A Pesquisa-ação como
Instrumento de Análise
e Avaliação da Prática Docente
Maria de Fátima Barbosa Abdalla
Resumo Abstract
Este artigo pretende refletir sobre a pes- Research-action as an
quisa-ação como instrumento de análise e
avaliação da prática docente. Para isso, Analysis and Evaluation
investiga um grupo de professoras de Ed. Instrument for the
Infantil e das séries iniciais do Ensino Fun-
damental no interior de um Programa de Teaching Practice
Educação Continuada/PEC-Formação Uni- This article intends to reflect on research-
versitária. Nesta perspectiva, o texto abor- action as an instrument to analyze and
da aspectos norteadores da metodologia de evaluate the teaching practice. To do so, it
pesquisa-ação e avalia investigates a group of
seus efeitos, analisando-os, Elementary and Grade
Maria de Fátima Barbosa Abdalla School teachers involved in
sob a ótica das seguintes
Dra. em Educação, a Continued Education/
dimensões: a estrutura da
Universidade de São Paulo/USP University Training Program.
escola, como contexto de Profª do Mestrado em
trabalho; as práticas do From this perspective, the
Educação da Universidade
professor frente à situação text approaches aspects that
Católica de Santos/UniSantos
de ensino e pesquisa; e o mfabdalla@uol.com.br
guide the research-action
habitus como maneiras de methodology and evaluates
ser e de estar na profissão. its effects, analyzing them
Como conclusões, ainda que parciais, from the following perspectives: the school
anuncia alguns princípios que permitem structure as a work context; teacher practices
ressignificar a pesquisa-ação como estra- face to the teaching and research situation;
tégia de formação e de aprendizagem pro- and the habitus as a way of being and
fissional capaz de tornar a prática docente practicing the profession. As conclusions,
mais crítica e coerente na busca de sua even if partial, this article announces a few
necessária transformação. principles that allow one to bring new meaning
Palavras-chave: Pesquisa-ação. Prática to research-action as a professional training
docente. Habitus. and learning strategy that is able to make
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1
Para maiores esclarecimentos, esta pesquisa, iniciada no 2º semestre de 2002, envolve três fases referentes aos momentos
profissionais vivenciados pelo aluno/estagiário, pelo professor principiante e por aquele mais experiente. Este texto privilegia a 2ª
e a 3ª fase da pesquisa (2003-2004), colocando o acento na metodologia de pesquisa-ação como instrumento para análise das
diferentes situações investigadas pelas professoras em questão e seus respectivos modos de pensar e agir.
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Desempenhei, ao lado da tutora, responsável pelo acompanhamento dos trabalhos diários do Programa de Formação, a função
de professora orientadora (PO) dos projetos de ação das 21 alunas-professoras, acompanhando-as, não só nos encontros
mensais, como também, dando atendimento via Internet.
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Diante disso, procuramos refletir, tam- tando, como nos diz Bourdieu5, “compre-
bém, sobre as questões da “efetividade ou ender ‘por que’ se compreende e ‘como’ se
reciprocidade” no relacionamento entre compreende” a pesquisa e a ação e a pes-
pesquisadores e demais atores/agentes so- quisa-ação desenvolvida por aquele grupo.
ciais e a “clareza de postura” dos envolvi-
dos eticamente nos diferentes projetos de Demos, assim, início ao processo de
pesquisa - características enfatizadas por formação profissional: escutar as alunas-
Thiollent (1997, p. 37). Buscamos, ainda, professoras na “construção real do apren-
aprofundar o conceito de “implicação epis- dizado” e produzir, junto com elas, um
temológica” desenvolvido por Barbier “novo olhar”, “uma verdadeira conversão”,
(2002, p. 102), e que nos permitiu avaliar aquilo a que se chama de “ruptura episte-
todo o processo de engajamento da equi- mológica” (BOURDIEU,1998b, p. 49). Para
pe na pesquisa-ação. nós, este movimento poderia ser denomi-
nado de “pesquisa-ação na análise/avali-
Considerávamos que estes elementos até ação da prática docente”. Um pouco da
aqui apontados – grelhas de leitura na aná- lógica e do significado deste processo está
lise/avaliação da prática docente –, e que registrado a seguir.
decorrem em objetivos diferenciados, mas in-
tegrantes e integradores (relacionados à ação A análise/avaliação da
e à pesquisa sobre/na ação), poderiam estar
ressignificando, para elas, diferentes formas processo de formação:
de compreender a importância de se articu- escutando as diferentes
lar a pesquisa e a ação. O que contribuiria
com a análise, por toda a equipe, da dimen-
formas de poder, de
são crítica da pesquisa-ação como estraté- participação e de ação
gia de aprendizagem profissional. Estes cursos contribuem, principalmen-
te, com a busca pessoal do profissional
A aposta maior seria, então, a de de- da educação, trazendo iluminação teó-
senvolver, mais efetivamente, a consciên- rica e experiência prática de sala de aula,
cia das alunas-professoras a respeito deste pois os mesmos não podem ser desvin-
caminho metodológico, tornando mais evi- culados. Trouxe-nos um olhar diferen-
dente a natureza e o grau de complexidade te: o professor deverá estar coeso, fir-
dos problemas a serem superados. me, comprometido e envolvido na cons-
trução da prática. Em suma, não se deve
Diante disso, era preciso “pensar relaci- fechar os olhos à realidade: muda-se a
onalmente” (BOURDIEU, 1998b, p. 23), ótica de encará-la (grupo de alunas-pro-
construir um “sistema coerente de relações”, fessoras do PEC/Santos, 2003).
que pudesse ser posto “à prova como tal”4.
Tratamos de “pôr em suspenso” o “senso Mas por onde começar? Se, por um lado,
comum” apresentado pelas alunas – seus tínhamos a convicção de que era preciso
esquemas de representações e ações - ten- apostar na pesquisa-ação, por outro lado,
4
BOURDIEU, 1998b, p. 32.
5
Id., Ibid., p. 37.
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seria preciso convencê-las de que este seria o Esboçadas as proposições e revistos al-
caminho certo. E, mais do que isso, era ne- guns elementos para análise da prática
cessário fazer viver esta idéia, trazer “um olhar docente, seria importante acentuar até que
diferente”, tal qual indica a epígrafe acima. ponto a perspectiva da pesquisa-ação po-
deria estar emancipando as alunas-profes-
Essa escolha foi precedida da seguinte soras. Isso significaria pensar, em especial,
reflexão: identificar, desde o início, quem era nas “implicações epistemológicas”: como
a aluna-professora, qual sua formação, atu- elas (e seus alunos) estariam se fortalecen-
ação profissional, suas experiências no inte- do na interação com o mundo, na recipro-
rior da sala de aula e da escola. Era preciso cidade do sentir, pensar e agir para produ-
caminhar no sentido de ter condições de zir representações e instrumentos de pen-
realizar uma leitura teórica de sua identida- samento que pudessem contribuir com um
de e pensar, coletivamente, em seu projeto espaço de tomadas de posição mais refle-
de formação como interface de ação, mu- xivo, crítico e autônomo.
dança e intervenção na realidade.
Era preciso, então, estabelecer algumas
O entendimento dessas questões exigiu, condições para favorecer este espaço de
também, um processo de amadurecimento participação e o compromisso das profes-
de toda a equipe. Nos primeiros encon- soras com sua prática docente. Passamos
tros, foram-se abrindo, a cada um de nós, a avaliar com toda a equipe o significado
as seguintes proposições de execução do de todo este processo e expor algumas de
projeto de formação/ação: suas lógicas, enfatizando, inicialmente, a
• a “necessidade” de construir uma tra- importância do conceito de “processo” na
jetória equilibrada na seleção dos perspectiva da pesquisa-ação. Para isso,
temas e na orientação dos projetos retomamos o pensamento de Barbier (2002,
de pesquisa, propiciando uma “com- p. 111-146), quando diferencia os concei-
preensão” maior do processo de tos de “processo” e de “procedimento”:
aprendizagem profissional; Um processo é uma rede simbólica e di-
• a “apreensão” desses projetos teria que nâmica, apresentando um componente
ser um dos fios condutores a estrutu- ao mesmo tempo funcional e imaginá-
rar os encontros, a fim de que se esti- rio, construído pelo pesquisador a partir
mulassem as trocas de experiências, de elementos interativos da realidade,
aprimorando, assim, o desenvolvi- aberta à mudança e necessariamente ins-
mento de competências e saberes re- crito no tempo e no espaço. [...] Um pro-
lativos aos processos de produção, cesso apresenta uma polarização de au-
apreciação e investigação que fun- tonomia repleta de incertezas. Um pro-
damentam a prática docente; cedimento, ao contrário, só se compre-
• o entendimento do caminho metodo- ende por uma polarização de heterono-
lógico traçado, para melhor compre- mia garantindo o instituído. Vivo, no con-
ender a relação teoria/prática e os junto das atividades, um processo; mas
tipos de conteúdos que estariam em entro, sossegado, num procedimento:
jogo nas diferentes situações de ação/ posso controlar um procedimento, mas
pesquisa e aprendizagem. eu avalio um processo.
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Emprestamos de Barbier (2002, p. 118) suas quatro temáticas, que consideramos como “eixos temáticos”, na medida em que dão
sustentação à pesquisa-ação. São eles: 1º.a identificação do problema e a contratualização; 2º.o planejamento e a realização em
espiral; 3º.as técnicas de pesquisa-ação; e 4º.a teorização, a avaliação e a publicação (divulgação, no caso) dos resultados.
7
Estamos entendendo “estratégia”, na esteira de Barbier (2002, p. 108-109), como “a trama de fundo da abordagem em espiral,
específica da pesquisa-ação”; como um “grande número de hipóteses que emergem da ação” e que precisamos empregá-las para
poder nos arriscarmos na análise da prática. Consideramos, também, o significado de “estratégia”, em Morin (1999, p. 79), que
“só pode e só deve emergir no metaponto de vista, onde são possíveis a escolha, o confronto com o risco, o diálogo com o novo,
a possibilidade de encontrar soluções para situações novas”.
8
Concordamos com Barbier (2002, p. 106) que a pesquisa-ação “visa à mudança de atitudes, de práticas, de situações, de
condições de produtos, de discursos [...]”. Para nós, a pesquisa-ação é uma estratégia para que as mudanças necessárias tornem-
se possíveis, não só ao nível do discurso, mas, principalmente, na prática cotidiana, contribuindo, assim, para “ajuizar a
coerência” (diria o autor da epígrafe inicial).
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Começamos, assim, a identificar o pro- Com essa intenção, a turma foi se con-
blema e a estabelecer uma certa “contratu- figurando, assumindo o papel de “pes-
alização”9: pensar em uma espécie de “con- quisador coletivo”, conforme Barbier
trato de ação”. Mas o que deveria conter (2002, p. 121). E, neste papel, era pre-
neste contrato que pudesse ampliar novas ciso desvendar o “campo de poder” (e
formas de poder/de realização? Quais as de possibilidades) que se instaurava,
questões que poderiam estar fortalecendo assim como compreender o “campo de
a nossa ação como professores/pesquisa- poder” de suas escolas – “o campo das
dores para analisar/avaliar a prática do- instâncias de reprodução e consagra-
cente e poder transformá-la? ção”. Campo que estabelece uma “es-
trutura das relações de força simbólica”
Juntas, fomos registrando um “contrato (BOURDIEU, 1998a, p. 118), e determi-
de ação”, indicando: a) as finalidades da na a hierarquia e a relação de oposição
ação pretendida, de acordo com o tema e e complementariedade entre as pessoas
as questões-problema; b) as funções de e suas instituições.
cada uma dentro dos diferentes contextos
formativos; c) o tempo de dedicação à lei- Assim, fomos desenvolvendo o 1º eixo
tura, à circulação da informação, à assi- temático - identificar o problema e a con-
milação das novas tecnologias, à organi- tratualização. As formas de poder que fo-
zação do trabalho individual e coletivo; d) ram possíveis identificar foram se desdo-
o resgate da história de vida através de re- brando no que chamamos de formas de
latos autobiográficos, de forma a assegu- participação e de ação, que mostram um
rar a coerência e a continuidade das ativi- pouco a qualidade das relações interpes-
dades; e) a troca de experiência; f) o cami- soais nos trabalhos de grupo e do relacio-
nho metodológico (da construção de ins- namento com membros das escolas-cam-
trumentos de coleta de dados à sua análi- po, dando viabilidade às propostas formu-
se); g) o acompanhamento e avaliação de ladas no decorrer de todo o processo.
todo processo.
Das formas de
Escutando-as na construção deste con-
trato, fomos percebendo o estabelecimento
poder às formas de
de “formas de poder” nas relações contra- participação e ação
tuais instituídas. Havia uma manifestação Colocadas em situação de questiona-
com críticas negativas sobre os alunos, a mento e de negociação, as alunas-profes-
escola, a ausência da família, a violência: soras delinearam o que entendiam pelo 2º
um muro de “lamentos”, que dava a im- eixo temático a ser explorado: o planeja-
pressão que as exigências eram muitas e que mento e a realização em espiral. Novamente
elas, mesmo interessadas, consideravam-se nos apoiamos em Barbier (2002), ao reto-
cansadas com o trabalho. Estava posta a mar os eixos temáticos e, com Bourdieu
resistência à mudança, e se instaurava, tam- (1999), buscamos compreender o signifi-
bém, a necessidade de implementá-la. cado de “vigilância epistemológica”.
9
O termo “contratualização”, usado por Barbier (2002, p. 118), foi criado pelo autor para significar uma ação em permanente contrato.
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10
BARBIER, 2002, p. 121-125.
11
Barbier (2202, p. 143-144) propõe o seguinte “processo de pesquisa em espiral: situação problemática; planejamento e ação nº 1;
avaliação e teorização; retroação sobre o problema; planejamento e ação nº 2; avaliação e teorização; retroação sobre o problema;
planejamento e ação nº 3; avaliação e teorização; retroação sobre o problema; planejamento e ação nº 4; e assim sucessivamente”.
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sões” alternativas diante das experiências partir do diário rascunho, mais organiza-
registradas, revelando como elas nos di- do, a partir de uma “escuta flutuante” do
zem: o refletir, o pesquisar, o fazer, o refa- que já está escrito, instalando o que o au-
zer, o apreciar e, neste processo, como está tor denomina de “leitor virtual” e/ou “ser
se realizando a organização de experiênci- social” e “diário comentado”, a ser redigi-
as, quais e quantas tentativas de solução do pelo grupo, de forma a socializar/de-
para o problema foram pensadas e de que mocratizar suas idéias.
maneira são utilizados os materiais e ins-
trumentos, ampliando, assim, o interesse, Neste caminho, ficaria faltando o ter-
o envolvimento e o empenho nas ativida- ceiro passo: como seria vivenciar a obser-
des (grupo de alunas-professoras do PEC- vação participante e a elaboração dos di-
Formação Universitária – Santos, 2003). ários de campo e/ou dos diários de itine-
rância? Como dar coerência (FREIRE,
Para elas, tanto a observação participante 1997) entre a opção que se proclama e a
quanto o diário seriam formas de poder, de prática que se pretende transformar?
participação e de ação (THIOLLENT, 1996),
porque criam contextos significativos. Essas perguntas serviram de base para
a compreensão do 4º eixo temático – a teo-
Comprometidas intelectualmente e emo- rização, a avaliação e a publicação dos re-
cionalmente com seus projetos e decididas sultados – desenvolvido por Barbier (2002).
a tomarem posições como observadoras Segundo ele, “a teoria decorre da avalia-
participantes, elas teriam que optar de que ção permanente da ação”. É a ação de te-
modo fariam seus registros. E este seria o orizar - a teorização, “que leva o resultado
segundo passo a ser dado. da pesquisa a um estabelecimento de mo-
delos dos processos coletivos conduzindo à
Optaram por elaborar um “diário de realização dos objetivos da ação, quer di-
campo” para os registros/relatos das situa- zer, à resolução do problema inicial”13. É a
ções investigadas e das situações pedagó- teorização, de fato, que nos faz pensar a
gicas desenvolvidas nos momentos de for- prática, avaliá-la, possibilitar compartilhar
mação. Algumas escolheram também par- novos resultados. É ela que dá alguma co-
ticipar do que Barbier (2002, p. 132-133) erência para as escolhas do dia-a-dia.
denomina de ‘diário de itinerância”: ins-
trumento de investigação, no qual “cada As questões que envolveram este 4º eixo
um anota o que sente, o que pensa, o que delinearam, por um lado, a leitura da histó-
medita, [...] o que constrói para dar senti- ria pretérita, na exposição das trocas de ex-
do à sua vida”. Segundo o autor12, este periência e na avaliação dos diferentes pro-
diário compõe-se de três fases: “diário ras- jetos, e, por outro, a construção de uma his-
cunho”, em que se escreve tudo que se tória presente/futura. História assumida, por
quer, sem estar preocupado com a lingua- aquele grupo de pesquisa, ao anunciar mo-
gem; “diário elaborado”, constitui-se a mentos de descoberta do conhecimento e ao
12
BARBIER, 2002, p. 137-143.
13
Id., Ibid., p. 143-144.
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dar conta de teorizar sobre a ação vivencia- va, a pergunta que nos resta seria: quais os
da. Neste sentido, a pesquisa-ação passa a efeitos da pesquisa-ação neste processo de
ser, também, anunciada como método de formação e desenvolvimento profissional?
pensamento, de análise/avaliação da práti-
ca docente, na perspectiva de dar mais coe- Os caminhos são muitos, diriam elas,
rência à capacidade de intervir na realidade. até para buscar responder ao que propo-
mos. Observamos que foi possível visuali-
Essa luta a propósito da coerência como zar algumas novas representações sobre a
“uma das exigências que educadores críti- realidade investigada. Foi possível escutar,
cos se fazem a si mesmos” esteve sempre especialmente, as razões práticas daquelas
presente e tentou estabelecer um elo entre alunas-professoras em relação às suas ma-
as formas de poder, de participação e de neiras de ser e de estar na profissão docen-
ação compromissada diante da prática te. “Razões práticas” que definiram um pouco
docente. Levou-nos, também, a pensar, da teorização (BARBIER, 2002) e/ou “teoria
para além da análise da sala de aula, nas de ação” (BOURDIEU, 1997) que foi sendo
“razões práticas” (BOURDIEU, 1997), que construída pela equipe, validando, assim, o
nos fazem “ser/estar” na profissão: nas que Freire (1997, p. 25) queria dizer com:
novas representações. “é a prática que ajuíza o discurso”.
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Este instrumento foi composto de elementos que faziam a descrição do modo de organização escolar, abrangendo: o projeto
pedagógico (articulação e organização); as atividades da direção e da coordenação; a política de formação para professores; o
processo de aprendizagem dos alunos e resultados; o acompanhamento e avaliação; a participação dos pais e da comunidade;
entre outros dados. Fazia parte, também, as entrevistas semi-estruturadas que eram realizadas com os diferentes atores sociais
conforme a necessidade apontada pelos diferentes projetos de pesquisa.
15
BOURDIEU, 1996, p. 103.
16
Id., 1997, p. 63.
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cias; enfrentavam os desafios das si- dação deste trabalho fazia surgir, sem
tuações pedagógicas e das questões parar, o problema do bem pensar. Nes-
metodológicas provocadas pela pes- se sentido, o conhecimento do conhe-
quisa-ação; e, especialmente, apren- cimento poderia ser uma incitação a
diam de forma coletiva (dando for- bem pensar [...] (MORIN, 1999, p. 37).
mas a um “pesquisador coletivo” e
possibilitando a criação de um uma Os dados e as reflexões apresentados
cultura mais profissional, mais coe- expressaram a importância da pesquisa-ação
siva e coerente); não só como método de investigação, mas,
• a institucional/organizacional - quan- principalmente, como estratégia do conhe-
do passaram a compreender o quanto cimento ao conhecimento capaz de contri-
a cultura organizacional e o clima ins- buir para a compreensão, como quer o au-
titucional afetavam suas atuações, tan- tor acima, do problema do bem pensar. Em
to em sala de aula, quanto na institui- especial, do bem pensar a prática docente.
ção como um todo. Neste sentido, res-
significaram a escola como objeto so- Estamos de acordo de que muitos dos
cial e científico, como “campo das prá- pontos levantados já vêm sendo discutidos
ticas sociais educativas”, em que é pelos que lutam pela qualidade de ensino e
possível e necessário desenvolver “ati- de pesquisa em nossas instituições. Nossa
vidades investigativas pertinentes” (CA- intenção era apenas salientar, diante do de-
NÁRIO, 1996, p. 137), para construir safio do bem pensar, pelo menos, três aspec-
um sentido à ação docente; tos. Aspectos que adquiriram um contorno
• a profissional - quando refletiram siste- mais nítido, quando passaram a orientar o
maticamente sobre suas práticas, utili- processo de elaborar este trabalho, mostran-
zando os resultados da reflexão, espe- do o nosso modo de conhecer e conceber.
cialmente da coletiva, para melhorar
a qualidade de sua atuação posterior. O primeiro era saber em que medida a
pesquisa-ação poderia estar contribuindo
As dimensões aqui expostas permitiram para ver/escutar, de forma mais sensível, o
que a pesquisa-ação fosse compreendida “universo afetivo, imaginário, cognitivo do
como uma estratégia de formação e de outro” (BARBIER, 2002, p. 94). O segundo
aprendizagem da profissão, orientada para era colocar o acento na questão da coerên-
facilitar o entendimento de que é possível e cia, tentando verificar como a pesquisa-ação
necessário transformar a prática. poderia contribuir para escolhas e decisões
mais consistentes e pertinentes, ajuizadas, di-
Ainda algumas ria Freire (1997, p. 25). E o terceiro era indi-
car até que ponto a pesquisa-ação seria, de
palavras finais fato, um instrumento de análise e avaliação
A busca da verdade sobre o conheci- da prática docente e, nesta perspectiva, seria
mento só pode contribuir para a busca uma estratégia para o aprender da profissão.
da verdade através do conhecimento e
faz, em certo sentido, parte dessa bus- Diante do exposto, era preciso pensar
ca. [...] Surpreendi-me ao ver que a re- bem o caminho metodológico assumido: o
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Referências
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BOURDIEU, P. A economia das trocas lingüísticas: o que falar quer dizer. Tradução
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FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se complementam. 33. ed.
São Paulo: Cortez, 1997.
Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.13, n.48, p. 383-400, jul./set. 2005