Iltomar Siviero∗
iltomar@ifibe.edu.br
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Professor do Instituto Berthier (IFIBE), Passo Fundo, RS. Mestre em Filosofia pela
UNISINOS. Membro da Coordenação do Projeto Filosofia nas Comunidades edição 2006.
Em 2005 o IFIBE lançou o projeto Filosofia nas Comunidades, tendo
como tema o Referendo sobre o desarmamento. O Projeto consistiu na
realização de debates de esclarecimento sobre o referendo. O objetivo
principal era oferecer subsídios para que a comunidade pudesse conhecer as
principais posições em torno do assunto e, de modo especial, sobre a
importância de participar do referendo como forma de exercício da
democracia direta prevista na Constituição Federal. O desenvolvimento do
projeto consistiu na realização de um encontro com duração de uma hora,
sendo que, na primeira parte era apresentado o referendo, sua importância
e organização e as principais opiniões favoráveis ao Sim e ao Não na
implantação do desarmamento e, na segunda parte, abria-se espaço aos
presentes para discussão sobre o tema do desarmamento.
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a participação, realização das pessoas e possibilidade de melhorias da
qualidade de vida das pessoas.
Frente a tal situação, bem como, aos equívocos em relação à
política, reduzindo-a à prática dos representantes do legislativo e
executivo, onde a participação é delegada e que nosso compromisso
político se encerra no voto, urge desmistificar e refletir sobre o verdadeiro
sentido da política. Este é o desafio que se apresenta em nosso contexto,
sobretudo, na sua relação com o ser humano, como espaço de confronto
de opiniões e manifestação da pluralidade humana, cuja característica
sintetiza nossa condição de ser humano.
Os passos metodológicos utilizados nas oficinas do projeto foram os
seguintes: 1. Apresentação geral do projeto; 2. Encenações (3) que
apresentem como conteúdo de fundo o que é e qual é a tarefa da
Filosofia, da Ética e da Política; 3. Reconstruir com os presentes sobre o
que é e importância da filosofia a partir da cena 1, sobre o que é e a
importância da ética a partir da cena 2; sobre o que é e a importância da
política a partir da cena 3. 4. À luz das cenas, refletir com os presentes
sobre algumas questões1 que subsidiem a discussão. 5. Avaliação e
conclusão da oficina.
Para a edição de 2007 já está definido o tema que é Filosofia e
Direitos Humanos: contribuição filosófico-pedagógica para o
fortalecimento da luta pelos Direitos Humanos em Passo Fundo. A
perspectiva será de trabalhar a noção afirmativa dos Direitos Humanos,
procurando refletir sobre o jargão “Direitos Humanos só defende
bandidos”. Atualmente, o projeto encontra-se ainda na fase de definição
da parte metodológica.
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As questões foram as seguintes: a) À luz da filosofia, da ética e da política, que
avaliação fazemos do contexto político nacional? Quais os principais desafios? b) Com
base na importância e amplitude da política, que significa votar? O voto é a única forma
de participação política? c) Qual o papel do partido político? d) Quais as grandes
conquistas e vitórias que percebemos na política?
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Implicações Filosóficas presentes no Projeto Filosofia nas
Comunidades
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A posição socrática é bem lembrada pelos estudantes e professores
de filosofia, embora apresente controvérsias acerca do ensino de filosofia
no sentido que não se pode ensinar filosofia, mas convidar para filosofar
e, nessa atitude, dar possibilidade de realização o ato pedagógico. Não é o
caso para este propósito, pois a posição da recusa socrática acerca do
ensino de filosofia estava ligada ao processo de ensino de filosofia
desenvolvido pelos sofistas. Sócrates se opunha ao tipo de ensino que se
propunha a ser desenvolvido somente no âmbito da boa retórica e
apegado a lógica de vendedores ambulantes de saberes. A filosofia para
cumprir sua tarefa deverá estar voltada ao cultivo das virtudes como a da
sabedoria, justiça, fortaleza, temperança, rompendo com os vícios da
ignorância (Cf. REALE; ANTISERI, 2004, p.96-104).
Sócrates é conhecido pela sua atuação em praça pública. É o filósofo
que faz da filosofia uma atividade que se desenvolva no espaço público e
com abordagem das questões e problemas que o ser humano enfrenta.
Sua tentativa era clara no sentido de tornar a filosofia relevante para o
Polis grega, bem como para o próprio ser humano. Através dos dois
momentos de seu método – ironia – Sócrates indagava os transeuntes
que ficavam incomodados com as perguntas levantadas pelo mestre da
Agora. Os transeuntes alcançavam a noção de que as verdades cultivadas
e defendidas não eram verdades eternas, pois as conclusões alcançadas
quase sempre chegavam na certeza da ignorância (só sei que nada sei).
Alcançado este estágio de maturidade estava aberto o caminho para o
segundo momento do método - a maiêutica – exercer a sua arte, da
obstetrícia, na qual os transeuntes podiam dar a luz, por si mesmo, a
novas verdades, com novos fundamentos.
A atitude socrática permite, portanto, que se estabeleça na filosofia
uma noção de relação com o mundo na perspectiva do abalo e
rompimento com posições estagnadoras, incrustadas ideologicamente e
carregadas de “achismos”, ao modo que vivenciamos nas noções de
política durante a realização das oficinas. Neste sentido, a filosofia
recupera a sua essência incômoda, por que ela proporciona a
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problematização e reflexão sobre os fatos e sobre o que dizemos e
pensamos sobre os fatos. Seja em sala de aula seja com grupos diversos
em atividades de extensão, essa noção desencadeia novas visões sobre as
coisas, sobre o ser humano e sobre o mundo.
Os relatos apresentados por muitos participantes revela exatamente
essa posição. Para Débora:
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Entrevista realizada com Débora, estudante do Colégio Estadual Monteiro Lobato. A
entrevista foi realizada pelo monitores das oficinas após a sua realização. As gravações
encontram-se arquivadas no IFIBE.
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Não é o termo que melhor a identifica segundo seus depoimentos a Gunter Gäus em
1964. Na sua posição está a de não se considerar como filósofa, mas como alguém que
pensa sobre a política. Todavia, em suas cartas Gershom Scholem não economiza
perguntas acerca dessa sua posição, levando-a quase que a um “beco sem saída” pelas
suas próprias posições nos textos que escrevera. Cf. respectivamente, ARENDT, 1993, p.
123-143 e COURTINE-DENAMY, 1994, p. 138-140.
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Em relação às atrocidades, Arendt destaca o acontecimento de duas guerras mundiais,
o surgimento de regimes totalitários de governo, entre outros. Acerca dos avanços da
ciência e da técnica, Arendt destaca a criação e explosão da bomba atômica, a chegada
do homem à lua, a automação, entre outros. Sobre essa questão conferir Prefácio e
Prólogo, respectivamente, das obras: ARENDT, Hannah. As Origens do Totalitarismo.
Tradução de Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. ARENDT, Hannah.
A Condição Humana. Tradução de Roberto Raposo, posfácio de Celso Lafer - 10ª ed. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
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Este livro não oferece resposta a estas preocupações e
perplexidades. Respostas são dadas no âmbito da política
prática, sujeitas ao acordo de muitos; jamais poderiam se
basear em considerações teóricas ou na opinião de uma só
pessoa, como se se tratasse de problemas para os quais só
existe uma solução possível. O que proponho nas páginas
que se segue é uma reconciliação da condição humana à luz
de nossas mais novas experiências e nossos temores mais
recentes. É óbvio que isso requer reflexão; e a irreflexão – a
imprudência temerária ou a irremediável confusão ou a
repetição complacente de ‘verdades’ que se tornam triviais e
vazias – parece ser uma das características do nosso tempo.
O que proponho, portanto, é muito simples: trata-se apenas
de refletir sobre o que estamos fazendo” (ARENDT, 2004, p.
13).
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ARENDT, Hannah. A vida do espírito: o pensar, o querer, o julgar. Tradução de Antônio
Abranches et al. RJ: Relume-Dumará, 1991.
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Nas reflexões sobre o pensar Arendt destacou que nossa marca
revela uma característica de se lamentar: “vazio de pensamento”6.
Embora pareça paradoxal, pois para pensar e compreender é necessário
afastar-se do mundo, dos acontecimentos e dos fatos, Arendt nos mostra
que esse afastamento deve ser parcial e provisório. O ser humano vive¸
está, faz parte do mundo. Dessa relação entre ser humano e mundo é que
deve nascer o thaumatzein (o espanto), no meio dos acontecimentos da
vida e do mundo. Portanto, é impossível separar por completo o
pensamento do mundo, até porque as questões e problemas refletidos
filosoficamente emergem do próprio mundo.
A noção de filosofia presente no pensamento de Arendt possibilita
que façamos da filosofia este diálogo com os acontecimentos e fatos que
ocorrem no mundo. Ora, o evento da corrupção, foi um acontecimento
que mereceu(e) nossa atenção. Os elementos de reflexão e discussão
extraídos dele foram sérios, a ponto de perguntarmos sobre a constituição
do próprio ser humano, dos valores e fins que norteiam a sua ação, o que
é política para fazermos dela algo tão danoso ao invés de ser um espaço
de realização do ser humano? Por que a política tende a ser desenvolvida
unicamente como atividade de alguns profissionais eleitos? O que é ética?
O que é filosofia? Em que ambas contribuem para o melhor
desenvolvimento e realização do ser humano e compreensão do mundo?
Estas, entre outras questões, estiveram presente em nossas oficinas.
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Só este ponto mereceria uma longa discussão. Contentamo-nos, por ora, em destacar
que “o pensar significa, antes de mais nada, abandonar momentaneamente o terreno do
senso comum [...]. [...] Ao perguntar: ‘o que o pensamento faz?’, Hannah Arendt
responde: ‘ele descobre ou cria significado’ ” (Cf. SOUKY, 1998, p. 116).
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amplas e críticas sobre os fatos, a segunda situação, em muitos casos, é
perfeitamente tolerável, embora não aceitável. Não foi a experiência que
tivemos nas atividades que realizamos. E nisso está o primeiro elemento
dos alcances que o projeto proporcionou. Muitos participantes, em
entrevistas posteriores, revelaram o grande aprendizado e rompimento do
“sono dogmático” acerca dos temas filosofia, ética e política. Dois
depoimentos merecem destaque. O primeiro diz-nos:
O segundo diz-nos:
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Entrevista realizada com o estudante Jader no Núcleo Educação Estadual de Jovens e
Adultos – NEEJA. A entrevista foi realizada pelo monitores das oficinas após a sua
realização. As gravações encontram-se arquivadas no IFIBE.
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Entrevista com a professora Lucia Desarte. A entrevista foi realizada pelo monitores das
oficinas após a sua realização. As gravações encontram-se arquivadas no IFIBE.
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o crivo da problematização foi bem aceito e possibilitou um crescimento
na criticidade frente os acontecimentos, sobretudo, no campo da política.
Um segundo elemento que merece destaque foi o envolvimento dos
discentes do IFIBE nas oficinas do projeto. Eles participaram desde o
início, inclusive na escolha do tema. Os acadêmicos assumiram as
atividades de preparação como momento formativo, embora se sentiram
inseguros nas primeiras oficinas, mas com o desenrolar das atividades
foram assumindo com maior tranqüilidade, mas sempre desafiados em
realizar oficinas à altura do proposto. No final, a avaliação foi da alegria
de ter participado do projeto, mas, sobretudo, do grande aprendizado que
eles mesmos tiveram no desenvolvimento de conceitos filosóficos com
diversos públicos. O crescimento pessoal foi muito importante para todos
os envolvidos diretamente na realização dos trabalhos.
Um terceiro elemento que merece destaque refere-se a interligação
entre atividade de ensino e atividade de extensão. Estabelecer essa
relação é algo complexo e, muitas vezes, perplexo, porque conceitos
filosóficos, dependendo do método de abordagem, podem resultar em
efeito contrário, ou, como muito se ouve, “os filósofos fala coisas muito
difíceis”. Os depoimentos dos alunos e professores revelaram que os
temas e situações abordados no projeto voltaram à tona em sala de aula.
Oxalá isso possa continuar e que os cursos de graduação pudessem fazer
essa ponte entre ensino e extensão.
Por fim, um outro elemento que deve ser mencionado está no
âmbito da tarefa filosófica. À filosofia cabe a tarefa de ser crítica,
reflexiva, indagadora, a partir da relação entre o ser humano e mundo. Os
fatos e acontecimentos quando questionados e problematizados
transformar-se-ão em temas filosóficos. Essa noção de filosofia não
desmerece, pelo contrário, reforça a necessidade de estar em contato com
os textos escritos pelos filósofos ao longo da tradição, até porque, eles
mesmos, quando escreveram, o fizeram a partir dessa relação com o
mundo. Tal posição repercutiu nos debates entre os próprios discentes
acerca da importância presente na tarefa filosófica e possibilitou que
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estudantes e outras pessoas perdessem um pouco do preconceito em
relação à filosofia diante de seu tratamento como “coisa muito difícil”, que
os filósofos andam sempre no mundo da lua, pois falam coisas que só eles
entendem, enfim, despertou-se para a importância da filosofia em nossa
vida e que ela pode ajudar todas as pessoas e compreender melhor o
mundo e agir de forma mais crítica diante dos fatos e acontecimentos que
se apresentam em nosso contexto.
Bibliografia
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