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narrativa comentada da História de Portugal. Fernando Pessoa, esse elabora uma metafísica
do ser português e nela radica a sua Mensagem-apelo. É ilustração deste propósito (?), o
primeiro verso do poema que abre a série Possessio maris e se intitula «O Infante»: «Deus
quer, o homem sonha, a obra nasce». Bartolomeu Dias foi o Capitão do Fim e quem dobrou o
Assombro; Fernão de Magalhães e Vasco da Gama são os mitos da ousadia, do sonho e do
espanto, e do poder de dominar os céus e a terra.
D. Sebastião, que na Mensagem surge com gigantescas dimensões, sobretudo em
confronto com o lugar quase mesquinho da dedicatória n’ Os Lusíadas, é o Sonho e a
Loucura, é a Ambição e a Grandeza. D. Sebastião, na primeira parte do Poema — no Brasão,
é uma das Quinas: é a loucura que fecunda o sonho e leva o homem a ultrapassar os limites
da «besta sadia / Cadáver adiado que procria».
Mas na terceira parte do Poema — O Encoberto — o seu vulto bruxo agiganta-se. Ele
é um dos símbolos: o primeiro; o seu nome é uma espécie de amen no poema — O Quinto
Império (segundo dos Símbolos). Ele é, de certo modo, O desejado (terceiro dos Símbolos);
e, nas Ilhas Afortunadas (quarto dos Símbolos) é talvez a sua voz que lá ecoa, lá onde mora
o Rei esperando. Que Rei, senão o Desejado, o Encoberto? E no Encoberto (o quinto dos
Símbolos), o símbolo final será o da Rosa do Encoberto. (…)
Dir-se-ia que em Mensagem o que interessa é mostrar como os Adamastores e suas
falas, os Mostrengos e suas rondas foram vencidos. Agora os Avisos intentam despertar Quem
foi Senhor do mundo, Senhor dos Mares para Aventuras que façam cumprir-se Portugal. E
surgem os Símbolos que são os mitos verbalizados; poderes que podem encaminhar Portugal
para grandezas futuras: D. Sebastião, o Desejado, o Encoberto, o Quinto Império, as ilhas
afortunadas. Nesta perspectiva, todos estes símbolos aludem e englobam valores do episódio
mítico de Os Lusíadas: ilha dos Amores. (…)
Os mitos de Os Lusíadas correspondiam a uma sublimação das dores e dos prémios
das navegações, a uma sublimação da história; e os heróis situam-se no plano da história —
criaturas de carne e osso, com grandezas e fragilidades, próprias de quanto é humano. Os
mitos na Mensagem são «o nada que é tudo»: são a transfiguração das personagens; são
símbolos, poderes verbalizados, que projectam os «heróis» na zona da meta-história,
transformando-os em mitos. A Mensagem a decifrar, radicada na grandeza mítica do Passado
e projectada na incomensurável grandeza do Futuro, está contida nos mitos do Encoberto, do
Desejado, do Quinto Império, das Ilhas Afortunadas.
Nesta perspectiva, heróis e mitos n’Os Lusíadas narram as grandezas passadas; heróis
e mitos na Mensagem exaltam as façanhas do passado, em função de um desesperado apelo
para grandezas futuras.
Santa Bárbara, Abril de 1980
Maria de Lourdes Belchior
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