alexandria, no egito, é uma cidade mágica, um lugar que inspirou muitos
escritores, entre eles o inglês lawrence durrell, autor de um conjunto de quatro romances, o “quarteto de alexandria”. uma vez encontrei um rapaz que era de lá e perguntei-lhe se conhecia o “quarteto”. pensou um pouco e respondeu: - acho que não tocam mais. esta introdução é para dizer que o alberto moghrabi, autor destes magníficos textos, é de alexandria. diferente de seu conterrâneo, e à semelhança de durrell, ele tem uma imensa cultura – e tem um grande talento para contar histórias. um talento que venho acompanhando há tempos no semana judaica/shalom, e que já resultou inclusive em livro, pequenos contos de enredo indeterminado. o alberto é um excelente cronista. incorporou um gênero eminentemente brasileiro, que se expressa numa linhagem respeitável, indo desde machado de assis e lima barreto a rubem braga, fernando sabino e luís fernando veríssimo. a crônica é a extensão, ao texto literário, da conversa de bar, de esquina, aquele papo que é tão característico do país. mas, à crônica, alberto moghrabi acrescenta um elemento judaico. e o resultado é ótimo. É o caso, por exemplo, de sua graça? esta tradicional pergunta serve como mote para considerações sobre algo que, para nós, descendentes de emigrantes, não raro é um problema: transmitir a outrem nossos sobrenomes. no meu caso é sempre complicado. uma vez telefonei de porto alegre a um hotel de são luís, no maranhão, para fazer uma reserva, e não havia meio de o homem entender o scliar. soletrrei: s de sílvio, c da carlos e assim por diante. quando cheguei a são luís e fui para o hotel o encarregado disse que não havia nenhuma reserva em nome de scliar. de porto alegre, acrscentou, estamos esperando um grupo, o sílvio, o carlos... o pai do alberto fazia algo parecido: ligava para a padaria e pedia para reservar uma fornada de pães em seu nome, aslan, que – de novo – o interlocutor não entendia. o senhor aslan então optou por identificar-se como souza. nunca mais teve problema (mas uma vez, ao telefone, identificou-se como souza, e o interlocutor pediu-lhe que chamasse o aslan). outros foram mais longe e mudaram mesmo de nome: ablan virou abílio, lahanda virou yolanda. um exemplo do sincretismo judaico-brasileiro. são amenas as histórias, mas não raro adquirem uma conotação transcendente. tomem, por exemplo, um monte de oliveiras. alberto conta que, estando em jerusalém, foi visitar as mesquitas – e descobriu que o guarda do local era um homem chamado josé oliveira, nascido em porto seguro, e cuja família (mãe palestina, pai baiano) tinha vindo morar em israel. junto com outros, alberto foi visitar a família (aziz, mahmud, soraya, anuar...): “na maior hospitalidade nos deram de comer e beber; respondemos a diversas perguntas sobre o brasil e demos as notícias que tínhamos sobre a bahia.” despediram-se com um salam aleikhou. conclui alberto: “nunca mais eu soube dos oliveiras. shalom para vocês também.” convenhamos: é uma bela mensagem de paz, um apelo ao entendimento e á fraternidade. alberto moghrabi é um belo escritor. e é também um belo ser humano. para qualquer leitor, trata-se de um binômio irrecusável.