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LUÍS DE CAMÕES — OS LUSÍADAS Os Lusíadas — Considerações do poeta
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LUÍS DE CAMÕES — OS LUSÍADAS LUÍS DE CAMÕES — OS LUSÍADAS
corruptor da imortalidade – o
Condenação da Merecimento de
riqueza fácil riqueza fácil. “verdadeiro valor”
recompensas morais
Alcino Nunes Alcino Nunes
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O recado que trazem é de amigos,
Mas debaxo o veneno vem coberto,
Que os pensamentos eram de inimigos,
LUÍS VAZ DE CAMÕES Segundo foi o engano descoberto.
Oh! Grandes e gravíssimos perigos,
Oh! Caminho de vida nunca certo,
Que, aonde a gente põe sua esperança,
Tenha a vida tão pouca segurança!
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Por meio destes hórridos perigos, E com forçar o rosto, que se enfia,
Destes trabalhos graves e temores, A parecer seguro, ledo, inteiro,
Alcançam os que são de fama amigos Pera o pelouro ardente que assovia Nem creiais, Ninfas, não, que fama desse Nem quem acha que é justo e que é dereito
As honras imortais e graus maiores: E leva a perna ou braço ao companheiro. A quem ao bem comum e do seu Rei Guardar-se a lei do Rei severamente,
Não encostados sempre nos antigos Destarte o peito um calo honroso cria, Antepuser seu próprio interesse, E não acha que é justo e bom respeito
Troncos nobres de seus antecessores; Desprezador das honras e dinheiro, Immigo da divina e humana Lei. Que se pague o suor da servil gente;
Não nos leitos dourados, entre os finos Das honras e dinheiro que a ventura Nenhum ambicioso, que quisesse Nem quem sempre, com pouco experto
Animais de Moscóvia zebelinos; Forjou, e não vertude justa e dura. Subir a grandes cargos, cantarei, peito,
Não cos manjares novos e esquisitos, Destarte se esclarece o entendimento, Só por poder com torpes exercícios Razões aprende, e cuida que é prudente,
Não cos passeios moles e ouciosos, Que experiências fazem repousado, Usar mais largamente de seus vícios; Pera taxar, com mão rapace e escassa,
Não cos vários deleites e infinitos, E fica vendo, como de alto assento, Os trabalhos alheios que não passai.
Que afeminam os peitos generosos, O baxo trato humano embaraçado. Nenhum que use de seu poder bastante
Não cos nunca vencidos appetitos, Este, onde tiver força o regimento Pera servir a seu desejo feio, Os Lusíadas, VII, 84 – 86
Que a Fortuna tem sempre tão mimosos, Direito e não de affeitos ocupado, E que, por comprazer ao vulgo errante,
Que não sofre a nenhum que o passo mude Subirá (como deve) a ilustre mando, Se muda em mais figuras que Proteio.
Pera alfua obra heróica de virtude; Contra vontade sua, e não rogando. Nem, Camenas, também cuideis que cante
Mas com buscar, co seu forçoso braço, Quem, com hábito honesto e grave, veio,
As honras que ele chame próprias suas; Os Lusíadas, VII, 84 – 86 Por contentar o Rei, no ofício novo,
Vigiando e vestindo o forjado aço, A despir e roubar o pobre povo!
Sofrendo tempestades e ondas cruas,
Vencendo os torpes frios no regaço
Do Sul, e regiões de abrigo nuas,
Engolindo o corrupto mantimento
Temperado com um árduo sofrimento;