Anda di halaman 1dari 18

Expansão pentecostal no Brasil:

o caso da Igreja Universal


RICARDO MARIANO

início do século XX nos Estados Unidos, o pentecostalismo

F
ORMADO NO
vem crescendo em vários países em desenvolvimento do Sul do Pacífico,
da África, do Leste e do Sudeste da Ásia, sobretudo da América Latina, on-
de o Brasil se destaca abrigando cerca de trinta milhões de evangélicos1.
No Brasil, a expansão pentecostal não é recente nem episódica. Ocorre de
modo constante já há meio século, o que permitiu que o pentecostalismo se tor-
nasse o segundo maior grupo religioso do país. Mas seu avanço não é expressivo
apenas nos planos religioso e demográfico. Estende-se pelos campos midiático,
político partidário, assistencial, editorial e de produtos religiosos. Seus adeptos
não se restringem mais somente aos estratos pobres da população, encontrando-
se também nas classes médias, incluindo empresários, profissionais liberais, atle-
tas e artistas 2. Ao lado e por meio disso, o pentecostalismo vem conquistando
crescente visibilidade pública, legitimidade e reconhecimento social e deitando e
aprofundando raízes nos mais diversos estratos e áreas da sociedade brasileira.
Conforme os Censos Demográficos do IBGE, os evangélicos perfaziam
apenas 2,6% da população brasileira na década de 1940. Avançaram para 3,4% em
1950, 4% em 1960, 5,2% em 1970, 6,6% em 1980, 9% em 1991 e 15,4% em 2000,
ano em que somava 26.184.941 de pessoas. O aumento de 6,4 pontos percentuais
e a taxa de crescimento médio anual de 7,9% do conjunto dos evangélicos entre
1991 e 2000 (taxa superior às obtidas nas décadas anteriores 3) indicam que a ex-
pansão evangélica acelerou-se ainda mais no último decênio do século XX.
Os evangélicos estão distribuídos desigualmente pelas regiões brasileiras.
O Nordeste, com apenas 10,4% de evangélicos, continua sendo o principal redu-
to católico e, por isso, a região de mais difícil penetração protestante, enquanto
o Norte e o Centro-Oeste, com 18,3% e 19,1%, respectivamente, constituem as
regiões em que esses religiosos mais se expandem. Apesar de reproduzir a média
brasileira, o Sul, onde se concentra o luteranismo, tem apresentado os mais bai-
xos índices de crescimento evangélico, sendo que em alguns estados ocorre per-
da relativa de crentes na população. O Sudeste, com 17,7%, mantém-se como
um dos mais importantes pólos da expansão evangélica.
Os principais responsáveis por tal sucesso proselitista foram os pentecostais,
que cresceram 8,9% anualmente, enquanto os protestantes históricos atingiram a
cifra de 5,2%. Com isso, os pentecostais, que perfazem dois terços dos evangéli-

ESTUDOS AVANÇADOS 18 (52), 2004 121


cos, saltaram de 8.768.929 para 17.617.307 adeptos (ou seja, de 5,6% para 10,4%
da população) de 1991 a 2000, ao passo que os protestantes históricos passaram
de 4.388.310 para 6.939.765 (de 3% para 4,1%)4. Embora as taxas de crescimento
do protestantismo histórico sejam inferiores às do pentecostalismo, são muito
elevadas, sobretudo tendo em vista que na década anterior o protestantismo
apresentou taxa de crescimento anual negativa (-0,4). Isto provavelmente deri-
vou de falhas do Censo de 1991, já que não ocorreram mudanças significativas
nas igrejas protestantes de uma década para outra que permitam explicar e justi-
ficar tamanha disparidade dos dados.
As cifras mencionadas indicam que, nesse período, as igrejas pentecostais
souberam aproveitar e explorar eficientemente, em benefício próprio, os contex-
tos socioeconômico, cultural, político e religioso do último quarto de século no
Brasil. Nesse sentido, cabe destacar, em especial, a agudização das crises social e
econômica, o aumento do desemprego, o recrudescimento da violência e da cri-
minalidade, o enfraquecimento da Igreja Católica, a liberdade e o pluralismo re-
ligiosos, a abertura política e a redemocratização do Brasil, a rápida difusão dos
meios de comunicação de massa.
Outro aspecto a se ressaltar é que, apesar do elevado número de denomi-
nações pentecostais no país, Assembléia de Deus 5, Congregação Cristã no Brasil
e Universal do Reino de Deus, juntas, concentram 74% dos pentecostais, ou
treze milhões. Tamanha concentração institucional do pentecostalismo brasilei-
ro, além de minimizar até certo ponto a importância da fragmentação denomi-
nacional ou do divisionismo organizacional desse movimento religioso, permite
compreender porque a Assembléia de Deus e a Universal são as igrejas que lo-
gram, por exemplo, maior visibilidade pública e sucesso na política partidária6.
Os perfis socioeconômico e demográfico de pentecostais e protestantes
são bastante distintos. Dados do último Censo revelam que a maioria dos pen-
tecostais apresenta renda e escolaridade inferiores à média da população brasilei-
ra. Grande parte deles recebe até três salários mínimos e ocupa empregos domés-
ticos, em geral modestos e precários, numa proporção bastante acima da média
nacional. Em contraste, os protestantes históricos apresentam renda e escolari-
dade elevadas, ambas bem superiores à média brasileira, estando distribuídos
mais nos níveis escolares de segundo grau, graduação e pós-graduação e nas fai-
xas de renda entre seis e vinte salários mínimos. Pentecostais e protestantes são
majoritariamente urbanos e apresentam maior proporção de mulheres que de
homens. Quanto à cor dos fiéis, os primeiros sobressaem pela presença de pretos
e pardos superior à média da população, enquanto os últimos pela maior propor-
ção de brancos. Os pentecostais abrigam mais crianças e adolescentes do que
adultos, enquanto os protestantes mais adultos e idosos do que jovens7, diferen-
ças de perfil etário e de taxas de natalidade que, tal como ocorre nas compara-
ções anteriores, refletem suas distinções de classe social.

122 ESTUDOS AVANÇADOS 18 (52), 2004


Antes de analisar a extraordinária expansão institucional da Igreja Univer-
sal do Reino de Deus, cabe discorrer, de modo sucinto, sobre a evolução histó-
rica e a classificação do pentecostalismo no Brasil.
O primeiro missionário pentecostal chegou ao Brasil há 94 anos. Desde
então, foram criadas centenas de igrejas, tornando este movimento religioso com-
plexo e diversificado. Para tornar inteligível sua evolução e diversidade interna,
pesquisadores 8 passaram a ordenar este campo religioso em três grupos e classificá-
los com base em critérios históricos (ou periodização) de implantação de igrejas,
em distinções teológicas e comportamentais.
O pentecostalismo clássico abrange as igrejas pioneiras: Congregação Cristã
no Brasil e Assembléia de Deus. A Congregação Cristã foi fundada por um italia-
no em 1910, na capital paulista, e a Assembléia de Deus, por dois suecos, em Be-
lém do Pará, em 1911. Embora europeus, os três missionários converteram-se ao
pentecostalismo nos Estados Unidos, de onde vieram para evangelizar o Brasil.
De início, na condição de grupos religiosos minoritários em terreno “hostil”,
ambas as igrejas caracterizaram-se pelo anticatolicismo, por radical sectarismo e
ascetismo de rejeição do mundo. No plano teológico, enfatizaram o dom de lín-
guas (glossolalia), seguindo a ênfase doutrinária primitiva dessa religião. A Con-
gregação Cristã, além de permanecer completamente isolada das demais igrejas e
organizações pentecostais, manteve-se mais apegada a certos traços sectários,
enquanto a Assembléia de Deus mostrou, sobretudo nas duas últimas décadas,
maior disposição para adaptar-se a mudanças em processo no pentecostalismo e
na sociedade brasileira.
O segundo grupo de igrejas implantado no Brasil, que não obteve nomen-
clatura consensual na literatura acadêmica, começou na década de 1950, quando
dois missionários norte-americanos da International Church of The Foursquare
Gospel criaram, em São Paulo, a Cruzada Nacional de Evangelização. Por meio
dela, iniciaram o evangelismo focado na pregação da cura divina, que atraiu
multidões às concentrações evangelísticas na capital paulista e acelerou a expan-
são do pentecostalismo brasileiro. Em 1953, fundaram a Igreja do Evangelho Qua-
drangular no Estado de São Paulo. No rastro de suas atividades de evangelização,
surgiram Brasil Para Cristo (1955, SP), Deus é Amor (1962, SP) e Casa da Bên-
ção (1964, MG) 9. Os missionários da Quadrangular conferiram ênfase teológica
à cura divina, seguindo o bem-sucedido movimento de cura propagado nos Es-
tados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. Como estratégia proselitista,
além da ênfase na cura, essa vertente pentecostal notabilizou-se pelo intenso uso
do rádio e pela pregação itinerante com o emprego de tendas de lona.
O neopentecostalismo teve início na segunda metade dos anos de 1970.
Cresceu, ganhou visibilidade e se fortaleceu no decorrer das décadas seguintes.
A Universal do Reino de Deus (1977, RJ), a Internacional da Graça de Deus
(1980, RJ), a Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra (1976, GO) e a Renascer
em Cristo (1986, SP), fundadas por pastores brasileiros, constituem as principais

ESTUDOS AVANÇADOS 18 (52), 2004 123


igrejas neopentecostais do país. No plano teológico, caracterizam-se por enfatizar
a guerra espiritual contra o Diabo e seus representantes na terra, por pregar a
Teologia da Prosperidade, difusora da crença de que o cristão deve ser próspero,
saudável, feliz e vitorioso em seus empreendimentos terrenos, e por rejeitar usos
e costumes de santidade pentecostais, tradicionais símbolos de conversão e perten-
cimento ao pentecostalismo.
Encabeçado pela Igreja Universal, o neopentecostalismo é a vertente pen-
tecostal que mais cresce atualmente e a que ocupa maior espaço na televisão bra-
sileira, seja como proprietária de emissoras de TV, seja como produtora e difusora
de programas de televangelismo. Do ponto de vista comportamental, é a mais li-
beral. Haja vista que suprimiu características sectárias tradicionais do pentecos-
talismo e rompeu com boa parte do ascetismo contracultural tipificado no este-
reótipo pelo qual os crentes eram reconhecidos e, volta e meia, estigmatizados.
De modo que seus fiéis foram liberados para vestir roupas da moda, usar cosmé-
ticos e demais produtos de embelezamento, freqüentar praias, piscinas, cinemas,
teatros, torcer para times de futebol, praticar esportes variados, assistir a televisão
e vídeos, tocar e ouvir diferentes ritmos musicais. Práticas que, nos últimos anos,
também foram sendo paulatinamente permitidas por igrejas pentecostais das ver-
tentes precedentes, com exceção da Deus é Amor, que manteve incólume a velha
rigidez ascética. Em todas as vertentes permanece, porém, a interdição ao consu-
mo de álcool, tabaco e drogas e ao sexo extraconjugal e homossexual.
Sem perder necessariamente sua distintividade religiosa, as igrejas neopen-
tecostais revelam-se, entre as pentecostais, as mais inclinadas a acomodarem-se à
sociedade abrangente e a seus valores, interesses e práticas. Daí seus cultos basea-
rem-se na oferta especializada de serviços mágico-religiosos, de cunho terapêutico
e taumatúrgico, centrados em promessas de concessão divina de prosperidade
material, cura física e emocional e de resolução de problemas familiares, afetivos,
amorosos e de sociabilidade. Oferta sob medida para atender a demandas de
quem crê que pode se dar bem nesta vida e neste mundo recorrendo a institui-
ções intermediárias de forças sobrenaturais. Com tal estratégia, empregada tam-
bém nos evangelismos pessoal e eletrônico, atraem e convertem majoritariamen-
te indivíduos dos estratos pobres da população, muitos deles carentes e em crise
pessoal, geralmente mais vulneráveis a esse tipo de prédica. Não obstante o apelo
sistemático à oferta de soluções mágicas configure uma prática usual nas religiões
populares no Brasil, observa-se que, no caso neopentecostal, tal procedimento,
diferentemente do que ocorre no catolicismo popular, por exemplo, é orques-
trado pelas lideranças eclesiásticas e posto em ação nos cultos oficiais e por meio
do evangelismo eletrônico.

Igreja Universal do Reino de Deus


A Igreja Universal foi fundada em 1977 na zona norte da cidade do Rio de
Janeiro, onde antes funcionava uma pequena funerária. Em menos de três déca-

124 ESTUDOS AVANÇADOS 18 (52), 2004


das se transformou no mais surpreendente e bem-sucedido fenômeno religioso
do país, atuando de forma destacada no campo político10 e na mídia eletrônica.
Nenhuma outra igreja evangélica cresceu tanto em tão pouco tempo no Brasil.
Seu crescimento institucional foi acelerado desde o início. Em 1985, com oito
anos de existência, já contava com 195 templos em catorze Estados e no Distrito
Federal. Dois anos depois, eram 356 templos em dezoito Estados. Em 1989, ano
em que começou a negociar a compra da Rede Record, somava 571 locais de
culto 11. Entre 1980 e 1989, o número de templos cresceu 2.600%. Nos primeiros
anos, sua distribuição geográfica concentrou-se nas regiões metropolitanas do
Rio de Janeiro, de São Paulo e de Salvador. Em seguida, expandiu-se pelas de-
mais capitais 12 e grandes e médias cidades. Na década de 1990, passou a cobrir
todos os Estados do território brasileiro, período no qual logrou taxa de cresci-
mento anual de 25,7%, saltando de 269 mil (dado certamente subestimado) para
2.101.887 adeptos no Brasil, de onde se espraiou para mais de oitenta países 13.
Em todos eles, conquista adeptos majoritariamente entre os estratos mais pobres
e menos escolarizados da população.
Um dos principais responsáveis pela constituição desse verdadeiro império
religioso, o fluminense Edir Bezerra Macedo, seu líder e fundador, tornou-se
crente evangélico aos dezoito anos, ingressando na Igreja de Nova Vida por
meio da influência de uma irmã. Antes era católico e freqüentava a Umbanda.
Permaneceu na Nova Vida de 1963 até 1975, quando, contrariado com seu
elitismo de classe média, deixou-a para fundar a Cruzada do Caminho Eterno.
Dois anos depois, nova cisão: saiu para formar, junto com outros crentes, a Uni-
versal do Reino de Deus14.
Desde o princípio, Macedo adotou a evangelização eletrônica como carro-
chefe de sua estratégia proselitista. E por meio da popularidade adquirida como
apresentador de um programa religioso na Rádio Metropolitana, conseguiu su-
plantar R. R. Soares na liderança da igreja15. Em 1980, implementou o governo
eclesiástico episcopal, no qual assumiu o posto de bispo primaz e o cargo vitalí-
cio de secretário-geral do presbitério, cargo do qual renunciaria em 1990 para
evitar que eventuais sanções penais contra si atingissem a igreja.
Cabe fazer um parêntese para frisar que tal temor revelou-se nada exagera-
do ou fantasioso, uma vez que, durante toda a primeira metade dos anos de
1990, a igreja e seus dirigentes estiveram no centro de intensas controvérsias, en-
volvendo os mais diferentes agentes dos campos religioso, empresarial, midiático,
policial, judicial e político. Métodos heterodoxos de arrecadação, vilipêndio a
culto religioso, agressão física contra adeptos dos cultos afro-brasileiros e inves-
timentos empresariais 16 milionários, em especial a surpreendente compra da Rede
Record por 45 milhões de dólares, em 1990, desencadearam uma série de críticas
e acusações da grande imprensa e até de setores evangélicos17, inquéritos policiais
e processos judiciais contra a Universal e seus líderes, um sem-número de vezes
retratados em matérias jornalísticas como exploradores da credulidade dos po-

ESTUDOS AVANÇADOS 18 (52), 2004 125


bres. Para piorar a situação, em 1991, Carlos Magno de Miranda, ex-líder da
igreja no Nordeste, acusou Edir Macedo de sonegar impostos, de envolvimento
com o narcotráfico e de enviar ouro e dólares ilegalmente para o exterior, levan-
do o bispo primaz a ter de depor na Justiça Federal. Em 24 de maio de 1992,
acusado de cometer crimes de charlatanismo, curandeirismo e estelionato, Macedo
foi preso pela 91ª Delegacia de Polícia de São Paulo, onde ficou encarcerado
numa cela especial por doze dias até ser solto mediante habeas corpus. Na véspera
do Natal de 1995, Carlos Magno voltou à carga tornando público um vídeo iné-
dito, gravado em 1990, em que Edir Macedo aparecia rindo enquanto contava
dinheiro num templo em Nova York, divertindo-se num iate em Angra dos Reis
e instruindo, durante intervalo de uma partida de futebol, pastores a serem mais
eficazes na coleta de dízimos e ofertas. A exibição do vídeo provocou uma das
maiores controvérsias religiosas dos anos de 1990 no Brasil, resultando na mobi-
lização de polícia e Receita Federal, Justiça, Previdência Social, Procuradoria da
República e Interpol para investigar a Igreja Universal e seus líderes, que, em
resposta, atacaram a Rede Globo18, reclamaram de perseguição religiosa e reali-
zaram grandes manifestações públicas de desagravo. Macedo e os bispos da igre-
ja só conseguiram se afastar das páginas e manchetes policiais no final dos anos
de 1990 em diante.
Nesse período conturbado da história da Universal, Macedo procurou ra-
rear sua presença no Brasil e estendê-la nos Estados Unidos, onde fundara uma
filial em 1986 19. Decidiu, então, nomear o pastor Renato Suhett para substituí-lo
na direção da igreja no Brasil, para logo em seguida enfraquecê-lo, ao transferir
funções administrativas a outros bispos e dividir o poder eclesiástico em quatro
regiões no país. Em meados da década de 1990, consagrou dezenas de novos
bispos para assumir funções de direção em nível regional, estadual e nacional.
Para evitar cismas, reestruturou o poder eclesiástico, criando três instâncias hie-
rárquicas: Conselho Mundial de Bispos, Conselho de Bispos do Brasil e Conse-
lho de Pastores. Com isso, a igreja manteve os princípios de verticalidade e concen-
tração de seu governo episcopal, que continuou encimado por Macedo.
Como fator de expansão denominacional, o governo verticalizado e centra-
lizado da Universal, com efeito, é tão ou mais importante que a decantada compe-
tência religiosa, gerencial e empresarial de sua liderança eclesiástica. Nesse senti-
do, cumpre destacar que o governo episcopal tal como exercido pela igreja refor-
ça a unidade e a coesão denominacional, dinamiza o processo decisório, agiliza a
transmissão das ordens superiores e a realização dos trabalhos administrativos,
organizacionais e de evangelismo, permite centralizar a administração dos recur-
sos coletados e fazer investimentos caros e estratégicos, como a abertura de no-
vas congregações e frentes de evangelização, a construção de templos de grande
porte, a compra de emissoras de rádio e TV, a criação de gravadoras, de editoras
e de outros empreendimentos.

126 ESTUDOS AVANÇADOS 18 (52), 2004


Foto Epitácio Pessoa /Agência Estado - 26.5.1992

Edir Macedo ficou preso durante doze dias em cela especial do 91ª DP de São Paulo.

Apesar de eficiente, o governo vertical e centralizado coíbe inteiramente a


autonomia de pastores e adeptos. Tanto que os mais de quinze mil pastores
titulares e auxiliares, responsáveis pelos mais de quatro mil templos no Brasil, são
remanejados freqüentemente de local de trabalho20 e não gerenciam os recursos
que arrecadam, enquanto os fiéis não escolhem seus líderes locais nem partici-
pam da deliberação sobre a aplicação dos dízimos e ofertas.
Para ser pastor na Universal, “os requisitos são a conversão, a dedicação e
o desejo de fazer a obra de Deus. Em alguns Estados há um curso especial e in-
tensivo com duração de seis meses, no qual o obreiro é orientado nos princípios
básicos do cristianismo e da IURD”, afirma o ex-pastor José Vasconcelos Cabral21.
Exigências simples e nada elitistas – conversão, dedicação e desejo – facilitam a
formação de novos pastores e aceleram o ingresso dos candidatos ao trabalho
pastoral. Segundo Cabral, o aprendizado para exercer o pastorado ocorre median-
te “a atuação prática e direta nas igrejas”. De forma que, para o aspirante a pas-
tor, basta aprender a reproduzir corretamente o que os pastores titulares fazem no
púlpito. Para avançar na hierarquia eclesiástica, precisam demonstrar elevada ca-
pacidade de coletar dízimos e ofertas, habilidade tida como sinal de bênção divina.
A denominação, cumpre frisar, manteve por alguns anos a Faculdade Teo-
lógica Universal do Reino de Deus (Faturd), que funcionava no Rio de Janeiro e
oferecia cursos básico (com três anos de duração) e de bacharelado em teologia
(quatro anos). Mas ela foi extinta quando Macedo se deu conta de que, para
atingir seus ambiciosos objetivos expansionistas, a formação teológica, além de

ESTUDOS AVANÇADOS 18 (52), 2004 127


inútil, provavelmente dissiparia o tempo dos pastores, diminuiria seu fervor e os
distanciaria dos interesses concretos e das necessidades imediatas dos fiéis. Ele
não apenas extinguiu a faculdade teológica como, para demonstrar sua aversão à
erudição teológica, publicou A libertação da teologia, livro em que critica o “cris-
tianismo de muita teoria e pouca prática; muita teologia, pouco poder; muitos
argumentos, pouca manifestação; muitas palavras, pouca fé” (Macedo, s/d, pp.
11 e 128). Perspectiva compartilhada por seu cunhado Soares, para o qual “os
melhores pastores não saem dos seminários”. “Pastor”, a seu ver, “é que nem jo-
gador de futebol. Eles não saem das escolinhas; eles surgem, aparecem. Depois,
só precisam ser lapidados”22. Para Macedo e Soares, o bom pastor é aquele que
propicia os melhores resultados numéricos e financeiros à igreja.
Em contraste com o que se verifica na maioria das igrejas pentecostais, a
Universal abre seus templos religiosamente todos os dias para a realização de três
a quatro cultos públicos. Para manter essa “máquina” funcionando num tal rit-
mo de linha de produção, seus pastores trabalham em período integral, dedican-
do-se exclusivamente à denominação. Vínculo e compromisso institucionais que
constituem enorme vantagem competitiva em relação às outras igrejas pentecostais,
cujos pastores, majoritariamente, exercem outras atividades profissionais. A Uni-
versal, além disso, conta com o trabalho cotidiano de dezenas de milhares de
obreiros voluntários, que desempenham tarefas cruciais para garantir o bom fun-
cionamento dos cultos e da evangelização pessoal.
Outro fator importantíssimo do acelerado crescimento da Universal con-
siste em sua acentuada capacidade de arrecadar recursos, superior à das demais
igrejas, como comprovam dados da pesquisa Novo Nascimento, realizada no
Grande Rio de Janeiro pelo Instituto Superior de Estudos da Religião. Ao inda-
gar os fiéis sobre a contribuição financeira que fizeram num determinado mês de
1994, a pesquisa do Iser revelou que os adeptos da Universal contribuíam mais e
em maior proporção do que os da Assembléia de Deus: 27% dos fiéis da Univer-
sal fizeram doações que ultrapassaram o valor do dízimo contra apenas 14% dos
assembleianos; 17% dos seguidores de Macedo doaram quantias menores que o
dízimo contra 25% da Assembléia; 24% dos primeiros não deram contribuição
alguma contra 33% (um terço) dos últimos; houve empate apenas entre os que
contribuíram valor equivalente ao dízimo: 24% e 23%, respectivamente (Fernandes,
1996, p. 39). Entre as igrejas pesquisadas pelo Iser, os fiéis da Universal foram os
que mais contribuíram com valores acima do dízimo, os que menos fizeram doa-
ções inferiores ao dízimo e, apesar da baixíssima renda da maioria deles, os que
menos deixaram de contribuir. Cabe destacar que, dos crentes cuja renda não ul-
trapassava dois salários mínimos, os da Universal foram os que mais doaram
quantias superiores à décima parte de sua renda: 35% contra 20% da média dos
evangélicos. Quanto a essa disparidade, observa-se que pastores da Universal en-
sinam a seus adeptos que eles devem doar dízimos com base na renda que dese-
jam receber, que é, em geral, superior a que recebem de fato.

128 ESTUDOS AVANÇADOS 18 (52), 2004


A eficiência arrecadadora da Universal se deve em grande parte à sua
agressividade, insistência e incomparável habilidade persuasiva nessa matéria.
Quem não paga o dízimo, advertem os pastores, rouba a Deus, que, na condição
de dono de todas as riquezas existentes, exige de volta 10% dos recursos que
concede aos seres humanos. Dinheiro que deve ser empregado cabalmente na
realização da obra de evangelização. Essa concepção se alia à crença de que só
alcança bênçãos quem tem fé. No caso, ter fé significa crer piamente no que os
pastores pregam e agir conforme os ditames dessa pregação. Para provar a pró-
pria fé e granjear as recompensas decorrentes do exercício dessa virtude teologal,
os fiéis são induzidos a realizar sacrifícios ou desafios financeiros. Como o tama-
nho da fé se mede pelo maior ou menor risco que assume no ato de doação,
quem deseja demonstrar elevada fé precisa assumir grandes riscos financeiros ou
realizar grandes desafios. Até porque, promete-se, quanto maior o desafio, maior
a retribuição divina. Para quem não é obreiro nem desempenha funções eclesiás-
ticas, exercer tal fé significa fundamentalmente dar dízimos e ofertas à igreja,
legítima representante e fiel cumpridora dos desígnios de Deus na terra. É por
meio dessa fé que o crente se torna, nos termos de Edir Macedo, sócio de Deus
e, somente nessa posição privilegiada, pode passar a desfrutar das bênçãos e pro-
messas divinas. De sua parte, os pastores não só incentivam tal arriscada demons-
tração de fé como garantem que os desafios são investimentos de alto retorno.
De modo que tais crenças sobre dízimos e ofertas, invariavelmente, encerram
cálculos utilitários, tanto da parte de quem paga quanto da de quem recebe e
administra os recursos. Na condição de dizimistas e ofertantes, os fiéis almejam
adquirir e exercer o direito de cobrar do próprio Deus o pronto cumprimento de
Suas promessas bíblicas: vida saudável, próspera, feliz e vitoriosa. Crença que ca-
minha na contramão da rejeição puritana à busca de riqueza e de prazeres munda-
nos e do livre gozo do dinheiro, o que relega a velha escatologia pentecostal ao
segundo plano. Os responsáveis pelo funcionamento dessa poderosa engrena-
gem de arrecadação, por sua vez, procuram dilatar crescentemente o montante
dos recursos coletados para reinvesti-los na igreja, na obra de evangelização e,
em certos casos, em negócios comerciais que orbitam em torno das atividades
religiosas.
Arrecadar mais que as igrejas concorrentes não assegura necessariamente
que a Universal angarie taxas de crescimento denominacional bem acima da média
pentecostal. Para obtê-la, a Universal investe majoritariamente o montante doa-
do pelos fiéis no evangelismo eletrônico, na aquisição de novos locais de culto,
no custeio de um enorme contingente de pastores trabalhando full time, na
atividade missionária e de divulgação. A ampliação de sua presença geográfica no
Brasil e no exterior e de seu número de pontos de pregação, de congregações e
templos é fundamental para dilatar a recepção de sua oferta religiosa pelo públi-
co e, com isso, atrair maior proporção de virtuais adeptos ou criar novas cliente-
las para “consumir” seus serviços mágico-religiosos.

ESTUDOS AVANÇADOS 18 (52), 2004 129


O proselitismo em rádio e TV constitui o mais poderoso meio empregado
pela Universal para atrair rapidamente grande número de indivíduos das mais
diversas localidades geográficas à igreja. Por sua capacidade ímpar de introduzir
a igreja, sua mensagem e seu apelo religioso nos lares, o evangelismo eletrônico
apresenta a vantagem de poder alcançar aqueles que não possuem contato ou
relação de confiança, amizade e parentesco com fiéis da denominação.
As lideranças pentecostais, em geral, preferem o rádio à TV. São pelo me-
nos três as razões dessa predileção: o menor preço de locação ou de compra das
emissoras, seu baixo custo de manutenção e sua elevada audiência entre os estra-
tos mais pobres da população. Além de demandar maior custo financeiro, o
televangelismo, segundo Fonseca (1997), resulta em benefício proselista inferior
ao proporcionado pelo radioevangelismo. Daí que são poucas as igrejas que op-
taram por concentrar a maior parte de seus investimentos em propaganda religio-
sa na TV. Embora seja a denominação brasileira que mais investiu na aquisição de
emissoras de televisão, a Universal prioriza a evangelização pelo rádio23.
Nos programas radiofônicos, transmite prioritariamente testemunhos e
promessas de bênçãos e, em segundo plano, exibe músicas de cantores e bandas
evangélicos contratados por sua gravadora e mensagens pastorais, incluindo a
Mensagem Amiga, do bispo Macedo. Na TV, prioriza igualmente a exibição de
testemunhos de fiéis e a oferta de soluções mágico-religiosas para sanar os pro-
blemas dos telespectadores. Além de cumprirem o papel de desancar as religiões
concorrentes, apontadas freqüentemente como ineficientes, demoníacas e res-
ponsáveis pelos infortúnios vivenciados pelos conversos antes de seu encontro
com Cristo, os testemunhos de bênçãos recebidas funcionam como comprova-
ção prática inegável da realização das promessas de bênçãos e milagres divinos
propagandeados pela igreja. De modo que eles constituem a principal vitrine da
denominação para demonstrar aos ouvintes e telespectadores o real poder da
Universal de derrotar o Diabo e os males causados por ele e, por meio disso, de
pôr fim aos problemas materiais e espirituais que afligem os seres humanos.
Diferentemente das igrejas cujos programas enfatizam a difusão do ensino
doutrinário, ou transmitem preponderantemente sermões ou preleções teológi-
cas, a Universal destaca o poder transformador de Deus na vida dos homens,
exibindo testemunhos propagandísticos de curas, milagres, intervenções e bên-
çãos divinas de toda espécie. Além disso, seu evangelismo eletrônico procura
funcionar como linha de transmissão das atividades realizadas nos cultos públi-
cos, convidando insistentemente os ouvintes a comparecerem nos cultos, even-
tos e campanhas da igreja. Com isso, visa a atrair os ouvintes e telespectadores
para os templos, locais em que poderão efetivamente ser persuadidos de que
precisam ser libertos dos poderes demoníacos, de que necessitam ter um encon-
tro com Cristo, de que devem obedecer a Deus e, por fim, permanecer na igreja
como condição necessária para assegurar a salvação.

130 ESTUDOS AVANÇADOS 18 (52), 2004


Religião Evangélica Pentecostal
Igreja Universal do Reino de Deus

Evolução da %
na população total
%2000 - %1991

1,5
1

0,5

0,2

Ausência de informação
Fonte : IBGE - Censos Demográficos 1991 e 2000

Rede Record
Bonfim
Boa Vista

Macapá

Óbidos Belém
Santarém São Luís
Pinheiro
Manaus Altamira Fortaleza
Tucurui Coroatá
Itaituba
Açailândia Codó
Caxias
Marabá Imperatriz Teresina Natal
Araguaína João Pessoa
Balsas
Redenção Recife
Porto Velho
Peixoto de
Alta Floresta Azevedo Paraíso do Palmas Maceió
Rio Branco Jaru
Ji-Paraná Tocantins
Juara Cláudia Porto Nacional
Cacoal
Rolim de Moura
Pimenta Bueno Sinop Vera Gurupi
Sorriso
Salvador
Tangará da Serra
Barra do Bugres
Mirassol d'Oeste Primavera do Leste Brasília
Cuiabá Barra do Garças
Cáceres
Rondonópolis Goiânia

Belo Horizonte
Campo Grande São José
do Rio Preto Franca Vitória
Ribeirão Preto Campos dos
Bauru Goytacazes
Cornélio Campinas
Procópio
Maringá Londrina São Paulo Rio de Janeiro
Santos
Toledo
Curitiba

Xanxerê Itajaí
Florianópolis Localidades onde a Record
está presente no território nacional
Porto Alegre
Pelotas

Fonte : Rede Record

ESTUDOS AVANÇADOS 18 (52), 2004 131


Apesar da eficácia do evangelismo eletrônico da Universal, deve-se atentar
para o fato de que ele não converte praticamente ninguém, apenas atrai (o que
não é pouco), em maior ou menor número, indivíduos aos templos e auxilia na
implantação e divulgação de novas congregações. É no interior dos templos que
a pregação ou a oferta mágico-religiosa da igreja pode se tornar plausível, isto é,
romper ceticismos e barreiras que impeçam o virtual adepto de se entregar a
Jesus, de mudar de religião e de se manter na nova comunidade religiosa. Seja
nos casos em que atuam familiares, amigos, vizinhos, colegas de escola ou traba-
lho, seja naqueles em que mídia eletrônica, literatura, pregações em K7 ou em
vídeo, CDs e música gospel atraem os potenciais adeptos, as relações interpessoais
são cruciais na adesão à igreja e mais ainda no processo de conversão. Daí a preo-
cupação da Universal em procurar recepcionar da melhor forma possível os re-
cém-chegados que não possuem contato pessoal prévio com outros crentes, orien-
tando-os didaticamente sobre a necessidade de prosseguir freqüentando os cul-
tos e participando das correntes de oração para obter as bênçãos desejadas e, em
muitos casos, inserindo-os em grupos menores e mais íntimos no interior da
igreja, como os grupos de jovens, por exemplo, ou em núcleos de crentes que se
reúnem na residência de um de seus membros.
Além do extenso uso da mídia eletrônica, a Universal procura maximizar a
provisão de compensações concretas e imediatas 24 neste mundo, adaptando sua
mensagem religiosa (conteúdo, forma e meios de transmissão) à vida material e
cultural das massas pobres, a fim de provê-las de sentido, significação do porquê
se encontram vivendo como vivem e justificação de sua existência numa dada
posição social, fornecendo-lhes recursos simbólicos e rituais para mudar subjeti-
vamente de vida. Nesse intento, esforça-se para atraí-las, persuadi-las e recrutá-
las por meio da ênfase na oferta e difusão de serviços e crenças mágico-religiosos
com forte apelo popular, da propaganda diuturna de testemunhos de conversão
e de bênçãos materiais e do alto teor emocional dos cultos.
Pode-se observar, portanto, que a igreja optou por unir conhecimentos e
aparatos tecnológicos de ponta nas áreas de propaganda e comunicação a cren-
ças e práticas religiosas em profunda tensão com saberes, valores e instituições da
modernidade. De um lado, estão as técnicas de marketing, as redes de rádio e
TV, a música, os jornais, as revistas, a literatura, a internet, de outro, os dízimos,
os ritos exorcistas, as curas divinas, as promessas de milagre e de prosperidade
material. Em suma: em busca de eficácia proselitista, a Universal optou por in-
vestir maciçamente em técnicas avançadas de propaganda e no evangelismo ele-
trônico e por dilatar e sistematizar a oferta de magia.
Não é à toa que a expansão da Igreja Universal veio reforçar ainda mais a
interpretação que percebe certa continuidade entre pentecostalismo e religiosi-
dade popular. Pois, para tirar proveito evangelístico da mentalidade e do simbo-
lismo religiosos brasileiros, a Universal sincretiza crenças, ritos e práticas das
religiões concorrentes. Faz isso de diferentes modos e em distintas ocasiões. Realiza

132 ESTUDOS AVANÇADOS 18 (52), 2004


“sessão espiritual de descarrego”, “fechamento de corpo”, “corrente da mesa
branca”, retira “encostos”, desfaz “mau-olhado”, asperge os fiéis com galhos de
arruda molhados em bacias com água benta e sal grosso, substitui fitas do Se-
nhor do Bonfim por fitas com dizeres bíblicos, evangeliza em cemitérios durante
o Finados, oferece balas e doces aos adeptos no dia de Cosme e Damião. A
adoção desses ritos e práticas constitui estratégia proselitista deliberada, que tem
sido mantida, intensificada e até diversificada em razão de sua eficácia.
Na Universal, vale quase tudo para “despertar a fé das pessoas”, ou para
convencê-las de que a igreja prega um Evangelho de poder, que, além de verda-
deiro, “funciona” na prática. As “sessões espirituais de descarrego”, criadas no
limiar do novo milênio, constituem um de seus mais recentes e populares expe-
rimentos sincréticos. Como se pode perceber, não se trata propriamente de culto
a Deus, mas de “sessão” dedicada à imprecação de encostos ou demônios que
insistem em “encostar-se” nos adeptos e na clientela da Universal. Sarcástico, o
trecho abaixo, de uma matéria de jornal, ao descrever alguns detalhes das sessões
de descarrego, fornece uma ligeira idéia da homologia existente entre certas
crenças e práticas da Universal e as da Umbanda.
Um homem todo de branco comanda o culto, cercado por pomba-giras, exus
e pretos-velhos. Os auxiliares também se vestem do branco mais puro e acre-
ditam nos poderes do sal grosso e do galho de arruda. Que religião é essa?
Ihih, se vossuncê, respondeu umbanda, está errado, mizim fio. O culto – bata
a cabeça – é da Igreja Universal do Reino de Deus. Saravá. A Sessão do Des-
carrego – esse é o nome propagado pela própria igreja – faz sucesso às terças-
feiras, na Catedral da Fé [...]. É o momento, pregam os pastores, de retirar os
encostos dos fiéis 25.
Apesar de a imagem genérica em torno do sincretismo remeter-se comu-
mente a uma suposta e tradicional tolerância religiosa dos brasileiros, a opção
sincrética da Universal, cumpre frisar, não a levou a suprimir seus rompantes de
intolerância nem sua notória hostilidade aos cultos afro-brasileiros. Daí uma das
principais razões de seu envolvimento em diversos incidentes e conflitos religio-
sos ao longo dos anos26.
Nos últimos anos, a Universal, apesar de todos os percalços, conseguiu
granjear maior legitimidade social e consolidar sua organização religiosa. Reali-
zações que decorrem, em parte, da expansão de sua base demográfica e, em
especial, de seu poder religioso, midiático, econômico e político.
Se fosse possível resumir as principais razões de tamanho sucesso levando
em conta tão-somente o lado da oferta e, com isso, desconsiderando o contexto
social, cultural, religioso e político abrangente, grosso modo, poderia se afirmar
que a extraordinária expansão numérica e institucional da Igreja Universal resul-
ta do desempenho de sua liderança eclesiástica e administrativa à frente do go-
verno denominacional, do trabalho religioso em período integral e da eficiência
de seu clero, do ativismo militante dos obreiros, do poder de atração de sua

ESTUDOS AVANÇADOS 18 (52), 2004 133


mensagem, do investimento em redes de comunicação e da acentuada eficácia
das técnicas e estratégias de proselitismo eletrônico, da oferta sistemática de ser-
viços mágicos adaptados aos interesses materiais e ideais de estratos pobres da
população, do sincretismo de crenças e práticas mágico-religiosas em continui-
dade com a religiosidade popular.

Notas
1 Na América Latina, o termo evangélico abrange as igrejas protestantes históricas
(Luterana, Presbiteriana, Congregacional, Anglicana, Metodista, Batista, Adventista),
as pentecostais (Congregação Cristã no Brasil, Assembléia de Deus, Evangelho
Quadrangular, Brasil Para Cristo, Deus é Amor, Casa da Bênção etc.) e as neopen-
tecostais (Universal do Reino de Deus, Internacional da Graça de Deus, Renascer
em Cristo, Sara Nossa Terra etc.). Grosso modo, o pentecostalismo distingue-se do
protestantismo histórico, do qual é herdeiro, por pregar a crença na contemporanei-
dade dos dons do Espírito Santo, entre os quais se destacam os dons de línguas
(glossolalia), cura e discernimento de espíritos, e por defender a retomada de cren-
ças e práticas do cristianismo primitivo, como a cura de enfermos, a expulsão de
demônios, a concessão divina de bênçãos e a realização de milagres.
2 Compostos majoritariamente de pentecostais, a Associação dos Homens de Negócio
do Evangelho Pleno (Adhonep) e o Comitê Cristão de Homens de Negócio (CCHN),
por exemplo, procuram converter empresários e profissionais liberais mediante a
narração de testemunhos de bênçãos durante jantares e cafés da manhã em restau-
rantes e hotéis luxuosos.
3 Segundo os Censos Demográficos, os evangélicos apresentaram as seguintes taxas de
crescimento médio anual entre 1940 e 1991: 4,9% nos anos de 1940, 4,7% nos de
1950, 5,3% nos de 1960, 4,9% nos de 1970 e 4,8% nos de 1980.
4 No Censo 2000, 1.627.870 evangélicos (6,2% do total) foram classificados pelo
IBGE como “sem vínculo institucional” e “outros evangélicos”. Embora constem
na soma geral dos evangélicos, não são contabilizados nos totais de pentecostais e
protestantes históricos.
5 Com base no último Censo, a Assembléia de Deus teria saltado de 2.439.770 para
8.418.154 adeptos entre 1991 e 2000, o que representa um crescimento de 14,8%
ao ano. Por certo, o número de assembleianos foi subestimado no Censo de 1991, o
que elevou artificialmente sua taxa de crescimento na década seguinte, taxa que não
deve alcançar sequer a metade dos 14,8%. Indício de subestimação pode ser observa-
do, por exemplo, no fato de o Censo de 1991 apontar que a Assembléia de Deus
tinha apenas 17,2% dos evangélicos da região Norte e meros 10,2% dos crentes do
Estado do Pará, onde foi fundada. Dados improváveis, decorrentes, sobretudo, da
dificuldade do IBGE em identificar a denominação de considerável parte dos evan-
gélicos daquela e de outras regiões do país, o que levou a subestimar o montante de
fiéis da Assembléia de Deus. De modo geral, pode-se afirmar que o Censo de 1991
subestimou o tamanho da maioria das principais igrejas evangélicas do país. Isso
permite explicar, em parte, sua espetacular taxa de crescimento no Censo 2000.
Sobre os dados de religião no Censo de 1991, ver Mariano, 2001.

134 ESTUDOS AVANÇADOS 18 (52), 2004


6 Cabe observar que a Congregação Cristã no Brasil se auto-exclui da política partidá-
ria e rejeita os evangelismos eletrônico, editorial e musical. Daí continuar quase invi-
sível no espaço público, apesar de ser a segunda maior igreja pentecostal do país.
7 Para obter informações suplementares sobre o perfil demográfico e socioeconômico
dos evangélicos, ver Jacob et al., 2003, pp. 39-99.
8 Sobre a classificação do pentecostalismo brasileiro, ver Freston, 1993 e Mariano, 1999.
9 No Censo 2000, a Igreja do Evangelho Quadrangular, a quinta maior denominação
evangélica do país, tinha 1.318.805 adeptos, a Deus é Amor, 774.830, a Brasil Para
Cristo, 175.618, e a Casa da Bênção, 128.676.
10 A Universal elegeu um deputado federal em 1986, quatro em 1990, seis em 1994,
catorze em 1998 e 22 em 2002, ano em que também conquistou uma vaga no
Senado, com Marcelo Crivella (PL-RJ), que se candidatou à prefeitura do Rio de
Janeiro em 2004. Além de contar com dezenas de vereadores e deputados estaduais
espalhados pelo país, tornou-se um importante interlocutor político, cortejado pe-
los mais diversos partidos, sobretudo porque tem por hábito atuar nas eleições ma-
joritárias, conclamando seu rebanho religioso e eleitoral a apoiar certos candidatos
e a desprezar outros. No segundo turno das eleições presidenciais de 2002, surpreen-
deu ao apoiar o candidato do Partido dos Trabalhadores, após a derrota, no primei-
ro turno, do evangélico Garotinho.
11 Dados obtidos em listas de endereço de templos contidas na revista Plenitude, da
Igreja Universal.
12 No Censo 2000, a Universal tinha 350 mil adeptos no Estado do Rio de Janeiro,
240 mil em São Paulo, 83 mil em Belo Horizonte e 75 mil em Salvador (Jacob et
al., 2003, p. 42).
13 Sobre sua implantação, presença e atuação nos demais países, ver Oro, Corten e
Dozon, 2003.
14 Sobre a formação da Igreja Universal, ver Freston, 1993; Mariano, 1999, Campos,
1996 e Kramer, 1999.
15 R. R. Soares, cunhado de Macedo e líder inicial da Universal, saiu da denominação
para fundar a Internacional da Graça de Deus, em 1980. Outro fundador dissidente
foi Roberto Augusto Lopes, que retornou à Igreja de Nova Vida, em 1987. Depu-
tado federal na Constituinte, Lopes foi o primeiro parlamentar eleito pela Universal
para o Congresso Nacional.
16 A Universal é proprietária de várias empresas: TV Mulher, Rede Record (com 63
emissoras, sendo 21 delas próprias), 62 emissoras de rádio no Brasil, Gráfica Uni-
versal (que publica a Folha Universal, cuja tiragem semanal supera a cifra de 1,5
milhão de exemplares), Editora Universal Produções, Ediminas S/A (que edita o
jornal Hoje em Dia, de Belo Horizonte), Line Records (gravadora), Uni Line (em-
presa de processamento de dados), Construtora Unitec, Uni Corretora (segurado-
ra), Frame (produtora de vídeos), New Tour (agência de viagens), entre outras. No
exterior, a Universal possui emissoras de rádio e TV e instituições financeiras. Sobre
as empresas de comunicação da Universal, ver Fonseca, 2003.
17 Por diversas vezes nos anos de 1990, o então presidente da Associação Evangélica

ESTUDOS AVANÇADOS 18 (52), 2004 135


Brasileira (AEVB), pastor Caio Fábio, criticou a “liderança inescrupulosa, hostil,
xiita do bispo Macedo”, as “superstições pagãs” e os “manipulativos e abusivos”
métodos de arrecadação da Universal, que, para ele, constrangiam e envergonha-
vam “o povo evangélico”.
18 A cúpula da Universal tinha vários motivos para atacar a Globo nessa época. Haja
vista que, não satisfeita em questionar a eficácia das curas, dos exorcismos e das
promessas da Universal, em denunciar sua coleta de dízimos e ofertas por meio de
uma câmara escondida e em divulgar diversas vezes o vídeo de Carlos Magno, a
Rede Globo produziu e exibiu uma minissérie cujo protagonista era uma caricatura
malfeita do bispo Macedo. Escrita por Dias Gomes, Decadência foi ao ar em setem-
bro de 1995, tendo como personagem principal pastor dom Mariel, líder da Igreja
da Divina Chama, enriquecido às custas da exploração financeira dos fiéis, aos quais
prometia: “Venham encher os cofres de Jesus. O que vocês derem, receberão em
dobro”.
19 Em 2003, a Universal tinha 81 templos ativos em treze Estados norte-americanos
(Kramer, 2003, p. 71).
20 Com esse rodízio de pastores nos templos locais, a cúpula eclesiástica tenta evitar
que eles fidelizem os membros da congregação a seu comando pessoal, o que pode
gerar cisões.
21 Vinde, n. 10, ago. 1996.
22 Eclésia, 67, jun. 2001.
23 Sobre a relevância da mídia eletrônica na expansão institucional da Igreja Universal,
ver Campos, 1996; Oro, 1996, pp. 66-70; Fonseca, 1997 e Mariano, 1999, pp. 66-
69.
24 Stark e Bainbridge (1996, pp. 36-42) empregam o conceito de compensador para
fazer a distinção entre magia e religião. Para tanto, distinguem os compensadores
específicos dos compensadores gerais. Os primeiros, que caracterizam a magia, refe-
rem-se à oferta de graças pontuais, tais como, por exemplo, cura divina e melhora
da auto-estima, que podem ser avaliadas e refutadas empiricamente pela experiên-
cia. Daí o alto risco assumido pelos grupos que enfatizam a oferta de serviços mági-
cos, uma vez que suas crenças e práticas podem ser mais facilmente desacreditadas.
Já os compensadores gerais, em contraste, privilegiam a promessa de bênçãos e a
difusão de crenças, tais como vida após a morte, salvação eterna, existência do paraí-
so celestial e do inferno, cuja veracidade não pode ser verificada nem refutada pela
experiência ou pela ciência. Na prática, os grupos religiosos tendem a oferecer am-
bos os tipos de compensadores, só que em doses diferentes. Assim, dependendo da
ênfase num ou noutro tipo de compensador, uns serão mais mágicos, outros, mais
religiosos. A religião tende a gerar compromissos mais estáveis e duradouros do que
a magia, cujas ofertas e promessas são mais efêmeras e baseadas numa relação de
troca imediatista.
25 O Dia online, 6/8/2001 (www.odia.ig.com.br/geral/ge060815.htm).
26 O principal incidente religioso protagonizado pela Universal, sem dœvida, foi o
famigerado “chute na santa”. Em 12 de outubro de 1995, dia do feriado nacional
de Nossa Senhora Aparecida, a Rede Record exibiu culto no qual bispo Sérgio Von

136 ESTUDOS AVANÇADOS 18 (52), 2004


Helde tocou com os pés e os punhos a imagem da santa católica – padroeira do
Brasil –, escarneceu de sua ineficácia, arrastou-a pelo palco e a qualificou de “bone-
co feio, horrível e desgraçado”. Reproduzidas a exaustão pelas TVs brasileiras, as
imagens do “chute”, tratadas por órgãos da imprensa como indício de “guerra san-
ta”, provocaram forte comoção nacional, reprovação unânime, deflagrando mani-
festações generalizadas de repœdio ao referido ato de intolerância religiosa.

Bibliografia
CAMPOS, Leonildo Silveira. Teatro, templo e mercado: uma análise da organização,
rituais, marketing e eficácia comunicativa de um empreendimento neopentecostal – Igreja
Universal do Reino de Deus. Tese de Doutorado, São Bernardo do Campo, Imes,
1996.
FERNANDES, Rubem César. Novo Nascimento: os evangélicos em casa, na igreja e na
política. Rio de Janeiro, Iser, 1996 (mimeo.).
FONSECA, Alexandre Brasil. Evangélicos e mídia no Brasil. Rio de Janeiro, Dissertação
de Mestrado, Rio de Janeiro, IFCS-UFRJ, 1997.
_____. “Igreja Universal: um império midiático”. Em ORO, Ari Pedro; CORTEN,
André e DOZON, Jean-Pierre (orgs.). Igreja Universal do Reino de Deus: os novos
conquistadores da fé. São Paulo, Paulinas, 2003.
FRESTON, Paul. Protestantes e política no Brasil: da Constituinte ao impeachment.
Tese de Doutorado, Campinas, IFCH-Unicamp, 1993.
JACOB, Cesar Romero et al. Atlas da filiação religiosa e indicadores sociais no Brasil.
São Paulo, Loyola, 2003.
KRAMER, Eric W. Possessing faith, commodification, religious subjectivity, and collectivity
in a Brazilian neo-pentecostal church. Tese de Doutorado, Chicago, Departamento de
Antropologia da Universidade de Chicago, 1999.
_____. “A expansão da Igreja Universal do Reino de Deus nos Estados Unidos”. Civitas:
Revista de Ciências Sociais, vol. 3, n. 1, jun. 2003, pp. 69-96.
MACEDO, Edir. A libertação da teologia. Rio de Janeiro, Universal Produções, s/d.
MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São
Paulo, Loyola, 1999.
_____. Análise sociológica do crescimento pentecostal no Brasil. Tese de Doutorado, São
Paulo, FFLCH-USP, 2001.
ORO, Ari Pedro. Avanço pentecostal e reação católica. Petrópolis, Vozes, 1996.
ORO, Ari Pedro; CORTEN, André e DOZON, Jean-Pierre (orgs.). Igreja Universal
do Reino de Deus: os novos conquistadores da fé. São Paulo, Paulinas, 2003.
STARK, Rodney e BRAINBRIDGE, William Sims. The Future of Religion. New
Brunswick, Rutgers University Press, 1985.

ESTUDOS AVANÇADOS 18 (52), 2004 137


R ESUMO – O ARTIGO discorre inicialmente sobre o crescimento pentecostal e a evolução
desse movimento religioso no Brasil. Em seguida, analisa a expansão da Igreja Universal
do Reino de Deus, priorizando a investigação da organização eclesiástica, do trabalho
pastoral, da capacidade de arrecadação e administração dos recursos coletados, do
evangelismo eletrônico, da oferta sistemática de serviços mágico-religiosos e do sincre-
tismo deliberado com a religiosidade popular.

ABSTRACT – THIS ESSAY deals initially with the growth of the Pentecostal movement and
its evolution in Brazil. It also analyzes the expansion of the Universal Church of the
Kingdom of God, prioritizing the study of its ecclesiastical organization, pastoral work,
collection capabilities and management of resources thus obtained, electronic evangelism,
the systematic offering of magical/religious services, and the deliberate syncretism with
popular religiousness.

Ricardo Mariano é doutor em sociologia pela FFLCH-USP e professor do Programa de


Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (PUC-RS).

Texto recebido e aceito para publicação em 29 de setembro de 2004.

138 ESTUDOS AVANÇADOS 18 (52), 2004

Anda mungkin juga menyukai