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o mundo onde ela vive. Essa ação é a brincadeira e os jogos de
regras, que a prepara para a fase da autonomia.
A criança brinca com o que lhe parece ser interessante. Desde os
primeiros meses de vida ela começa a perceber o mundo e a
aprender sobre este, transformando os objetos no qual ela tem
contato em brinquedos; em instrumentos de brincar. Às vezes, ela
utiliza um objeto para brincar, mas pode ser algo mais abstrato como
uma música, uma fala, uma expressão popular ou científica. Por meio
da brincadeira ela inventa um mundo novo, para entender o mundo
real.
Lembremos de um seriado a TV Cultura “O mundo da Lua”, em
que o personagem principal, Lucas, de 10 anos, cria e constrói
sempre um mundo imaginário, onde tudo é possível. Sempre que
surge uma dúvida a respeito de algo que o incomoda, ele cria por
meio de uma brincadeira um mundo novo, que o possibilita criar,
responder suas próprias perguntas, sem precisar da ajuda de um
adulto.
Nos jogos de regras, as normas do jogo já vêm prontas,
normalmente definidas por um adulto. Entretanto, as crianças sempre
inventam um jeito novo de jogar, e interpretam as regras à sua
maneira criando novas possibilidades. Mesmo quando há a supervisão
de um adulto, nota-se com freqüência que as respostas “prontas”
dadas às possíveis dúvidas das crianças, não as satisfazem. Elas
sempre querem saber mais e inventar mais.
A brincadeira do faz de conta permite à criança entender, por
exemplo, como se comportam os animais, como é ser um bombeiro,
um policial, em fim, tudo aquilo que não faz parte da sua vivência. A
brincadeira é portanto algo próprio da infância, um instrumento
cognitivo que permite a criança compreender o mundo que a cerca.
No âmbito educacional, a prática da brincadeira e dos jogos de
regras, possibilita a criança a desenvolve sua autonomia cognitiva,
sua capacidade de ir em busca do conhecimento, de saciar suas
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dúvidas. Na Pedagogia da Autonomia (1996), Paulo Freire ressalta a
importância de os professores incentivarem a autonomia cognitiva do
aluno, como fundamental para seu desenvolvimento. Na educação
infantil os materiais pedagógicos, são basicamente utilizados pelos
educadores, como brinquedos que possibilitam as crianças
desenvolverem seu raciocínio e sua capacidade de aprenderem por si
só, mesmo que haja a supervisão do adulto.
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preparação se dá por meio da indagação, ou seja, da pergunta, que
levará à investigação daquilo que se deseja saber. Essa prática
conduz a uma reflexão filosófica, e a uma preparação para a Filosofia
da academia, pois a criança desenvolve seu pensamento, seu
raciocínio lógico e crítico; ela aprende a pensar corretamente.
Nesse contexto, há uma crítica da pesquisadora Pulino, autora do
artigo “A brincadeira, o jogo, a criação: crianças e adultos filosofam”
(2005). O ensinar a filosofar proposto nas obras de Lipman, são alvos
de crítica da autora em questão. Ela propõe um filosofar com crianças
e não um ensinar a filosofar por meios de métodos prontos, que não
exploram a autonomia investigativa da criança. Caso a filosofia na
infância seja feita da segunda maneira, ela se torna um dogma e não
cumpre o que propõe, que é justamente levar a criança a desenvolver
seu raciocínio autônomo e reflexivo. Conforme Pulino, só é possível
essa prática, ou seja, filosofar com crianças, quando os adultos se
comportam como crianças e vão em busca de respostas para seus
questionamentos.
Mas como filosofar com crianças? A brincadeira e os jogos de
regras são, segundo Pulino, uma das maneiras mais proveitosas de
atrair a criança para o mundo da reflexão filosófica. Pois parte de
uma vivência da própria criança, para resolver problemas e questões
elaborados por elas mesmas, em que elas buscam suas próprias
respostas. É nesse sentido que os adultos devem entrar na
brincadeira.
A brincadeira é utilizada na prática filosófica como meio de
aprender a investigar, de raciocinar reflexivamente, de construir os
seus próprios conceitos e de desfazê-los. Nesse processo de filosofar
brincando, a criança desenvolve um espírito crítico sobre tudo aquilo
que lhe é imposto pela sociedade; por exemplo, em um jogo de
perguntas e respostas, em que, o que se quer saber é: o que só
meninos usam? Com essa brincadeira por exemplo, a criança e até
mesmo o adulto, reflete sobre seus conceitos, descobre o que o outro
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pensa sobre esse assunto e chega a uma idéia, que nesse caso pode
levar a eliminar preconceitos sobre o que é ser do sexo masculino.
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inicial de qualquer reflexão filosófica. A partir daí iniciam uma
investigação. Elas levantam as possibilidades, ligam as varias
perguntas e repostas por meio de um raciocínio lógico e chegam a
uma conclusão. Essa é uma forma de exercitar a reflexão filosófica.
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cada idéia apresentada, ou seja, se estão corretas ou erradas, sem
querer impor alguma regra ou verdade, se autocorrigir ou mesmo
modificar seu pensamento. Ele gera tensão entre o questionamento e
a resposta, pois a resposta não é suficiente, não resolve e nem
conclui, ela pode ser palco para outros questionamentos. Nesse
sentido, a pergunta gera uma resposta e a resposta gera uma
pergunta, ou seja, o dialogar é uma dialética, e não precisa ser
concluído com um consenso ou uma resposta única.
O diálogo gera-se, constrói-se e cresce na
intertroca, mas não necessita ‘fechar-se’, chegar a
uma conclusão ou resposta com a qual todos
concordem: no diálogo explicitam-se as
diferenças, mas não se aponta para a sua
dissolução, superação ou para deixá-las de lado,
porque o que se privilegia é a tensão que o
pensamento gera, com o próprio eu e com os
outros. (Waksman, 2005, p.180)
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fundamentar teoricamente o papel da filosofia na educação das
crianças, o autor desenvolveu uma metodologia e um currículo
específicos, destinados às escolas. Dessa forma, institucionalizou uma
nova área de interesse da educação (e por que não dizer, da própria
filosofia?): o de fazer filosofia com crianças.
A proposta, que chegou ao Brasil na década de 80, é
atualmente aplicada em mais de 30 países do mundo, tendo inspirado
críticas e alternativas. Da mesma forma, muitos dos estudos,
dissertações e teses a que deu origem pretendem hoje questionar
suas bases, sua metodologia e prática.
Podemos observar que a Comunidade de Investigação proposta
pelo método de Lipman tem por fundamental o diálogo. Obviamente,
não se trata de um diálogo simples ou qualquer, mas algo “criterioso
e equilibrado”. Fatores que enfatizam a importância do papel do
professor no desempenho lógico dos alunos, promovendo através de
tais exercícios a aprendizagem do pensar. Porém, tal método nos
desperta a seguinte questão: Até que ponto a função do professor é
algo que constitui garantia suficiente na “Comunidade de
Investigação” de que não cairá num processo manipulador ou de
doutrinação?
De acordo com Silveira, o método de Lipman não anula ou
elimina a doutrinação, mas a dissimula, o que a torna mais eficaz. Tal
método, proposto pelo material didático realiza nada mais ou nada
menos que a internalização da ideologia dominante. O que significa
cumprir com uma função política, uma vez que procura “educar
crianças” de modo a internalizar valores, comportamentos, etc,
considerados ideais para a sociedade. O que seria a produção de
“bons cidadãos” que internalizam, aceitam, obedecem e cumprem.
A doutrinação ou dogmatismo, certamente, é uma questão
muito delicada, pois quem quer que ensine, ensina valores. A
transmissão de valores, inevitável em si é necessária e até certo
ponto desejável. Dessa forma, precisamos reconhecer que
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independente à consciência do professor e das crianças, em ambos
há um princípio de doutrinação. Afinal, ao chegar à escola, crianças e
professores trazem consigo valores, opiniões, crenças, visões de
mundo que constituem elementos ideológicos da sociedade; devemos
considerar que nem mesmo os materiais didáticos do Programa de
Lipman fogem a tal situação. “... É o risco que define a função
docente: será que fiz tudo para fazer dos meus alunos os homens
que eu desejaria que eles fossem?” (Snyders, 1984, 29). Assim,
segundo Silveira, Lipman se preocupa em descrever como “deve ser”
uma educação filosófica para crianças, partindo de quatro conceitos:
filosofia, investigação, diálogo e educação democrática. Segundo o
autor, faz-se filosofia quando se praticam regras que se definem
pelos parâmetros lógicos e meta cognitivos de um diálogo ou uma
investigação. Identifica também como filosóficas as perguntas que
questionam um tema comum (que tenha a ver com todos os seres
humanos e não apenas com alguns poucos), central (que despreze
detalhes ou particularidades sem maior significado, e coloque
questões de importância para a vida, tais como: liberdade, vida,
morte, amizade) ou controverso (capaz de gerar uma polêmica nunca
esgotada pela investigação).
Além disso, segundo pesquisas de Silveira, a comunidade é o
único lugar que Lipman admite como ideal do diálogo filosófico, que é
o caminho autêntico para se fazer filosofia. O autor entende que uma
pessoa se constitui pelas normas e valores que adquire no convívio
social, por isso, é de suma importância cultivar atitudes democráticas
e filosóficas na sala de aula, na comunidade de investigação, para
que se possam formar alunos com ideais democráticos e atitudes
filosóficas. É de suma importância o estabelecimento de tal
comunidade, já que, ao estimular o que ele chama de «diálogo
filosófico», ela forneceria desenvolvimento ao modelo ideal de
sociedade, que, por sua vez, produziria o modelo ideal de indivíduos.
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Dessa maneira, pode-se observar que Silveira critica toda a
proposta de Lipman é a concebe como definida por “modelagens”,
pela busca de um ideal de homem a ser alcançado através da
educação filosófica das crianças. Por isso, critica a concepção de
ensino-aprendizagem baseada apenas na transmissão de conteúdos,
que ele considera um processo passivo de aprendizado. Reforça sua
crítica ao dizer que o programa “filosofia para crianças” seria o
produto da interação entre os interesses, problemas e inquietudes
das diferentes faixas etárias e aquilo que a metodologia lipmaniana
preparou para desenvolvê-los “adequadamente”.
Em suma, Silveira afirma que Lipman define sua proposta como
uma inovação pedagógica, porém intenciona impô-la como uma
tábua de salvação para aquilo que considera ser um modelo
educativo naufragado. Traz uma “receita de bolo” já pronta e
acabada que serviria para estimular o interesse cognitivo dos alunos,
tão acomodado pelas metodologias das aulas tradicionais, porém, não
intenciona discutir a aplicação de seus “ingredientes”, empurrando-os
“goela abaixo” dos alunos e professores pelo uso das novelas e
manuais. Esvazia o questionamento filosófico da subjetividade
necessária para a sua realização, substituindo-a por um “diálogo
filosófico” artificial e fabricado, por uma metodologia de “solving
problems”. Subtrai a possibilidade de criação, de transformação e de
verdadeira inovação.
Bibliografia
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______. A filosofia vai à escola. São Paulo, Summus Editorial, 1990.
RENÊ, José, T. Silveira. A capacitação do professor no “programa de
Filosofia para crianças” de M. Lipman: abordagem crítica: Ensino
de Filosofia, perspectivas 1. ed. Belo Horizonte, Autêntica, 2005.
PULINO, Lúcia Helena Cavasin Zabotto. A brincadeira, o jogo, a
criação: crianças e adultos filosofam.
SNYDERS, G. Escola, classe e luta de classes. Lisboa. Moraes, 1986.
WAKSMAN, Vera. Da Tensão do pensar: sentidos da filosofia com
crianças. In: KOHAN, Walter. Ensino de filosofia ______(org.)1a.
ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. p.171 -180.
www.tvcultura.com.br, acesso em 01/02/2006.
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