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A RELAÇÃO ENTRE FILOSOFIA E SOCIEDADE NA INTRODUÇÃO

À FILOSOFIA DO DIREITO DE HEGEL

Ediovani Antônio Gaboardi*


gaboardi@upf.br

O objetivo deste texto é discutir como Hegel apresenta a


relação entre Filosofia e sociedade no famoso prefácio à sua Filosofia
do direito.1 Pretende-se verificar que papel Hegel atribui à filosofia no
seu contato com a realidade, tanto no sentido estritamente teórico (o
objeto e o método da filosofia que investiga a sociedade) quanto no
sentido prático (a tarefa própria da filosofia enquanto um elemento
inserido na sociedade). No esclarecimento destes pontos, abordar-se-
á alguns aspectos do conceito hegeliano de filosofia, exposto no
mencionado texto, nos quais ela aparece vinculada às noções de
racionalidade, universalidade, realidade e verdade. Isso significa que
uma das grandes questões será verificar em que medida a
abordagem hegeliana limita a filosofia a uma descrição totalizante
das instituições sociais em tonalidade conservadora. Já se pode
adiantar que a resposta a essa questão dependerá de como se
compreende o conceito hegeliano de filosofia e próprio modo como o
autor o vincula ao desenvolvimento social.
Para Hegel, o que distingue sua abordagem da sociedade das
demais é o método, especialmente por que, em sua avaliação, a
rejeição dos modelos antigos, realizada em sua época, levou “[...] a
falar arbitrariamente desde o coração, da fantasia ou de uma intuição
acidental; porém, posto que também aqui deve haver reflexão e
relações entre pensamentos, recai-se inconscientemente no
depreciado método da dedução e do raciocínio vulgares” (Hegel,

*
Professor da Universidade de Passo Fundo
1
Neste trabalho, essa indicação refere-se à obra: HEGEL, G.W.F. Principios de la
filosofía el derecho ou derecho natural y ciencia política. Trad. Juan Luis Vermal.
Barcelona: Edhasa, 1988. Para facilitar a leitura, as citações apresentam-se
traduzidas para o português (pelo próprio autor deste texto).
1988b, p.40). Como se pode ver, o problema que o autor atribui às
abordagens do social de sua época vincula-se ao seu caráter
arbitrário que, por não encontrar um suporte em algo mais, só pode
buscá-lo em elementos da subjetividade (coração, fantasia e
intuição). Entretanto, Hegel não vê nas abordagens, por assim dizer,
emotivistas, um contraposto ao método racional. Para ele, essas
outras propostas estão no grupo daquelas em que o método não foi
adequadamente refinado. Com isso, a oposição deixa de ser
qualitativa para ser de grau. Ou seja, também há raciocínio nas
outras propostas, mas de forma incipiente e pouco autoconsciente.
Assim, o método que Hegel pensa ser necessário à tematização do
social seria resultado de um desenvolvimento cuidadoso das
categorias que organizam o pensamento e também a realidade,
expostas por ele mesmo em sua Ciência da lógica (Cf. Hegel, 1988a),
que por isso é um pressuposto à sua Filosofia do direito.
Dessa forma, para Hegel a filosofia não pode abordar a
sociedade a partir de representações recolhidas aqui e ali, destituídas
da ordem sistemática que resulta de uma orientação metodológica
claramente definida desde o início. Assim, como se pode ver Hegel
assume o ideal de uma filosofia que aborda o real com fins
sistemáticos. O fundamental é demonstrar qual é a ordem por trás do
social (a eticidade), disponível apenas àquele que encontra a forma
correta de abordá-lo.
Entretanto, por outro lado o filósofo não aceita o ponto de vista
segundo o qual o método é algo aplicável a partir de fora da realidade
com a finalidade de organizá-la segundo critérios externos. Para ele,
em ciência “[...] a forma está essencialmente ligada ao conteúdo”
(1988b, p.41). Assim, o método com o qual se organiza as
representações do real é na verdade uma abstração da ordem
subjacente à própria realidade. Quando alguém pretende deixar de
lado qualquer critério formal de representação da realidade, para
captar a verdade em sua simples pureza, o que faz é valer-se de
outros critérios, inconscientemente assumidos como os mais
adequados (e, portanto, pretensamente também condizentes com a
realidade), sem tê-los submetido a uma avaliação criteriosa. Dessa
forma, uma filosofia que visasse tratar diretamente da realidade, sem
preocupar-se com seus pressupostos, poderia produzir apenas
representações arbitrárias, de modo algum superiores a qualquer
opinião vulgar.
Num outro momento de sua argumentação, Hegel apresenta um
primeiro ponto de vista a respeito do propósito da abordagem
filosófica da realidade social. Para ele,
[...] a verdade sobre o direito, a eticidade, o Estado, é tão
antiga como seu conhecimento e exposição nas leis públicas,
na moral pública e na religião. Dado que o espírito pensante
não se contenta com possuí-la desse modo imediato, o que
mais necessita esta verdade é que se a conceba, que se dê
ao conteúdo, já em si mesmo racional, uma forma também
racional, para que apareça assim justificado ante o
pensamento livre, que não se detém ante algo dado, apoiado
na autoridade positiva do Estado, ou no acordo entre os
homens, ou na autoridade do sentimento interno e do
coração, ou no testemunho da aprovação imediata do
espírito, senão que parte de si mesmo e justamente por isso
exige saber-se unido no mais íntimo com a verdade (1988b,
p.41-2).

Como se pode ver, o papel da filosofia não é propor um critério


a partir do qual as instituições sociais devem ser construídas, mas
fornecer a um ordenamento social sua autojustificação. Caberia à
filosofia, assim, reconstruir racionalmente o que foi resultado de um
processo histórico aparentemente contingente, apresentando a lógica
que na verdade esteve desde sempre subjacente aos acontecimentos
e que, por isso mesmo, dá suporte ao que se construiu como
conclusão deles. Mas, poderíamos perguntar, qual a relevância desse
tipo de empreendimento? Estando a realidade social já configurada,
sem a interferência da filosofia, por que esta deveria surgir depois
para justificar aquela? Ao que Hegel responde:
O comportamento simples da alma ingênua consiste em ater-
se, com um convencimento confiante, à verdade
publicamente reconhecida e edificar a partir destes sólidos
fundamentos um modo de atuar e uma posição firme na
vida. Contra este comportamento simples se apresenta a
suposta dificuldade de distinguir e encontrar o
universalmente reconhecido e válido entre as opiniões
infinitamente diferentes. Com facilidade pode-se tomar esta
dificuldade como uma correta e verdadeira preocupação pela
coisa mesma. De fato, sem embargo, para quem faz alarde
dela, a árvore impede de ver o bosque, e a única confusão e
dificuldade que há é a que ele mesmo organizou (1988b,
p.42).

Hegel mostra aqui que, sem uma abordagem filosófica,


estabelece-se como fundamento da ação em sociedade algo recolhido
entre as opiniões publicamente reconhecidas. O problema é que,
lidando com meras opiniões, gera-se uma variedade de posições que
aparentemente impede que se encontre o que é universalmente
válido. E, o mais interessante, os que constatam essa dificuldade são
os mesmos que a provocam: não são capazes de conceber a
universalidade devido ao fato de basearem suas abordagens em
pontos de vista particulares. Assim, ao que tudo indica, o papel que a
filosofia possui, mesmo ao simplesmente reconhecer o fundamento
autojustificador da realidade social, é revelar aos indivíduos aquilo
que fundamenta e mesmo dá sentido, de um ponto de vista
universal, a suas próprias ações. Entretanto, tal fundamentação,
como se viu, não é possível se se buscar suporte no contingente e no
particular. Esse tipo de abordagem produz antes o oposto do que
quer produzir: busca fundamentar a ação (orientá-la de algum
modo), mas impende qualquer fundamentação por elevar a princípio
o que é apenas particular e contingente.
Nesse ponto, Hegel se põe contra aqueles que consideram que
“[...] o pensamento só é tal e só se sabe livre na medida em que se
alheia do universalmente reconhecido e válido e se inventa algo
particular” (1988b, p.43). Em outras palavras, Hegel não admite a
possibilidade de uma filosofia revolucionária, no sentido de uma
filosofia engajada na tarefa de modificar a realidade em vista da
realização de um princípio determinado. Para ele, conforme o ponto
de vista desse tipo de filosofia, “[...] há que começar agora desde o
princípio – e este agora continua indefinidamente –, e [...] o mundo
ético esperou até este momento para ser pensado, investigado e
fundamentado” (1988b, p.43). Aqui, o espírito pensante, aquele
mesmo que, para Hegel, promove a iniciativa de fundamentar o social
para além de elementos estranhos à razão (autoridade, acordo,
sentimento, etc.), é conduzido numa direção inadequada, em que
nada daquilo que existe pode ser reconhecido como produto seu, em
que é preciso relativizar todas as coisas, para reconstruir, a partir do
nada, uma realidade social apenas idealmente acessível no presente.
Contra este modo de filosofar, Hegel observa que “a respeito da
natureza, se concede que a filosofia deve conhecê-la tal como é, que
a pedra filosofal está oculta em algum lugar, porém sempre na
natureza mesma, que é em si mesma racional e que o saber,
portanto, deve investigar e apreender conceitualmente essa razão
real presente nela [...]” (1988b, p.43). Quer dizer, quando se trata
da natureza, todos concordam que se deve deixar de lado a
postulação de ideais e buscar a ordem presente na própria realidade
existente. A razão, assim, tem aqui a tarefa não de imaginar como a
natureza deve ser, mas como de fato ela é, segundo o desenrolar
natural de sua lógica interna. Em contraposição, continua Hegel, “o
universo espiritual estaria, pelo contrário, abandonado de Deus, de
tal forma que para este ateísmo do mundo ético o verdadeiro se
encontra fora dele, porém como ao mesmo tempo deve ser também
razão, permanece só como problema” (1988b, p.43). Em outras
palavras, ao tratar da sociedade a filosofia não poderia aceitar o
mundo existente como objeto de estudo, pois este seria resultado de
processos contingentes e, portanto, não conteria a racionalidade que
se procura. Assim, como esta racionalidade não pode ser encontrada
em parte alguma, permanece interna à razão, enquanto um problema
que ela representa para si mesma. E continua Hegel, é “este agitar-
se da reflexão e da vanidade [...] [que leva a] filosofia em geral a um
descrédito e a uma depreciação geral” (1988b, p.44). Ou seja, o fato
de a filosofia ater-se a representações distantes da realidade
transforma suas elaborações em reflexões vazias e vãs, em nada
capazes de sobrepôr-se a quaisquer outras elaboradas pelo senso
comum. Não é possível, conseqüentemente, ver nela um elemento
que a torne superior às opiniões que são construídas aqui e ali pelos
indivíduos.
Para Hegel, este estilo de filosofia “com o fácil remédio de fazer
descansar sobre o sentimento o que é um trabalho mais que milenar
da razão e de seu entendimento, poupa-se, em verdade, todo o
esforço do conhecimento e da compreensão racional que
acompanham o conceito pensante” (1988b, p.45). Hegel vê a
realidade social como o resultado de um processo árduo de
construção racionalmente orientado. É justamente esse processo que
precisa ser compreendido e recuperado pelo pensamento. Tratar da
sociedade a partir de sentimentos ou de quaisquer outros elementos
estranhos à realidade equivaleria a negligenciar aquilo que a razão
construiu concretamente em prol do que é simplesmente postulado a
partir de uma perspectiva história e social particular. E, assumindo
este perfil, a filosofia permanece ainda investigando as questões
relativas ao Estado apenas devido à tradição ou pela indiferença por
parte dos governantes (Hegel, 1988b, p.47), já que a expectativa
mesma de que algum conhecimento profundo e adequado à ordem
social vigente será construído foi perdida.
Esse fenômeno, a princípio, parece não ter importância, afirma
Hegel. Entretanto, por ele “[...] o direito é deslocado aos fins e
opiniões subjetivos, ao sentimento subjetivo e à convicção particular
[...], [tendo] como conseqüência a destruição tanto da eticidade
interior e da consciência jurídica, do amor e do direito entre as
pessoas privadas, como da ordem pública e das leis do Estado”
(1988, p.48). Como se pode perceber, segundo Hegel a razão
construiu o Estado e todos os demais aspectos da ordem social
vigente. O problema é que, quando essa realidade não é reconhecida
pelos indivíduos em sua racionalidade, impede-se que eles nutram
em sua interioridade e nas ações socialmente relevantes aquela
racionalidade da qual, de uma forma ou de outra, participam. O
ponto de vista particular, que guia a decisão do indivíduo, assim,
torna-se estranho à ordem que compõe a sociedade em sua
totalidade, levando o indivíduo a agir em desconformidade com ela.
De modo indireto, Hegel também deixa entrever aqui mais detalhes
sobre seu ponto de vista em relação ao papel social da filosofia.
Como se pode perceber, para ele a filosofia deve fazer com que a
racionalidade presente na sociedade seja também evidente para o
indivíduo, levando-o a agir em consonância com aqueles princípios
construídos com tanto esforço ao longo da história das civilizações.
Hegel analisa também a acusação, dirigida à sua filosofia,
segundo a qual “[...] o conhecimento conceitual de Deus e da
natureza física e espiritual, o conhecimento da verdade – é uma
presunção insensata e pecaminosa” (1988b, p.49). Para ele, essa
acusação só mostra “[...] quão incômodas resultam para uma grande
parte da atividade que deveria ser científica as inevitáveis pretensões
do conceito” (1988b, p.49). Esse ponto é extremamente importante.
Na visão hegeliana, é o próprio caráter do conhecimento filosófico
que o leva a essa pretensão absoluta de conhecer a verdade em sua
pureza. Não se pode construir um conhecimento que pretenda ser
filosófico e que, ao mesmo tempo, não assuma a si mesmo enquanto
expressão plena da verdade. É justamente por isso que, segundo o
autor, “[...] esta autodenominada filosofia, ao qualificar o
conhecimento da verdade como um intento insensato, nivelou todo
pensamento e todo objeto [...]. Desta maneira, o conceito do
verdadeiro ou a lei do ético não são mais que opiniões e convicções
subjetivas” (1988b, p.49). Ou seja, ao negar para si a pretensão de
verdade, a filosofia acaba, ao mesmo tempo em que pretende
certamente apresentar verdades, retirando delas mesmas qualquer
elemento que as possa qualificar como efetivamente superiores às
opiniões vulgares.
Este ponto está diretamente vinculado ao anterior. A filosofia só
pode ser fiel à sua pretensão de verdade abordando o real e deixando
de lado qualquer princípio transcendente enquanto elemento
justificador. Entretanto, isso não significa fazer a filosofia equivaler às
ciências positivas, pretensamente vinculadas à realidade pela via
empírica. É nesse sentido que Hegel analisa a frase “o que é racional
é real, e o que é real é racional” (1988b, p.51). Segundo seu ponto
de vista, “esta convicção a possui toda a consciência ingênua e
também a filosofia que parte dela ao considerar tanto o universo
espiritual como o natural” (1988b, p.51). Para a consciência ingênua,
o real é simplesmente o dado (os fatos sociais). Então, essa
consciência é capaz de ir além e de buscar fundamentos em
princípios que são frutos apenas de seu sentimento interior, e que por
isso são vãos. Para a filosofia, entretanto, “[...] o único efetivamente
real é a idéia. Do que se trata então é de reconhecer na aparência do
temporal e do passageiro a substância, que é imanente, e o eterno,
que é presente” (1988b, p.51). Ou seja, afirmar a equivalência entre
o real e o racional, para a filosofia, só é possível compreendendo o
real, não no seu caráter contingente, mas na sua universalidade e
necessidade, imposta pela idealidade que o subjaz. A República de
Platão, nesse sentido, muito longo de ser a exposição de um ideal
vazio, “[...] não faz mais em essência que captar a natureza da
eticidade grega” (1988b, p.50). Isso significa que, tomar o real pelo
racional, para a filosofia, significa compreender a substância ética que
organiza a sociedade desde o seu interior, expressando-se nos mais
variados fenômenos, mas não se esgotando na contemplação
unilateral deles. Ater-se ao real supõe, em primeiro lugar, a questão
sobre o que é o real. Os fenômenos que simplesmente acontecem
não são reais no sentido de, pelo seu caráter contingente e particular,
não se sustentarem a partir de si mesmos. O real precisa assim ser
procurado por trás de sua aparência, e esta é a tarefa da filosofia.
Isso significa também que não cabe à filosofia tratar das
questões contingentes e particulares ligadas à vida em sociedade.
Com efeito, “estas relações infinitamente variadas que se constroem
na exterioridade graças ao aparecer nela da essência, este infinito
material e sua regulação, não são, sem embargo, objeto da filosofia”
(Hegel, 1988b, p.51). Assim, uma filosofia para fins privados, voltada
a fornecer conselhos aos indivíduos de como melhor conduzir sua
existência particular, é totalmente inapropriada.
O trabalho de Hegel, assim, consiste em conhecer a realidade
social em sua universalidade e necessidade. E, “o ensino que pude
radicar nele não consiste em ensinar ao Estado como deve ser, mas
em ensinar como ele, o universo ético, deve ser conhecido” (1988b,
p.52). Novamente vê-se aqui o papel da filosofia: não construir o
Estado, mas propiciar o reconhecimento da razão que o construiu. “A
filosofia é seu tempo apreendido em pensamentos” (1988 p.52). Isso
significa que a tarefa é elevar a realidade contingente à sua
expressão racional, universal e necessária, reconciliando a liberdade
do indivíduo à substância ética presente, isto é, vendo nesta a
realização daquela.
A razão disso está no fato de que, “no que diz respeito ao
indivíduo, cada um é, de todos os modos, filho de seu tempo [...].
[Então,] se sua teoria vê efetivamente mais além e se constrói um
mundo tal como deve ser, este existirá, por certo, porém só em seu
opinar, elemento dúctil no qual se pode plasmar qualquer coisa”
(1988b, p.52). Observe-se que aqui Hegel vincula o caráter da tarefa
da filosofia ao fato de, no fundo, sua pretensão de verdade invalidar
qualquer abordagem que não tome o real como referência.
Estabelecer certo ideal como critério da tematização da sociedade
implica em produzir um discurso sem fundamento. E, pior do que
isso, na medida em que cada um está desde sempre condicionado ao
seu ponto de vista histórico, esse empreendimento manter-se-ia
inconsciente de seu próprio vínculo com o presente. Usando uma
expressão de Hegel, em tal propósito, o espírito mantém-se alheio a
si próprio. Hegel, assim quer uma filosofia que aborde a realidade
social a partir de um ponto de vista autoconsciente, em que ela
mesma se vê determinada pelos laços universais e necessários que
organizam o real, e que ela, buscando expressar a verdade, só pode
elevar à esfera do pensamento.
É nesse sentido que se pode compreender adequadamente o
tom, talvez, pessimista do famoso enunciado hegeliano: “quando a
filosofia pinta com seus tons cinza [a realidade], já envelheceu uma
figura da vida que suas penumbras não podem rejuvenescer, senão
só conhecer; a coruja de Minerva só alça vôo ao entardecer” (1988b,
p.54). Esse é um resultado inevitável da própria situação da filosofia
frente à realidade. Sendo, por sua própria pretensão de verdade, ela
mesma uma expressão da substância que se desenvolve na
realidade, só pode aparecer quando essa substância mesma já se
esgotou no real. A atividade subjetiva do filósofo não é mais do que o
momento final desse mesmo desenvolvimento. Assim, qualquer
representação que procure para si um refúgio deste processo
universal e necessário, sem dúvida poderá consegui-lo, mas não sem
ser obrigado a deixar de lado sua pretensão à verdade.
Diante disso, a abordagem de Hegel pode-se ser compreendida
como uma tentativa de tematizar o modo como a filosofia pode lidar
com a realidade social a partir do esclarecimento da própria natureza
do saber filosófico, que significa para ele seus limites. A suposição
fundamental de Hegel é que a filosofia assume para si a tarefa de
apresentar a verdade e de fundamentá-la adequadamente. Sendo
assim, ao tematizar a sociedade ela não pode lançar mão de
princípios que estão para além do real, que nesse caso é o
desenvolvimento histórico da civilização. Fundamentar princípios
éticos que valerão como dever para os indivíduos baseando-se em
elementos estranhos à realidade equivale aqui a emitir opiniões
particular e contingentemente circunscritas. Será sempre a tentativa
de fazer valer universal e necessariamente o que é apenas a posição
de algum indivíduo num certo contexto histórico.
Esse é o significado da conclusão negativa do prefácio da
Filosofia do direito: a filosofia não vem antes do real, ela não pode
fundamentá-lo. Ela só pode apresentar como fundamento o que
desde sempre já cumpriu este papel, mesmo que sem manifestar-se
de modo claro aos indivíduos. Aliás, a contribuição que a filosofia
pode realizar é justamente esta: propiciar à sociedade a consciência
de suas próprias determinações. É tornar o indivíduo consciente de si
mesmo, reconhecendo a racionalidade que está por trás da ordem
social da qual faz parte.
A escolha dessa tarefa para a filosofia sem dúvida significaria
uma limitação àquilo que se pretende muitas vezes cumprir com ela
nos dias atuais: fornecer ao indivíduo uma ferramenta para o
aprofundamento de sua relação com o mundo, propiciando que ele se
liberte das representações de um lado, arbitrárias, e de outro,
estrategicamente elaboradas em vista de sua manipulação. A filosofia
aqui teria um papel, por assim dizer, terapêutico, mas em nenhum
sentido sistemático. Seria uma filosofia muito mais preocupada com o
modo como a individualidade pode libertar-se da opressão de poderes
totalizantes como o Estado, a esfera econômica e mídia, etc. Diante
disso, não caberia à filosofia sistematizar o real, mas antes fornecer
aos indivíduos ferramentas para libertarem-se dos diversos sistemas
construídos, em que a subjetividade é, por assim dizer, integrada
enquanto mais um componente com o que contar. Também caberia a
essa atividade terapêutica o papel de levar o indivíduo a tematizar de
maneira mais rica seu cotidiano, visto como algo de mais rico do que
aquelas representações universais e vazias de realidade.
Neste tipo de abordagem, a filosofia sem dúvida deixa de lado
seu ideal sistemático, substituindo-o por um componente
performático: ela deve fornecer uma experiência interessante,
descompromissada com a universalidade e com a necessidade e, por
isso mesmo, adequada à particularidade e à contingência, que
constituem o modo de ser de qualquer indivíduo. Aparentemente, em
relação a esta abordagem a filosofia hegeliana é o adversário mais
claro. Contudo, essa é uma visão bastante apressada da situação. O
conceito hegeliano de filosofia é bastante específico e, mantendo as
pretensões que o definem, talvez suas conclusões não possam ser
negadas. A questão é que certamente é possível falar de filosofia em
outro sentido. Essa filosofia terapêutica ou, enfim, mas voltado à
“qualidade de vida” do indivíduo do que à tematização da sociedade
poderá muito bem encontrar sua própria relevância. E, ao mesmo
tempo, a filosofia hegeliana nos fornece o alerta sobre o caráter
particular e contingente dessa abordagem, o que a impede de
pretender fornecer à sociedade sua verdade e seu dever ser. Assim,
uma filosofia pode tornar-se terapêutica na medida em que recusa
para si (e apenas para si) o ideal da universalidade e da necessidade.
Sem isso, corre-se o risco de fazer da filosofia uma ferramenta para a
absolutização de posições particulares, contaminadas por ideais
religiosos, políticos, classistas, econômicos, estéticos, etc. A noção de
universalidade, assim, deve estar presente também na abordagem
filosófica do particular enquanto um conceito ao menos negativo,
limitando a emergência de conclusões avessas ao que é próprio do
âmbito de investigação pretendido.
Um outro elemento importante da abordagem hegeliana é seu
caráter de autojustificação da realidade, o que leva sua filosofia a
merecer o rótulo de conservadora. Entre nós sem dúvida alimenta-se
a idéia de que a filosofia deve libertar o indivíduo e, como o próprio
Hegel assinala, essa libertação muitas vezes deve assumir
necessariamente o caráter de estranhamento em relação ao que é
socialmente estabelecido. Assim, a noção hegeliana de filosofia
também mostra-se, sob este aspecto, um inimigo direto.
De fato, a capacidade de conceber a própria individualidade na
sua distinção a tudo mais é um passo fundamental no
desenvolvimento da personalidade humana. E, estando a filosofia
engajada nesse processo, nada mais adequado que ela assuma para
si provisoriamente também esta perspectiva. Mas o indivíduo não
pode permanecer eternamente estranho ao seu contexto. Como se
viu, Hegel defende que todos são filhos de seu tempo. Assim,
reconhecer-se como membro da comunidade é também um passo no
conhecimento de si mesmo. Isso significa que a busca por contrapor
o indivíduo ao status quo é unilateral enquanto não revela também
em que medida a situação vigente é o próprio sustentáculo da
identidade individual. Aquele indivíduo que se mantém
completamente estranho às instituições sociais, incapaz de
reconhecer aí algum lugar para si mesmo, falha também na sua
tentativa de libertar-se da sociedade, pois não percebe as teias que o
envolvem e os objetivos alheios que cumpre irrefletidamente.
Autonomia significa aqui dar a regra a si mesmo, mas também
reconhecer quais regras aparentemente dadas são no fundo também
próprias.
Por fim, cabe verificar mais de perto a acusação de
conservadorismo da filosofia hegeliana. Como tentou-se mostrar aqui,
ela surge como o desenvolvimento de um conceito de filosofia que a
torna, por assim dizer, serva da verdade, do universal e necessário.
Assim, a filosofia não pode estabelecer como fundamento da
sociedade algo que não seja encontrado como fundamento, ou seja,
algo que não tenha sido erigido como fundamento pelo
desenvolvimento concreto da sociedade. Esta perspectiva ressignifica
a noção de dever ser, obrigando-a a situar-se no próprio interior da
realidade plenamente constituída. Esse dever ser é o que a história
construiu como idealidade, e não aquilo que os indivíduos, a partir de
suas histórias pessoais, vislumbram como o mais adequado. Assim,
perguntada a filosofia sobre qual rumo tomar, não poderá restar para
ela senão a tarefa de revelar o ideal que a sociedade nutriu desde o
início.
Mas ninguém é estranho ao seu tempo. Então, aquilo que é
posto como idealidade num certo momento pode ser fruto de um
ponto de vista particular. Assim, a filosofia hegeliana poderia estar
justificando certo modelo provisório de Estado. Essa questão já foi
posta de muitas formas e de fato faz muito sentido. O problema é
que, do ponto de vista hegeliano, não é possível uma resposta para
ela. A suspeita sobre a validade da ordem estabelecida só é possível
enquanto postulação da algo mais elevado, e isso para uma filosofia
do estilo hegeliano só pode ser apresentado enquanto uma afirmação
arbitrária. Assim, a filosofia hegeliana precisa permanecer fechada
em si mesma. É por isso que a afirmação pessimista do final do
prefácio é extremamente produtiva. Sendo a filosofia uma
reconstrução do real que busca justificar-se nele, não há como fazer
um uso deontológico de suas conclusões. A filosofia apenas pode
revelar a racionalidade imanente às representações aparentemente
contingentes. Se há um dever ser que se pode extrair dela, só pode
ser aquele que é constado no próprio interior do desenvolvimento
histórico. A filosofia é sempre antecedida pelos fatos. Não pode
prevê-los e, portanto, não pode fundamentar qualquer transformação
social.
Essa conclusão negativa sem dúvida gera a pergunta: mas
então de onde vem o fundamento das transformações sociais? A
partir de Hegel, parece que elas ou não são de fato transformação,
mas o desenvolvimento de algo que ultrapassa o indivíduo, ou são
fundamentadas em um outro sentido, não no filosófico. Assumindo a
primeira resposta, resta-nos apenas acompanhar o desenrolar
histórico, sem que haja muito a fazer. Seguindo a outra opção, surge
a necessidade de uma filosofia de outro tipo, que não assuma o
propósito de mostrar o fundamento adequado da ação e que mesmo
assim tenha algum significado prático para o indivíduo.
Por tudo isso, a filosofia hegeliana é simultaneamente o
desenvolvimento completo de uma forma de racionalidade surgida a
muito em nossa cultura em todo seu potencial descritivo e preditivo.
Mas, por outro, é a manifestação interna dos limites que toda
abordagem teórica (ligada à noção de verdade) assume, pretendendo
orientar a ação dos indivíduos em sociedade e escapar à
arbitrariedade das representações deontológicas. Talvez a consciência
dessa dialética seja a verdade máxima a que uma filosofia do estilo
hegeliano possa legar.

Bibliografia

HEGEL, G.W.F. A ciência da lógica. In: ______. Enciclopédia das


ciências filosóficas em epítome. Trad. Artur Morão. Lisboa: Ed. 70,
1988a. v.1.
_______. Principios de la filosofía el derecho ou derecho natural y
ciencia política. Trad. Juan Luis Vermal. Barcelona: Edhasa,
1988b.

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