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Nome: Evandro Silva Frias Garcia

Hume e as crenças causais


Silvio Seno Chibeni

Departamento de Filosofia – IFCH – Unicamp

Caixa postal 6110, 13083-970, Campinas, SP, Brasil

chibeni@unicamp.br – www.unicamp.br/~chibeni

Resumo: É comum hoje em dia que epistemólogos considerem a crença


como uma condição necessária, embora não suficiente, para o
conhecimento. Este trabalho começa salientando que, assim como Locke,
Hume não adotou essa visão, tratando conhecimento e crença como
pertencendo a domínios epistêmicos complementares. Em seguida, a teoria
humeana da crença causal é brevemente exposta e comentada, com vistas
a evidenciar seus pontos mais vulneráveis. Mostra-se, por fim, como o
próprio Hume identificou e procurou sanar tais fragilidades, seja oferecendo
argumentos e aclarações, seja efetivamente introduzindo modificações
substanciais em sua teoria. Defende-se que o exame desses tópicos fornece
apoio à interpretação naturalista da teoria epistemológica de Hume,
originalmente proposta por Norman Kemp Smith no início do século XX.

1. Introdução

Em certas abordagens epistemológicas contemporâneas costuma-se colocar


a crença como uma das condições necessárias ao conhecimento. Roderick
Chisholm, por exemplo, evoca o Teeteto de Platão para propor, na primeira
edição de seu conhecido livro-texto (1966, cap. 1), que busquemos
caracterizar o conhecimento como a conjunção de crença, verdade e um
terceiro fator, mais difícil de ser identificado; um candidato poderia ser, por
exemplo, a evidência adequada. Mas assim como o personagem de Platão,
Chisholm não consegue, seguindo essa linha, chegar a uma caracterização
satisfatória da noção de conhecimento. Não cabe no escopo deste artigo
adentrar essa complexa discussão. Basta, para nossos presentes propósitos,
notar que em ambos os casos o fracasso é atribuído justamente às Nem
Platão nem Chisholm investigam a dificuldades relativas à terceira condição.
A possibilidade de se partir de uma fórmula diferente para o conhecimento.
Na segunda edição de seu livro, Chisholm omite a referência explícita ao
Teeteto, e substitui a palavra ‘crença’ por ‘aceitação’; mas essas são
alterações menores. A adesão ao esquema inicialmente sugerido continua
essencialmente inalterada – esquema esse, aliás, que Chisholm agora diz
representar “a concepção tradicional de conhecimento” (p. 102).

Embora a associação dessa concepção ao Teeteto seja correta, sua


qualificação de

“tradicional” pode encobrir o fato de que houve, na história da filosofia,


importantes análises do conhecimento que dela se afastaram de modo
significativo. O objetivo principal deste trabalho é examinar brevemente
uma dessas análises, a de David Hume, destacando, em particular, suas
pioneiras investigações da própria noção de crença causal. Antes de Hume,
Locke já havia formulado uma teoria do conhecimento em clara discrepância
com a concepção

2. Conhecimento e crença

Descontando a discussão técnica sobre as idéias de espaço e tempo, feita


na parte 2 do livro do Treatise, Hume dedica muito pouco espaço à análise
do conhecimento propriamente dito: apenas uma seção de três páginas (T
1.3.1). E ainda assim essa seção é meramente preparatória para o extenso
exame de um dos dois casos principais de crença, as crenças causais. O
outro caso é o da crença na existência do mundo exterior. Como se sabe,
esses dois grandes tópicos são abordados, respectivamente, nas partes 3 e
4 do livro 1 do Treatise. Essa ordem de exposição apresenta o inconveniente
de levar Hume a usar, ao longo de toda sua discussão sobre a causalidade,
formas de expressão que procuram ser neutras quanto ao realismo acerca
dos objetos materiais. Como tal neutralidade não é inteiramente atingida – e
nem poderia ser, dadas as teses defendidas na parte 4 – o texto resulta de
difícil interpretação. Típica desse problema é, por exemplo, a ambigüidade
de sentido do termo ‘objeto’, que ora parece designar os supostos objetos
reais do mundo, ora meramente as percepções. Os primeiros passos de
Hume na direção da elaboração de sua teoria acerca da crença são dados
ao identificar o que chama de “partes componentes de nossos raciocínios
sobre causas e efeitos” (T 1.1.3.4). Tais partes são três: “a impressão
original” (a base do raciocínio), “a transição para a idéia da causa ou efeito
a ela conectada” (a inferência), e “a natureza e qualidades dessa idéia” (a
conclusão; T 1.3.5.1). A noção de crença é crucialmente importante em
todas as três partes. O inconveniente a que acabo de me referir afeta a
primeira delas. Como o próprio Hume nota, quando inferimos um efeito a
partir de uma causa, “temos de estabelecer a existência dessa causa”
(1.3.4.1). Esse é um dos pontos em que o realismo cerca do mundo exterior
parece ser evocado; a afirmação não tem sentido adequado numa
interpretação puramente cética. A causa cuja existência tem de ser
estabelecida aparentemente não pode ser entendida como uma mera
percepção, pois as percepções evidentemente existem qua percepções tão
logo ocorram na mente. Hume prossegue, afirmando que para estabelecer
a existência da causa temos só dois meios: “ou por uma percepção imediata
da memória ou sentidos, ou por uma inferência a partir de outras causas” (T
1.3.4.1). Mas a segunda via leva a um regresso infinito, que só pode ser
parado por uma “impressão da memória ou sentidos, além da qual não há
lugar para dúvida ou investigação” (ibid). Ora tal assertiva é duplamente
intrigante. Primeiro, porque ocorre numa porção do livro na qual o leitor
provavelmente ainda estará tentado a uma interpretação cética. Depois,
porque a parte 4 mostrará que, ao menos para um filósofo, há muito lugar
para investigação e dúvida quanto ao ponto indicado. O que pode salvar a
coerência do texto de Hume é a tese, igualmente defendida na parte 4, de
que uma forte crença na realidade de contrapartes reais das impressões se
estabelece por um mecanismo natural da mente, independentemente de
qualquer processo da razão, tal qual tradicionalmente entendida.
Infelizmente, Hume nada antecipa acerca disso, limitando-se a acrescentar,
na seção seguinte, estas palavras enganadoras:

Parece, assim, que a crença ou assentimento que sempre acompanha a


memória ou os sentidos não passa de uma vivacidade das percepções que
apresentam; e que somente isso os distingue da imaginação. Crer é, neste
caso, sentir [feel] uma impressão imediata dos sentidos, ou uma repetição
dessa impressão na memória. É a mera força e vivacidade da percepção
que constitui o primeiro ato do julgamento e estabelece a base do raciocínio
que sobre ela construímos quando rastreamos [trace] a relação de causa e
efeito. (T 1.3.5.7)

Como se nota pelo estudo da parte 4 do livro 1, o referido mecanismo


natural de geração de crenças na realidade exterior é extremamente
complexo, longe estando, portanto, de consistir da “mera força e vivacidade
da impressão”. Limitações de espaço não me permitem examinar esse
ponto neste trabalho, que se concentrará, de agora em diante, no caso das
crenças causais.

É claro que aqui estou tomando partido numa polêmica bem conhecida.
Para uma posição diferente, ver por exemplo a influente crítica de Winkler
1991. Infelizmente, não disponho de espaço para estabelecer um diálogo
explícito com os defensores da interpretação cética tradicional. Sobre a
crença na realidade dos objetos materiais, gostaria de destacar que, já na
parte 3, seção 9, Hume fala da existência de “dois sistemas de realidade”: o
formado pelos objetos das impressões e das idéias de memória, e o que se
conecta a ele “pelo costume, ou, se quiser, pela relação de causa e efeito”
(T 1.3.9.3).

3. As crenças causais

Retomando a questão das partes componentes dos raciocínios causais, o


próximo item examinado por Hume – e desta vez de forma detalhada – é o
das inferências causais propriamente ditas, ou nos seus termos, a
“inferência da idéia a partir da impressão” (T 1.3.6, título). Esse assunto é
por demais conhecido, de modo que aqui me limitarei a lembrar a conclusão
a que Hume chega: Tal inferência “não está suportada por nenhum
raciocínio ou processo do entendimento” (E 5.2). Todavia, isso não parece
significar, para Hume, o abandono de toda esperança de fundamentação
das inferências causais. Notando que dessas inferências “depende quase
todo o nosso conhecimento”, Hume acrescenta: “Se a mente não é levada a
efetuar esse passo por argumentos, tem de ser induzida por algum princípio
de igual peso e autoridade” (ibid). Tal princípio é identificado como o
“Costume ou Hábito” (E 5.5), que se estabelece na mente a partir da
observação da conjunção regular de objetos ou eventos do mesmo tipo. A
forma de abordar o assunto no Treatise deixa mais claro que esse princípio
coincide com um dos três princípios de associação de idéias, já estudados
na parte 1 (seção 4).

Vejamos uma das passagens relevantes:

A razão nunca pode nos mostrar a conexão de um objeto com outro, embora
auxiliada pela experiência, e pela observação de sua conjunção constante
em todos os casos passados. Portanto, quando a mente passa da idéia ou
impressão de um objeto para a crença ou idéia de outro, não é determinada
pela razão, mas por certos princípios que associam as idéias desses objetos,
e os une na imaginação [imagination]. Se as idéias não possuíssem na
imaginação [fancy] mais união do que os objetos possuem no
entendimento, jamais poderíamos extrair nenhuma inferência de causas
para efeitos, nem depositar crença em nenhuma questão de fato [não
observada]. A inferência depende, pois, unicamente da união de idéias.
(1.3.6.12; os

destaque são meus.) A passagem salienta o papel crucial da imaginação nas


inferências causais e na formação da correspondente crença. Essa proposta
é extremamente inovadora, por assinalar uma função por assim dizer
cognitiva a uma faculdade usualmente associada a outros domínios, como
por exemplo a literatura. O próprio Hume classifica a proposta como uma
“hipótese” (E 5.5, T 1.3.9.1-2), e procura comprová-la por meio de
considerações diversas.

Essa interpretação começou a ser questionada no século XX, a partir dos


trabalhos de Kemp Smith, que sugeriram, em seu lugar, uma interpretação
naturalista da epistemologia de A noção-chave para Smith é a de crença
natural. Tratar-se-ia, segundo ele, de uma Hume.Crença que não é o fruto
do trabalho racional da mente sobre um corpo de evidências, mas resulta de
certos mecanismos mentais naturais. Antes de inspecionar brevemente os
textos de Hume capazes de apoiar essa sugestão, chamo a atenção, num
plano bastante geral, para a forma pela qual ele se refere ao princípio do
hábito nas passagens citadas da Enquiry. Primeiro, afirma que dele
“depende quase todo o nosso conhecimento”; depois, que “Se a mente não
é levada a efetuar esse passo por argumentos, tem de ser induzida por
algum princípio de igual peso e autoridade”; por fim, logo após anunciar o
princípio, acrescenta: O costume é, pois, o grande guia da vida humana. É
apenas ele que torna a nossa experiência útil para nós, e nos faz esperar,
no futuro, uma seqüência de eventos similar às que nos apareceram no
passado. Sem a influência do costume seríamos totalmente ignorantes
acerca de toda questão de fato que se estenda além do que está
imediatamente presente à memória e aos sentidos. Nunca saberíamos como
ajustar os meios para os fins, ou empregar nossos poderes naturais na
produção de qualquer efeito. (E 5.6) Os termos que grifei são termos
epistêmicos fortes, que parecem indicar que, como sugeriu Goodman (1954,
pp. 60-64), Hume está falando sério quando apresenta sua teoria das
inferências e crenças causais. Sugerem, ademais, uma certa flexibilização
da noção de conhecimento, de modo a incluir algo fora do domínio das
relações de idéias propriamente ditas. Após isso, Hume passa a detalhar a
teoria, investigando a natureza das crenças causais. Em ambos os livros,
começa notando que a crença não pode resultar de uma idéia especial que
se anexe à idéia do objeto no qual se crê, pois caso contrário, dada a
liberdade da imaginação de unir idéias, poderia crer no que quisesse (T
1.3.7.2; E 5.10). O que distingue a

“Essa doutrina da crença natural é uma das mais essenciais, e talvez a


mais característica doutrina na

filosofia de Hume” (1941, p. 86).

Crença da simples imaginação não reside, portanto, “nas partes ou


composição da idéia que concebemos. Segue-se daí que a distinção tem de
estar na maneira pela qual concebemos o objeto” (T 1.3.7.2). No Treatise, o
próximo passo dado por Hume é notar, no parágrafo seguinte, que o
problema de saber “em que consiste a diferença entre crer e não crer em
uma proposição” é fácil de resolver quando se trata de proposições
“provadas por intuição ou demonstração”. Nesse caso, a pessoa que
acredita em uma proposição “não apenas concebe as idéias de acordo com
a proposição, mas está determinada a concebê-las daquele modo particular
[...]. Não é possível à imaginação conceber algo contrário a uma
demonstração.” No caso, porém, das proposições sobre questões de fato
esse critério da “necessidade absoluta” não tem lugar: a imaginação pode
conceber tanto uma proposição quanto sua negação, sendo necessário um
outro critério (T 1.3.7.3). Essa etapa da análise é omitida na Enquiry.
Diferentemente de outras tantas omissões, essa é claramente apropriada,
pois a aplicação da noção de crença ao domínio das relações de idéias
conflita com os princípios da epistemologia humeana. Já ressaltei
anteriormente que, para Hume, os domínios das relações de idéias e das
questões de fato são do âmbito exclusivo, respectivamente, do
conhecimento e da crença. Como notou Kemp Smith, para Hume “Falar em
crer [numa certa relação de idéias, como 3 + 2 = 5] não tem sentido; isso é
conhecido” (1941, p. 66). Felizmente, essa passagem do Treatise é isolada,
não tendo, aparentemente nenhum desdobramento. Seja como for, o
problema está no início da passagem; seu final aponta para uma conclusão
válida: as crenças sobre questões de fato – relações causais e realidade dos
corpos – não se estabelecem por um critério intelectual. Na seção seguinte
(T 1.3.7), Hume prossegue investigando o que caracterizaria a “maneira”
especial pela qual as idéias dos objetos em que se acredita são concebidas.
Propõe então que o sentimento especial que constitui a crença é
simplesmente uma maior “força e vivacidade” da idéia em questão: Uma
opinião ou crença pode, portanto, ser mais precisamente definida como
uma idéia vívida relacionada ou associada a uma impressão presente (T
1.3.7.5; ver tb. 1.3.9.2). Dedica-se, em seguida, a detalhar a sugestão,
indicando um mecanismo pelo qual essa vivacidade se acrescenta à idéia.
Propõe, como uma máxima empírica geral da ciência da natureza humana,
que “quando uma impressão qualquer se nos torna presente, não apenas
transporta a mente para as idéias a ela relacionadas, mas igualmente
comunica-lhes parte de sua força e vivacidade” (T 1.3.8.2). Enumera então
uma série de “experimentos” para apoiar essa máxima, referentes a casos
de associação de idéias por semelhança, contigüidade e causação.

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