com a posse de Itamar Franco em 1992, a gestão das políticas públicas na


área de habitação sofreu consideráveis alterações. Os programas na área de
habitação popular foram redesenhados e passaram a exigir a participação de
conselhos com participação comunitária dos governos locais e uma contrapartida
financeira destes últimos aos investimentos da União. Tais mudanças aumentaram
consideravelmente o controle social, a transparência da gestão dos programas em
questão e constituíram-se um ponto de inflexão importante na condução das
políticas públicas na área de habitação popular.

Dentre esses programas pode-se destacar o Habitar-Brasil e o Morar-


Município, que tinham por objetivo elevar os padrões de habitabilidade e qualidade
de vida em áreas degradadas ou de risco, ocupadas por subabitações (favelas,
mocambos, palafitas, cortiços) e onde viviam, predominantemente, famílias com
renda mensal de até três salários mínimos. Estes programas tiveram tanta
importância que, ou foram mantidos na gestão posterior (como no caso do Habitar-
Brasil, ainda que com modificações e aperfeiçoamentos), ou serviram de base para
a formulação de programas semelhantes.

Como apresentado por Santos (1999, p.22), além de reformular os programas


habitacionais na área de habitação popular, a gestão Itamar Franco também se
ocupou da conclusão das obras inacabadas contratadas na gestão anterior com
recursos do FGTS, fez algumas modificações no SFH ao extinguir o PES e criou um
plano de amortização baseado no comprometimento da renda, em substituição ao
próprio PES. Tais mudanças, entretanto, não tiveram fôlego para reverter o quadro
de crise estrutural do sistema.

A partir de 1994, com a posse de Fernando Henrique Cardoso, a posição


oficial do governo brasileiro acerca da questão habitacional ficou explicitada nos
documentos Política Nacional de Habitação (1996) e Política de Habitação: Ações
do Governo Federal de Janeiro/95 a Junho/98. Tais documentos caracterizaram o
modelo de intervenção governamental no setor habitacional baseado no SFH como:
(a) esgotado – em virtude das crescentes dificuldades com a captação líquida das
suas fontes de recursos (notadamente o FGTS); (b) regressivo – por ter beneficiado
principalmente as camadas de renda média e média alta com elevados subsídios
implícitos pagos com recursos do erário; e (c) insuficiente – porque durante trinta
anos o SFH produziu apenas 5,6 milhões do total de 31,6 milhões de novas
moradias produzidas no país. Além disso, os documentos do Governo Federal
condenaram a má utilização dos programas alternativos, culpando, entre outros
fatores, a excessiva centralização da gestão desses programas e a falta de controle
social dos investimentos realizados. Em contraposição, o modelo proposto pela
gestão do governo de Fernando Henrique Cardoso tinha quatro premissas básicas:
(a) focalização das políticas públicas voltadas para a área habitacional no
atendimento das camadas populacionais de baixa renda; (b) a necessidade de
descentralizar e aumentar o controle social sobre a gestão dos programas federais
de habitação; (c) o reconhecimento, por parte do governo, de sua incapacidade de
resolver sozinho o problema habitacional do país e da necessidade de tentar
melhorar o funcionamento do mercado de moradias no Brasil; e (d) o
reconhecimento de que as políticas públicas não devem negligenciar a grande
parcela da população de baixa renda do país que trabalha no setor informal da
economia e/ou habita moradias informais.

Assim, as ações e os programas da Política Nacional de Habitação foram


divididos em três grandes grupos: (a) atuação no financiamento (a fundo perdido ou
subsidiado) a Estados e Municípios para reurbanização de áreas habitacionais muito
degradadas, com melhorias das habitações existentes/construção de novas
habitações e instalação/ampliação da infra-estrutura dessas áreas, ocupadas
principalmente pelas camadas populacionais de renda inferior a três salários
mínimos mensais; (b) atuação na provisão de financiamento de longo prazo para a
construção/melhoria de habitações destinadas principalmente à população de renda
mensal até doze salário mínimos mensais; e (c) políticas voltadas para a melhoria da
performance do mercado habitacional, tanto na reformulação da legislação quanto
no desenvolvimento institucional e tecnológico do setor.

Na área de atuação de financiamento a Estados e Municípios os dois


principais programas federais são o Pró-Moradia e o Habitar-Brasil. Os dois
programas têm desenho e objetivos muito semelhantes. Em ambos os casos cabe
aos Estados e Municípios apresentarem projetos às instâncias federais que, então,
decidem sobre a liberação ou não do financiamento, levando em conta, entre outras
variáveis, a disponibilidade de recursos, a qualidade técnica do projeto, sua relação
custo-benefício, sua adequação aos objetivos dos programas etc. Ao receber o
financiamento, o poder público local realiza então as melhorias nas comunidades
escolhidas (geralmente caracterizadas por elevado grau de informalidade) e legaliza
a situação das famílias beneficiadas. Na maioria dos casos, o poder público local
não exige qualquer tipo de contrapartida à população beneficiada, mesmo porque
não há nada no desenho dos programas que o obrigue a cobrar pelas melhorias
efetuadas. É importante notar, portanto, o caráter assistencialista desses programas,
cujo público-alvo são áreas habitacionais degradadas, caracterizadas pela extrema
pobreza de seus habitantes e que, justamente por isso, necessitam de ações
emergenciais do poder público. A relativa escassez de recursos para esses
programas, aliada à despreocupação quanto à recuperação dos custos, fazem que
seu escopo seja necessariamente limitado. Essa conclusão é reforçada quando se
nota que esses programas não visam principalmente a construção de novas
unidades habitacionais (ainda que contemplem essa possibilidade em alguns casos),
e sim à melhoria das unidades existentes. Assim, atua-se muito mais na redução do
déficit habitacional qualitativo do que no quantitativo.

Embora bastante parecidos, os programas apresentam algumas diferenças


importantes. A principal diz respeito a suas fontes de recursos. Enquanto o Habitar-
Brasil é financiado com recursos do Orçamento Geral da União (OGU), o Pró-
Moradia é financiado por um fundo gerado a partir de contribuições mensais
compulsórias dos trabalhadores empregados no setor formal da economia, o Fundo
de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). A principal implicação desse fato é que,
ao contrário dos financiamentos concedidos com recursos orçamentários (que não
precisam ser repostos), os financiamentos concedidos com recursos provenientes do
FGTS têm necessariamente de ser ressarcidos a fim de evitar o seu esgotamento.
Isso faz com que as exigências financeiras (notadamente quanto à capacidade de
pagamento de Estados e Municípios) para a aprovação dos financiamentos para o
Pró-Moradia (que utiliza recursos do FGTS) sejam muito mais rígidas do que para o
Habitar-Brasil, dado que seus financiamentos (que utilizam recursos do OGU) são
concedidos a fundo perdido. Essa é a principal razão para a diferença de
desempenho dos dois programas. Ao contrário do Habitar-Brasil, o desempenho do
Pró-Moradia ficou abaixo do esperado, e houve sobra de recursos porque grande
parte dos municípios brasileiros (notadamente nas regiões mais pobres do país) não
tem condições de atender às exigências financeiras para a participação no
programa.

A diferença quanto à origem dos recursos reflete-se também na distribuição


regional da sua disponibilidade. Enquanto, no caso do Pró-Moradia, a
disponibilidade de recursos é definida a partir das normas técnicas de utilização do
FGTS, no Habitar-Brasil é definida pelo Congresso Nacional, responsável pela
aprovação final do Orçamento Geral da União. Assim, a ingerência de fatores
políticos no segundo caso é claramente maior do que no primeiro.
Além do Habitar-Brasil e do Pró-Moradia, o governo de Fernando Henrique
Cardoso também implantou outros programas, como o Pró-Saneamento, o
Programa de Ação Social em Saneamento (PASS), Morar Melhor, Pró-Comunidade,
Pró-Sanear. Estes programas tinham praticamente os mesmos objetivos dos
programas Habitar-Brasil e Pró-Moradia, elevar os padrões de habitabilidade e
qualidade de vida em localidades urbanas e rurais, e as mesmas fontes de recursos,
FGTS e recursos do OGU.

Outra importante linha de atuação do Governo Federal na questão


habitacional foi a concessão de financiamentos diretamente a pessoas físicas com
renda mensal de até doze salários mínimos. O principal programa federal ligado a
essa área é o Carta de Crédito – FGTS. Este programa representa uma importante
mudança na estratégia de concessão de financiamentos imobiliários que, no modelo
vigente até 1994, eram majoritariamente direcionados às empresas construtoras. O
crédito direto ao consumidor, segundo esse raciocínio, garantiria maior liberdade de
escolha para o cidadão, que poderia optar por uma série de alternativas que vão
desde a compra de imóveis prontos novos ou usados (no modelo anterior o
financiamento era concedido apenas para a compra de imóveis novos) até a compra
de terrenos ou materiais de construção.

O desenho do Carta Crédito – FGTS é bastante simples. O cidadão procura


uma agência da Caixa Econômica Federal e, após comprovar, entre outras coisas,
que sua renda familiar está dentro da faixa-alvo do programa, que não é proprietário
de nenhum imóvel na região onde mora e que tem capacidade de pagamento (a
prestação mensal não deve ultrapassar 30% da renda familiar), recebe uma carta do
banco que lhe garante, por um mês, um crédito a ser utilizado em uma das
modalidades do programa (aquisição-reforma de imóveis, compra de materiais de
construção, etc.). Trata-se, portanto, de um programa de demanda espontânea. A
preocupação com o atendimento às parcelas da população de baixa renda
envolvidas com o setor informal é evidenciada nesse programa pelos esforços do
governo para flexibilizar os mecanismos de comprovação de renda, a fim de que se
consiga captar a renda informal das pessoas.
A fonte de recursos do Carta Crédito – FGTS, assim como ocorre com o Pró-
Moradia, é o FGTS. Assim, todos os financiamentos concedidos devem ser
ressarcidos, ainda que as taxas de juros cobradas por esses financiamentos sejam
significativamente mais baixas do que as taxas de mercado. O programa envolve,
portanto, um componente de subsídio não desprezível (nesse caso, do FGTS em
benefício dos tomadores finais do crédito habitacional).

Com a Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, que instituiu a alienação da


coisa imóvel, foram criadas bases institucionais que permitiram o estabelecimento do
Programa de Arrendamento Residencial (PAR). Este programa tem por objetivo
atender, exclusivamente, a necessidade de moradia da população de baixa renda
dos grandes centros urbanos. Esse público tem acesso ao programa mediante
contrato de arrendamento residencial, com opção de compra ao fim do período.

Os agentes envolvidos no PAR são: a Secretaria de Estado de


Desenvolvimento Urbano do Ministério da Fazenda, que tem a função de
estabelecer diretrizes para a aplicação dos recursos e requisitos para habilitação ao
arrendamento; Caixa Econômica Federal, que tem a função de gerir o programa e
constituir e administrar um fundo financeiro para segregação dos haveres financeiros
e imobiliários destinados ao PAR; as empresas do ramo de construção civil, que tem
a função de produzir/recuperar unidades residenciais em áreas contempladas pelo
programa; e as empresas do ramo da administração imobiliária, que tem a função de
administrar os contratos de arrendamento.

No PAR o valor máximo de financiamento por unidade é de R$ 20.000,00,


considerados todos os custos incidentes, inclusive terreno e infra-estrutura interna
(com no mínimo pavimentação, esgoto, água, luz, guias e sarjetas); a área útil
mínima das unidades é de 37 m²; a tipologia mínima é de dois quartos; e a
especificação mínima das unidades deve contar com piso cerâmico, azulejo nas
paredes molhadas do boxe, pia, lavatório e tanque, vãos de porta com folha em
todos os cômodos, revestimento e pintura compatíveis com o padrão da unidade e,
nas unidades horizontais, laje de teto nos banheiros e forro nos demais cômodos.
Em relação à área de execução do projeto, o empreendimento deve estar
inserido na malha urbana, dotado de infra-estrutura básica, como água, luz e
soluções de esgotamento sanitário, e de serviços públicos essenciais, como
transporte e coleta de lixo. Além disso, na área de influência do projeto, não pode
existir empreendimento considerado problema, ou com dificuldade de
comercialização, inconcluso, com prazo de carência vencido, paralisado ou que não
disponha de infra-estrutura mínima. A facilidade de acesso a pólos geradores de
emprego e renda também é verificada.

A Estados e Municípios cabe a identificação das áreas prioritárias, além de


adotar medidas para celeridade de aprovação de projetos e redução ou isenção de
tributos e tarifas incidentes sobre imóveis.

Além de gerir programas de investimento e financiamento, o governo também


tem atuado no desenvolvimento institucional e na modernização da legislação que
incide sobre o setor habitacional. Exemplos dessas ações são o Programa Brasileiro
de Qualidade e Produtividade Habitacional (PBQP-H), a criação do Sistema
Financeiro Imobiliário (SFI)/flexibilização do SFH e propostas de alteração na
legislação sobre uso do solo e sobre questões ambientais.

Um fator que tem contribuído para piorar os índices de produtividade na


construção de habitações no Brasil é o alto custo médio e a falta de padronização
dos materiais de construção utilizados. A partir do PBQP-H, a fim de atenuar esse
problema, o governo tem atuado na formação do Sistema Nacional de Certificação,
cuja principal atribuição é a de aumentar o grau de padronização dos materiais de
construção brasileiros, o que deverá contribuir para o aumento da escala de
produção das firmas e para diminuição dos custos de construção. O programa
consta ainda de iniciativas na área de treinamento de pessoal e apoio à auto-
construção.
Um fator fundamental para uma boa performance dos mecanismos de
mercado na área habitacional é a existência de oferta de recursos de longo prazo
que possa ser canalizada para o setor. Tanto a criação do SFI quanto o
saneamento/flexibilização do SFH são ações do governo que visam justamente atuar
na direção de possibilitar/garantir a existência de mecanismos de captação de
poupança de longo prazo para o setor habitacional. O SFI se apresenta, então,
como um mecanismo capaz de gerar um ganho de eficiência ao setor.

Um dos princípios básicos do SFI é a liberdade dos termos de contratação do


financiamento estipulados entre as partes. Desta forma, nenhuma cláusula é
previamente estipulada pela lei ou qualquer outro regulamento oficial. Entretanto, o
SFI enumera as condições necessárias de contratação das operações de
financiamento imobiliário: pagamento integral do principal emprestado mais os
encargos estipulados no contrato, capitalização dos juros e a contratação, pelo
mutuário, de seguros contra riscos de morte e invalidez.

Contrariamente ao que se pode concluir em um exame superficial da questão,


liberdade dos termos de contratação dos financiamentos e padronização de tais
contratos não são conceitos conflitantes. Para que a securitização de créditos
imobiliários se viabilize, é necessário que tais créditos obedeçam a determinados
padrões quando da sua emissão, entre os quais: (a) uniformidade nos lastros dos
Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI’s), composto de contratos regidos pelas
mesmas cláusulas de índices e periodicidade dos reajustes, taxas de juros e prazo
de amortização; (b) uniformidade nos procedimentos de segregação de risco de
crédito do mutuário e avaliação da capacidade de pagamento do tomador,
estabelecendo limites para o financiamento e estipulando as garantias do contrato.

A padronização dos CRI’s é essencial para que tais letras possam ser
facilmente reconhecidas pelos investidores, suas características definidas e seus
riscos mensurados, de forma a permitir que, assim como qualquer outro título de
grande liquidez, as mesas de operação tenham total conhecimento das
características de risco e retorno do ativo (CRI) que estão negociando.
Outro fator de relevância no estudo de securitização de hipotecas é o que se
refere aos pré-pagamentos da dívida. Esta é a denominação dada à operação de
adiantamento, total ou parcial, da dívida contratada pelo mutuário. A questão é que
tal pagamento quebra o fluxo de caixa inicialmente estipulado e, portanto, oferece
riscos à remuneração dos títulos, ainda que os recursos dela derivados sejam
aplicados em títulos de baixo risco de crédito. A solução para desencorajar esta
prática é a adoção de multas por pré-pagamentos, de forma a desestimulá-las como
prática financeira. Nos EUA esta punição é proibida em vários empréstimos, porém
tal restrição não existe na lei que rege o SFI. Desta forma, é permitida a celebração
de contratos hipotecários com penas para quem realizar pré-pagamentos, porém
esta não é uma regra definida.

Por fim, a questão jurídica de maior relevância para o sucesso das operações
de securitização de hipotecas é a capacidade de retomada do imóvel no caso do
mutuário tornar-se inadimplente. A grande inovação referente às garantias é a
possibilidade de alienação fiduciária de imóveis descrito no art. 19 da lei do SFI.
Segundo este, o devedor transfere ao credor o direito de conservar e recuperar a
posse dos títulos representativos dos créditos cedidos e promover a cobrança
judicial e extrajudicial dos devedores que não paguem. Para um melhor
entendimento da questão, são apresentados no Anexo 2 comentários sobre as
Medidas Provisórias 2221 e 2223, que tratam do SFI.

Analisando as medidas adotas pela gestão de Fernando Henrique Cardoso


pode-se verificar que suas ações sociais na área de habitação tem destacado
sucesso no que tange à focalização dos investimentos e a sua efetiva realização. No
passado, dada a incapacidade de fiscalização do Governo Federal, grande parte dos
recursos destinados aos governos locais para ações na área de habitação popular
era, de fato, canalizada para outros fins. Atualmente, o uso da estrutura de
fiscalização da Caixa Econômica Federal e o mecanismo de repasse dos recursos
em etapas, que obriga os governos locais a comprovarem a execução dos vários
estágios da obra, têm garantido excelente índice de realização dos investimentos
planejados nos seus programas. No caso do Carta de Crédito, a desburocratização
dos procedimentos e a própria flexibilidade do programa têm garantido grande
crescimento nos financiamentos.

O reconhecimento dos avanços alcançados na administração desses


programas, entretanto, não deve obscurecer o fato de que seu alcance,
notadamente do Habitar-Brasil e do Pró-Moradia, é inevitavelmente limitado. Com
efeito, dado que não apresentam preocupação com recuperação de custos, esses
dois últimos programas dependem, em última análise, da capacidade fiscal do
governo central e dos poderes públicos locais. Dada a restrição de recursos à qual
tem estado submetido o setor público brasileiro nos últimos anos, é natural que os
resultados dos dois programas somados não tenham contribuído para uma
diminuição significativa do déficit habitacional brasileiro, tanto no quantitativo quanto
no qualitativo.
CAPÍTULO 4 – FINANCIAMENTOS IMOBILIÁRIOS PÚBLICOS PARA
POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA

4.1 – Experiências Internacionais Relevantes: os Casos Chileno, Argentino e


Americano

Os problemas gerados pela falta de moradias decentes, cujo número é


incapaz de abrigar a crescente população urbana das grandes cidades, longe de ser
preocupação somente no Brasil, atingem diversos outros países, com
conseqüências tão graves quanto as aqui observadas.

A diferenciação se faz, entretanto, na capacidade das sociedades de adotar


modelos que possam combater, mesmo que parcialmente, o déficit habitacional.

Serão aqui descritas algumas das tentativas bem-sucedidas em países


próximos ao Brasil, estudando os modelos adotados no Chile e na Argentina. Em
tais casos, observa-se uma contínua elevação no número de unidades construídas,
contribuindo para redução do caos urbano. Será demonstrado o papel que
desempenham os órgãos governamentais no processo. Estes, juntamente com o
desenvolvimento dos mercados de capitais, são a chave para permitir o acesso ao
crédito por parte das classes de baixa renda.

Por fim, será analisado o caso americano e seus programas governamentais,


concluindo que, mesmo em países ricos, o setor público não pode se alijar do
processo de financiamento imobiliário, sem o qual não é possível realizar políticas de
bem-estar social.
4.1.1 – O Caso Chileno e sua Política de Subsídios Públicos para Financiar a
Compra de Habitações

A principal característica do modelo chileno é a ampla distinção entre


financiamentos destinados às diversas classes sociais do país, uma vez que famílias
carentes contam com intensos subsídios públicos, sendo responsáveis por cerca de
64% dos gastos públicos com habitação. Segundo Carneiro (2001a, p.23), o governo
chileno entende que financiamentos de longo prazo destinados às classes alta e
média são basicamente funções do setor privado, sendo que o setor público
somente deve fornecer empréstimos para população mais pobre. Assim, será tratado
aqui apenas os financiamentos imobiliários com subsídios públicos.

Conforme dito, a política de subsídios para aquisição de habitações no Chile


é, em grande medida, voltada para permitir que a camada mais pobre da população
tenha possibilidade de adquirir sua moradia. Assim, o plano que recebe a maior
parte dos recursos é destinado a famílias com renda inferior a US$260 mensais.

Tal plano é dividido em dois, sendo o primeiro orientado para famílias com
renda inferior a US$120, chamado de Viviendas Progresivas, e o segundo,
conhecido como Viviendas Básicas, é voltado para famílias com renda entre US$120
e US$260.

O Viviendas Progresivas prevê a construção de uma habitação completa em


duas etapas complementares. Primeiramente, a família deve ter poupança prévia de
no mínimo US$260, podendo a partir de então inscrever-se para receber o subsídio
do Estado. Nesta primeira etapa, o adquirente recebe do governo no máximo
US$4.292, para aquisição de habitações com superfície de aproximadamente 20 m²,
com valor de até US$4.550. Posteriormente, há a possibilidade de se financiar
expansões de 15 m², sendo que o valor total da habitação não deve ultrapassar
US$6.300. Para tanto, as unidades já são construídas prevendo a possibilidade de
expansão futura.
Nesta segunda etapa, o adquirente se candidata a uma nova linha de
subsídio, sendo que o montante total subsidiado pelo governo não pode ultrapassar
75% do valor da moradia. Para tanto, é exigida uma poupança prévia adicional,
sendo o restante da dívida financiada por até oito anos, diretamente pelo Ministério
da Habitação, sobre a qual não é cobrada taxa de juros. A condição é que a
prestação oriunda deste financiamento não ultrapasse 25% da renda familiar. Ao
final do processo, a família terá adquirido uma residência de 35 m², com pequena
poupança prévia e dívida a ser paga em prazo coerente com sua disponibilidade de
renda.

Da mesma forma, o Viviendas Básicas oferece a possibilidade a famílias com


renda entre US$120 e US$260 de obter subsídio de até 75% do valor da residência,
que neste caso tem área construída de 41 m² e valor entre US$7.800 e US$10.730.
O saldo restante pode ser financiado diretamente pelo Ministério da Fazenda, pelo
prazo de 20 anos e taxa de juros de 8% reais ao ano, gerando prestações mensais
em torno de US$13.

Além desses sistemas de subsídios, o governo chileno ainda tem planos para
a população rural, objetivando reduzir o fluxo migratório em direção às áreas
urbanas, e planos especiais para trabalhadores organizados em cooperativas,
sindicatos, empresas e outros.

Porém, nenhum outro programa fez tanto sucesso quanto o Programa de


Subsídio Unificado. Nele, os candidatos abrem contas de poupança destinadas
exclusivamente para aquisição de unidades residenciais, contando com subsídios
parciais a partir de determinada quantia em depósitos. O sistema está dividido em
três grupos, conforme o valor da residência ambicionada pelo poupador, conforme
especificados na Tabela 11.
TABELA 11 – Subsídios Fornecidos pelo Governo Chileno de Acordo com o Valor
Máximo da Residência

VALOR MÁXIMO DA VALOR DO SUBSÍDIO


GRUPO
RESIDÊNCIA (US$) (US$)
Grupo 1 15.000 3.900
Grupo 2 30.000 3.300
Grupo 3 45.000 2.700

As condições para entrar no sistema de Subsídio Unificado são que o


poupador não seja dono de nenhuma outra residência e de que não tenha nenhum
contrato de poupança com outra instituição financeira.

Segundo Carneiro (2001a, p.24), o programa acima descrito enraizou-se de


tal forma na cultura da família chilena que tornou-se normal a abertura de contas de
poupança para aquisição de residências, por parte dos pais e em nome dos filhos,
quando estes completam em torno de 16 anos, assim como é feito no Estados
Unidos em relação ao pagamento da universidade.

O resultado é que o montante depositado nestas contas serve como um


catalisador contínuo da construção civil no país, sendo que o número de contas já
atinge valores próximos a 2 milhões, em um país cuja população está estimada em
15,5 milhões.

A seleção dos candidatos é feita através de uma pontuação objetiva, na qual


são considerados o montante depositado na conta, o tempo a que vem sendo
realizado o depósito, o tamanho do grupo familiar e o total de subsídio pedido. O
objetivo é premiar as famílias que realizam esforços na direção de poupar recursos
para aquisição da casa própria.

Por outro lado, praticamente não se encontram linhas de financiamento


destinadas à construção. Os recursos à construção são oriundos de financiamentos
próprios ou bancários, sendo o risco de venda dos imóveis de pura responsabilidade
da empresa incorporadora. O governo age no sentido de fornecer ao mercado
informações a respeito do montante anual de subsídios a serem concedidos,
indicando quantas unidades serão demandadas.

Fora os adquirentes pertencentes ao Grupo 1, que têm acesso ao crédito


garantido pelo Banco do Estado, todos os outros mutuários conseguem linhas de
financiamento em instituições financeiras privadas, que oferecem recursos a taxas
que variam entre 8,5% e 11% reais ao ano, pelo prazo de 12, 15 ou 20 anos. Assim,
além de funcionar como gerador constante de recursos disponíveis à construção de
novas unidades, o sistema serve como motor da atividade de concessão de crédito
imobiliário privado, uma vez que o montante poupado, acrescido dos subsídios
públicos, gera as condições necessárias referentes às características de risco-
retorno dos empréstimos, o que permite a participação de fontes autônomas de
capitais no processo. Isto por que o montante dado como entrada, resultando das
fontes acima descritas, é alto o suficiente a ponto de inibir a incidência elevada de
famílias inadimplentes.

O sucesso do programa pode ser medido pela sua abrangência em relação


ao tamanho da população. Somando-se todos os programas descritos, foram
liberados 768.000 certificados de subsídios entre 1978 e 1998.

De acordo com Carneiro (2001a, p.25), algumas condições gerais foram


fundamentais ao pleno funcionamento do sistema de subsídios chileno.
Primeiramente, observou-se uma rápida transição de tarefas, que anteriormente
eram atendidas pelo setor público, para o setor privado. Até 1977, somente a
construção das moradias era de responsabilidade privada. Atualmente, o Estado
somente se encarrega de canalizar os subsídios, sendo que o projeto e o número
total de residências fica a encargo da empresa que vencer a licitação. Neste
processo, as principais variáveis analisadas são o número de unidades construídas
e o preço de construção. A empresa que oferecer as melhores condições é eleita
para realizar as obras.
Os critérios para escolha dos mutuários contemplados no processo de
concessão de subsídios seguem aspectos sociais e econômicos, sendo a
objetividade do sistema, assim como ocorre na seleção da construtora responsável,
o seu item primordial.

Conforme visto, os adquirentes pertencentes aos Grupos 2 e 3 descritos


acima não contam com nenhuma garantia do Estado em relação à aprovação de
suas linhas de financiamento. Após escolher o imóvel a ser adquirido e receber o
certificado de subsídio, este deve se dirigir a um banco, estando sujeito às
avaliações usualmente feitas pelas entidades privadas. Esses candidatos,
juntamente com aqueles que demandam financiamentos imobiliários sem a
participação prévia em nenhum programa, deverão escolher sistemas de
financiamento concedidos pelas instituições privadas.

4.1.2 – O Caso da Argentina e suas Políticas Públicas de Financiamento


Imobiliário

O problema da carência habitacional na Argentina começou a ser tratado pelo


Estado no primeiro governo peronista (1946-1952), sendo sua gestão impulsionada
graças ao Banco Hipotecário Nacional e à construção de bairros de moradia para
pessoas carentes.

Segundo Carneiro (2001a, p.29), o FONAVI (Fundo Nacional de Moradia),


criado em 1972, tem sido o principal mecanismo estatal para a construção de
moradias destinadas à população de baixa renda. Sua meta é reduzir o déficit
habitacional e melhorar as condições de alojamento, sanitária e de qualidade de vida
das populações beneficiadas.

Em torno desse, estão envolvidos organismos provinciais, empresas


contratadas, entidades intermediárias e os municípios, a partir do qual os recursos
são liberados de forma personalizada, sendo usados tanto para construção como
para ampliação, término ou complemento das unidades residenciais existentes,
imóveis estes que se apresentem em condições precárias.
Os recursos do FONAVI, cuja ação abrange todo país, estão expressamente
destinados à população de baixa renda, que não tem condição de comprar suas
casas a preços de mercado ou através das operações do Banco Hipotecário
Nacional. Desde 1992, as transferências para as províncias são feitas de forma
automática, segundo estabelece o pacto federal que se mantém na lei que
regulamenta o processo. Nela, está especificado um comprometimento mínimo de
US$900 milhões anuais (US$75 milhões por mês), obrigando o Tesouro Nacional a
saldar a diferença em casos onde as transferências não alcancem este montante.
Os fundos estão destinados a:

a) Financiar total ou parcialmente a compra e/ou construção de moradias e


obras de urbanização;

b) Realizar obras de infra-estrutura e fornecer serviços e equipamentos, até o


limite máximo de 20% dos recursos;

c) Servir como contraparte de financiamento e/ou garantia de empréstimo


imobiliário.

Desde seu início, o FONAVI já investiu mais de 20 bilhões de dólares e já


financiou ao redor de 800.000 moradias próprias e outras soluções habitacionais,
além de diversas obras de infra-estrutura. O contínuo processo de geração de novas
moradias, causado pela persistência das políticas comandadas pelo FONAVI, está
gerando e consolidando o setor de construção em todas as províncias. Associado a
isto, o Fundo gera 260.000 postos de trabalho anuais, que têm impacto significativo,
especialmente em algumas províncias, nas quais esta forma de trabalho atinge
cerca de 20% a 50% da mão-de-obra ocupada no setor privado urbano.

Pelo ponto de vista social, as 800.000 unidades construídas garantem


moradia para mais de 3 milhões de pessoas, proporcionando segurança e qualidade
na habitação. Dada a ampliação do programa durante a década de 90, estima-se
que os recursos oriundos do Fundo já sejam responsáveis por cerca de 40% do total
de moradias na Argentina, visto que, segundo o Censo Nacional de 1991, as
moradias financiadas pelo Fundo atingiam participação superior a 30% das unidades
residenciais já existentes.

Os critérios de seleção para receber o financiamento para casa própria com


recursos do Fundo variam de província para província, sendo que as condições
básicas a serem preenchidas pelos candidatos são: ter uma família constituída e
carecer de casa própria. Além disso, dado que as prestações não podem ultrapassar
20% da renda familiar, esta deve ser de no mínimo $638 mensais. Este nível é
variável de acordo com a operadora, sendo os valores mais altos correspondentes
às operações co-financiadas, que seguem os programas com financiamento total
para demanda livre ou entidade intermediária, e os níveis mais baixos correspondem
às operadoras delegadas.

Deste modo, como afirmado por Carneiro (2001a, p.30), os projetos das
operadoras descentralizadas permitem acesso das famílias de grupo sócio-
econômico mais baixo, enquanto os programas tradicionais do FONAVI com
financiamento completo estariam destinados fundamentalmente a setores de nível
médio-baixo. Por outro lado, os projetos co-financiados são destinados a famílias
com maior renda. Os prazos para pagamento variam de 15 a 25 anos, e os níveis de
subsídios são variáveis de acordo com a operadora.

Porém, a condição do processo de estabilidade macroeconômica na


Argentina foi a condição-chave que permitiu ao setor imobiliário receber o maior
aporte de recursos privados. Para ilustrar essa situação, é suficiente citar que, em
1980, cerca de 40% dos investimentos em habitação eram oriundos do setor público,
sendo que tal número atingiu percentual inferior a 20% em 1997.

A conseqüência desta tendência foi uma contínua liberalização dos recursos


do FONAVI, que passaram a ser dirigidos, ainda em maior percentual, a famílias de
renda inferior.
A fim de aumentar a eficiência do processo, foi promulgada em 1992 uma lei
que fez com que os órgãos provincianos fossem os responsáveis pela decisão de
investimento e alocação dos recursos distribuídos pelo FONAVI, desde que
atendidas as diretrizes básicas determinadas pela legislação nacional, facilitando a
adequação das políticas públicas a mudanças locais. Tal lei permitiu maior
flexibilidade aos poderes regionais, que passaram a ter liberdade para desenvolver
planos e programas que melhor se adequassem às necessidades de cada província.

Essa descentralização permite a discussão, em âmbito local, de problemas


tipicamente locais, sendo ainda mais benéfica em países que apresentam ampla
extensão geográfica e diversidade cultural, com grande complexidade social, a
exemplo do Brasil. Verificou-se uma melhor utilização dos recursos federais, com
ganhos no lado dos custos e quantidade de novas habitações, além de maior
diversidade de empresas participantes do sistema.

Além dos aspectos levantados anteriormente, tornou-se possível uma maior


reutilização dos recursos disponibilizados pelos órgãos regionais, sendo que a taxa
de recuperação passou de 3% anuais para 15% com a instituição do novo sistema,
permitindo a diminuição dos desembolsos públicos simultaneamente a uma melhora
na qualidade do serviço.

Assim sendo, observou-se uma queda no montante dirigido às províncias, que


passou de US$900 milhões, estabelecidos em lei, para algo ligeiramente superior a
US$700 milhões no biênio 98/99, fato que não ocasionou redução do ritmo de novas
construções, que pulou de 30.000 em 1990, para 50.000 em 1998.

Resumindo: com a descentralização do processo de licitação e escolha dos


candidatos a financiamentos imobiliários subsidiados e liberação dos recursos
provenientes do FONAVI, tornou-se possível, utilizando menos recursos federais,
elevar a quantidade e qualidade de novas construções habitacionais para famílias de
baixa renda, atendendo à diversidade dos problemas locais e ampliando o horizonte
das soluções habitacionais.
4.1.3 – O Caso Americano

Desde o mandato do Presidente Roosevelt, nos anos do New Deal


posteriores à grande depressão, o governo americano vem participando de maneira
proeminente no processo de financiamento imobiliário, em especial naqueles
destinados à aquisição de unidades residenciais. Sua atuação tem influenciado
decisivamente o comportamento dos diversos setores participantes do mercado
imobiliário, através da criação de agências governamentais ou do patrocínio de
algumas entidades. Cada um desses organismos tem realizado uma ou mais das
seguintes funções:

a) Promover seguros ou garantir os empréstimos hipotecários contra o risco de


inadimplência. Desta forma, certos setores da população menos favorecida
começaram a ter acesso ao crédito imobiliário e tornaram as letras
hipotecárias atraentes para os investidores.

b) Introduzir e promover diversos tipos de ativos lastreados em hipotecas,


garantindo esses produtos contra o risco de inadimplência. Assim, permitia
que os mais diversos setores da economia, inclusive investidores
institucionais, direcionassem recursos para o mercado imobiliário.

c) Padronizar os termos contratuais e a documentação dos empréstimos


hipotecários, como resultado do processo de garantia e securitização das
hipotecas.

d) Gerar liquidez para o mercado por meio da compra de empréstimos


hipotecários.

e) Promover facilidades de crédito para alguns fornecedores de financiamentos


imobiliários.
f) Subsidiar financiamentos a taxas de juros inferiores a de mercado para a
construção de habitações para população de baixa renda.

Fundada pelo Congresso através do National Housing Act de 1934, e


orientada com o objetivo de amortecer os efeitos da depressão e gerar as condições
ao reaquecimento da economia, a Federal Housing Administration (FHA), juntamente
ao Veterans Administration (VA) e outros institutos, desenvolveram os principais
programas instruídos a gerar as condições necessárias ao funcionamento
satisfatório do sistema de financiamento imobiliário.

Em contraste à participação relevante do governo federal, autoridades


estaduais e locais agiram de forma relativamente passiva até os anos 70. Porém,
durante o período de abruptas elevações das taxas de juros hipotecários observadas
nos anos seguintes, agências imobiliárias estaduais e locais aumentaram de forma
incisiva suas participações no âmbito do mercado imobiliário, fornecendo
financiamentos a taxas inferiores àquelas praticadas livremente. Segundo Carneiro
(2001a, p.36), tal ação obteve resposta tão positiva, que a perda de receita fiscal por
parte do governo federal obrigou o Congresso a limitar tal operação, que agora
somente se destina a compradores que não possuam nenhum outro imóvel.
Atualmente, tais agências ainda fornecem financiamentos imobiliários de forma
direta e indireta, desenvolvem programas juntamente com órgãos federais e
oferecem assistência técnica aos incorporadores.

Com relação à esfera federal, os principais programas de atuação do governo


são os desenvolvidos pela FHA, que constitui a mais antiga agência governamental
a oferecer programas de financiamento imobiliário, criada em 1934 para ajudar a
combater a recessão que afligia a economia americana na época. Entre seus
objetivos está o de fornecer financiamentos que ajudem a melhorar as condições
básicas de habitação para a população de baixa renda, viabilizando a aquisição de
unidades residenciais com condições mais favoráveis que aquelas encontradas no
mercado.
A maioria dos planos oferecidos pela agência apresenta vantagens únicas
aos compradores, quando comparadas aos financiamentos convencionais. O
programa de maior sucesso é o de financiamento a unidades unifamiliares, que
correspondia, em meados dos anos 90, a 14% do total de residências financiadas
nos Estados Unidos. As principais vantagens deste plano estão listadas abaixo:

a) Há menor necessidade de pagamento inicial, que chega a 1,25% do valor da


unidade com preço inferior a US$50.000. Em financiamentos usuais o
montante dado como entrada oscila entre 15% e 20% do valor do imóvel.

b) O seguro contra inadimplência cobre 100% do principal, enquanto tal garantia


é de cerca de 25% em hipotecas convencionais, permitindo redução das
taxas de juros cobradas aos mutuários.

c) O prêmio referente ao seguro contra risco de inadimplência pode ser


financiado por 30 anos, diferentemente do caso usual, onde o desembolso é
realizado juntamente com o pagamento da entrada.

d) Caso o mutuário queira vender o imóvel e repassar a hipoteca, os juros não


sobem, diferentemente do caso onde há renegociação do principal, ficando
sujeito à elevação de taxa.

As duas principais variáveis analisadas pela FHA no momento de conceder o


financiamento são os gastos do mutuário com a aquisição e utilização da residência
e outros desembolsos que comprometam a renda do adquirente. A primeira soma os
dispêndios com as prestações, incluindo amortização e juros, impostos de
propriedade, taxas condominiais e seguros básicos, tais como incêndio, invalidez e
morte, enquanto a segunda, de âmbito mais amplo, analisa outras despesas fixas da
família, tais como prestações para aquisição de automóveis e planos de educação
dos filhos.
Assim, é possível determinar a capacidade de pagamento das famílias e a
probabilidade de inadimplência dados os cenários econômicos simulados. Segundo
os critérios adotados, os encargos calculados no âmbito da primeira variável não
podem ultrapassar 29% da renda total familiar, enquanto tal percentual não pode ser
superior a 41% quando considerada a segunda análise.

O financiador das hipotecas é uma instituição financeira, de tal forma que a


taxa de juros embutida na operação é livre. Porém, dadas as condições de risco das
letras oriundas dos financiamentos sob o sistema da FHA, que garante a totalidade
do principal em caso de inadimplência, as taxas são as menores disponíveis no
mercado hipotecário americano, propiciando a possibilidade de adquirir residências
de baixo valor a custos reduzidos.

Além desse programa, a FHA disponibiliza diversas outras linhas de


financiamento, cada qual adequada às classes a serem beneficiadas pelo crédito.

Com relação às autoridades locais e estaduais, estas apresentaram postura


pouca ativa até os anos 70, quando iniciaram a participação de maneira mais
ostensiva na atividade de concessão de crédito relativo ao mercado imobiliário. A
maior parte desse envolvimento se refere à assistência indireta gerada pelo
financiamento às obras de infra-estrutura comunitárias, tais como pavimentação,
condições sanitárias e outras.

A exceção a essa regra é constituída pelas agências habitacionais locais, que


fornecem financiamentos de forma direta ou indireta, desenvolvem programas junto
ao governo e disponibilizam ajuda técnica para aqueles que a necessitam.

Agências com as finalidades acima descritas foram criadas em todos os


estados americanos, e são conhecidas como HFAs (Housing Finance Agency). Em
geral, as HFAs estaduais são corporações públicas independentes, permitindo uma
administração mais flexível. Desta forma, a maior parte das agências não está
sujeita às restrições impostas pelo orçamento estadual ou local.
Compõe uma diretoria típica das HFAs membros do governo, do mercado
financeiro, do setor trabalhista e do setor imobiliário, o que indica a amplitude dos
objetivos da atividade das agências. A característica mais importante é a de suprir a
necessidade de habitação para a população de baixa e média renda, sendo que o
programa já levou cerca de 1,3 milhão de casas para famílias carentes e mais de 1
milhão de unidades destinadas a aluguel. A principal fonte de recursos para o
desenvolvimento dos modelos adotados pelas HFAs se dá através da emissão de
títulos lastreados em hipotecas com isenção fiscal sobre os ganhos.

Segundo Carneiro (2001a, p.38), tal emissão permite a alavancagem de um


mercado líquido de letras hipotecárias locais, angariando ainda mais recursos para o
programa. Como os títulos constituem-se como obrigações morais do estado ou do
governo local, eles oferecem seguros contra inadimplência que, apesar de não ser
uma obrigação legal, permite a captação a taxas mais favoráveis, tipicamente
oscilando em torno de 1,5% a menos que os financiamentos usuais.

Com isso, é possível dar condições a famílias de renda baixa e que não
tenham habitação própria, para que estas possam adquirir unidades residenciais
modestas, opção inexistente no mercado hipotecário privado.

Porém, a atuação das HFAs locais vem sofrendo, ao longo do tempo,


entraves ao pleno funcionamento por meio de medidas adotadas pelos poderes
federais. Isto porque, já em 1979, era claro a grande quantidade de dinheiro que
estava circulando pelas agências, principalmente por causa da isenção fiscal e
outros benefícios que agraciavam os investidores. Com isso, o Congresso decidiu
que era necessário diminuir a amplitude dos financiamentos das HFAs, limitando o
montante de emissão de títulos cujos rendimentos fossem isentos do pagamento de
impostos e incorporando maiores restrições à escolha dos mutuários, de tal forma
que os recursos somente fossem liberados para aqueles sem condições de captação
em linhas usuais.
4.1.4 – Algumas Lições Para o Caso Brasileiro

A análise das experiências internacionais realizada acima permite a


formulação de algumas sugestões acerca de como deve ser feita a adequação das
políticas habitacionais segundo os distintos ambientes econômicos em que vive o
país. Somente assim é possível chegar a conclusões a respeito do modelo de
financiamento imobiliário a ser adotado, abordando a análise no que tange às suas
linhas gerais e, especificamente, em relação às características intrínsecas e
particulares das distintas regiões.

A economia brasileira apresenta similaridade com os casos estudados,


permitindo a adoção de vários exemplos estrangeiros, e que apresentaram bons
resultados na solução dos problemas habitacionais. Primeiramente, ficou claro que
não se obtém sucesso na redução do déficit habitacional para a população de baixa
renda sem a participação do governo no setor de financiamento imobiliário. A
impossibilidade de arcar com os juros cobrados pelo mercado, bem como a maior
sensibilidade a crises econômicas, elevando o risco de crédito desta classe
populacional, acaba por inibir completamente a atuação privada neste segmento.

Assim, observam-se em todos os países estudados, amplas linhas de


subsídios públicos que permitem a captação pelo mercado dos recebíveis referentes
aos financiamentos feitos para aquisição de imóveis por parte da população de baixa
renda. A intensa participação estatal no processo foi verificada inclusive em países
ricos e sem problemas demasiadamente sérios decorrentes da falta de moradias,
fator notório no caso brasileiro.

Em geral, a ajuda governamental apresenta-se de duas maneiras distintas,


que se destacam de outras formas de atuação. A primeira consiste em subsídios
diretos à taxa de juros paga pelo mutuário que se revelar incapaz de captar no
mercado livre. A segunda toma a forma de seguros contra inadimplência nos
financiamentos.
Pode ser surpreendente que, em especial para a economia brasileira, o
escopo para a segunda alternativa deva ser maior que a primeira, e, possivelmente,
a custos inferiores. Isto resulta da ausência de um mercado segurador que permita
ao mercado distribuir de maneira eficiente os riscos envolvidos na operação em
questão. Assim, para que as instituições participantes no processo aceitem incorrer
em riscos dos quais não é possível precaver-se, a intervenção estatal pode viabilizar
o funcionamento dos mercados. O resultado da ineficiência atual é o fechamento do
mercado privado para financiamentos de baixo valor, excluindo a população carente
de qualquer possibilidade de adquirir um imóvel.

Porém, a cobertura contra o risco de inadimplência, isolada de outras


medidas adicionais, não será capaz de solucionar o problema de escassez de
recursos. Isto deriva do fato de que a taxa de juros ao tomador final é composta da
soma de dois componentes. O primeiro é medido pelo custo de oportunidade do
dinheiro, representado pela remuneração de títulos sem risco de crédito. Este, por
sua vez, é medido, em geral, pela taxa de títulos públicos federais com indexadores
e prazos semelhantes ao financiamento em questão. O segundo fator que compõe a
taxa final resulta do prêmio de risco envolvido na operação, e que deve ser
calculado pelos investidores. Tal prêmio é tão maior quanto maior for a desconfiança
em relação ao fluxo de recebimento dos valores contratados.

De maneira mais ampla, o risco dos investidores em letras hipotecárias pode


ser decomposto, entre outras maneiras possíveis, em duas fontes principais, que
são o risco de inadimplência e o risco de pré-pagamento. O primeiro tem impacto
direto sobre a remuneração, uma vez que os custos associados à retomada e venda
dos imóveis costumam superar o valor do principal no momento em que o mutuário
interrompe o pagamento das prestações. Já o risco de pré-pagamento, que consiste
na quitação antecipada da dívida com o banco por parte do mutuário, acaba por
reduzir o rendimento em letras que foram securitizadas. Como tais letras sofrem
redução de rendimento, que é apropriado pelos atravessadores durante o processo,
o investidor final absorve os prejuízos se o principal é quitado parcial ou
integralmente antes do prazo definido. Isto decorre do fato de que a taxa de juros
paga pelo mutuário é superior àquela recebida pelo adquirente das letras, e portanto
qualquer pagamento antecipado é descontado a uma taxa maior que a
correspondente letra.

Portanto, mesmo que o governo garanta o pagamento em casos de


inadimplência, o somatório dos juros cobrados nos títulos públicos com o risco de
pré-pagamentos levaria a taxa dos financiamentos imobiliários a valores superiores
àquela cuja prestação resultante coubesse no orçamento das famílias de baixa
renda.

Assim, os subsídios governamentais deverão abranger, além do risco de


inadimplência, o diferencial existente entre as taxas de juros dos títulos públicos e as
taxas máximas que podem ser cobradas ao mutuário sem que estas inviabilizem o
pagamento das parcelas resultantes do financiamento.

Além disso, é essencial que os orçamentos das famílias não sejam


demasiadamente pressionados durante o período de construção das unidades, uma
vez que não lhes é possível, tipicamente, arcar com os custos referentes a duas
habitações ao mesmo tempo. Somente após instalados nas novas unidades é que
os mutuários têm condições de disponibilizar parcela significativa da renda, que em
geral gira em torno de 25%, para pagamento das prestações. Conforme visto no
caso chileno, a saída para este caso á a acumulação de poupança prévia, feita num
período prolongado de tempo, cujo saldo seja suficiente para cobrir os custos
referentes ao financiamento durante as obras.

Desta forma, os adquirentes que conseguissem acumular recursos suficientes


em contas específicas, teriam acesso ao subsídio público em montante igual àquele
que tornasse possível a venda de títulos no mercado secundário a taxas
competitivas. Seriam observadas as condições de preferência, tais como a de que o
mutuário não deve ter outro imóvel e deve compor uma família.
Com isso, o montante despendido pelo setor público seria o mínimo
necessário para alavancar o processo, uma vez que a maior parte dos recursos seria
oriunda das grandes instituições poupadoras de longo prazo.

É importante notar que o Brasil apresenta diversidade geográfica e


complexidade social superior aos países analisados. De acordo com a experiência
Argentina descrita anteriormente, país com dimensões muito inferiores ao Brasil, a
regionalização dos organismos planejadores dos programas habitacionais permitiu
que houvesse uma rápida evolução em relação à eficiência no processo de liberação
de recursos e reação às mudanças locais. Logo, é altamente recomendável que os
órgãos responsáveis pela operacionalização do modelo sejam de âmbito local, e não
centralizado em torno do Governo Federal, fato que tiraria a agilidade necessária
para o pleno funcionamento do sistema.

4.2 – Proposta de Financiamento Imobiliário

O presente item é baseado no Projeto de Lei Complementar n° 227, de 1998,


que dispõe sobre o Sistema de Aquisição da Habitação Social (SAHS) e, apesar de
ter sido arquivado definitivamente pelo Congresso Nacional, apresenta-se como uma
possibilidade real de efetiva destinação de recursos para aquisição de imóveis pela
população de baixa renda. Assim como no caso chileno, a idéia é incentivar a
formação de poupança prévia, com o objetivo único de guardar recursos para a
compra da unidade residencial, e premiar as famílias que mais se esforçarem
durante o processo, através da concessão de subsídios diretos.

Assim, fazem parte do Sistema de Aquisição da Habitação social:

• Os agentes financeiros: caixas econômicas, bancos comerciais dotados de


carteira de crédito imobiliário, sociedades de crédito imobiliário e associações
de poupança e empréstimo;
• As empreendedoras: incorporadoras, construtoras, companhias de habitação
(COHAB’s), cooperativas, fundações e associações comunitárias e outras
entidades, de natureza pública ou privada, que, sem finalidade lucrativa,
operem na área da habitação social;

• O Fundo para Aquisição da Habitação Social (FAHS), destinado a prover


recursos para custear subsídio direto a população de menor poder aquisitivo;

• As operações de captação de recursos financeiros, intermediação de fundos e


concessão de mútuos para o financiamento da habitação social; e

• As companhias hipotecárias e securitizadoras.

De acordo com o Projeto, o Sistema de Aquisição da Habitação Social conta


com as seguintes fontes de recursos:

• Depósitos em contas de poupança do Sistema Brasileiro de Poupança e


Empréstimo (SBPE);

• Depósitos em contas de poupança habitacional (DPH’s), que é o sistema de


poupança criado para o fim habitacional e que teria a mesma remuneração
básica e taxa de juros das poupanças do SBPE. O Projeto estipula o período
de depósitos mensais em no mínimo 18 e no máximo 60 meses;

• Recursos que, porventura, forem repassados pelo FGTS;

• A colocação, no mercado de valores mobiliários, de títulos hipotecários,


debêntures ou outros títulos; e

• Produtos de empréstimos externos e internos.


A operação habitacional básica do Sistema de Aquisição da Habitação Social
consiste no pagamento integral do preço de aquisição de habitação social, ou de lote
social, ou do valor da construção de habitação social pelo proprietário de lote social,
ou da prestação inicial ou final do arrendamento mercantil de habitação social. Esta
operação é realizada por meio de parcelas provenientes do saldo da conta de
depósito de poupança habitacional (DPH’s), dos Certificados para Aquisição da
Habitação (CAH’s), que são títulos nominativos e representativos de promessa de
pagamento em dinheiro do valor de doação efetuada pelo FAHS, e de empréstimos
concedidos por um agente financeiro do SAHS.

A relação entre o valor da doação em CAH’s e o valor da operação


habitacional básica, que, de acordo com o Projeto, não poderá exceder a 90%, é
calculada de acordo com a aplicação da seguinte fórmula algébrica:

(A + (N x P) + (D x Y)), onde:

• “V” é o valor da operação habitacional básica;

• “A” é a diferença entre 1,25 e a raiz quadrada do quociente de “V” por 20.000;

• “N” é o número de meses pelo qual o candidato se obrigará a efetuar


depósitos na conta de poupança habitacional;

• “P” é um índice que representa o prêmio pelo prazo de espera do candidato,


para receber a doação em CAH’s;

• “D” é a razão entre os depósitos na conta de poupança habitacional e o valor


da operação básica, não podendo ser inferior ao valor mínimo determinado na
Tabela 12;

• “Y” é um índice que representa o prêmio pelo esforço de poupança efetuado


pelo candidato.
Os valores mínimos de “D” e os índices “P” e “Y” são determinados em função
do valor da operação básica, de acordo com a Tabela 12.

TABELA 12 – Valores Mínimos de “D” e Índices “P” e “Y” em Função do Valor da


Operação Básica

V (valor da operação básica, em R$) D (mínimo) P Y


Até 6.000 5% 0,75% 0,15
Maior que 6.000 e até 12.000 10% 0,75% 0,15
Maior que 12.000 e até 18.000 15% 0,75% 0,15
Maior que 18.000 e até 24.000 20% 0,75% 0,15
Maior que 24.000 e até 36.000 25% 0,75% 0,15

No Anexo 3 é apresentada a íntegra do Projeto para uma melhor


compreensão.

4.2.1 – Comentários Referentes ao Projeto de Lei Complementar N° 227

A maior dificuldade das famílias de baixa renda, para adquirir um imóvel,


provém da ausência de financiamentos com fluxo de pagamentos compatíveis às
suas realidades financeiras.

Segundo Carneiro (2002, p.7) esta ausência resulta da desconfiança, por


parte dos agentes financeiros, quanto à capacidade das famílias de baixa renda de
arcar com os custos mensais da prestação. A combinação de falta de séries
históricas suficientes, que permitam o estudo das variáveis agregadas e de
desconhecimento das condições individuais de cadastro das famílias demandantes
de crédito, resultado da grande informalidade do setor de trabalho, com o receio
quanto à volta dos elevadíssimos índices de inadimplência presenciados a partir do
aumento da inflação nos anos 80, acaba por afastar definitivamente os recursos
destinados à atividade de concessão de crédito imobiliário.
Dados todos os fatores considerados, o prêmio de risco cobrado pelo
mercado supera, em muito, aquele que seria efetivamente cobrado, se não
houvesse sido observada a situação de desorganização institucional do passado e,
mais importante, se houvesse um conjunto de informações mais amplo das
trajetórias passadas dos contratos hipotecários, permitindo simulações para o futuro,
incluindo o comportamento dos mutuários e do ativo a ser cedido como garantia em
caso de inadimplência, que é o imóvel. Tal fator, aliado aos elevados pisos das taxas
de juros, que resultam da política de estabilização, torna a taxa hipotecária
impagável até mesmo para as famílias de renda média.

O resultado é que há uma flagrante ineficiência do mercado no que se refere


ao cálculo do prêmio a ser embutido nas operações de financiamento imobiliário,
especialmente quando se considera habitação para famílias de baixa renda, ainda
menos conhecidas pelos agentes financiadores. Visto isto, a melhor forma de
intervenção do governo é de absorver parte importante dos riscos da operação,
através de política habitacional que transfira do setor privado para o setor público os
riscos citados, em particular os que resultam das oscilações macroeconômicas.

No limite, se o setor público garantisse 100% dos valores das prestações


durante todo o período de hipoteca, não haveria necessidade de nenhum valor a ser
concedido como entrada à aquisição do imóvel para que o setor privado financiasse,
à mesma taxa de juros paga pelos títulos públicos acrescidas do custo operacional
da atividade de concessão de crédito imobiliário, o valor integral do imóvel.

Porém, dados os rendimentos das famílias de baixa renda, mesmo sem


considerar spread nas taxas de juros em relação aos títulos públicos, é impossível o
pagamento das prestações mensais. Como exemplo, basta considerar que a
prestação a ser cobrada pelo financiamento de um imóvel de R$ 30.000, por um
prazo de 30 anos, à taxa de 12% a.a., é inicialmente de R$ 294,49, o que implica
que um mutuário interessado nesta operação tenha que ter renda mínima em torno
de R$ 1.450. Mesmo considerando imóveis de R$ 20.000, a renda familiar deve ser
superior a R$ 980, privando a grande maioria dos demandantes de baixa renda de
receber recursos privados.
O resultado é que a grande maioria das construções para baixa renda no
Brasil é executada de modo informal, através da aquisição de material de construção
de acordo com a disponibilidade de renda das famílias, mês a mês, em terrenos
muitas vezes de situação precária. Tanto que, de 1995 a 1999, foram construídas no
Brasil 4,4 milhões de unidades habitacionais, sendo que desse total apenas 700 mil
foram produzidas pelo mercado formal1.

Portanto, mais uma vez, o problema de falta de renda somente pode ser
combatido através da ação do setor público. Assim, haveria duas formas de
possibilitar a participação das famílias de baixa renda no mercado de crédito
imobiliário. A primeira se daria através da redução do saldo devedor, subsidiando
determinado valor a título de entrada. A segunda funciona através de subsídio de
taxa de juros.

Ambas opções apresentam o mesmo custo para o setor público, uma vez que
visam a reduzir o valor da prestação para o nível máximo da capacidade de
pagamento dos mutuários. Logicamente, trazendo a segunda opção a valor
presente, ambos os sistemas se equivalem.

O projeto apresentado se encaixa na primeira opção acima, prevendo o


subsídio público através da concessão de valor parcial do imóvel quando da
aprovação do mutuário, de acordo com as regras estabelecidas pelo Sistema de
Aquisição de Habitação Social. Desta forma, o mutuário poderia se candidatar a uma
linha de financiamento de um saldo devedor que resulte no pagamento de
prestações cabíveis no orçamento mensal.

O modelo funciona através da acumulação prévia de poupança destinada à


aquisição da unidade residencial, poupança esta que deve ser acumulada em prazo
não inferior a 18 meses e não superior a 60 meses. Ao final desse período, o valor
poupado deve atingir determinada proporção do valor da operação desejada,
habilitando o candidato a receber o subsídio de um fundo dedicado à questão.

1
Valores retirados do Projeto de Moradia do Partido dos Trabalhadores.
Na Tabela 13 estão simuladas algumas operações de acordo com o
estabelecido no Artigo 18 do projeto.
TABELA 13 – Financiamentos Subsidiados de Acordo com o Projeto de Lei n° 227

Poupança Peso da
Rendimento Valor da Tempo de Valor Saldo Valor da Prazo de
sobre Subsídio Prestação no
Familiar Operação Poupança Poupado Devedor Prestação Amortização
Salário Salário
1 S.M. 10.000 60 meses 1.000 7,96% 90% 0
2 S.M. 15.000 60 meses 2.250 8,96% 85% 0
3 S.M. 20.000 60 meses 4.000 10,62% 73% 1.400 R$ 106,36 14 meses 19,70%
4 S.M. 20.000 60 meses 4.000 7,96% 73% 1.400 R$ 146,50 10 meses 20,35%
5 S.M. 20.000 60 meses 4.000 6,37% 73% 1.400 R$ 181,63 8 meses 20,18%
5 S.M. 30.000 60 meses 7.500 11,94% 35% 11.992 R$ 179,55 98 meses 19,95%
6 S.M. 20.000 60 meses 4.000 5,31% 73% 1.400 R$ 206,72 7 meses 19,14%
6 S.M. 30.000 60 meses 7.500 9,95% 35% 11.992 R$ 213,64 76 meses 19,78%
7 S.M. 20.000 60 meses 4.000 4,55% 73% 1.400 R$ 240,19 6 meses 19,06%
7 S.M. 30.000 60 meses 7.500 8,53% 35% 11.992 R$ 251,58 61 meses 19,97%
7 S.M. 36.000 60 meses 9.000 10,24% 23% 18.599 R$ 252,04 115 meses 20,00%
8 S.M. 20.000 60 meses 4.000 3,98% 73% 1.400 R$ 287,04 5 meses 19,93%
8 S.M. 30.000 60 meses 7.500 7,47% 35% 11.992 R$ 285,13 52 meses 19,80%
8 S.M. 36.000 60 meses 9.000 8,96% 23% 18.599 R$ 288,19 93 meses 20,01%
Foram simuladas as possibilidades para famílias com renda salarial até 8
salários mínimos. Em todos os casos, foi prevista a acumulação de poupança pelo
prazo máximo permitido, de 60 meses, de forma a minimizar os dispêndios mensais
das famílias já demasiadamente apertadas com os gastos referentes à atual
residência. Os valores das operações consideradas foram de R$ 10.000 a R$
36.000, sendo que foram calculadas diversas possibilidades de acordo com a renda
familiar. Para os níveis mais baixos de renda, os recursos seriam utilizados para
aquisição do material de construção, enquanto que as famílias com renda igual ou
superior a 3 salários mínimos já teriam condições, pelas regras estabelecidas, de
adquirir uma unidade pronta.

Por exemplo, no caso de rendimento mensal de 6 salários mínimos foi


estudada a aquisição de unidades residenciais de R$ 20.000 e R$ 30.000. No
primeiro caso é necessária a acumulação de 20% do valor do imóvel, ou R$ 4.000,
enquanto no segundo caso deve-se juntar 25%, ou R$ 7.500 no prazo considerado.
Portanto, o encargo da poupança relativa ao salário sobe de 5,3% para 10%, valor
razoável e possível de ser despendido. O subsídio, porém, é menor no segundo
caso, caindo de 73% para 35% do valor da unidade. O saldo residual a ser
financiado gera prestações possíveis de serem pagas em prazo inferior ao
comumente observado nas operações imobiliárias.

Conforme argumentado, quando o valor do imóvel se enquadra em faixas


inferiores a R$ 24.000, o valor do subsídio se eleva demasiadamente. E como tal
montante independe da renda do comprador, pode haver incentivos para que sejam
aproveitadas as oportunidades por famílias com renda não tão baixa. Suponha, por
exemplo, o caso de famílias que recebem 8 salários mínimos. Assim como explicado
na Tabela 13, o esforço dessa família para adquirir uma unidade de R$ 20.000 é
mínimo, fruto dos altos subsídios previstos no modelo. Para evitar tal fato, é
necessário que as regras estabelecidas no Artigo 16 sejam investigadas a fundo,
impedindo que dinheiro público seja desviado para famílias que não necessitem
tanto dos recursos.
Porém, embora ofereça excelentes oportunidades para que famílias de baixa
renda adquiram as unidades residenciais, o projeto não considera o fator primordial
abordado no que tange à ausência da participação do setor privado: o problema
passa, além da falta de renda dos demandantes, pela ineficiência do mercado,
decorrentes da falta de informação cadastral dos candidatos ao financiamento e
quanto aos imóveis que servirão de garantia.

Segundo Carneiro (2002, p.9), diferentemente do caso chileno, onde o


mercado anteriormente descrito foi capaz de reduzir significantemente o déficit
habitacional no país, a implementação do sistema no Brasil corre o risco de não
deslanchar, devido à não participação do setor privado no financiamento do saldo
devedor após a concessão dos subsídios. Isto porque permanecem os problemas
expostos no que se refere às causas da ausência de fontes autônomas de capitais
na atividade de financiamento imobiliário, problemas estes inexistentes no Chile.

Altos índices de informalidade, processo de estabilização ainda recente, falta


de séries históricas das principais variáveis relevantes e elevadas taxas de juros
diferenciam o Brasil do Chile. Assim, características distintas requerem soluções
distintas.

Portanto, a participação do setor público seria mais eficiente se abordasse os


dois gargalos principais. Primeiramente, combatendo a questão da falta de renda da
população através dos subsídios. Além disso, atacando a deficiência de mercados
que abrange o setor financeiro, que, por não contar com um desenvolvido mercado
de seguros contra inadimplência, prefere se ausentar da atividade.

Logicamente, caso o governo fornecesse as garantias necessárias à entrada


do capital autônomo no setor de concessão de crédito imobiliário para famílias de
baixa renda, a necessidade dos subsídios iniciais seria diminuída drasticamente.
Conforme visto na Tabela 13, os subsídios calculados de acordo com a fórmula
desenvolvida no Projeto de Lei supera em muito aqueles necessários se houvesse
linhas de financiamento disponíveis no mercado. Em todos os casos analisados, o
saldo devedor após a concessão dos subsídios pode ser pago em prazos muito
inferiores aos usualmente considerados no setor imobiliário em países
desenvolvidos.

Talvez já prevendo a continuidade da situação atual, de ausência de linhas de


financiamento imobiliário, os formuladores do projeto propuseram subsídios
elevados como forma de facilitar a aquisição das unidades. Na Tabela 14, estão
calculados os subsídios necessários, para distintas rendas familiares, quando o
mercado é capaz de conceder recursos a taxas competitivas. No exercício foi
considerado o mesmo montante de poupança da Tabela 13, sendo o saldo devedor
financiado à taxa anual de juros reais de 12%, por um prazo de 180 meses.
TABELA 14 – Subsídio Suficiente para Aquisição de Unidades Residenciais (ou Material de Construção) de Acordo com a Renda
Familiar

Valor Poupança Peso da


Rendimento Tempo de Valor Subsídio Saldo Valor da Prazo de
do sobre Prestação
Familiar Poupança Poupado Necessário Devedor Prestação Amortização
Imóvel Salário no Salário
1 S.M. 10.000 60 meses 1.000 7,96% 59% 3.101 R$ 36 180 meses 20,00%
2 S.M. 15.000 60 meses 2.250 8,96% 44% 6.202 R$ 72 180 meses 20,00%
3 S.M. 20.000 60 meses 4.000 10,62% 33% 9.302 R$ 108 180 meses 20,00%
4 S.M. 20.000 60 meses 4.000 7,96% 18% 12.403 R$ 1444 180 meses 20,00%
5 S.M. 30.000 60 meses 7.500 11,94% 23% 15.504 R$ 180 180 meses 20,00%
6 S.M. 30.000 60 meses 7.500 9,95% 13% 18.605 R$ 216 180 meses 20,00%
7 S.M. 36.000 60 meses 9.000 10,24% 15% 21.706 R$ 252 180 meses 20,00%
8 S.M. 36.000 60 meses 9.000 8,96% 6% 24.806 R$ 288 180 meses 20,00%
Analisando a Tabela 14, e comparando-a à Tabela 13, vê-se que os subsídios
necessários são muito inferiores quando há um mercado financiador forte e atuante,
capaz de conceder recursos à taxa real de 12% ao ano. Famílias de 3 salários
mínimos, por exemplo, necessitariam de 33% de subsídios para adquirir unidades de
R$ 20.000, enquanto que o montante subsidiado de acordo com o Projeto de Lei
seria de 73%. Com tais subsídios, o saldo devedor seria financiado em 180 meses e
o valor das prestações seria de 20% da renda salarial mensal.

Conforme analisado, o montante de subsídio necessário para aquisição das


unidades depende negativamente da renda familiar e positivamente do valor do
imóvel. Portanto, há incentivos para que as pessoas declarem receber menos do
que efetivamente recebem, dificultando a adoção de modelos que tenham como
diretriz básica a renda dos candidatos. Desta forma, assim como no Projeto
estudado, o sistema adotado deve depender não da renda declarada pelas famílias,
e sim do valor da operação desejada, sendo decrescente no valor da mesma.

Assim, a dificuldade provém do cálculo do total de subsídios a ser concedido


em função do imóvel desejado. Caso sejam deferidos recursos para a aquisição de
unidades residenciais de acordo com as necessidades de famílias com renda mais
elevada, as famílias de renda menor não serão capazes de adquirir a unidade. Por
exemplo, se para a aquisição de imóveis de R$ 20.000 for concedido o subsídio
necessário para famílias com renda de 4 salários mínimos, que é de 18%, as
famílias com renda de 3 salários mínimos serão incapazes de comprar as unidades,
uma vez que necessitariam de 33% de subsídios. Por outro lado, se for aplicada
uma fórmula que dê mais subsídios para as famílias de 3 salários mínimos, aquelas
de 4 salário mínimos terão interesse em mentir sobre a renda.

De acordo com Carneiro (2002, p.11), a solução passa necessariamente pela


equalização do montante de subsídios de acordo com o valor da operação e da
fixação deste montante de acordo com as necessidades das famílias de mais baixa
renda, para cada faixa de valores desejados. Desta forma, famílias de 3 salários
mínimos ou 4 salários mínimos teriam direito ao mesmo total de recursos para
aquisição de unidades de R$20.000, que é de 33%.
Porém, o ponto principal que resulta desta discussão é que a forma mais
eficiente de atuação do setor público, de modo a atrair o máximo de recursos
destinados a financiar a aquisição de unidades residenciais às famílias de baixa
renda, é através do combate à principal ineficiência do mercado: a superestimativa
do prêmio de risco da operação, que afasta fontes autônomas de capitais. Neste
sentido, a maneira como isso deve ser feito é através do deslocamento dos riscos do
setor privado para o setor público, sendo este último o garantidor dos financiamentos
concedidos.

Entretanto, esta não deve ser a única forma de atuação, uma vez que mesmo
às taxas de juros dos títulos públicos a grande maioria das famílias brasileiras não
apresenta rendimentos que permitam a aquisição das unidades. Portanto, além da
garantia contra inadimplência, é necessário que sejam concedidos subsídios, a
fundo perdido, para diminuir o saldo devedor, gerando condições para o pagamento
das prestações mensais.

A combinação dessas duas fontes de atuação permitirá que se gaste o


mínimo necessário para fomentar o mercado de concessão de crédito às famílias de
baixa renda, dando a possibilidade para que os candidatos que realizem esforço de
poupança tenham possibilidade de adquirir financiamentos à aquisição de imóveis
ou materiais de construção.
5 – CONCLUSÃO

A carência habitacional no Brasil é mais um problema social que atinge


grande parte da população. Como visto anteriormente, a problemática habitacional
atinge mais de 20 milhões de pessoas e mostra o quanto o país vem esquecendo de
dar um tratamento adequado à política habitacional.

A atual realidade mostra o quanto é grave a situação dessas famílias, já que a


maior parte do déficit habitacional foi contabilizada na coabitação familiar, nos
domicílios rústicos e no ônus excessivo com aluguel. Isto mostra que famílias vêm
vivendo em condições de grande insalubridade, ou amontoadas sobre o mesmo teto,
ou vivendo em barracos caindo aos pedaços, ou ainda gastando grande parte de
sua renda minguada com habitação.

Outro fato importante a se comentar é a renda mensal dessas famílias. A


grande maioria possui uma renda mensal de até 3 salários mínimos (84%), sendo
que praticamente 98% possui renda mensal de até 10 salários mínimos. É grave
verificar tal fato, verificar um total descaso das autoridades para com essa
população, já tão carente de outros recursos (educação, saúde, emprego).

Ao se estudar o déficit habitacional, procurou-se avaliar a problemática


habitacional de uma forma geral e verificar a atual situação de cada estado da
federação e de cada faixa de renda da população atingida. Como visto
anteriormente, a Região Nordeste concentra a maior parte da população atingida
(44%), o que mostra a má distribuição de renda que ocorre entre os estados e o
quanto a Região Nordeste precisa de políticas de desenvolvimento. Mesmo sendo
uma região mais desenvolvida, a Região Sudeste aparece em segundo lugar, com
33% da população atingida, isto se deve ao fato da Região Sudeste concentrar as
maiores aglomerações urbanas do país e da incapacidade das autoridades de lidar
com tal problema.

Ao analisar as ações das autoridades ao longo do tempo, pôde-se verificar


três fases de atuação do poder público: a fase pré-BNH, a fase de constituição do
BNH e sua posterior extinção e a fase da gestão de Fernando Henrique Cardoso.

Na fase pré-BNH, o Estado pouco atuou para resolver a problemática


habitacional, agindo apenas no âmbito de eliminar um incômodo para as classes
mais abastadas.

Durante a constituição do BNH, verificou-se uma sensível melhora nas


condições habitacionais, mas ao longo do tempo os recursos passaram a beneficiar
os mutuários das classes mais elevadas, deixando a população carente em segundo
plano. O fato mais grave apresentado pelo BNH, foi o total desvio de objetivos e
recursos para atender as classes mais privilegiadas, prejudicadas pelas altas taxas
de inflação que vigoraram na época. O fornecimento desses subsídios às classes de
renda mais elevada e outros fatores, acabaram por inviabilizar o SFH, o que
culminou na extinção do BNH em 1986.

Após a extinção do BNH, o setor caiu em grave crise institucional. Pouco se


fez para melhorar as condições habitacionais da população carente. Esta época se
caracterizou pela implantação de programas alternativos do SFH, que tinham o
objetivo de atender às classes negligenciadas, mas que, na verdade, se tornaram
totalmente assistencialistas e não tiveram nenhum controle social, o que provocou
uma total má utilização dos recursos públicos.

A situação começou as mudar com a posse de Itamar Franco em 1992. A


partir de então, houve um maior controle social e a transparência da gestão dos
programas constituiu-se um ponto de inflexão importante. Este período se
caracteriza pela implantação dos programas Habitar-Brasil e Morar-Município, que
tinham por objetivo elevar os padrões de habitabilidade e qualidade de vida em
áreas degradadas ou de risco. Assim, mesmo que de forma pontual, o governo
passou a assistir à população de baixa renda, procurando diminuir os elevados
índices de insalubridade das localidades mais carentes.

Dando continuidade à gestão de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso


manteve o programa Habitar-Brasil e implantou outros de mesmo cunho
assistencialista. Outras medidas foram tomadas para amenizar a problemática
habitacional, como a criação do Programa de Arrendamento Residencial (PAR) e o
Carta Crédito – FGTS, mas pouco contribuindo para uma significativa melhora do
atual quadro em que se encontra o país. Uma medida importante para obtenção de
recursos para habitação foi implantada nesta gestão, a criação do Sistema
Financeiro Imobiliário (SFI), que vem a regularizar a participação do mercado
privado na área habitacional e assim buscar investidores potenciais para o setor.

Com relação à política habitacional de Fernando Henrique Cardoso, é


importante comentar que realmente houve uma melhora no que diz respeito à
focalização dos investimentos e a sua efetiva realização, mas, devido a uma grande
restrição de recursos, os programas apresentados tem tido seus alcances
inevitavelmente limitados, o que pouco tem contribuído para uma diminuição
significativa do déficit habitacional.

Após entender o passado e verificar os erros cometidos, procurou-se analisar


algumas experiências internacionais de sucesso, para de alguma forma propor
soluções para a problemática habitacional brasileira. Nos casos estudados,
procurou-se verificar similaridades econômicas e sociais com o Brasil e assim buscar
algumas conclusões.
Pôde-se concluir, que para se ter sucesso numa política habitacional para a
população de baixa renda, é indispensável a participação do setor público no
fornecimento de subsídios para a compra de unidades habitacionais. Além do
fornecimento de subsídios, é importante que o governo também garanta a
diminuição dos riscos inerentes às operações de crédito imobiliário, como fornecer
garantias contra a inadimplência, para que então se possa obter recursos a custos
mais baixos e assim tornar viável um financiamento para as classes de baixa renda.
Outra medida importante para captação de recursos a custos mais baixos é a
diminuição evidente das atuais taxas de juros, que praticamente inviabilizam o
pagamento das parcelas resultantes do financiamento.

Assim, com a idéia proposta de se criar uma poupança habitacional prévia e o


fornecimento de subsídios, a fim de se diminuir o saldo devedor, aliados à
diminuição dos riscos da obtenção de crédito imobiliário junto ao mercado privado,
tornam o financiamento destinado à população de baixa renda totalmente viável.
Desta forma, espera-se que o governo brasileiro não abandone totalmente a idéia
proposta e sim a avalie de forma responsável para que se tenha uma real reação
sobre a crescente carência de moradias que assola o país.
6 – OBRAS CITADAS

ALBUQUERQUE, Marcos Cintra Cavalcanti de. Habitação popular: avaliação e


propostas de reformulação do Sistema Financeiro da Habitação. São Paulo: Ed.
EAESP, 1985. 96 p.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS ENTIDADES DE CRÉDITO IMOBILIÁRIO E


POUPANÇA – ABECIP. O Sistema Financeiro da Habitação em seus 30 anos de
existência: realizações, entraves e novas proposições. São Paulo: Ed. ABECIP,
1994. 101p.

CARNEIRO, Dionísio Dias. História recente, experiência internacional: lições para a


construção de um projeto de financiamento imobiliário no Brasil. Rio de Janeiro,
2001a. 46 p. Relatório apresentado ao Sindicato Nacional da Indústria do Cimento
em cumprimento à primeira fase do projeto de estudo sobre o financiamento
imobiliário no Brasil.

______. Financiamento imobiliário destinado às classes de baixa renda: proposta de


políticas habitacionais. Rio de Janeiro, 2002. 36 p. Relatório apresentado ao
Sindicato Nacional da Indústria do Cimento em cumprimento à terceira fase do
projeto de estudo sobre o financiamento imobiliário no Brasil.

CAVALCANTI, Hermano José Oliveira. Habitações de baixa renda: uma análise de


métodos construtivos no Brasil. Niterói, RJ, 2000. ??? p. Dissertação (Mestrado em
Engenharia Civil) – Faculdade de Engenharia, Universidade Federal Fluminense,
Niterói, 2000.

FARO, Clovis de. Vinte anos de BNH: a evolução dos planos básicos de
financiamento para aquisição da casa própria do Banco Nacional da Habitação:
1964–1984. Niterói, RJ: Ed. EDUFF; Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 1992a. 134 p.
FARO, Clovis de. Sistema Financeiro da Habitação: a necessidade de reforma. Rio
de Janeiro: Ed. da FGV, 1992b. 12 p. (Ensaios Econômicos EPGE).

FUNDAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS CIENTÍFICOS E TECNOLÓGICOS –


FINATEC. Universidade de Brasília. Documento de Política Nacional de Habitação.
Documento Preliminar. Brasília, 2002. Disponível em:
<http://www.finatec.com.br/projetos/politicahabitacional.htm>. Acesso em: 15 jan
2003.

FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Centro de Estatística e Informações. Déficit


Habitacional no Brasil 2000. Belo Horizonte, 2001. 200 p.

SANTOS, Cláudio Hamilton M.. Políticas federais de habitação no Brasil: 1964/1998.


Brasília: IPEA, 1999. 30 p. (Texto para Discussão, n. 654).
7 – OBRAS CONSULTADAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS MUTUÁRIOS DA HABITAÇÃO – ABMH. Cartilha


do financiamento habitacional. 3ª Ed. Brasília, 2002. 10 p.

AZEVEDO, S. Vinte e dois anos de política de habitação popular (1964-1986):


criação, trajetória e extinção do BNH. Revista de Administração Pública, v. 22, n. 4,
out/dez 1988.

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. Programas de habitação. Disponível em;


<http://www.cef.gov.br>. Acesso em: 3 dez 2002.

CARNEIRO, Dionísio Dias. Composição do déficit habitacional e financiamento


imobiliário destinado às classes média e alta: proposta de políticas habitacionais. Rio
de Janeiro, 2001b. 49 p. Relatório apresentado ao Sindicato Nacional da Indústria do
Cimento em cumprimento à segunda fase do projeto de estudo sobre o
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CASEMIRO, Joana; SOBRAL, Isabel. Deu nó no mercado: novas condições de


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DOCA, Geralda. Sob lata ou papelão, 2,3 milhões de brasileiros: estudo mostra
condições degradantes de moradia: 9,5 milhões em coabitação e 340 mil em imóveis
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GENEVOIS, Marie L. B. P.; COSTA, Olavo Viana. Carência habitacional e déficit de


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15, p. 73-84, 2001.

GONÇALVES, Robson. O déficit habitacional brasileiro: um mapeamento por


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27 p.

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de desenvolvimento urbano em 1988. Brasília: IPEA, 1989. 30 p. (Acompanhamento
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LEITÃO, Miriam. Casa dos pobres. Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 2 jun 2002.
Economia, Panorama Econômico.

LUCENA, Jose Mario Pereira de. O mercado habitacional no Brasil. Rio de Janeiro:
Ed. da FGV, 1985. 185 p. (Teses EPGE, n° 9).

MENEZES, Maiá. Estado investiga custos de casas populares: segundo nova


administração, cada unidade chegou a ser construída por R$ 20 mil, quando valor
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PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Plano diretor da cidade do Rio de


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PRESIDÊNCIA DA REPÚLICA. Programa Brasil em Ação dois anos. Habitação.


Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 24 abr 2003.

REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Mensagem ao Congresso Nacional 1998.


Abertura da 4ª Sessão Legislativa ordinária da 50ª Legislatura. Desenvolvimento
social. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 23 abr 2003.
SCIENCE DIRECT. Periódicos. Disponível em: <http://www.sciencedirect.com>.
Acesso em: 10 mar 2002.

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE. Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-


Graduação. Apresentação de trabalhos monográficos de conclusão de curso. 6ª
edição. Niterói, Rio de Janeiro: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2003.
86 p.
8 – ANEXOS

8.1 Exemplos de Planos Financeiramente Inconsistentes

Considerando o caso de um sistema genérico de amortização de dívidas, suponha-


se que tenha sido estabelecido um esquema de reajustamento periódico dos valores
nominais dos saldos devedores e prestações.

Para K=1, 2, ..., n e L=0, 1, ..., n, denote-se por:

PK,L = o valor da prestação que se vence na época K, a preço da época L;


DK,L = o valor do saldo devedor na época K, a preços da época L.

Por suposto, sendo i a taxa periódica de juros contratual, admite-se que, a preços da
época 0 (zero), que é a de assinatura do contrato de financiamento, ou, como
também se diz, a preços constantes, sendo C = D0,0 o valor financiado, a preços
desta mesma época 0, seja, válida a equação fundamental de equivalência
financeira:

n
C = ∑ PK ,0 (1 + i) − K
K =1

Admita-se também que:

n
D K ,0 = ∑P
j = K +1
j ,0 (1 + i ) K − j

Sendo I o índice de preços especificado no contrato para fins de correção monetária,


denote-se por IL, para L = 0, 1, ..., n, o seu valor vigente na época L.
Diz-se que um plano de correção monetária é financeiramente consistente se os
reajustes dos valores monetários de saldos devedores e de prestações periódicas
forem efetuados de tal maneira que, a preços correntes, sejam válidas as seguintes
relações, para K = 1, 2, ..., n e L = 0, 1, ..., n:

PK,L = ( IL / I0 ) PK,0

DK,K = ( IK / IK-1 ) (1 + i ) DK-1,K-1 – PK,K

O quociente Il / I0 é chamado de coeficiente de correção monetária da época 0 para


época L, e o quociente IL / IL-1 é o coeficiente de correção monetária da época L-1
para a época L.

Como visto anteriormente os plano ditos consistentes se caracterizam pela correção


uniforme dos saldos devedores e das prestações. Os planos ditos inconsistentes
caracterizam-se pela ausência de correção uniforme. Tal tipo de mecanismo, que
aparece toda vez que se utilizam distintos índices de preços para o reajuste dos
valores nominais de saldos devedores e de prestações ou, embora com base em um
mesmo índice, quando saldos devedores e prestações não são simultaneamente
corrigidos monetariamente, costuma fazer com que se constate, na data de
pagamento da última prestação contratual, que Dn,n ≠ 0. O fato de que se tenha
Dn,n ≠ 0 é que leva a denominar o plano de financeiramente inconsistente.

De maneira geral, sendo I o índice utilizado para fins de reajuste de sldos


devedores, e sendo I’ o índice de preços segundo as variações do qual serão
monetariamente atualizadas as prestações contratuais, no caso de um plano não
uniforme tem-se que:

PK,L = ( I’L / I’0 ) PK,0

Exemplo 1:

Seja o caso de um financiamento de 10.000.000 de unidades monetárias, a preços


da data do contrato, sendo pactuado que, em função da taxa de juros de 1% a.m. e
do prazo de resgate de dois anos, sejam efetuados os pagamentos de 24
prestações mensais de modo que:

PK,0 = 470.734,72 , K = 1, 2, ..., 24


Então, sendo ainda especificado que os saldos devedores sejam trimestralmente
reajustados de acordo com as variações de um certo índice I, cujo comportamento é
indicado na tabela abaixo, e que as prestações sejam semestralmente corrigidas
segundo o comportamento do mesmo índice, tem-se, a preços correntes, que os
saldos devedores, prestações e parcelas de amortização e de juros teriam evoluído
como apresentado na tabela abaixo.

Evolução da dívida no caso do exemplo 1


K IK I’K DK,K PK,K JK,K AK,K
0 100,00 100,00 10.000.000,00 – – –
1 100,00 100,00 9.629.265,28 470.734,72 100.000,00 370.734,72
2 100,00 100,00 9.254.823,21 470.734,72 96.292,65 374.442,07
3 130,00 100,00 11.680.848,16 470.734,72 120.312,70 350.422,02
4 130,00 100,00 11.326.921,92 470.734,72 116.808,48 353.926,24
5 130,00 100,00 11.440.191,14 470.734,72 113.269,22 357.465,50
6 169,00 169,00 14.225.429,29 795.541,68 148.722,48 646.819,20
7 169,00 169,00 13.572.141,90 795.541,68 142.254,29 653.287,39
8 169,00 169,00 12.912.321,64 795.541,68 135.721,42 659.820,20
9 219,70 169,00 16.158.336,64 795.541,68 167.860,18 627.681,50
10 219,70 169,00 15.524.378,83 795.541,68 161.583,37 633.958,31
11 219,70 169,00 14.884.080,43 795.541,68 155.243,79 640.297,89
12 285,61 285,61 18.198.332,17 1.344.465,43 193.493,04 1.150.972,38
13 285,61 285,61 17.035.850,06 1.344.465,43 181.983,32 1.162.482,11
14 285,61 285,61 15.861.743,13 1.344.465,43 170.358,50 1.157.106,93
15 371,29 285,61 19.481.835,02 1.344.465,43 206.200,99 1.138.264,44
16 371,29 285,61 18.332.187,94 1.344.465,43 194.818,35 1.149.647,08
17 371,29 285,61 17.171.044,39 1.344.465,43 183.321,88 1.161.143,55
18 482,78 482,78 20.277.779,27 2.272.613,08 223.271.21 2.049.341,87
19 482,78 482,78 18.207.943,98 2.272.613,08 202.777,79 2.069.835,29
20 482,78 482,78 16.117.410,34 2.272.613,08 182.079,44 2.090.533,64
21 627,49 482,78 18.885.365,60 2.272.613,08 209.484,94 2.063.128,14
22 627,49 482,78 16.801.606,18 2.272.613,08 188.853,66 2.083.759,42
23 627,49 482,78 14.697.009,16 2.272.613,08 168.016,06 2.104.597,02
24 815,73 815,73 15.457.033,10 3.839.924,33 191.059,48 3.648.864,85

Dado que D24,24 = 15.457.083,10 unidades monetárias, teríamos um plano de


financiamento inconsistente no qual, em termos reais, constatar-se-ia um débito
residual de cerca de 18,95% do valor financiado, mesmo após pagar a última
prestação contratual.
Exemplo 2

Como no caso do exemplo 1, suponha-se que, a preços da data da assinatura do


contrato, tenha-se as mesmas condições. Isto é, sendo i = 1% a.m. e C = 10.000.000
de unidades monetárias, a seqüência de prestações é tal que:

PK,0 = 470.734,72, K = 1, 2, ..., 24

Admita-se ainda que, enquanto os saldos devedores sejam trimestralmente


corrigidos de acordo com a variação do mesmo índice de preços I do caso do
exemplo 1, as prestações têm seus valores semestralmente reajustados de acordo
com a evolução do índice I’ cujo comportamento é descrito na tabela abaixo. Tem-
se, então, que a preços correntes, o saldo devedor, a prestação mensal e as
respectivas parcelas de juros e de amortização, teriam evoluído como descrito na
mesma tabela.

Evolução da dívida no caso do exemplo 2


K IK I’K DK,K PK,K JK,K AK,K
0 130,00 100,00 10.000.000,00 – – –
1 130,00 100,00 9.629.265,28 470.734,72 100.000,00 370.734,72
2 169,00 169,00 11.847.683,63 795.541,68 125.180,45 670.361,23
3 169,00 169,00 11.170.618,78 795.541,68 118.476,84 677.064,84
4 169,00 169,00 10.486.783,30 795.541,68 111.706,19 683.835,49
5 219,70 169,00 12.973.604,79 795.541,68 136.328,18 659.213,50
6 219,70 169,00 12.307.799,16 795.541,68 129.736,05 665.805,63
7 219,70 169,00 11.635.335,47 795.541,68 123.077,99 672.463,69
8 285,61 285,61 13.932.730,04 1.344.465,43 151.259,36 1.193.206,07
9 285,61 285,61 12.727.591,91 1.344.465,43 139.327,30 1.205.138,13
10 285,61 285,61 11.510.402,40 1.344.465,43 127.275,92 1.217.189,51
11 371,29 285,61 13.768.570,80 1.344.465,43 149.635,23 1.194.830,20
12 371,29 285,61 12.561.791,08 1.344.465,43 137.685,71 1.206.779,72
13 371,29 285,61 11.342.943,56 1.344.465,43 125.617,91 1.218.847,52
14 482,78 482,78 12.623.849,94 2.272.613,08 147.458,27 2.125.154,81
15 482,78 482,78 10.477.475,63 2.272.613,08 126.238,50 2.146.374,58
16 482,78 482,78 8.309.637,03 2.272.613,08 104.774,75 2.167.838,33
17 627,49 482,78 8.635.784,70 2.272.613,08 108.025,28 2.164.587,80
18 627,49 482,78 6.449.529,47 2.272.613,08 86.357,85 2.186.255,23
19 627,49 482,78 4.241.411,68 2.272.613,08 64.495,29 2.208.117,79
20 815,73 815,73 1.729.001,42 3.839.924,33 55.138,35 3.784.785,98
21 815,73 815,73 0,00 1.746.291,43 17.290,01 1.729.001,42
22 815,73 815,73 – – – –
23 1.060,45 815,73 – – – –
24 1.060,45 815,73 – – – –
Observe-se que, como no caso anterior, se está imaginando uma economia onde os
preços crescem à taxa trimestral constante de 30%, e que as prestações são
reajustadas, juntamente com os salários, a cada 6 meses e à correspondente taxa
semestral equivalente à de inflação. Entretanto, enquanto no caso do exemplo 1 foi
admitido que o contrato tenha sido assinado logo após um reajuste salarial, no caso
do exemplo 2 aquela data teria ocorrido dois meses antes do primeiro reajuste
salarial que se seguiu.

Agora, ao invés de permanecer um débito residual mesmo após o pagamento da


última prestação contratual, como no caso do exemplo 1, a dívida é liquidada já
quando se efetua o 21° pagamento. Ainda mais, este último pagamento é
substancialmente inferior ao valor reajustado da prestação contratual que aí se
venceria. Isto porque, caso contrário, o saldo passaria de devedor para credor, o que
faria com que, mantido o pagamento das demais prestações contratuais e
consideradas ainda a taxa de 1% a.m., o tomador ficasse com um saldo a seu favor,
na época 24, igual a 15.614.680,44 unidades monetárias. Ou seja, nesta
eventualidade, se o tomador do empréstimo tivesse sido obrigado a pagar todas as
24 prestações contratuais, teria pago a mais, em termos reais, 19,14% do valor
financiado.

8.2 – Comentários Sobre as Medidas Provisórias 2221 e 2223

A publicação das MPs 2221 e 2223 trouxe algumas mudanças que podem
fortalecer as perspectivas de financiamento, em novas bases para o setor imobiliário,
viabilizando o aperfeiçoamento das operações, de forma a atrair uma diversa gama
de investidores interessados em adquirir ativos de longo prazo lastreados em
hipotecas.

As medidas visam a facilitar a ligação entre os incorporadores e


construtores aos maiores poupadores da economia, dispostos a comprar os
recebíveis imobiliários gerados pela compra das unidades por parte dos mutuários.
Para tanto, foram especificados os instrumentos financeiros a serem utilizados no
processo de securitização, bem como algumas garantias adicionais requeridas pelos
investidores.

A criação da Letra de Crédito Imobiliário (LCI) e da Cédula de Crédito


Imobiliário (CCI), que poderão estar lastreadas por créditos imobiliários garantidos
por hipoteca ou por alienação fiduciária, dá os instrumentos necessários à união
entre os mercados acima citados, oferecendo aos investidores novos títulos para
que estes possam a vir compor suas carteiras. A forma como foram especificadas as
MPs que criaram esses mecanismos induz à clareza nas operações, uma vez que,
mesmo sem impor nenhuma condição específica, obriga que todas as informações
relevantes estejam contidas no texto das letras.
O objetivo é fazer com que esses títulos representativos sejam facilmente
identificados pelas mesas de operação dos bancos principais investidores, de forma
a permitir a análise de maneira idêntica a de qualquer outro ativo do mercado, onde
os principais riscos possam ser mensurados e o retorno previsto. Somente assim se
poderá alcançar a liquidez desejada.

Além disso, para impedir que riscos de difícil mensuração atravanquem o


crescimento das operações, foi criado o chamado “patrimônio de afetação” que
impede o desvio de recursos de um empreendimento para outro e a cessão das
unidades habitacionais como garantia em outro empreendimento. Com a medida,
tenta-se evitar o que aconteceu com a falida Encol, que ao quebrar interrompeu o
andamento das obras em diversas incorporações, o que acabou por determinar a
interrupção do pagamento das prestações por parte dos compradores das unidades.
Tal ocorrência, se as letras tivessem sido securitizadas, traria enormes prejuízos ao
investidor nas letras, decorrentes do não recebimento do fluxo contratado e da
impossibilidade de execução das garantias.

Por fim, outra mudança instituída pelas MPs foi a permissão para a
indexação mensal das prestações relativas a contratos acima de 36 meses, a
índices de preços, como o IGP-M. A lei fala de permissão, que é recomendável por
implicar maior liberdade. Porém, tal fator gerou certa dúvida quanto à evolução da
capacidade de pagamento do mutuário, uma vez que os salários e a inflação,
principalmente quando se considera freqüência mensal, são pouco relacionados,
efeito ainda mais forte em ambientes de estabilidade monetária.

Neste sentido, a combinação entre os distintos padrões sazonais


observados pelas variáveis em questão e o efeito de componentes aleatórios não-
correlacionados pode fazer com que haja divergência entre o reajuste do valor da
prestação e do salário. Tal divergência, quando abordado um período mais longo de
tempo, acaba por ser diluída, porém reajustes mensais podem levar a maior
descolamento dos índices, elevando demasiadamente os encargos do financiamento
imobiliário e implicando elevação do risco de inadimplência.

De qualquer forma, o objetivo das mudanças é dar munição suficiente ao


mercado para alavancar as operações de securitização de hipotecas, através da
criação de instrumentos financeiros apropriados, sedimentação dos principais riscos
associados e liberdade à contratação dos termos e condições. Tais medidas,
conjuntamente com uma melhoria da percepção de risco por parte dos investidores e
redução das taxas de juros da economia, abrem as portas para um aperfeiçoamento
das atividades relacionadas à concessão de crédito provado para o setor imobiliário.
Porém, sem as medidas adicionais citadas, o capital atraído pelas mudanças
instauradas pelas MPs será destinado unicamente a financiar unidades voltadas
para as classes média e alta.
8.3 - Projeto de Lei Complementar N° 227

PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº227, DE 1998


(Do Sr. Luis Roberto Ponte)

Dispõe sobre o Sistema de Aquisição da


Habitação Social - SAHS e dá outras
providências

O Congresso Nacional decreta:

CAPÍTULO I

Da Finalidade e dos Princípios Fundamentais

Art. 1º O Sistema de Aquisição da Habitação Social - SAHS tem por finalidade promover o
acesso da habitação de natureza social, em todo o território nacional.

Art. 2º Para fins do disposto nesta lei, entende-se por:

I - habitação social: a habitação urbana ou rural, nova ou usada, com o respectivo terreno,
destinada à população de menor poder aquisitivo, que tenha:

a) preço igual ou inferior a trinta e seis mil reais; e

b) "habite-se" concedido pelo órgão municipal competente;

II - lote social: o lote de terreno, urbano ou rural, situado em loteamento ou


desmembramento aprovado pelo órgão municipal competente e registrado no cartório do
Registro de Imóveis, cujo preço seja igual ou inferior a nove mil reais; e

III - população de menor poder aquisitivo: as famílias com renda mensal insuficiente para
suprir as necessidades básicas de habitação.

Parágrafo único. O Conselho de Administração do FAHS, de que trata o art. 9º, à vista de
proposta do Prefeito, poderá, em decisão fundamentada em condições locais e regionais e
em razões sócio-econômicas, reduzir os limites máximos de preço de que tratam a alínea
"a" do inciso I e o inciso II deste artigo, relativamente a habitações sociais ou lotes sociais
situados no respectivo Município.

Art. 3º O SAHS rege-se pelos seguintes princípios fundamentais:

I - reconhecimento do direito da população de menor poder aquisitivo à habitação condigna;

II - subsídio direto concedido pelo Poder Público, condicionado a poupança prévia;

III - exigência de autofinanciamento compatível com a renda, como contrapartida de


empenho pessoal para a aquisição da habitação social, mediante depósitos em conta de
poupança habitacional;
IV - financiamento parcial através de agente financeiro;

V - equilíbrio econômico-financeiro do contrato de mútuo concedido pelo agente financeiro;

VI - reduzido risco de inadimplência do adquirente da habitação social, mediante adequado


sistema de amortização; e

VII - garantia real da dívida, mediante hipoteca ou alienação fiduciária, na forma do disposto
na legislação pertinente.

Capítulo II

Da Composição

Art. 4º Compõem o SAHS:

I - os agentes financeiros: caixas econômicas, bancos comerciais dotados de carteira de


crédito imobiliário, sociedades de crédito imobiliário, associações de poupança e
empréstimo e, a critério do Conselho Monetário Nacional - CMN, outras entidades;

II - as empreendedoras: incorporadoras, construtoras, companhias de habitação - COHAB's


e entidades da Administração Pública estadual e municipal a elas equiparadas,
cooperativas, fundações e associações comunitárias, bem assim outras entidades, de
natureza pública ou privada, que, sem finalidade lucrativa, operem na área da habitação
social;

III - o Fundo para Aquisição da Habitação Social - FAHS, destinado a prover recursos para
custear subsídio direto, consubstanciado na emissão e doação com encargos, à população
de menor poder aquisitivo, de Certificados para Aquisição à Habitação - CAH's; e

IV - as operações de captação de recursos financeiros, intermediação de fundos e


concessão de mútuos para o financiamento da habitação social, bem assim as de aporte de
recursos ao FAHS e as de doação com encargos de CAH's.

§ 1º Também poderão operar no SAHS, de acordo com o disposto na legislação que lhes é
aplicável, as companhias hipotecárias e as companhias securitizadoras.

§ 2º As entidades de que tratam o inciso I e as companhias hipotecárias de que trata o § 1º


sujeitam-se à fiscalização dos órgãos competentes do Poder Executivo.
Capítulo III

Dos Agentes Financeiros

Art. 5º Os agentes financeiros do SAHS observarão, nas operações que efetuarem, os


preceitos desta lei, da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, e suas alterações, da Lei
nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, das resoluções do CMN e das circulares e de outros
atos do Banco Central do Brasil.

Art. 6º Constituem fontes de recursos dos agentes financeiros do SAHS:

I - os depósitos em contas de poupança do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo -


SBPE;

II - os depósitos em contas de poupança habitacional - DPH´s;

III - os recursos que lhes forem repassados pelo Fundo de Garantia de Tempo de Serviço -
FGTS, na forma e segundo as condições estabelecidas pelo respectivo Conselho Curador;

IV - a colocação, no mercado de valores mobiliários, de títulos hipotecários, debêntures ou


outros títulos admitidos em lei;

V - o produto de empréstimos externos ou internos; e

VI - outras, previstas em lei ou autorizadas pelo CMN.

§ 1º O CMN estabelecerá os percentuais dos recursos captados, na forma do disposto no


inciso II, que poderão ser aplicados na aquisição de Certificados de Recebíveis Imobiliários,
outros títulos imobiliários ou títulos emitidos pelo Tesouro Nacional.

§ 2º A remuneração básica ou reajuste e a taxa de juros dos depósitos em contas de


poupança habitacional serão idênticas às que forem estabelecidas para os depósitos em
contas de poupança do SBPE.

§ 3º O período de depósitos mensais em contas de poupança habitacional não poderá ser


inferior a 18 meses e, tampouco, exceder 60 meses.

Art. 7º Os recursos financeiros de que trata o artigo anterior, ressalvado o disposto em seu §
1º, serão exclusivamente aplicados pelos agentes financeiros do SAHS no financiamento:

I - da aquisição de habitação social ou lote social;

II - da construção de habitação social, pelo proprietário do lote social;

III - da construção ou incorporação, pelas entidades a que se refere o inciso II do art. 4º, de
edificações ou conjuntos de edificações compostas de habitações sociais autônomas;

IV - do parcelamento do solo urbano em lotes destinados à construção, pelas entidades a


que se refere o inciso II do art. 4º, de edificações ou conjuntos de edificações compostas de
habitações sociais autônomas; e

V - do arrendamento mercantil ("leasing") de habitação social.


§ 1º Os créditos gerados pelas operações de financiamento imobiliário de que trata este
artigo poderão ser livremente cedidos a outros agentes financeiros do SAHS, a companhias
hipotecárias ou a companhias securitizadoras, bem assim poderão constituir objeto, nos
termos do disposto na Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, de operações de
securitização de créditos imobiliários.

§ 2º Os créditos gerados pelas operações de financiamento de que trata este artigo e que
forem provenientes do SBPE e do FGTS terão remuneração e condições que respeitem as
respectivas regulamentações.

Capítulo IV

Do Fundo para Aquisição da Habitação Social

Art. 8º O Fundo para Aquisição da Habitação Social - FAHS é um fundo especial de


natureza financeira, sem personalidade jurídica própria, gerido pela União Federal, por
intermédio de um Conselho de Administração, diretamente vinculado ao Ministério a que, na
organização administrativa do Poder Executivo, estejam afetos os assuntos da habitação, e
constituído: I - das dotações que lhe forem consignadas pelo Orçamento da União;

II - dos recursos que lhe forem transferidos pelos Estados, Distrito Federal e Municípios,
para custeio de CAH´s vinculados ao financiamento de operações de que trata o art. 7º, de
acordo com projetos aprovados pelos respectivos Governos;

III - de doações efetuadas, com ou sem encargos, por pessoas jurídicas de direito privado
ou de direito público, nacionais ou estrangeiras, bem assim por organismos internacionais
ou por pessoas naturais;

IV - da receita derivada da aplicação de suas disponibilidades, em Certificados de


Recebíveis Imobiliários, outros títulos imobiliários ou títulos emitidos pelo Tesouro Nacional,
observadas as normas estabelecidas pelo CMN; e

V - de outras fontes previstas em lei.

§ 1º Sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União, o Poder Executivo


estabelecerá normas peculiares de controle, auditoria interna e externa e da tomada e
prestação de contas do FAHS.

§ 2º O exercício financeiro do FAHS coincidirá com o ano civil.

§ 3º Os valores que constituírem o FAHS serão representados por quotas nominativas, no


valor de R$ 1,00 (um real) cada uma.

§ 4º Os rendimentos derivados da aplicação dos recursos do FAHS serão convertidos, ao


final de cada exercício financeiro, em novas quotas, na proporção das já existentes.

§ 5º Do valor dos recursos transferidos pela União, na forma do disposto no inciso II:
a) 50% (cinqüenta por cento) serão convertidos em quotas dos Municípios, na proporção
dos recursos por estes transferidos ao FAHS, no exercício financeiro anterior;

b) 25% (vinte e cinco por cento) serão convertidos em quotas dos Estados, na proporção
dos recursos por estes transferidos ao FAHS, no exercício financeiro anterior;

c) 25% (vinte e cinco por cento) serão representados por quotas vinculadas à conversão em
CAH's, conforme critérios estabelecidos pelo respectivo Poder Executivo.

§ 6º Do valor dos recursos transferidos pelos Estados, na forma do disposto no inciso II:

a) 50% (cinqüenta por cento) serão convertidos em quotas de seus Municípios, na


proporção dos recursos por estes transferidos ao FAHS, no exercício financeiro anterior; e

b) 50% (cinqüenta por cento) serão representados por quotas vinculadas à conversão em
CAH's, conforme critérios estabelecidos pelo respectivo Poder Executivo.

§ 7º Os valores decorrentes de doação, a que se refere o inciso III, serão convertidos em


quotas de titularidade da União, de Estados, do Distrito Federal ou de Municípios, conforme
indicar o doador.

Art. 9º O Conselho de Administração do FAHS será presidido por um representante do


Ministério do Planejamento e Orçamento e constituído por mais seis membros, com
mandatos de dois anos, renováveis por uma vez, todos nomeados pelo Presidente da
República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, dentre pessoas de ilibada
reputação e notórios conhecimentos em atividades ligadas à habitação.

§ 1º Na forma estabelecida no Regimento Interno:

a) serão substituídos, nos seus impedimentos e afastamentos, o Presidente e os demais


membros; e

b) os serviços de secretaria executiva do Conselho de Administração serão atendidos pelo


Ministério a que está vinculado.

§ 2º O exercício da função de membro do Conselho de Administração, exceto o Presidente,


não poderá ser acumulado com o de qualquer outro cargo ou função pública de qualquer
dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, inclusive da
administração autárquica ou fundacional, ou qualquer cargo, função ou emprego em
empresa pública ou sociedade de economia mista ou suas subsidiárias ou controladas.

§ 3º Os membros do Conselho de Administração terão remuneração mensal correspondente


aos cargos de direção superior do símbolo DAS-5.

Art. 10. Compete ao Conselho de Administração do FAHS:

I - orientar, disciplinar, fiscalizar e estabelecer procedimentos, condições, limites e prazos


para as operações do SAHS;

II - regulamentar a cronologia da concessão dos CAH´s, que deverá atender,


exclusivamente, a critérios objetivos;

III - revisar os valores referidos no art. 2º, I, a, e II, e no art. 18, relativos a operação
habitacional básica, de forma a manter o seu poder de aquisição;
IV - aprovar o orçamento de aplicação dos recursos do FAHS e suas alterações;

V - aprovar os balanços anuais e os balancetes mensais do FAHS, bem assim a prestação


anual de contas a ser submetida ao Ministro de Estado a que está vinculado e ao Tribunal
de Contas da União;

VI - fazer publicar, no "Diário Oficial" e em pelo menos três jornais diários de grande
circulação nacional, os balanços anuais e os balancetes mensais do FAHS;

VII - apreciar os recursos interpostos das decisões do agente operador de que trata o art.
12; e

VIII - exercer as demais atribuições estabelecidas no Regimento Interno.

Art. 11. É terminantemente vedado ao FAHS, sob pena de responsabilidade civil,


administrativa e penal:

I - dispor de quadro de pessoal, bem assim nomear, admitir, contratar, requisitar ou, por
qualquer forma, remunerar, ressalvado o disposto no § 3º do art. 9º, servidores ou
profissionais de qualquer natureza;

II - adquirir imóvel;

III - contrair empréstimo interno ou externo, sob qualquer modalidade; e

IV - conceder empréstimo ou adiantamento a qualquer pessoa natural ou jurídica.

Art. 12. A administração e operação do FAHS caberão à instituição financeira, que, na


qualidade de agente operador, for contratada pelo Poder Executivo, mediante procedimento
licitatório, na forma do disposto na legislação pertinente, com a remuneração no mesmo ato
fixada.

Parágrafo único. São encargos do agente operador:

a) gerir os recursos financeiros do FAHS, bem assim aplicar as suas disponibilidades na


forma do disposto no inciso IV do art. 8º, procedendo aos respectivos registros contábeis e
conservando a documentação correspondente;

b) organizar e manter o Cadastro Geral dos donatários de CAH´s, ao qual terão livre acesso
o Conselho de Administração do FAHS e os agentes financeiros do SAHS;

c) representar o FAHS, judicialmente, com a assistência da Advocacia Geral da União, e


extrajudicialmente;

d) organizar e submeter, ao Conselho de Administração do FAHS, os balancetes anuais e


mensais e a prestação anual de contas desse Fundo; e

e) outros que lhe forem atribuídos pelo Conselho de Administração do FAHS.


Capítulo V

Do Certificado para Aquisição da Habitação

Art. 13. O Certificado para Aquisição à Habitação - CAH, expresso em quantidade de quotas
do FAHS, é um título nominativo e representativo de promessa de pagamento em dinheiro
do valor de doação, com encargos, efetuada por esse Fundo e destinada e vinculada,
exclusivamente, ao pagamento de parte do preço a que se refere o inciso II do art. 14.

Parágrafo único. O CAH revestirá a forma escritural, dele se extraindo extrato para entrega a
seu beneficiário.

Capítulo VI

Das Operações

Art. 14. A operação habitacional básica do SAHS consiste no pagamento integral do preço
de aquisição de habitação social ou de lote social ou do valor da construção de habitação
social pelo proprietário de lote social ou da prestação inicial ou final do arrendamento
mercantil de habitação social, mediante parcelas provenientes:

I - do saldo da conta de depósito de poupança habitacional;

II - de CAH doado com encargos pelo FAHS; e

III - de mútuo concedido por um agente financeiro do SAHS, com limites, prazos, reajustes,
taxa de juros, encargos e demais condições prescritas pela Lei nº 9.514, de 20 de novembro
de 1997 ou pela regulamentação pertinente ao SBPE ou FGTS, quando o crédito for
proveniente do SFH.

Parágrafo único. A operação habitacional básica do SAHS somente terá por objeto o
financiamento das operações que constam do art.7º, incisos I a V, que, por disposição de lei
municipal, seja isento, durante o prazo do mútuo de que trata o inciso III, do imposto sobre a
propriedade predial e territorial urbana e cuja transmissão de propriedade seja isenta do
imposto de transmissão inter vivos.

Art. 15. Para se beneficiar da operação habitacional básica do SAHS, o candidato terá de:

I - abrir e manter uma conta de depósito de poupança habitacional, em qualquer agente


financeiro, nela efetuando depósitos na periodicidade, no prazo e nos valores a que se
obrigar no instrumento particular de que trata o art. 17;
II - cadastrar-se, juntamente com seus familiares, no agente operador do FAHS, e por ele
ser credenciado para celebrar a operação a que se refere o artigo 14; e

III - pleitear a concessão de mútuo junto ao agente financeiro em que mantenha a conta de
poupança habitacional.

Parágrafo único. O agente operador do FAHS cadastrará o candidato que satisfizer as


condições estabelecidas por esta Lei, expedindo carta de credenciamento para a celebração
da operação habitacional básica do SAHS, no prazo e no montante que forem indicados.

Art. 16. É terminantemente vedado o credenciamento, pelo agente operador do FAHS e a


concessão de financiamento, pelo agente financeiro do SAHS, a quem:

I - tenha efetuado outra operação no SAHS; e

II - seja proprietário, promissário comprador, promissário cessionário ou cessionário de


direitos, exceto se em condomínio com terceiros por motivo de herança, de qualquer imóvel
situado no município de seu domicílio, naquele em que pretenda fixá-lo ou nos que lhes
sejam contíguos.

Art. 17. A operação habitacional básica do SAHS, formalizada na forma prevista no art. 19,
será precedida de instrumento particular lavrado pelo agente financeiro, do qual constarão
as obrigações:

I - do candidato à aquisição da habitação social ou do lote social ou do arrendamento


mercantil da habitação social quanto à manutenção da conta de depósito de poupança
habitacional, no montante e no prazo constantes da carta de credenciamento expedida pelo
agente operador do FAHS, bem assim as referentes à aceitação da doação com encargos
dos CAH's, as derivadas do mútuo que lhe for concedido ou do arrendamento mercantil que
contratar e as relativas à conservação e utilização do imóvel;

II - do Estado, Distrito Federal ou Município quanto à utilização parcial de suas quotas no


FAHS, para emissão e doação de CAH's vinculados à aquisição ou arrendamento mercantil
de habitação social construída na conformidade de projeto aprovado pelo respectivo
governo ou à aquisição de lote social;

III - do FAHS quanto à doação com encargos dos CAH's, no valor, no prazo e nas demais
condições que forem pactuadas; e

IV - do agente financeiro quanto à concessão do mútuo, no valor, no prazo e nas demais


condições que forem pactuadas.

§ 1º Constituirão encargos do donatário de CAH´s:

a) manter e conservar a habitação social ou o lote social;

b) residir, com seus familiares, na habitação social; e

c) cumprir, regularmente, as obrigações que assumir no mútuo de que trata o inciso IV ou no


arrendamento mercantil.

§ 2º O instrumento particular de que trata este artigo regulará o procedimento nas hipóteses
de:

a) rerratificação, para alteração de prazos, valores ou outras condições; e


b) distrato, que importará na entrega, ao depositante, no prazo de doze meses, do saldo da
conta de poupança habitacional e na anulação das demais obrigações pactuadas.

Art. 18. A relação entre o valor da doação com encargos em CAH's, a que se refere o inciso
II do art. 14, e o valor da operação habitacional básica, que em nenhuma hipótese poderá
exceder a 90%, será calculada de acordo com a aplicação da seguinte fórmula algébrica:

(A + (N x P) + (D x Y)), em que:

"V" é o valor da operação habitacional básica;


"A" é a diferença entre 1,25 e a raiz quadrada do quociente de V por 20.000;
"N" é o número de meses pelo qual o candidato se obrigará a efetuar depósitos na conta de
poupança habitacional, o qual deve respeitar o disposto no § 3º do art. 6º;
"P" é um índice que representa o prêmio pelo prazo de espera do candidato, para receber a
doação em CAH's;
"D" é a razão entre os depósitos na conta de poupança habitacional e o valor da operação
básica, e não pode ser inferior ao valor mínimo determinado nos termos do § 1º ; e efetuado.
"Y" é um índice que representa o prêmio pelo esforço de poupança efetuado pelo candidato.

§ 1º Os valores mínimos de “D”e os índices “P” e “Y” são determinados em função do valor
da operação básica, de acordo com a seguinte tabela:

V (Valor da op. Básica, em R$) D (mínimo) P Y


até 6.000 5% 0,75% 0,15
Maior que 6.000 e até 12.000 10% 0,75% 0,15
Maior que 12.000 e até 18.000 15% 0,75% 0,15
Maior que 18.000 e até 24.000 20% 0,75% 0,15
Maior que 24.000 e até 36.000 25% 0,50% 0,10

Art. 19. A operação de compra e venda de habitação social ou lote social e da respectiva
hipoteca ou alienação fiduciária em garantia, bem assim a de arrendamento mercantil de
habitação social, será formalizada em instrumento particular lavrado pelo agente financeiro
do SAHS e que terá força de escritura pública para todos os fins de direito, não se lhe
aplicando a norma do inciso II do art. 134 do Código Civil.

Parágrafo único. Caberá ao agente financeiro providenciar a documentação necessária à


lavratura do instrumento a que se refere este artigo, sem qualquer ônus para o adquirente
de habitação social ou lote social ou o arrendatário de habitação social.

Capítulo VII

Dos Ilícitos Penais

Art. 20. Incorre na pena de que trata o art. 20 da Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986, quem
autorizar, efetuar ou, de qualquer forma contribuir, para que seja efetuada a doação de
CAH's ou a concessão, no âmbito do SAHS, de mútuo, com violação dos preceitos dos
incisos I a V do art. 7º, do art. 16 e do art. 18.
Capítulo VIII

Das Disposições Transitórias e Finais

Art. 21. Às operações de financiamento imobiliário de que trata esta Lei e realizadas
conforme a Lei nº 9.514 , de 20 de novembro de 1997:

I - não se aplicam as disposições da Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964, e as demais


disposições legais referentes ao Sistema Financeiro da Habitação - SFH, ressalvado o
disposto
no § 2º, art. 7º; e

II - aplicam-se as disposições dos arts. 29 a 41 do Decreto-lei nº 70, de 21 de novembro de


1966.

Art. 22. O valor da doação com encargos efetuada, nos termos do disposto nesta lei, pelo
FAHS incluir-se-á, como crédito desse Fundo:

I - na dívida de que trata o § 3º do art. 27 da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997;

II - no montante da despesa a que se refere o § 1º do art. 32 do Decreto-lei nº 70, de 21 de


novembro de 1966; e

III - na dívida objeto de execução de garantia hipotecária promovida na forma prescrita pelo
Código de Processo Civil.

Art. 23. A imunidade tributária da União abrange o FAHS.

Art. 24. As quotas do FAHS são absolutamente impenhoráveis e não poderão, sob pena de
nulidade plena, constituir objeto de garantia de qualquer espécie ou natureza.

Art. 25. O Poder Executivo baixará o Regimento Interno do Conselho de Administração do


FAHS.

Art. 26. Esta Lei entrará em vigor noventa dias após a data de sua publicação.

Art. 27. Revogam-se as disposições em contrário.

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