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CRÍTICA

que passou a ser conhecido como "Holocausto",


LIVROS construiu-se um mito nele inspirado, usado para
interesses políticos do presente. E no mito basea-
ram-se a sua mercantilização e utilização ideológica
O HOLOCAUSTO E O MITO DO para objetivos completamente alheios à sua nature-
HOLOCAUSTO za. Essa manipulação do mito consiste tanto em
pessoas e instituições que ganham ou arrecadam
A indústria do Holocausto, de Norman Finkelstein. dinheiro invocando-o como no seu uso ideológico.
Rio de Janeiro: Record, 2001, 156 pp. Quando judeus de Nova York inventaram Ho-
llywood em 1910, não foi por causa da luminosida-
Gabriel Bolaffi de, nem do clima. Foi para fugir das garras de
Thomas Edison, que se pretendia detentor exclusivo
Ninguém em sã razão ignora que uma parte da patente do cinematógrafo. Também fugiam do
amplamente considerável do povo judeu, pouco sufocante estamento wasp da Costa Leste, para o
antes, durante e depois da II Guerra, tenha sofrido qual eles, italianos, irlandeses e demais imigrantes
horrores indescritíveis e até inimagináveis. As evi- não passavam de necessárias bestas de carga. Pros-
dências cabais, subjetivas e objetivas, os testemu- peraram no "Bosque Santo", próximo de Los Ange-
nhos, fotos, filmes e a própria existência de campos les, e logo passaram a fazer de tudo para dissipar a
de concentração, câmaras de gás e fornos cremató- sua identidade judia. Durante a II Guerra, mesmo
rios, preservados como prova inequívoca das barba- quando os fatos já eram conhecidos, não foi feito
ridades cometidas, repelem qualquer especulação um só filme sobre as atrocidades nazistas contra
"negacionista". Mas também é fato indiscutível que judeus e outros. Em 1945, instado por Eisenhower,
nas últimas três décadas, paralelamente à memória, Truman convidou os proprietários dos principais
ao horror e à tristeza do episódio histórico terrível estúdios a visitar os campos de extermínio, procu-

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rando estimular filmes que divulgassem os fatos. XIX. A primeira instituição judia americana de âmbito
Mas a reação foi negativa1. extralocal, a B'nai B'rith, foi fundada há mais de sécu-
O episódio é emblemático da complexidade da lo e meio, em 1843. Eles sempre construíram sinago-
dinâmica interna do judaísmo americano enquanto gas conspícuas, escolas, clubes, centros comunitários
minoria, que sempre revelou uma ampla multiplici- e bibliotecas, e até a universidade Brandeis. E como
dade de feições. Essa dinâmica somente começaria a qualquer outro grupo, ainda que mais discretamente
conferir-lhe caráter mais unívoco durante a II Guerra do que os demais, logo trataram de montar seu lobby.
e em 1947, com a proclamação do Estado de Israel, Ao contrário dos donos de estúdios cinemato-
recebida com unanimidade entusiástica. Mas alguns gráficos e de muitos outros que optaram pela assimi-
anos depois sobreviriam daí intensos debates sobre lação total e perda da identidade étnica original, a
os problemas da "dupla lealdade" que qualquer maioria dos judeus americanos cultivou suas raízes
apoio ao novo país poderia implicar. O impasse du- judias e sempre deu todo o apoio aos que haviam
rou até a metade dos anos 1950, quando finalmente permanecido na Europa e ao sionismo. Até sindica-
foi superado por uma nova ideologia que norteou tos e partidos políticos judeus de diferentes matizes
uma brusca mudança de rumo. Até então a ideologia de esquerda surgiram nos Estados Unidos desde o
predominante nos Estados Unidos era a do melting início do século XX. Chegou a haver um partido, o
pot, do grande caldeamento étnico do qual resultaria Bund, anti-sionista por sua fidelidade ao marxismo.
uma nova estirpe. Essa ideologia foi substituída, com Houve greves memoráveis, como aquela das operá-
base no relativismo cultural dos antropólogos da rias da indústria têxtil, ou a dos trabalhadores na
época, por aquela do "pluralismo cultural". Ou seja, indústria de peles, cuja solução foi mediada por
cada grupo nacional ou étnico poderia e deveria rabinos. Sempre houve uma imprensa judia, em
cultivar suas raízes e preservar sua identidade en- iídiche e em inglês.
quanto conviveria fraternalmente com os demais sob
Nos anos anteriores e posteriores à II Guerra
a égide da Estátua da Liberdade e dos hinos à sua
formaram-se inúmeras associações de auxílio às
glória. Italianos deixaram de ser mafiosos; irlandeses
vítimas que se empenharam, entre outras coisas, para
puderam até atingir a Presidência do país, mesmo
que o maior número possível de correligionários
dizendo-se católicos; e os judeus puderam passar a
fosse aceito no Novo Mundo (muito embora o
apoiar abertamente Israel, sem o receio de serem
sistema de quotas que limitava a imigração, instituído
acusados de "dupla lealdade". Por coincidência ou
em 1924, ainda dificultasse a entrada de judeus, pois
não, outra "indústria" acabara de ser sepultada:
em 1945 ainda estava em vigor). Entre as associações
aquela do macarthismo.
assistenciais devotas aos judeus que haviam perma-
Norman Finkelstein data o surgimento da "indús- necido na Europa e ao sionismo destacava-se a Joint,
tria do Holocausto" de 1967, após a Guerra dos Seis fundada ainda em 1914, quer para amparar os judeus
Dias, o que é amplamente discutível — como se uma europeus vítimas da guerra, quer para apoiar os
grande empresa pudesse surgir, gigantesca, de um colonos sionistas na Palestina turca de então. Trinta e
momento para o outro: será que ele nunca ouviu falar poucos anos depois, a maioria dessas associações
em fabriqueta de fundo de quintal? Em defesa dessa (até mesmo a Joint, que até onde sei ainda existe)
data ele afirma que até então a Organização Sionista também apoiou entusiasticamente a criação do Esta-
Americana só tinha 25 mil filiados numa população do de Israel, enviando armas, dinheiro e até voluntá-
de mais de 4 milhões. Não posso contestar esse dado, rios. Para tanto não foi necessária, mesmo que
mas posso afirmar que ele é totalmente irrelevante. existisse, nenhuma organização sionista instituciona-
Num país onde sempre imperou a tolerância religiosa lizada. Posso estimar com segurança que no período
(desde que se pertencesse a alguma religião), os ju- 1945-55 o judaísmo americano contribuiu com mais
deus americanos sempre foram muito coesos e bem de um bilhão de dólares, da época, para as vítimas do
organizados pelo menos desde meados do século nazismo e para a causa sionista. Essas doações,
descontáveis do imposto de renda, não requeriam a
(1) Este e outros interessantes eventos são descritos em carteirinha de qualquer organização.
detalhe no documentário Hollywoodism: jews, movies, and the A "indústria do Holocausto" foi surgido aos
American dream, dirigido por Simcha Jacobovici (Canadá,
1998) e baseado no livro How the Jews invented Hollywood, de poucos, a partir dos acordos entre o chanceler
Neil Gabler (Nova York: Anchor, 1989). Konrad Adenauer e o primeiro-ministro David Ben

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Gurion sobre o pagamento de reparações pela Ale- Tito e Nehru, e os pró-soviéticos no Parlamento
manha às vítimas do nazismo e a Israel. Imediata- detinham uma proporção considerável de cadeiras
mente surgiram em todo o mundo plêiades de (incluindo o partido sionista Mapam). Nesse contex-
advogados especializados em pleitear reparações e to, muitos alegavam que as reparações acabariam
engordá-las. Não que fossem aproveitadores, e se significando uma "venda ao Ocidente". Por essas e
alguns o foram isso pouco importa: o fato relevante é muitíssimas outras razões, as relações com os Estados
que com esses advogados, cuja função freqüente- Unidos permaneceram tépidas até 1967. Em 1956,
mente exigia contatos internacionais, surgiu uma quando França e Inglaterra fizeram de Israel seu
rede tênue de interesses constituídos. Por mais legí- testa-de-ferro para tentar recuperar o Canal de Suez,
timo que fosse o objetivo original dessa teia de os Estados Unidos abortaram a operação e impuse-
relações, logo surgiriam condições para que aumen- ram um embargo de armas à região. Até a Guerra dos
tasse sua espessura e nela passasse a se bordar toda Seis Dias, em 1967, o grande fornecedor de armas
sorte de desenhos. Em Israel, obviamente, também para Israel era a Europa, principalmente a França, e
surgiram vários escritórios e instituições com a finali- não os Estados Unidos, mas logo após a guerra o
dade de localizar vítimas, informar sobre procedi- general De Gaulle — procurando uma reaproxima-
mentos e coordenar a obtenção de provas para casos ção com o mundo árabe, uma vez terminada a
mais complexos que envolvessem espólios conside- Guerra da Algéria — também impôs um embargo de
ráveis de empresas ou grandes propriedades. Tudo armas a Israel. Enquanto isso, a penetração soviética
isso, embora necessário e legítimo, também contri- no mundo árabe crescia ainda mais. Ela já vinha
buiu bastante para aumentar o número de "funcioná- aumentando desde a recusa dos Estados Unidos em
rios" do Holocausto. A teia de pessoas envolvidas financiar a barragem de Assuan, no rio Nilo, e a
ampliou-se no mundo todo e fortaleceu-se ainda imediata aceitação do pedido pela União Soviética.
mais quando novas leis e procedimentos foram A partir de 1957 os soviéticos começaram a armar
surgindo e se renovando até 1965. Ainda hoje vivem pesadamente o Egito e a Síria, não só com blindados,
em toda parte pessoas que recebem aposentadorias aviões, artilharia pesada e mísseis, mas também com
do governo alemão (aliás, mais do que merecidas). conselheiros. Ainda assim a política americana para
Paradoxalmente, também há aquelas que jamais com Israel permaneceria muito fria, pelo menos até a
conseguiram as indenizações a que teriam direito guerra de 1967. O governo americano queria evitar
pela legislação de qualquer país — independente- qualquer ação que pudesse prejudicar suas relações
mente de terem sido vítimas do nazismo — em com o mundo árabe, principalmente com os países
virtude da insistente recusa dos governos do bloco produtores de petróleo.
soviético em assumir suas responsabilidades. O as- A Guerra dos Seis Dias, que para Israel não
sunto realmente é complexo (e convém ressaltar que passou de um bem-sucedido exercício militar, e a do
— embora eu esteja convencido de que a rede de Yom Kippur (1973), que significou antes uma der-
interesses que foi se ampliando a partir dos acordos rota psicológica humilhante e não a vitória fácil que
das reparações às vítimas do nazismo constituiu a depois se lhe pretendeu atribuir, alteraram completa-
base que legitimou, até com propósitos honráveis, mente a situação. Na primeira, Israel demonstrou
as distorções e os mitos que se construíram a que, mesmo sem as armas americanas, era perfei-
posteriori — não estou afirmando que ela foi respon- tamente capaz de lidar com o que havia de melhor
sável por eles). no arsenal soviético e com os aviões franceses. Na
Em Israel, embora a idéia das reparações tivesse segunda, ficou evidente que Israel, isolado por uns e
sido lançada ainda em 1945, antes mesmo da procla- por outros, poderia acabar sendo esmagado (e só
mação do Estado, o acordo final não foi recebido conseguiu se sair bem no confronto graças a uma
tranqüilamente; ao contrário, houve oposição vinda complexa ponte aérea para o transporte de armas
de todos os quadrantes, sob os mais diferentes argu- que os Estados Unidos montaram em cima da hora).
mentos. Mas o fato é que durante a década de 1950 Se a primeira guerra mostrou aos americanos que
Israel estava longe de estar alinhado com o Ocidente Israel era um bom investimento militar, a segunda os
e muito menos com os Estados Unidos. O grosso da convenceu de que era necessário fazer dele um
população politicamente informada identificava-se aliado preferencial. A presença soviética no Egito,
muito mais com a Terceira Força preconizada por Síria e outros países já era tão intensa que os Estados

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Unidos sentiram que poderiam contar com a "com- americana2, que, embora com um fôlego muito
preensão" da Arábia Saudita e dos Emirados, tão maior e reconhecendo a existência de um mito e uma
incomodados com aquela presença quanto eles. ideologia do Holocausto, não se ressente dos usos e
Paralelamente a esses processos bélicos e di- abusos feitos a partir dessas mistificações. Com
plomáticos, outro processo estava em curso: o do efeito, numa carta à New York Review of Books
judaísmo na diáspora. Em 1950 o escritor Arthur (15/06/2000) em resposta a uma resenha do seu livro
Koestler lançou o repto aos judeus da diáspora de por Eva Hoffman ali publicada (09/03/2000), Novick
que ou migrariam para Israel ou acabariam se assimi- escreve que ela "equivocadamente afirma que eu
lando aos países e culturas em que viviam, perdendo condivido seus pontos de vista e que assim, eu como
conseqüentemente a sua identidade judia. Koestler ela, consideraria isso tudo uma utilização desrespei-
gerou polêmicas em qualquer parte onde houvesse tosa da memória coletiva do Holocausto e que eu,
judeus e só faltou ser tachado de anti-semita, enquan- assim como ela, lamentaria o uso da memória do
to muitos judeus da diáspora iam progressivamente Holocausto para finalidades relativas ao presente,
se assimilando. Não que assim fizessem por opção particularmente para aquelas que podem ser consi-
deliberada, já que eram levados à assimilação pelo deradas políticas. Nada poderia estar mais longe da
próprio meio social em que se encontravam inseri- verdade". Nessas surpreendentes circunstâncias, não
dos. Tornavam-se crescentemente agnósticos e iam haveria razões para que Finkelstein retomasse fatos já
deixando de falar o iídiche, o ladino e outros dialetos apresentados e esclarecidos por Novick, mesmo se
próprios, pois as condições e as culturas que os com outros objetivos.
haviam gerado desapareceram com a II Guerra. À ge- Entre as denúncias de ambos os autores há
ração nascida na Europa ainda era ativa nas comuni- várias muito curiosas e até engraçadas (embora na
dades da diáspora, mas a essa altura o debate sobre realidade tristes) e outras importantes. É curioso que
"o futuro do povo judeu" já se tornava enfadonho. Elie Wiesel, um dos mais contumazes exploradores
Assim, sobraram apenas a memória e o Holo- do Holocausto, cobre 25 mil dólares mais transporte
causto como essências de identidade do povo judeu. em limusine para fazer uma palestra, como também é
Nessas condições, nada como a caracterização do curioso o fato de que Jesus Cristo Superstar e uma
Holocausto enquanto singularidade histórica única e crítica sarcástica a Henry Kissinger foram incluídos
exclusiva dos judeus e sua transformação em ideolo- entre as "evidências" num relatório da B'nai B'rith
gia e padrão distintivo para ajudar a preservar uma sobre anti-semitismo nos Estados Unidos em 1974. É
memória e uma identidade que progressivamente se claro que enxergar anti-semitismo em todas as partes
dissipavam. (como aliás virou moda também no Brasil de uma
Finkelstein estaria certo se afirmasse que a década para cá, com acusações tolas a Getúlio Vargas
indústria do Holocausto começou a crescer após a e Oswaldo Aranha) também é uma componente
Guerra dos Seis Dias, num terreno eficientemente necessária do mito do Holocausto.
adubado e irrigado, onde já vinha brotando há anos. Mais importantes e dolorosas são as denúncias
Mas, como ele afirma, "houve poucas referências sobre os esforços e pressões para transformar o
explícitas ao Holocausto na mobilização judaico- assassinato em massa dos judeus durante a II Guerra
americana em benefício de Israel antes da guerra", em um fenômeno histórico único, singular e incom-
acrescentando: "a indústria do Holocausto só se parável. Note bem o leitor que no período anterior
difundiu depois da vitória militar esmagadora e do evitei a palavra pela qual aqueles fatos passaram a ser
fluorescente e exagerado triunfalismo israelense". denominados, porque a essa altura estamos todos,
À primeira leitura o livro de Finkelstein pode judeus e não-judeus, convencidos de que de fato o
parecer simplista e sensacionalista (sensacionalismo Holocausto foi realmente único, singular, incompa-
aliás muito estimulado pela capa de mau gosto da rável... e pertence apenas aos judeus. Perante ele
edição brasileira), mas isso, creio, se deve principal- nada significaram o assassinato e a escravidão de
mente ao fato de ele estar polemizando diretamente milhões de africanos e de índios durante o período
com o livro de Peter Novick, O Holocausto na vida colonial, nem os dois milhões de armênios assassina-
dos pelos turcos em 1917-18, nem os 40 a 50 milhões
(2) Novick, Peter. Hollocaust in American life. Houghton de cidadãos russos enviados para o Gulag, nem os 10
Mifflin Co., 2000. milhões de russos mortos na II Guerra, nem os

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ciganos nem mais ninguém. O holocausto judeu foi do mundo, judeus suficientemente educados e infor-
único e singular. Foi tão singular que, em 1995, mados para que, por mais amor que tenham a sua
mencionar o genocídio armênio já se tornara um história e suas tradições e ainda se dediquem a
tabu. Naquele ano, Wiesel, mais um rabino america- cultivá-las, entendam e aceitem a modernidade e as
no e os representantes de duas instituições judias condições e tendências socioculturais do mundo
americanas se retiraram de uma conferência inter- contemporâneo. Estes compreenderão que o de-
nacional sobre o genocídio em Tel Aviv porque os saparecimento de mais um grupo etnocultural na
patrocinadores acadêmicos do evento, ignorando as história da humanidade, se e quando vier a ocorrer,
pressões do governo israelense (a Turquia é aliada de não precisa necessariamente significar uma perda
Israel), haviam incluído o caso armênio no programa. irreparável, tanto mais quando essa mesma humani-
O mesmo Wiesel criticou duramente Shimon Peres dade está marchando em passos lentos mas seguros
por ter equiparado o holocausto de Hiroshima ao para a sua total integração. Eu mesmo sou de origem
holocausto judeu. A obra de Finkelstein está repleta judia, bastante familiarizado com a história interes-
de exemplos contundentes das muitas fraudes inte- santíssima desse povo tanto no passado quanto na
lectuais e financeiras cometidas, mas inevitáveis num era contemporânea, sua literatura, música e folclore.
processo como esse. Certamente faço mais do que rir com piadas judias e
Infelizmente, o livro foi em geral muito mal ainda cultivo muitas tradições, mesmo que de forma
resenhado na imprensa brasileira, na maioria dos laica. Por tudo isso, certamente não estou nada feliz
casos por pessoas visivelmente já rendidas ao mito com as perspectivas da perda da identidade do povo
do Holocausto e à sua ideologia, apresentando uma a que pertenço. Mas posso por isso negar as tendên-
visão bastante distorcida da obra. O mais significativo cias do presente? Tendências, aliás, que podem
é que muitos comentaristas lhe atribuíram um caráter mudar e vir a ser outras.
"negacionista" que ela nem remotamente possui, Terá o desaparecimento dos gregos e romanos
pois em nenhum momento Finkelstein questiona o implicado a perda dos seus classicismos ou até do
genocídio cometido pelos nazistas contra judeus e que havia de pior nas respectivas culturas? Não. Para
outros povos (note-se que ele grafa "holocausto" o bem e para o mal, ainda que muita coisa tenha sido
quando se refere aos terríveis eventos e "Holocaus- perdida, muito foi preservado. Terá o desapareci-
to", com maiúscula, para as distorções que deles vêm mento da cultura do Renascimento na Itália, e, de
sendo feitas). Com efeito, confundir qualquer crítica novo, mesmo do que de pior havia nela, representa-
que se faça a algum comportamento judeu, sionista do outra perda total? Claro que não, pois até as
ou israelense com "negacionismo" vem se tornando a línguas faladas por todos eles ainda estão preserva-
arma mais comum daqueles que carecem de argu- das, para não falar em boa parte da arte e da lite-
mentos ou querem iludir o leitor pouco atento. ratura. E as culturas pré-colombianas, massacradas
Por outro lado, é pena que o autor não tenha pelos europeus num ato que nada deixa a dever aos
levado sua argumentação até a sua última e óbvia nazistas? Delas perdeu-se muitíssimo.
conseqüência: a de que, enfim, Arthur Koestler É claro que ao longo da história se perderam
estava certo. Os judeus dispersos pelo mundo cons- muitas culturas e muito saber, mas isso, como diria o
tituem hoje uma espécie em extinção, como tantas controvertido historiador judeu Flavius Josephus, "são
outras ameaçadas pelo desaparecimento das condi- coisas da vida". Ou, para lembrar um judeu mais con-
ções ecológicas ou socioculturais necessárias à sua trovertido ainda, não será verdade que "tudo o que é
sobrevivência. Ao percorrer a crescente bibliografia sólido se desmancha no ar"? O judaísmo, assim como
sobre o mito do Holocausto, fica claro que sua o cristianismo, há milênios criaram e transmitiram
utilização destina-se principalmente a um esforço valores e ideais muito importantes para a humani-
para tentar conter, por meio de uma memória repeti- dade, mesmo que muitos deles tenham ficado bem
damente distorcida, as tendências à assimilação a que mais no ideal do que no substancial. Mas é preciso re-
estão sujeitos os judeus que vivem na diáspora. conhecer que hoje a capacidade de ambos está esgo-
Eu mesmo hesitei em escrever o período anteri- tada. Em Israel por certo continuará a ser preservada
or, com receio de desencadear turbulências desne- parcela considerável do cabedal histórico e serão sem-
cessárias. Tolice. Refletindo bastante, convenci-me pre criados novos valores intelectuais, influenciados
de que com toda certeza há no Brasil, como no resto ou não pelo passado. Já a diáspora está minguando.

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Então, não seria talvez mais sábio submeter-se lado, como a história tem demonstrado ao longo dos
altivamente aos processos socioculturais em curso no séculos, não existem processos sociais permanentes.
mundo contemporâneo do que forjar lobbies, mitos e Há evolução social, mas não o evolucionismo unili-
ritos para recriar e cultivar uma falsa memória que near nem aquele inteiramente aleatório nos quais
não passa de uma caricatura grosseira e adulterada tantos ainda acreditam. Por isso, nada impede que os
daquela que se pretende preservar? Será um enrique- processos que apontei aqui possam modificar-se
cimento intelectual preservar uma identidade judia para assumir rumos inteiramente diferentes aos do
baseada apenas na memória dos horrores, na sede de presente.
vingança e no temor — que as condições do presente Depois disso, só nos resta concluir com uma
fazem parecer insensato — de novos surtos anti- m e n ç ã o ao escritor israelense Boas Evron, citado
semitas em grande escala? por Finkelstein: "O despertar do Holocausto é atual-
Todas essas considerações não significam em mente uma doutrina oficial de propaganda, um
absoluto que eu esteja me posicionando a favor da martelar de slogans e uma falsa visão de mundo cujo
assimilação do judaísmo da diáspora, e muito menos objetivo real não é compreender o passado, mas
preconizando esse tipo de atitude. Significam apenas manipular o presente".
que considero a assimilação um processo em anda-
mento e que de nada adiantam as tentativas artificiais Gabriel Bolaffi é professor da FAU-USP. Publicou nesta
para pretender frear esse mesmo processo. Por outro revista "Israel: uma população ensandecida" (nº 47).

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