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NESTA EDIÇÃO

Debates na Ensp/Fiocruz Nº 38  Outubro de 2005


Um ou dois
questionamentos Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos
sobre investigação Rio de Janeiro, RJ  21040-361
e avaliação de
serviços em saúde www. e n s p . f i o c r u z . b r / r a d i s

REFORMA PSIQUIÁTRICA
É LENTA, MAS AVANÇA
Balanço da política
de Saúde Mental
mostra conquistas
inegáveis, apesar
das resistências
e dificuldades

Fragilidade da vida:
no futuro, um novo
indicador de saúde?

Conferência das
Cidades defende a
reforma urbana já

e
O S É ES O S
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Se e f e
pr
RADIS no compartilhamento
do conhecimento em saúde

larem sobre características e funciona- Hämmerli Sozzi Moraes, também da

O arquivista Jorge Ricardo Pereira,


a museóloga Laïs Tavares e a biblio-
tecária Sandra Benigno, todos do Se-
lidades do projeto, os profissionais pro-
curaram contribuir para a reflexão so-
bre novas possibilidades em gestão de
Ensp/Fiocruz, sobre o papel das re-
des eletrônicas de comunicação e in-
formação na educação profissional de
tor de Documentação do Programa informação e conhecimento, especial- nível médio em saúde. O trabalho ana-
RADIS, da Ensp/Fiocruz, levaram três tra- mente na estruturação de fontes de in- lisa os recortes temáticos da Biblio-
balhos ao 9º Congresso Mundial de In- formação em saúde e em mecanismos teca Virtual de Saúde em Educação
formação em Saúde e Bibliotecas (ICML), de disseminação e compartilhamento. Profissional (BVS-EPS), tendo por re-
que pela primeira vez teve lugar na Amé- A dupla também fez breve relato ferência os assuntos trabalhados pe-
rica Latina, em Salvador, de 20 a 23 de histórico do Programa RADIS para apre- las Escolas Técnicas do Sistema Úni-
setembro. Eles participaram das Sessões sentar o projeto de criação da futura co de Saúde (ETSUS), disponíveis no
de Pôsteres com os estudos Coletânea Hemeroteca RADIS — um banco de da- site da Rede de Escolas Técnicas do
Radis 20 Anos, Hemeroteca Radis e Ges- dos de recortes de jornais brasileiros com SUS (RET-SUS).
tão das informações da área de educa- assuntos relativos à saúde pública, para Organizado pela primeira vez no
ção profissional em saúde — Trabalho consulta local e remota pela internet, Brasil, o ICML9 conjugou reuniões na-
em rede e inclusão social. formado a partir do acervo acumulado cionais e internacionais, entre as quais
Laïs e Jorge fizeram, em conjunto, pelo programa ao longo de seus 23 anos o 7º Congresso Latino-Americano e do
relato da experiência de produção da de existência. A hemeroteca poderá sub- Caribe de Informação em Ciências da
Coletânea Radis 20 Anos, lançada em sidiar pesquisas e estudos que auxiliem Saúde, o Crics7, e a 4ª Reunião de Co-
2004, que reuniu, em CD-ROM, as 177 na tomada de decisões técnicas e ordenação Regional da Biblioteca Vir-
edições e as 2.112 páginas dos periódi- gerenciais, além de possibilitar, dentro tual em Saúde.
cos Súmula, Tema, Dados e Jornal Pro- de seus limites, a salvaguarda da memó- O evento foi promovido pelo Cen-
posta/Jornal do Radis — publicados en- ria da saúde pública. O projeto tem ain- tro Latino-Americano e do Caribe de
tre 1982 e 2002 e hoje consolidados na da como objetivo fomentar uma rede Informação em Ciências da Saúde
revista Radis —, experiência que visa de- de iniciativas afins pelo país. (Bireme/Opas/OMS), em parceria com
mocratizar o acesso a conteúdos cujo Por sua vez, Sandra apresen- o Ministério da Saúde e a Federação
formato impresso está esgotado. Ao fa- tou estudo, em parceria com Ilara Internacional de Bibliotecas.
editorial
Nº 38 — Outubro de 2005

Conversa de doido
Comunicação e Saúde
• RADIS no compartilhamento

B aruch Spinoza dizia que o homem livre pensa sempre na morte, mas que
sua sabedoria está em meditar sobre a vida. Delicada e revolucionária, a
psiquiatra Nise da Silveira não conheceu Spinoza, mas, 300 anos após a morte
do conhecimento em saúde 2

Editorial
do filósofo, lhe escrevia cartas para aproximar-se dele “como discípula e • Conversa de doido 3
como amiga”. Porém Nise conheceu Arthur Bispo do Rosário no antigo hospí-
cio Pedro II e pôde incentiva-lo a criar e revelar sua arte consagrada em Cartum 3
todo o mundo. O sanitarista David Capistrano Filho não conheceu o escritor
Lima Barreto, que escreveu Diário do hospício quando internado pela polí- Cartas 4
cia no Pedro II, mas promoveu a histórica intervenção e humanização na
terrível Casa de Saúde Anchieta, em Santos (SP), e teve como discípulo o
Súmula 6
secretário de saúde Luiz Odorico, que fechou o manicômio Casa de Repou-
so Guararapes, onde morrera Damião Ximenes Lopes, sem a chance de ver
Toques da Redação 9
Luís Tófoli coordenar uma rede de atenção integral à saúde mental em
Sobral (CE), nem de ouvir falar de Gastão Wagner ou Rosana Onocko e da
rede de centros de atenção psicossocial de Campinas (SP). Hilton Marinho
é um simples assistente-administrativo num pequeno município fluminense,
mas defende o SUS com paixão, como sua vizinha na seção de cartas desta
revista, Christiane Brito, que é baiana como Raul Seixas, compositor prefe- Saúde mental
rido da Rádio TamTam e das festas registradas pela TV Pinel. César Victora • Como anda a Reforma Psiquiátrica? 10
conhece Jairnilson Paim, que conhece José Temporão, que conhece Madel
Luz, que conhece Pedro Gabriel, irmão de Paulo Delgado, autor do Projeto de
Lei pelo fim dos manicômios, alterado e aprovado na forma do substitutivo de
Sebastião Rocha, texto criticado por Jéferson Rodrigues. Todos defendem o
SUS, a Reforma Psiquiátrica e a Reforma Sanitária, como o doutor Domingos Debates na Ensp/Fiocruz — Epidemiologia
e tantos outros conhecidos e anônimos que não aparecem nesta edição de • Investigação e avaliação
Radis. E todos provavelmente admiravam Herbert de Souza, o Betinho, que dos serviços em saúde 20
amava o povo brasileiro. Todos loucos, que é uma “categoria social”, como • César Victora: “Nem todas
as populações são iguais” 21
ensina o mestre Paulo Amarante, discípulo de Franco Basaglia. Loucos por
• Jairnilson Paim: “Nosso campo
acreditar e lutar pela saúde de cada um e da coletividade. Loucos pela vida. está no olho do furacão” 25

Rogério Lannes Rocha


Coordenador do Radis

Ciências sociais e humanas


• Fragilidade da vida — Um futuro
C a rt um indicador de saúde? 28

6ª Conferência das Cidades


• Água, esgoto, lixo e drenagem, o
“quarteto mágico” da saúde pública 30

História da Fiocruz
• Memórias que valem a pena 32
O cara vai passando em
frente a um hospício quando uma Entrevista: José Gomes Temporão
roda do carro se solta. Sem os • “Nada na saúde foi construído em
cima de punições, mas de articulação
parafusos, o que fazer? Um sujei- e pactuação” 33
to que via a cena da janela grita:
— Tira um parafuso de cada Serviço 34
roda, fica com três em cada.
Surpreso com a solução, ele Pós-Tudo
conserta a roda, mas antes de • Poder do cidadão 35
partir não resiste à pergunta:
— Vem cá, se você é capaz
de uma idéia tão genial, por
que está aí dentro? Capa Aristides Dutra sobre pintura de
— Ué, sou louco mas não Hieronymus Bosch
sou burro. Ilustrações Cassiano Pinheiro
RADIS 38  OUT/2005
[ 4 ]

C A RTA S

L OGOMARCA DO SUS (acima). Não obstante, nas fachadas das duas chamadas para medicamentos
Unidades de Saúde ainda é rara essa genéricos. Mas já tem médico “impli-
presença, pois a gestão nos municípios cando” indiretamente, “sugerindo”
está muito centrada no “prefeito”, por que se gaste menos espaço com le-
culpa do próprio ministério. E, geralmen- tras e “desenhos” para sobrar mais
te, nenhum prefeito entende e nem espaço para a prescrição (aquela
quer entender de SUS; portanto, divul- garranchada que todos conhecemos),
gar a responsabilidade que o SUS traz certamente de “não-genéricos”.
junto com a marca não é prioridade. E o PCCS do SUS, enquadrando
A tira do Marcelo é genial! Pre- nas mesmas regras os servidores das
cisa ser espalhada! E o exemplo de três esferas de governo, é fundamen-
Santa Catarina, ao se somar aos ou- tal e urgente, inadiável. Com o cala-
tros, anima-nos a acreditar que o SUS mitoso quadro atual, promover a mar-
ainda será respeitado e consolidado. ca implicará o risco de desmoralizá-la
Será aquele trabalho de construção para sempre!
da casa, tijolo-a-tijolo, sobre os ali-  Hilton de Abreu Marinho, Santo
cerces já fundados. Não pode é ha- Antônio de Pádua, RJ
ver retrocesso.
O Ministério da Saúde devia ir P ROBLEMAS MUNICIPAIS
para a TV, de maneira séria e honesta

P arabéns pela magnífica matéria de


julho (Jesuan Xavier e Wagner Vas-
concelos). O descaso é a mais pura re-
— sem maracutaias (leia-se SMP&B e
DNA) e resgatar a afirmação da marca
junto à população. Uma parceria com
N uma interpretação do regimento
(caduco) do Conselho Municipal
de Saúde de Fortaleza, foi aprovado
alidade e, sem dúvida, atende a conve- as novelas e com os horários esporti- que conselheiros não podem ficar
niências. Sou servidor federal desde 1/ vos desempenharia um grande papel mais de quatro anos no conselho.
4/85 (antigo Inamps), municipalizado em nessa cruzada. E quanto mais rapida- Essa medida, acima de tudo, fere a
1989, e desde então sou assessor admi- mente começar, melhor. Já perdemos autonomia das instituições, que têm
nistrativo da Secretaria Municipal de uma década e meia. o direito de escolher suas represen-
Saúde de Santo Antônio de Pádua (RJ). No nosso receituário comum atu- tações conforme lhe convêm. E vai
A municipalização conduziu à necessi- al, com a aprovação do secretário mu- de encontro à Resolução nº 333, de
dade de criar inúmeros impressos e em nicipal de Saúde da gestão 2001/2004, 4 de novembro de 2003. A impressão
todos eles dei ênfase à marca do SUS incorporei a marca d’água do SUS e que fica é que querem fazer um con-
selho aparelhado e ideológico.
Observação: em Fortaleza a
logomarca do SUS é respeitada.
expediente  Jaime Sobreira Arriaga, sociólogo,
Fortaleza
Edição Marinilda Carvalho
Reportagem Katia Machado (subeditora),
Wagner Vasconcelos (Brasília/Direb),
Claudia Rabelo Lopes e Thiago
Vieira (estágio supervisionado)
Arte Aristides Dutra (subeditor) e
U ex-coordenador de políticas pú-
blicas do governo anterior do
Ceará apoiou, com o restante dos
Cassiano Pinheiro (estágio
supervisionado) gestores da Secretaria de Saúde de
Documentação Jorge Ricardo Pereira, Fortaleza, que conselheiros não fi-
RADIS é uma publicação impressa e online Laïs Tavares e Sandra Suzano
da Fundação Oswaldo Cruz, editada pelo quem mais de quatro anos no conse-
Programa RADIS (Reunião, Análise e Secretaria e Administração Onésimo
Gouvêa, Fábio Renato Lucas, lho. (...) Vergonha, vergonha mesmo!
Difusão de Informação sobre Saúde),
da Escola Nacional de Saúde Pública
Cícero Carneiro e Mario Cesar G.  Luciano Klem, Fortaleza
F. Júnior (estágio supervisionado)
Sergio Arouca (Ensp).
Informática Osvaldo José Filho e Geisa
Periodicidade mensal Michelle (estágio supervisionado)
Tiragem 44 mil exemplares
Assinatura grátis
(sujeita à ampliação do cadastro)
Endereço
Av. Brasil, 4.036, sala 515 — Manguinhos
Rio de Janeiro / RJ — CEP 21040-361
R ecebo as publicações do Progra-
ma Radis há mais de 4 anos, e gos-
taria de parabenizar os editores: todo
Presidente da Fiocruz Paulo Buss Tel. (21) 3882-9118
Fax (21) 3882-9119 o conteúdo é de grande importância
Diretor da Ensp Antônio Ivo de Carvalho
E-Mail radis@ensp.fiocruz.br para o nosso conhecimento na área
PROGRAMA RADIS Site www.ensp.fiocruz.br/radis de saúde pública. Quero aproveitar
Coordenação Rogério Lannes Rocha Impressão para protestar contra o descaso com
Subcoordenação Justa Helena Franco Ediouro Gráfica e Editora SA que o gestor deste município con-
USO DA INFORMAÇÃO — O conteúdo da revista Radis sáveis pelas matérias reproduzidas. Solicitamos aos
duz a saúde pública; se eu relatar tudo
pode ser livremente utilizado e reproduzido em qual- veículos que reproduzirem ou citarem conteúdo de não caberá nesta revista, só mesmo
quer meio de comunicação impresso, radiofônico, nossas publicações que enviem para o Radis um exem-
televisivo e eletrônico, desde que acompanhado dos plar da publicação em que a menção ocorre, as refe- vendo para crer.
créditos gerais e da assinatura dos jornalistas respon- rências da reprodução ou a URL da Web.  Juarez Macedo Silva, Planalto, BA
RADIS 38  OUT/2005
[ 5 ]

esta situação e qual a previsão de

A saúde de Açailândia foi munici-


palizada em 1995, mas até hoje
não cumpriu as regras estabelecidas
que entre em prática.
 Francisca Patrícia Santos Araújo,
Bacabal, MA
S ou assinante da Radis e não recebi
os exemplares nº 35 e 36. Não pos-
so ficar sem eles...
pela Lei 8.142/90 para receber os re-  Alessandra Pereira da Silva,
cursos do Fundo de Saúde. O Conse- Caras leitoras, a Radis tratou do Jacobina, BA
lho Municipal de Saúde tem como pre- tema nas edições 26 e 35. E deve vol-
sidente o secretário de Saúde, o que tar logo ao assunto, porque o plano Queridos amigos, pedimos descul-
não é recomendado pelo CNS. Não de carreira dos trabalhadores do SUS pas mais uma vez. Já trocamos a em-
criou o plano de carreira (PCCS) da está em fase final de discussão. presa expedidora, e as dificuldades
área da saúde e não cumpre as deli- principais foram superadas. Um novo
berações do CMS, violando assim os D EMISSÃO EM MASSA problema surgiu em setembro, com
direitos do conselho e dos funcioná- a greve dos Correios. Mas a entrega
rios da saúde.
 Conselho Municipal de Saúde,
Açailândia, MA
S audações e obrigado pela minha
primeira de muitas revistas que re-
ceberei. Acho o máximo a revista, um
logo estará normalizada.

P RIMEIRO EXEMPLAR
complemento ótimo para nós que nos
S EMPRE EM PAUTA interessamos por saúde.
Gostaria de perguntar se os agen-
tes comunitários de saúde de uma cida-
R ecebi o primeiro exemplar da re-
vista Radis após solicitar minha as-
sinatura. Gostaria de agradecer por este
de que estão em dia com o trabalho e o presente e enfatizar a importância des-
fazem bem podem ser demitidos por um ta revista como meio de disseminação
administrador por motivos políticos, ten- de informações de extrema relevân-
do em vista que esses ACS tinham em sua cia para todos os que se interessam
maioria quase quatro anos de experiên- pela Saúde Pública em nosso país.
cia. Após essa demissão em massa colo-  Vanessa Barreto Fassheber, Juiz de
caram outros agente, sem perfil algum Fora, MG
para o trabalho, tanto que já foram tro-
cados em apenas três meses. Será que o T ERCEIRO EXEMPLAR
Ministério da Saúde não pode fazer nada,
não pelos direitos dos AGS demitidos, mas
pelos direitos do povo, que está sofren-
do muito? Às vezes ficam até dois meses
sem dipirona, sem contar o descaso.
 Adalberto Luiz Santos, agente co-
munitário de saúde de 2001 a 2004,

H á algum tempo chegou até minhas


mãos uma revista Radis. Fiquei
muito entusiasmada e levei para os
Buritana, SP

A TRASO SUPERADO
colegas de trabalho, que também
gostaram muito. Como sou agente co-
munitário de saúde e a revista trata-
va justamente do assunto, fiquei ain-
G ostaria de agradecer pelo envio
da revista, mas ultimamente ela
está chegando atrasada. Para se ter uma
da mais motivada: era a edição nº 4, idéia, a nova edição já está online e
de novembro de 2002. Já que se pas- somente ontem recebi a edição ante-
saram quase três anos, gostaria de rior (a da logomarca do SUS). Acredito
sugerir nova reportagem, para mos- que a demora seja por problemas de
trar os desafios deste profissional,
como o trabalho está sendo visto tan-
to pela população como pelas auto-
postagem, mas nós que amamos esta
revista não conseguimos ficar tanto tem-
po esperando. Continuem produzindo
E stou recebendo pelo 3º mês a edi-
ção da revista e confesso que é uma
aula de cultura e informação. Sem con-
ridades e os resultados obtidos com este importante veículo de comunica- tar que ficamos nós, assinantes desta
o programa. ção e interação para o Setor Saúde. revista, orgulhosos de poder participar
 Sônia Regina Godinho Borcard, Juiz  Julio Cesar da Silva Sanches, Nova de uma equipe competente e profissi-
de Fora, MG Friburgo, RJ onal. Estou me dedicando à leitura todo
mês, e aprendendo sobre problemas
sociais, políticos, culturais e, por que

G ostaria de parabenizá-los pela exce-


lente revista que é a Radis, sem-
pre abordando temas apropriados
F iquei sabendo da Radis por um ami-
go, fiz a assinatura e em pouco
tempo já estava recebendo a revista;
não dizer, de cidadania. Muito obriga-
do pela oportunidade. Vou me esfor-
çar para que no futuro possa partici-
para quem trabalha e utiliza a saú- no entanto, nos dois últimos meses par deste time e colaborar com os
de pública no Brasil. Mas, como sa- fiquei sem recebê-la (junho e julho) cidadãos que querem construir uma
bemos, os profissionais de saúde, e está fazendo muita falta, pois seu sociedade mais justa e solidária.
como enfermeiros e médicos do Pro- conteúdo é indispensável para quem  José Ademilson da Silva (Zé de
grama Saúde da Família, não têm quer estar bem-informado. Queria Nonda), técnico em enfermagem,
nenhuma garantia nem direitos tra- saber o que posso fazer para voltar a educador popular em saúde, integran-
balhistas. Então, queria saber se receber a revista. te do Conselho Tutelar de Brejo da
existe algum projeto para legalizar  Jussara Albuquerque, Belém Madre de Deus, PE
RADIS 38  OUT/2005
[ 6 ]

E XEMPLARES ÚTEIS

SÚMULA
S ou estudante de Enfermagem do
6º semestre da Universidade Esta-
dual do Sudoeste da Bahia. Quero
agradecer os exemplares da Radis, que Guarujá (SP) quando sofreu contu-
serão utilizados como referencial em VIOXX NA J USTIÇA : R$ 600 MILHÕES são. “Apareceram com uma solução
meu projeto de monografia em saúde caseira que foi aplicada no ombro, e
pública. É considerável o compromis-
so da Radis na divulgação de temas
relevantes do panorama de saúde,
U m tribunal de Angleton, no Texas
(Estados Unidos), considerou o
laboratório farmacêutico Merck cul-
a melhora foi bem rápida”, contou o
médico Dagoberto Brandão, dono da
consultoria Pharma Consulting. Os três,
abordando com pertinência o rompi- pado de negligência por vender o então, deram início ao processo de
mento do sistema médico-assistencial analgésico Vioxx, e deu ganho de desenvolvimento do antiinflamatório
privatista, voltado para a doença, e a causa a Carol Ernst, cujo marido, fitoterápico nacional.
inserção e validação do modelo da Robert Ernst, tomava o remédio e O farmacólogo pretende conti-
vigilância em saúde, que trabalha com morreu enquanto dormia aos 59 nuar aproximando as pesquisas feitas
o perfil epidemiológico e as necessi- anos. O tribunal estabeleceu a in- na universidade e a iniciativa privada.
dades de saúde da população. denização em US$ 253,4 milhões (cer- “Existe muito ranço sobre essa ques-
 Christiane da Silva Brito, Jequié, BA ca de R$ 600 milhões), que cobrem tão no Brasil. De um lado, é preciso
os salários que Ernst receberia como dizer que não adianta nada existir a
gerente de produção da rede vare- patente se, por trás disso, não vier a

S ou estudante do Centro Profissio-


nalizante Técnico em Enfermagem,
e gostaria de parabenizar pelas ma-
jista Wal-Mart e os problemas pesso-
ais de Carol, como “angústia men-
tal” e “perda de companhia”. Já há
inovação, a novidade e a aplicação
industrial”. E a iniciativa privada, para
ele, deve ter em mente que o co-
térias publicadas na Radis, que têm mais de 4 mil ações em curso contra nhecimento tem valor em si mesmo.
nos ajudado muito em nossas pales- o Merck relacionadas ao Vioxx nos “Muitos querem tudo de graça”. Os
tras sobre saúde pública. EUA, além de muitas outras no exte- detalhes do projeto foram apresen-
 Nubia Lima, Uruará, PA rior — inclusive no Brasil. Com esta tados pela primeira vez à comunida-
primeira condenação, fica criada de científica na Reunião Anual da
jurisprudência. Federação de Sociedades de Biolo-

S ou acadêmica do 6º período do cur-


so de Enfermagem e, desde que co-
mecei a ler os assuntos desta revista
As ações do Merck na bolsa ame-
ricana já caíram 7% desde que o Vioxx
foi retirado do mercado mundial, em
gia Experimental (Fesbe) encerrada
em 27 de agosto na cidade de Águas
de Lindóia (SP).
que estão relacionados com a saúde setembro do ano passado, depois que “O dossiê enviado à Agência Na-
pública, gostei muito dos conteúdos estudos indicaram que o remédio au- cional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
abordados. Obrigada à Radis por ter menta o risco de problemas cardio- com o objetivo de aprovar o medi-
aceitado minha assinatura. Sei que vou vasculares em pacientes que o toma- camento é considerado uma refe-
aproveitar muito esta revista. ram por mais de um ano e meio. rência”, elogia Dagoberto Brandão.
 Cleusa Mara Werkhauser, Três de “Todas as fases dos testes pré-clíni-
Maio, RS cos e clínicos foram realizadas com
UM ANTIINFLAMATÓRIO 100% absoluta precisão.” E acrescenta:
NACIONAL “Em 100% dos testes em humanos ne-

T enho recebido os exemplares da


revista Radis e, como leitor, gos-
taria de parabenizá-los pelas matéri- A cheflan é o primeiro antiinflama-
tório fitoterápico desenvolvido no
nhum efeito adverso foi registrado”.
Para ele, há no caso uma grande vi-
tória simbólica: “Isso serve para mos-
as publicadas, que nos servem como Brasil. Com dois meses no mercado, trar aos jovens estudantes, ao go-
fonte de pesquisa. Parabéns à Fiocruz, empatou em vendas com o conhecido verno em geral e a toda a população
aos redatores e a toda a equipe téc- Cataflan, informou a Agência Fapesp que nós podemos fazer. Isso repre-
nica deste meio de comunicação tão em 31/8. “Nenhuma parte da pesqui- senta um sonho de muitas pessoas”.
importante para nós, profissionais da sa foi realizada fora do Brasil”, disse o Ele acredita que o que restou
saúde, que recebemos e damos ori- pesquisador em farmacologia João Ba- ao Brasil é desenvolver medicamen-
entações ao nosso povo para ter uma tista Calixto, da Universidade Federal tos a partir de plantas. “Não adianta
vida saudável. Meus cumprimentos e de Santa Catarina, que levou “vida querer ganhar a primeira divisão, se
minha gratidão à Fiocruz e a todos os dupla” nos últimos sete anos, para o nosso time está apto a jogar na se-
responsáveis por esta revista. manter o segredo do projeto, quase gunda”. O Laboratório Aché gastou
 Francisco Amorim Mendes, Rio de que totalmente desenvolvido com re- R$ 15 milhões para desenvolver o pro-
Janeiro cursos privados. O Laboratório Aché duto, valor considerado pequeno para
e o grupo de pesquisa assinaram um o desenvolvimento de um medicamen-
contrato de prestação de serviço. to desse tipo.
NORMAS PARA CORRESPONDÊNCIA “Todos que participaram receberam
A Radis solicita que a correspondên- pelos serviços, não existe direito so-
cia dos leitores para publicação (car- bre royalties ou algo parecido”. E STUDO AFIRMA QUE HOMEOPATIA
ta, e-mail ou fax) contenha identifi- O antiinflamatório é feito com NÃO FUNCIONA
cação completa do remetente: nome, base numa planta da Mata Atlântica,
endereço e telefone. Por questões de
espaço, o texto pode ser resumido.
a erva-baleeira ou maria milagrosa
(Cordia verbenacea). O dono do labo-
ratório, Victor Siaulys, jogava tênis no
A revista científica The Lancet pu-
blicou artigo no início de setem-
bro afirmando que não há provas de
RADIS 38  OUT/2005
[ 7 ]

que os remédios homeopáticos fun- ção. Haverá intercâmbio de informa- mas eles chegam a 98% no Lower Ninth
cionem mais do que o placebo (pílu- ções entre os laboratórios e a reali- Ward, bairro que ficou quase comple-
las sem efeito usadas em estudos zação de pesquisas para o tratamen- tamente submerso e onde ocorreu o
comparativos). Os autores, das uni- to de outras doenças, como mal de maior número de mortes. A vítimas fa-
versidades de Zurique e Berna, na Chagas e tuberculose. tais eram quase 1.000 em 19 de se-
Suíça, e de Bristol, na Inglaterra (li- tembro, mas as autoridades enco-
derados pelo professor Matthias mendaram 25 mil sacos plásticos para
Egger, de Berna), dizem que “é hora KATRINA EXPÕE A POBREZA AMERICANA transporte de corpos. O respon-
de parar” com as pesquisas sobre a
homeopatia e que os homeopatas
deveriam ser honestos com seus pa-
cientes e revelar a “falta de benefí-
cios” da homeopatia. O grupo anali-
sou 110 estudos sobre tratamentos e
remédios homeopáticos, e não encon-
trou provas “convincentes” de que
estes medicamentos tenham efeito.
A polêmica a respeito da homeo-
patia é antiga. The Lancet cita um
relatório anterior, da Organização
Mundial de Saúde (OMS), que con-
traria o trabalho dos pesquisadores
suíços e britânicos. Edzard Ernst,
professor de Medicina Complemen-
tar na Escola de Medicina de Exeter,
disse que os testes citados pela
OMS “não são os mais rigorosos, nem
os mais recentes”.
Em 2002 o ex-ilusionista america-
no James Randi, que se dedica a des-
truir mitos, ofereceu US$ 1 milhão
O s americanos foram confrontados
com a pobreza do Terceiro Mun-
do em sua própria casa, após a passa-
sável pela defesa civil dos EUA foi de-
mitido por acusar os flagelados de ig-
norarem os alertas de abandono da
(cerca de R$ 2,39 milhões) a quem gem do furacão Katrina, apontou a cidade. Mas um terço do meio milhão
provar, em testes de laboratório, que agência Inter Press Service (IPS), de habitantes de Nova Orleans, por
homeopatia cura. Até o momento, sediada em Roma. Milhares de habi- exemplo, não tinha carro próprio.
ninguém ganhou o prêmio. Na Grã- tantes de três estados do Sul Muitos nem sequer sabiam aonde ir.
Bretanha (assim como no Brasil), a (Mississipi, Louisiana e Alabama), es- O abismo entre ricos e pobres
homeopatia está disponível para usu- pecialmente os negros, perderam não pára de aumentar nos EUA, e em
ários do sistema público de saúde. casas, empregos e ficaram sem comi- meados de setembro estava prevista
Alguns afirmam que deveria ter o uso da e água. Foi um choque para o ame- a votação de uma lei que eliminaria
mais difundido, enquanto outros sus- ricano “médio”. “Vi tais cenas na te- os impostos sobre imóveis. O Tesou-
tentam que não deveria ser usada de levisão antes, mas sempre em lugares ro perderá 1 trilhão de dólares em 10
modo algum. distantes”, escreveu um repórter do anos — o que representa mais cortes
New York Daily News. “Em nações do em serviços sociais.
Terceiro Mundo, não aqui.” Nos primeiros dias da cobertura
B RASIL E A RGENTINA JUNTOS CONTRA A agência observou que o status da tragédia, a grande imprensa não
A A IDS de superpotência e de país-templo do atentou para esses fatores, lembra a
consumismo sempre escondeu a rea- IPS. Até que um apresentador da CNN,

O s ministros da Saúde do Brasil,


Saraiva Felipe, e da Argentina,
Ginés González García, assinaram
lidade dos guetos: em Nova Orleans,
um terço da cidade vive abaixo da li-
nha da pobreza; Louisiana e Mississippi,
Jack Cafferty, criticou os colegas jor-
nalistas por ignorarem “o elefante na
sala”: a cor e a condição econômica
acordo em Buenos Aires para produ- os dois estados mais atingidos pelo da maioria das vítimas. O New York
zir em conjunto medicamentos con- furacão, registram os mais altos índi- Times em seguida comentou o as-
tra a Aids. Com a parceria, esperam ces do país em número de crianças sunto na primeira página: “As cida-
reduzir os gastos dos tratamentos pobres — acima de 50% do total de des mais pobres dos EUA foram dei-
que hoje atendem a cerca de 200 crianças. Em 2004, pelo quarto ano xadas em situação vulnerável pelas
mil infectados nos dois países. Se- seguido, cresceu o índice de pobreza políticas públicas federais”. Se even-
gundo Saraiva, as economias geradas no país como um todo: 12,7%, segun- tualmente Nova Orleans voltar à nor-
pelo acordo serão revertidas na do relatório do Escritório do Censo malidade, “seus pobres vão ficar no-
melhoria do tratamento. “Nossa meta americano, divulgado em 31 de agosto vamente invisíveis”, completou o
é garantir o acesso de brasileiros e (www.census.gov/prod/2005pubs/p60- Washington Post.
argentinos aos remédios”, declarou 229.pdf) — dois dias depois da passa- A reparação dos danos custaria
Saraiva. Dos 17 anti-retrovirais exis- gem do furacão. U$ 100 bilhões, segundo estimativa
tentes no mercado, oito são fabri- A pobreza nos EUA atinge especi- de especialistas em meio ambiente
cados no Brasil. O acordo prevê uma almente negros e minorias étnicas em entrevistados pelo diário britânico
lista de prioridades para produção geral. Segundo o Center for American The Guardian. “Estamos falando de um
dos remédios, mas ainda não foi ela- Progress (CAP), dois terços da popu- programa de reconstrução que nun-
borado o cronograma de sua execu- lação de Nova Orleans são de negros, ca foi visto antes neste país”, disse
RADIS 38  OUT/2005
[ 8 ]

Hugh Kaufman, da Agência de Prote- não conseguiu o status de urgência além de levar uma testemunha. A paci-
ção Ambiental americana, que ajudou urgentíssima para o exame da maté- ente também terá de assinar um ter-
a limpar Nova York depois dos ataques ria. Agora, só em 2007. mo de responsabilidade e um outro de
de 11 de setembro de 2001. “Estamos advertência. “Ela precisa saber que, se
falando de uma quantia equivalente não foi estuprada, o aborto será um
ao dinheiro que está sendo posto no D OUTORES DA A LEGRIA EM REVISTA crime”, disse ao Correio Braziliense de
Iraque.” E aí está o problema: o pre- 7/9 Regina Viola, técnica da Saúde da
sidente Bush já deve muito à indús- Mulher do Ministério da Saúde.
tria bélica, pois o Congresso, embora O Conselho Federal de Medici-
de maioria republicana, não conse- na (CFM), que sempre recomendou
gue aprovar novos aportes de recur- aos médicos que exijam o boletim de
sos na velocidade dos gastos bélicos. ocorrência nesses casos, para que
Estará Bush disposto a deixar de lado não sejam vítimas de processo na
seu esforço de guerra para recons- Justiça, preparava-se em setembro
truir cidades pobres? No dia 15/9 ele para rever a questão. Para a secre-
garantiu que sim, que gastará o que tária-executiva da Rede Nacional Fe-
for necessário na reconstrução da minista de Saúde, Fátima Oliveira,
Costa do Golfo. não faz sentido apresentar BO em
hospital. “O Código Penal brasileiro

C ÉLULAS - TRONCO
NO B RASIL
EM CULTIVO A o completar 14 anos de fundação,
o grupo Doutores da Alegria, a pri-
meira organização brasileira fundada
dispensa o boletim, só quem fazia
essa exigência era o CFM, que é um
órgão conservador”, disse. A Confe-
com o objetivo de levar a arte do rência Nacional dos Bispos do Brasil

S eis meses depois de aprovada a Lei


de Biossegurança, centros de pes-
quisas nacionais começaram a culti-
palhaço a crianças e adolescentes
hospitalizados, lançou em 30 de agos-
to uma revista semestral. Boca Larga
(CNBB) prometeu fazer pressão so-
bre o CFM e o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva para tentar revogar a
var em setembro células-tronco em- — Coleção Doutores da Alegria trará portaria do ministro Saraiva Felipe.
brionárias, indiferentes à polêmica reportagens diversas e artigos de pro- Segundo o jornal, com esta estraté-
que o tema ainda desperta entre fissionais de diferentes áreas do sa- gia a igreja conseguiu fazer com que
outros grupos de pesquisadores. A ber. O objetivo da publicação é di- o governo adiasse o envio ao Con-
Universidade Federal do Rio de Ja- vulgar as pesquisas de seu Centro de gresso do anteprojeto que prevê a
neiro (UFRJ), em parceria com a Uni- Estudos. A edição de estréia tratará descriminalização do aborto, elabo-
versidade de São Paulo (USP) e ou- da formação do palhaço, do históri- rado por comissão tripartite formada
tras instituições, já promete os co do palhaço brasileiro, da ética e por integrantes do Executivo, do
primeiros resultados em três meses, da qualidade no trabalho de palha- Legislativo e da sociedade civil.
como afirmou o pesquisador Stevens ços em hospitais, além dos resulta- O recuo do governo estava pre-
Rehen, do Departamento de Anato- dos das atividades da organização em visto pelos parlamentares, porque
mia da UFRJ. “Este cultivo ainda não hospitais no Brasil e no exterior. Es- uma carta da CNBB sensibilizou o pre-
foi feito no Brasil, trata-se de fase tudo realizado entre 2002 e 2004 pelo sidente. Na carta, os bispos reafir-
fundamental para a pesquisa com Centro de Estudos da instituição le- maram sua “posição em defesa da vida
células-tronco”, disse. “Nosso obje- vantou a existência de 316 organiza- em todos os seus aspectos e em todo
tivo, em longo prazo, é poder pro- ções dessa natureza. o seu alcance”.
duzir esse tipo de célula de forma A revista, de 160 páginas, custa
ilimitada, sem ter que recorrer a im- R$ 12 e está à venda no site do grupo
portações”. Antes da nova lei, a prá- (www.doutoresdaalegria.org.br). O PERAÇÃO R OUPA S UJA PÕE FIM
tica era proibida no país. A LAVAGEM DE DINHEIRO

P ORTARIA BO
PLP 1/03 APROVADO NA CCJ
DO É RESTABELECIDA
A Polícia Federal e o Ministério Pú-
blico Federal prenderam duas qua-

M ais um passo à frente do Projeto


de Lei Complementar nº 1/03,
M ulheres vítimas de estupro já po-
dem voltar a procurar o SUS
para abortar legalmente, sem a apre-
drilhas que comandavam esquemas de
fraude em licitações na saúde e
superfaturamento de remédios em até
que regulamenta a Emenda Constitu- sentação do boletim de ocorrência 700%. A operação, batizada de Roupa
cional 29 e define os gastos mínimos (BO) policial. O ministro da Saúde, Suja, levou à prisão 13 pessoas no Rio,
em saúde, além de especificar o que Saraiva Felipe, decidiu recolocar em em São Paulo e em Goiás, acusadas
é área da saúde: a Comissão de Cons- vigor a portaria de seu antecessor, de fraudar a compra de insumos usa-
tituição e Justiça e de Cidadania da Humberto Costa. Ao assumir o car- dos na fabricação de remédios e a
Câmara aprovou no dia 20 de setem- go, Saraiva suspendeu 58 portarias, prestação de serviços de lavanderia
bro, por unanimidade, o parecer do que está liberando pouco a pouco. a hospitais do Rio. Outros 14 acusa-
relator, deputado José Pimentel (PT- Em 2 de setembro, a dispensa do dos responderão ao processo em li-
CE), favorável ao aguardado PLP do registro do estupro na delegacia vol- berdade e apenas um dos denuncia-
deputado Roberto Gouveia (PT-SP), tou ao Diário Oficial, com algumas dos está foragido.
já aprovado nas comissões de Orça- alterações. Segundo o procurador da Repú-
mento e de Seguridade. A intenção Para interromper a gravidez pelo blica Carlos Alberto Aguiar, os frau-
de Gouveia era que o projeto já vi- SUS, a mulher vítima de estupro terá dadores combinavam preços e se re-
gorasse no orçamento de 2006. In- que relatar em detalhes o crime e pre- vezavam para vencer as licitações de
felizmente, a “bancada da saúde” encher três formulários no hospital, hospitais públicos, sobretudo fede-
RADIS 38  OUT/2005
[ 9 ]

rais. As empresas que não participa-


vam da fraude não tinham chance de
vencer. “Eles loteavam os hospitais.
Como já estava decidido quem ven-
ceria, as demais empresas só entra-
vam na licitação para garantir a lega-
lidade do pregão” disse ao Globo. O
dinheiro roubado estão em paraísos
fiscais. O MP já entrou em contato
com autoridades desses países para da Ciência e Tecnologia. A proposta
tentar repatriar os valores. estima que o Fundo Nacional de De-
senvolvimento Científico e Tecnológico
(FNDCT) arrecadará mais de R$ 2 bi-
A TRAGÉDIA DE C HERNOBYL FOI MENOR ? lhões, mas o ministério só poderá in-
NEGOCIAÇÃO EM ALTA — O Ministério vestir R$ 850 milhões. A diferença (de

O maior acidente nuclear da his-


tória não provocou tantas mor-
tes quanto se imaginava, afirma es-
do Meio Ambiente, o Ibama e o gover-
no de Mato Grosso assinaram no dia 2
de setembro alguns acordos para re-
R$ 1,2 bilhão), determinou a equipe
econômica, vai para a “reserva de
contingência”: só poderá ser usada
tudo da Organização das Nações Uni- duzir o desmatamento ilegal na região. com autorização especial do Congres-
das, elaborado por 100 pesquisadores Um deles prevê que o estado assuma so. Se o orçamento for aprovado pe-
e profissionais de saúde. Até agora, a gestão de toda a atividade flores- los parlamentares, vão por água abai-
56 mortes foram diretamente relaci- tal, podendo emitir licenças ou au- xo os planos do ministro Sérgio
onadas à radiação liberada em 1986 torizações para transporte de produ- Rezende de aumentar de R$ 750 mi-
pela usina nuclear de Chernobyl, na tos florestais e para planos de manejo lhões para R$ 1 bilhão, em 2006, o
Ucrânia, que na época era repúbli- em propriedades de qualquer tama- uso dos recursos do fundo. Já há um
ca soviética. O número é bem me- nho (antes, cabia ao Ibama licenciar avanço: o ministério pode gastar 48%
nor que o divulgado pelas autorida- propriedades com menos de 300 hec- dos recursos, mais que os 42% do ano
des ucranianas, que falavam em mais tares). Ou seja, caberá ao “rei do passado. Mas a LDO previa 60%. Por-
de 100 mil mortos. desmatamento”, o governador Blairo tanto, é hora da grita.
O levantamento calcula tam- Maggi (Radis 34), a tarefa de fiscali-
bém que 3.940 pessoas ainda deve- zar a derrubada da floresta em seu MEMÓRIA E SAÚDE — O 2º Seminário
rão morrer de câncer — número estado. Essa decisão contém um Internacional Memória e Saúde:
abaixo dos 8 mil previstos por estu- ensinamento, sobre o qual vale algu- interfaces da interdisciplinaridade,
dos independentes e bem abaixo da ma reflexão: para a ministra Marina promovido em São Paulo (3 a 5/8) pelo
estimativa de 150 mil do governo Silva, a negociação é melhor do que Núcleo de Investigação de Memória
ucraniano logo após a tragédia. As o confronto. em Saúde do Instituto de Saúde/SES-
pessoas que ainda deverão morrer SP, permitiu intenso debate sobre as
por seqüelas da radiação estão en- “CARONAS” DO SUS — O colunista formas de articulação entre os diver-
tre os 200 mil funcionários que cui- Ilimar Franco, do Globo, informou (em sos profissionais envolvidos nas tare-
daram da limpeza e da reconstru- 12/9) que “o ministro Saraiva Felipe fas de preservação, pesquisa e disse-
ção da área e os 400 mil habitantes reuniu sua equipe no Ministério da minação de acervos e fontes de
da região do acidente. Dos 56 mor- Saúde para definir as prioridades de pesquisa na temática da saúde. Os par-
tos em Chernobyl, 47 eram funcio- sua gestão”. A principal decisão é dar ticipantes — historiadores, médicos,
nários e nove eram crianças, que início a uma ofensiva para retirar os sociólogos, enfermeiras, antropólo-
morreram de câncer de tireóide. caronas do orçamento do SUS: o des- gos, documentalistas, assistentes so-
Esses números irreais e a con- te ano contém R$ 5 bilhões desvia- ciais — mostraram a consolidação da
seqüente preocupação que provo- dos para o Fome Zero, do Ministério interdisciplinaridade nas pesquisas em
caram criaram graves problemas psi- do Desenvolvimento Social, para os saúde, com crescente articulação de
cológicos na população afetada, hospitais universitários, do Ministério diferentes instituições e profissionais.
afirma o estudo. O Greenpeace ques- da Educação, e de obras de sanea- Entre as conclusões, o seminá-
tionou a metodologia adotada pe- mento, do Ministério das Cidades. Fica rio provou que os aspectos teóri-
los especialistas da ONU. “Eles só até esquisito a área de saúde conde- co-metodológicos de cada área não
contaram mortes por câncer, mas nar investimentos no importantíssimo devem ser “padronizados”, mas dis-
não consideraram as mortes pre- Fome Zero, nos imprescindíveis hos- cutidos, compreendidos e estimu-
maturas”, disse Vladimir Chuprovc, pitais universitários e no inadiável sa- lados visando a multiplicação de dis-
coordenador do Greenpeace na neamento, mas o fato é que dinheiro tintas formas de análise dos casos
Rússia. “Milhares de funcionários do SUS é dinheiro do SUS. Entra-ano- estudados. Outra grande questão a
tiveram o sistema imunológico en- sai-ano e esses desvios continuam ser resolvida, segundo os participan-
fraquecido e agora estão mais sus- (Radis 28). E só vão acabar quando tes, reside no estabelecimento de
cetíveis a doenças, o que resultará for aprovado o PLP 01/03, que mecanismos modernos e eficazes de
em mortes prematuras.” explicita de vez o que é área de saú- divulgação do saber como forma de
de e o que não é. superar lacunas e distâncias entre
a eqüidade e a atenção à saúde dis-
SÚMULA é produzida a partir do acom- PERDAS EM C&T — A proposta orça- pensada a grupos em situação de
panhamento crítico do que é divulgado mentária para 2006 também retira 40% vulnerabilidade e os historicamen-
na mídia impressa e eletrônica. dos recursos dos fundos de apoio à te marginalizados — índios, negros
pesquisa controlados pelo Ministério e mulheres.
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S AÚ D E M E N TA L

Como anda
a Reforma
Psiquiátrica?
Pergunta-se mais: como tratar sem O movimento, nesse momento,
Katia Machado excluir, sem retirar o indivíduo do deixou claro à sociedade que não
convívio social e familiar? bastava humanizar os hospícios, me-

A
Organização Mundial de Saú- A internação em hospícios e asi- lhorar o ambiente manicomial ou am-
de dedica a data de 10 de los manicomiais e, conseqüentemen- pliar o número de profissionais des-
outubro ao Dia Mundial da te, a exclusão do convício social das sas instituições. A idéia era muito mais
Saúde Mental. Nesses tempos pessoas com transtornos mentais, ampla: em lugar dos manicômios, a
de balanço da democracia, em que a passou a ser fortemente questiona- proposta era trazer o “louco” de vol-
sociedade exige mais ética na políti- da no país a partir da década de 70, ta ao convívio social, resgatar a cida-
ca, e o próprio governo propõe uma com o surgimento do movimento da dania dos que passaram anos de suas
reavaliação do Sistema Único de Saú- Reforma Psiquiátrica. Formado inici- vidas trancafiados, sofrendo maus tra-
de (SUS), é oportuno debater os ru- almente por profissionais da área da tos e humilhações (ver box nas pági-
mos das políticas públicas de saúde saúde mental, o movimento incorpo- nas 14 e 15).
mental e o estado da arte do trata- rou as famílias dos pacientes, os pró- O movimento se caracterizou por
mento aos transtornos mentais. A Lei prios pacientes e ganhou força a par- um conjunto de iniciativas políticas,
nº 10.216, aprovada em abril de 2001, tir dos avanços da Reforma Sanitária, sociais, culturais, administrativas e ju-
que estabelece os direitos dos paci- consagrados na Constituição de 1988, rídicas que tinham um objetivo: trans-
entes e regula as internações psiqui- e, posteriormente, do advento do formar. Transformar a relação da soci-
átricas, está prestes a completar cinco SUS, com a Lei 8.080, de 1990. edade com o doente, transformar a
anos de vigência, no contexto das As ações do movimento começa- instituição e o setor médico-psiquiá-
mais de duas décadas do Movimento ram a ter visibilidade com a 1ª Confe- trico, transformar as próprias práticas,
Nacional de Luta Antimanicomial e dos rência Nacional de Saúde Mental e o estabelecidas séculos antes, do lidar
15 anos do SUS. 2º Congresso Nacional dos Trabalha- com as pessoas que apresentam
Vale a pergunta: mudou a for- dores de Saúde Mental, em Bauru transtornos mentais.
ma de lidarmos com o doente men- (SP), em dezembro 1987, quando o A Reforma Psquiátrica se
tal, em comparação ao passado? secretário de Saúde da cidade era o organizou então em torno dos
Está sendo de fato posta em práti- médico-sanitarista David Capistrano da princípios de desinstituciona-
ca nossa avançada legislação, que Costa Filho (1948-2000), ativo militan- lização e desospitalização, para
preconiza o não-tratamento em ins- te das duas reformas, posteriormen- a garantia dos direitos de cidadania
tituições asilares ou manicomiais? te secretário e prefeito de Santos. dos doentes mentais. No entendimento
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[ 12 ]

do médico-psiquiatra Pedro Gabriel em Santos, em 1989, com o fechamen- da Rádio e da TV Tam Tam, produzidas
Godinho Delgado, coordenador-ge- to da Casa de Saúde Anchieta, na épo- por ex-internos da Casa de Saúde
ral da Saúde Mental do Ministério ca conveniada ao antigo Inamps, e a Anchieta, e a República Manequinho,
da Saúde (área ligada ao Departa- criação de núcleos de atenção em homenagem a seu primeiro mora-
mento de Ações Programáticas Es- psicossocial (NAPs) e de centros de dor, para acolher ex-internos sem casa
tratégicas, da Secretaria de Aten- atenção psicossocial (CAPs) — que ou família. Segundo o educador Rena-
ção à Saúde), a reforma tinha dois serviram de modelo para todo o país. to Di Renzo, idealizador e coordena-
vetores: a desconstrução do modelo Esses serviços prestavam atendimen- dor desse projeto hoje transformado
hospitalocêntrico e a expansão de to assistencial humanizado 24 horas em organização não-governamental, a
uma nova proposta. por dia com o paciente e sua família, proposta era dialogar com a socieda-
A inspiração dessa nova propos- em bases territoriais, sem internação. de e acabar com a idéia de que louco
ta vinha da Europa, da modelar refor- “Era comum as pessoas morre- precisa ser trancafiado em asilos
ma psiquiátrica italiana, liderada pelo rem de delírio e alucinações nesses manicomiais. “E o projeto deu certo:

Os cartazes
que ilustram
esta reportagem
pertencem ao acervo
do professor Paulo
Amarante, da
Ensp/Fiocruz

médico-psiquiatra Franco Basaglia só a rádio ficou oito anos no ar como


(1924-1980), precursor de mudanças líder de audiência”, exalta o profes-
profundas nas políticas de saúde men- sor de Arte-Educação.
tal de seu país a partir de 1961, no A partir de Santos, ainda em
movimento conhecido como Psiqui- 1989, o deputado Paulo Delgado (PT-
atria Democrática. Em 1973, a Orga- MG), um dos líderes do Movimento
nização Mundial de Saúde (OMS) Antimanicomial, apresentou o Proje-
credenciou o Serviço Psiquiátrico de to de Lei 3.657, que apontava a ne-
Trieste, que Basaglia dirigia, como cessidade de modernização da legis-
principal referência mundial para uma lação, ainda de 1934, e propondo a
reformulação da assistência em saú- substituição progressiva dos manicô-
de mental. Em 1978 foi finalmente mios. Esquecido nos escaninhos do
aprovada na Itália a Lei 180, a da Re- Congresso por 12 anos, acabou apro-
forma Psiquiátrica Italiana, também vado um substitutivo do então se-
conhecida como "Lei Basaglia". nador Sebastião Rocha (PDT-AP): do
Basaglia defendia que o hospício texto da lei resultante, a 10.216 de
foi construído por uma razão: para 2001, foi retirada a espinha dorsal
controlar e reprimir trabalhadores hospitais”, conta o médico-sanitaris- da reforma, que era a substituição
que perderam a capacidade de res- ta Paulo Amarante, pesquisador e pro- dos manicômios.
ponder aos interesses capitalistas de fessor da Escola Nacional de Saúde
produção. Ele afirmava que o trata- Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz). PAÍS DE “LOUCOS”
mento imposto por médicos e psiqui- “Algumas morriam devido à violência, De acordo, com a Coordenação
atras não passava de uma camisa-de- à desnutrição, às doenças infecto- de Saúde Mental do Ministério da
força alienante, com a finalidade única contagiosas, ao abandono e ao des- Saúde, 3% da população brasileira
de devolver o paciente ao círculo pro- caso”. Amarante conta que, nessas sofrem de transtorno mental severo
dutivo, isto é, o trabalhador, transfor- situações, normalmente se abriam pro- e persistente (o IBGE estima a popu-
mado em mercadoria, tratado mais cessos e comissões de inquérito. “E lação brasileira em 184 milhões — 3%
uma vez como mercadoria. os hospitais eram remodelados”. San- seriam 3,6 milhões de pessoas); 6%
tos, lembra ele, foi a primeira cidade apresentam transtornos psiquiátricos
TRATAR SEM EXCLUIR a fechar de fato seu principal hospital graves decorrentes do uso de álco-
As teses de Basaglia foram psiquiátrico, com 40 anos de existên- ol e outras drogas; 12% necessitam
trazidas ao Brasil por profissio- cia e quase 700 internos, e a propor de algum atendimento em saúde men-
nais que, em visita à Itália, vi- um novo modelo. “Foi um laboratório tal, seja contínuo ou eventual. E 2,3%
ram ser possível tratar os “lou- efetivo de como tratar os loucos e do orçamento anual do SUS estão
cos” sem excluí-los. A primeira suas famílias sem internação”. destinados à área.
experiência bem-sucedida de trata- Foi no balneário paulista que sur- Diante de números tão expres-
mento fora de hospícios teve lugar giram o projeto inovador de criação sivos, o governo planeja reduzir pro-
RADIS 38  OUT/2005
[ 13 ]

gressivamente os leitos psiqui- agosto de 2005, o número de


átricos, além de qualificar, ex- leitos em hospitais psiquiátricos
pandir e fortalecer a rede ex- convencionais (que eram 86 mil
tra-hospitalar. Esta rede é em 1991) caiu de aproximada-
constituída de CAPs (unidades mente 56 mil para 42.472, em ins-
de saúde que reúnem paci- tituições com o perfil proposto
entes de uma região e ofere- pela lei; em agosto eram 228 hos-
cem cuidados intermediários pitais psiquiátricos (313 em
entre o regime ambulatorial 1991); os 253 CAPs de 2000 eram
e a internação hospitalar); de 660 em agosto de 2005; e as re-
Serviços Residenciais Tera- sidências terapêuticas passaram
pêuticos, os SRTs (moradias de menos de 50 em 2000 para
inseridas na comunidade, 320 em 2005. Segundo Pedro

destinadas a pacientes com transtor- Nesse trabalho, coordenado Gabriel, há uma rede de atenção
nos mentais egressos de internações pela Saúde Mental do ministério, psicossocial de base comunitária, de
psiquiátricas de longa permanência, estão outras propostas: a inclusão âmbito nacional, que ampliou “radical-
com dificuldades de reintegração das ações da saúde mental na aten- mente” o acesso ao atendimento dos
familiar, moradia e reinserção soci- ção básica; a política de atenção in- portadores de transtornos mentais.
al); e nas Unidades Psiquiátricas em tegral a usuários de álcool e outras Outro indicador importante na
Hospitais Gerais (UPHG). drogas; a extensão a todo o país opinião de Pedro Gabriel diz respeito
do programa “De Volta Para Casa” ao financiamento do SUS para a saú-
(que reintegra socialmente os pa- de mental: em 1997, 93,14% dos re-
Radis adverte cientes de transtornos mentais
egressos de longas internações e
cursos remuneravam internações psi-
quiátricas, sobrando um resíduo de
paga-lhes o auxílio-reabilitação 6,8% para o sistema extra-hospitalar;
psicossocial); um programa perma- ao fim de 2004, os percentuais eram
nente de formação de recursos hu- de 63,86% e 36,16%, respectivamen-
manos para a reforma psiquiátrica; a te. “O dinheiro do SUS está saindo
promoção dos direitos dos usuários do sistema hospitalar em direção aos
e de suas famílias, incentivando a serviços comunitários”, afirma Pedro,
participação no cuidado; a garantia “seguindo o paciente”, como preco-
do tratamento digno e de qualida- niza Benedetto Saraceno, diretor de
de ao paciente infrator, superando Saúde Mental da OMS.
o modelo de assistência centrado
no Manicômio Judiciário; avaliação EXCLUSÃO TUTELADA
contínua de todos os hospitais psi- E na prática, como estão sendo
quiátricos pelo Programa Nacional de cumpridos os objetivos propostos? A
Avaliação dos Serviços Hospitalares lei tem ajudado de fato na redução
(Pnash/Psiquiatria). do número de leitos psiquiátricos e
Este seria o mundo ideal: tais de manicômios no país? Na opinião de
ações atenderiam às recomendações Paulo Amarante, a Lei 10.216 promo-
da Organização Mundial de Saúde, veu menos mudanças do que preco-
que prevêem a mudança gradativa nizava o projeto de Paulo Del-
do modelo centrado na internação gado. “A nova legislação, que
pelo modelo de atenção de base co- afinal substituiu o projeto, não
O RADIS aproveita para cor-
munitária, consolidado em serviços fala em acabar com os mani-
roborar a advertência de
territoriais e de atenção diária. cômios: estabelece apenas
1999: o hospício continua
Pedro Gabriel considera que os que não se pode ter mais ins-
fazendo mal à saúde.
avanços na reforma brasileira são tituições com características asila-
inquestionáveis. No período de 2000 a res, e não define o que é um asilo”,
RADIS 38  OUT/2005
[ 14 ]

lamenta. “Em meu entendimento, dos hospitais psiquiátricos, de algu- Outra crítica marcante, para ele,
todo local que se baseia na exclu- mas associações de familiares de pa- diz respeito à regulamentação da in-
são tutelada é um asilo”. cientes (Radis nº 18), vinculadas a ternação psiquiátrica que, segundo
Para o professor, o fato de o pro- esses hospitais e por eles influenci- a lei, está dividida em três tipos: a
jeto ter ficado 12 anos em tramitação adas, e pelo setor da psiquiatria tra- voluntária, quando o paciente assina
— de 1989 (quando proposto) a 2001 dicional e conservadora que acha um documento e aceita a internação;
(quando substituído pela Lei 10.216) que doença mental é perigosa, a involuntária, quando julgada neces-
— deveu-se à resistência dos donos incapacitante e sem cura. sária pelo médico; e a compulsória,

Como a arte conseguiu


N o Brasil, a loucura é registrada
desde os primeiros séculos da
colonização. Aos poucos, os loucos
Barreto (1881-1922), levado ao Hospí-
cio Pedro II em fins de 1919 pela po-
lícia e registrado como indigente. Foi
então, como louco, sob o diagnósti-
co de esquizofrênico-paranóico, Bis-
po foi internado em 1938 no Pedro II,
que passeavam livremente pelas ruas nessa instituição que escreveu Diá- e produziu numerosas obras depois
ou ficavam reclusos em suas próprias rio do hospício, reunindo impressões, reconhecidas como arte de vanguar-
casas passaram a ser trancafiados em inconfidências e uma visão crítica da, aclamadas na Bienal de Veneza,
manicômios e submetidos a tratamen- da instituição. O mesmo aconteceu na Itália, em 1995.
tos radicais, como os eletrochoques com o artista Arthur Bispo do Rosário Destacou-se neste trabalho a pi-
e a lobotomia (intervenção cirúrgi- (1911-1989). Pobre, negro e tido, oneira Nise da Silveira (1905-1999),
ca no cérebro criada pelo português médica-psiquiatra perseguida por
Egas Moniz, em 1936, rendendo-lhe o duas ditaduras, o que não a impediu
Prêmio Nobel de Medicina), e a maus de criar em 1952 o Museu de Ima-
tratos, espancamentos e punições. gens do Inconsciente, referência in-
Quem eram os loucos? Pobres, ternacional, com obras de pacien-
negros, indigentes ou a pessoa con- tes. “Felizmente, nunca convivi com
siderada “fora da razão” e, portan- gente muito ajuizada”, dizia.
to, perigosa para a sociedade. Outro trabalho pioneiro já ci-
Uma expressão pode ser usada tado aqui é o Projeto Tam Tam, que
para caracterizar a forma de lidar Carlos Pertuis além de rádio e TV incentivou traba-
com a loucura no país: exclusão, ofi- lhos artísticos em tela, agendas, cha-
cializada com o primeiro hospício bra- veiros, entre tantos outros produ-
sileiro, criado em 1852 na cidade do tos vendidos na Lojinha Tam Tam.
Rio de Janeiro por D. Pedro II — e Segundo informou Renato Di Renzo
que levou seu nome. A partir dele, em debate na Ensp/Fiocruz sobre
santas casas, asilos e manicômios fo- saúde mental e a experiência das TVs
ram aparecendo em todos os esta- comunitárias, em 5 de setembro, o
dos do Brasil. projeto virou ONG, e a boa notícia é
Com tantas instituições asilares, Raphael Domingues que seus integrantes planejam a vol-
não era tarefa fácil driblar a loucu- ta da rede ao ar.
ra. Mas a arte ajudou os “loucos”
brasileiros a exorcizarem seus delíri-
os. Vários são os exemplos, como o
do brilhante escritor negro Lima

Emygdio de Barros

Adelina Gomes
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decidida pela Justiça quando a pes- te”, questiona. “Mas, se ela não acei- tornos para o próprio MP que, se-
soa comete algum delito justificado tar, é internada involuntariamente”. gundo o professor, “não sabe o que
por um transtorno mental severo. Ou seja, de qualquer forma há a fazer com essa notificação, e alega
Em sua opinião, há uma contradição internação. A diferença é que, quan- que não lhe cabe questionar a auto-
nessa classificação. “Se a pessoa do involuntária, o médico precisa avi- ridade médica”, diz Amarante.
está em crise e aceita ser internada sar ao Ministério Público em 72 ho- Da mesma opinião, o enfermeiro
é porque ela tem lucidez e capaci- ras, conforme determina o parágrafo Jeferson Rodrigues, especialista em
dade para entender que está doen- 7º da lei. Isso acaba gerando trans- Atenção Psicossocial pela Universidade

dar um drible na loucura


A partir dele surgiram proje- so da Reforma Psiquiátrica e a práti- Harmonia Enlouquece, que se apre-
tos como a TV Pinel, no Rio de Ja- ca efetiva dos serviços de saúde men- sentou no debate da Ensp/Fiocruz.
neiro, e a Rede Parabolinóica, de tal, como também a pouca partici- O grupo foi formado por médicos e
Belo Horizonte. A primeira foi cria- pação dos usuários na discussão da usuários da instituição que tinham
da em 1996 no Instituto Psiquiátri- reforma”, não desconversou no de- alguma experiência em música. As
co Philippe Pinel, em Botafogo, a bate Mariza Revert, idealizadora da letras, todas compostas pela própria
partir da necessidade de dar voz TV, que tem como princípio a arte e banda, tratam da realidade dos usu-
aos pacientes para que falem à so- a loucura, fortalecendo a autonomia ários, dos tratamentos que rece-
ciedade. “A TV Pinel tem ensinado do indivíduo no processo de inser- bem, dos remédios que tomam, do
o que é inserção e inclusão social, ção coletiva. preconceito que enfrentam e da di-
que sociedade é essa com a qual O projeto articulou uma rede ficuldade de conseguir emprego.
lidamos, tudo isso a partir das falas de produção artística e cultural Como não poderia deixar de ser, fa-
dos internados no instituto”, con- como elemento de transformação lam também dos amores — os perdi-
tou no debate Noali Tojá, jornalis- social e ética que pode levar a soci- dos e os encontrados.
ta e idealizadora da TV. Para ela, o edade a refletir. “Na Rede Paraboli-
humor é marca registrada do pro- nóica não temos chefe nem empre-
jeto, pois a alegria é capaz de so- gado, todos participam da mesma
brepor-se à tristeza do hospital e forma”, contou. “Somos uma rede
de dar ânimo aos participantes (a louca, feita por loucos, que conti-
programação da TV Pinel pode ser nuará louca”.
vista pelo Canal Saúde, da Fiocruz). A arte também está presente
Mais jovenzinha, criada em 1999, no tratamento de pacientes do Cen-
a Rede Parabolinóica vem produzin- tro Psiquiátrico Rio de Janeiro, ins-
do vídeos e um fanzine com pacien- tituição vinculada ao estado. No con-
tes de transtornos mentais atendi- texto do programa “Convivendo com
dos pela rede pública de saúde a Música”, cujo objetivo inicial era
mental de Belo Horizonte. “O que usar a música como forma de expres-
queremos com esse trabalho é ques- são dos usuários com dificuldade
tionar a contradição entre o discur- de comunicação, nasceu a banda
FOTOS: ARISTIDES DUTRA
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do Estado de Santa Catarina (Udesc), número de pacientes atendidos por dia mente CAPs/NAPs, e havia uma inter-
acredita que a lei deixou de lado duas e de profissionais disponíveis. pretação “meio livre” de que os NAPs
das principais lutas do Movimen- Para Amarante, o problema dessa funcionavam 24 horas. “Portanto, não
to Antimanicomial, a da extinção portaria é que ela retirou do texto a houve esta mudança na concepção ori-
dos hospícios e a da inclusão dos “lou- expressão NAPs — de Núcleo de Aten- ginal”, afirma Pedro Gabriel. “Ao con-
cos” na sociedade. “Tudo devido à ção Psicossocial —, uma proposta as- trário, houve um reforço e uma fixa-
ação corporativa de algumas catego- sociada aos CAPs. Embora criados com ção do papel territorial dos serviços”.
rias profissionais e aos interesses das a mesma função, a de substituir o mo- Mas Amarante insiste na crítica: ao
indústrias farmacêuticas, que conse- delo de internações psiquiátricas e categorizar os tipos de CAPs, a portaria
guiram alterar o artigo 1º, que proibia, manicômios, cuidando na família e na acabou impondo a necessidade de um
em todo o território nacional, a cons- sociedade de pessoas que sofrem de diagnóstico preciso do paciente. E, para
trução de novos hospitais psiquiátricos transtornos mentais, os dois tipos guar- ele, diagnosticar é muito complicado
e de novos leitos nos já existentes”, dam pequena e importante diferença. quando se fala de transtorno mental,

acusa. Mestrando do Curso de Pós- pois “louco” é uma categoria social.


Graduação em Enfermagem da Uni- “Sou louco por amor, louco pela vida,
versidade Federal de Santa Catarina é um conceito geral, não diz respei-
(UFSC), Jeferson afirma que a nova to apenas à doença”, pondera. “A
legislação “esqueceu” de romper psiquiatria é que diz que toda lou-
com o modelo manicomial. cura é doença”. Em sua opinião, re-
Pedro Gabriel, no entanto, ceber um diagnóstico psiquiátrico
acredita que o texto final da lei, é muito perigoso, pois junto dele
embora atenuado em vários pontos, está o preconceito e a discrimina-
serve como matriz normativa “muito ção. “Quantos já passaram pela ex-
eficaz” para a mudança do modelo periência de receber um diagnósti-
assistencial. “Nenhum novo hospi- co de loucura e não conseguir mais
tal psiquiátrico foi construído des- um emprego sequer?”, pergunta.
de então, e a redução dos leitos Amarante defende que não existe
convencionais é regular e sistemá- doença, mas uma experiência sub-
tica: só no atual governo, de 2003 jetiva que pode ser chamada de “na-
até agora, foram reduzidos 6.425 lei- tureza esquizofrênica”.
tos, mais de 2 mil ao ano”. Nesse sentido, afirma, “a por-
As críticas, porém, alcançam a “Os NAPs podem ser considerados um taria deveria ter a função apenas de
Portaria 336, de 19 de fevereiro de serviço de maior abrangência, incluem organizar os serviços de maneira ge-
2002, que define as diretrizes para o não apenas o paciente, como a família ral”. Ou seja, dar o conceito do que
funcionamento dos CAPs, categori- e a sociedade, enquanto o CAPs cuida é CAPs e seus objetivos. “Posso dizer
zando-os por porte e clientela, com as basicamente da assistência ao pacien- que um CAPs não deve estar num hos-
denominações CAPs 1, serviço de aten- te”, critica o professor da Ensp. pital, tem que ser na cidade, deve ter
ção psicossocial com capacidade ope- Para Pedro Gabriel, é incorreto relações com a sociedade, trabalhar
racional para atendimento em municípi- afirmar que a portaria excluiu os NAPs. com a família e atender qualquer pes-
os com população entre 20 mil e 70 mil Ela apenas tornou homogênea a no- soa, por exemplo um pai que procura
habitantes; CAPs 2, em municípios en- menclatura para fins de cadastro no atendimento porque seu filho usa dro-
tre 70 mil e 200 mil habitantes; CAPs 3, SUS, e estabeleceu as exigências míni- gas”. No entanto, se não existe a do-
com mais de 200 mil habitantes; mas (recursos humanos, área física e ença, de acordo com a norma legal, o
CAPsI, destinados ao atendimen- capacidade de atendimento) que cada SUS não pode pagar pelo serviço.
to de crianças e adolescentes; serviço deve ter. “Os NAPs de Santos Mas, rebate Pedro Gabriel, não foi
e CAPsAd, para pacientes com continuaram se chamando NAPs e fun- a Portaria 336 que inventou isso. “Há gru-
transtornos decorrentes do uso cionando como tal, mas são cadastra- pos de trabalho desenhando uma pro-
e da dependência de substânci- dos como CAPs 3”, diz. Segundo o co- posta mais ágil, eficiente e racional de
as psicoativas. Tais modalidades diferem ordenador, a norma anterior (Portaria remuneração do atendimento dos CAPs”,
também por horário de atendimento, 224, de 1992) mencionava indiferente- adianta. “Atribuir esta velhíssima distorção
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oriunda do velho Inamps aos e uma tal transcendência do ob-


CAPs é historicamente incor- jeto de conhecimento que ne-
reto”. Em sua argumentação, nhum método cognitivo ou teo-
Pedro lembra até do médico ria pode captar e compreender
Carlos Gentile de Mello (1920- sua totalidade”.
1982), um ácido crítico do anti- Embora acredite na eficá-
go sistema médico-assistencial cia da legislação vigente, Pedro
brasileiro, que já condenava essa Gabriel compreende as críticas
distorção. Segundo o coorde- e as considera relevantes. Des-
nador, nenhum município que- taca no entanto a importância
ria fazer CAPs até que a Portaria dos CAPs, uma espécie de “lu-
336 passou a assegurar o financi- gar geométrico de todas as in-
amento extra-teto dos serviços. fluências”.

“Então, é justamente o contrário do ar- quiátrica saia do campo da teoria para “O CAPs é sensacional nesse as-
gumento apresentado, foi esta medida a prática. “Muitas pessoas ainda con- pecto, e é uma real novidade tecno-
que deu sustentabilidade financeira à fundem a Reforma Psiquiátrica com uma lógica”, elogia. Pedro conta que em
expansão dos serviços substitutivos”, mera reorganização de serviços, ou setembro participou de longa reu-
contrapõe. “Perguntem a qualquer se- com a modernização da instituição psi- nião num CAPs de Natal que come-
cretário municipal de Saúde”. quiatria”, reflete. Como Amarante, morava 10 anos de funcionamento,
Para Jeferson, entretanto, o que Jeferson acredita que essa reforma é com mais de 30 usuários, todos ex-
temos hoje em termos de legislação não “um processo social complexo que pacientes graves e sofrida história
é suficiente para que a Reforma Psi- envolve movimentos, atores, conflitos manicomial. “Nenhum deles tinha

• Radis nº 9, p. 12, mai/2003. “Se- Na Coletânea Radis 20 anos há


cretários municipais de São Pau- dezenas de registros sobre saúde
lo discutem descentralização e mental. Por exemplo:
regionalização”. • Tema nº 4, p. 1, mai/1983. “Assis-
Saúde Mental • Radis nº 12, p. 8, ago/2003. “Pro-
grama prevê a reintegração social
tência psiquiátrica em debate”.
• Proposta nº 26, p. 4 e 5, fev/
na pauta de portadores de transtornos men- 1991.“Intervenção do SUS pôs fim
tais”, sobre o programa “De volta à ‘casa dos horrores’”, sobre o fe-
para casa”. chamento da Casa de Saúde
A Radis já tratou várias vezes
de Saúde Mental. Confira as
edições:
• Radis nº 16, p. 19, dez/2003. “Nós
que amávamos tanto a revolução...”,
Anchieta, em Santos.
• Súmula nº 43, p. 1, jan/1992. “A
sobre o significado da Reforma Psi- tortura psiquiátrica”, sobre mais
quiátrica. uma crise na Casa de Saúde Dr. Ei-
• Radis nº 3, p. 4, out/2002 — “Saúde
ras, no Rio.
Mental no Rio de Janeiro” dá con- • Radis nº 20, p. 13, abr/2004. “Go-
tinuidade aos debates iniciados na verno inicia política ‘firme e se- • Súmula nº 85, p. 1 a 5, jan/2002. “O
Súmula nº 85 sobre a 3ª Conferência gura’ de redução de leitos psi- dia seguinte na luta antimanico-
Nacional de Saúde Mental. quiátricos”, sobre reunião de mial”, sobre a 3ª Conferência Na-
coordenadores de saúde mental cional de Saúde Mental.
• Radis nº 4, p. 22, nov/2002.
de 84 municípios.
“Ibict lança quatro bibliotecas Pesquise no site RADIS (http:/
virtuais, entre elas a de Saúde • Radis nº 24, p. 24, ago/2004. “De- /www.ensp.fiocruz.br/radis/
Mental (disponível em http:// pressão, a epidemia do novo sécu- pesquisa.html) usando a ex-
prossiga.ibict.br/). lo?”, sobre debates do EPI-Recife. pressão Saúde Mental.
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precisado internar-se no último ano, da médica-sanitarista Rosana Onocko De acordo com Rosana, há ain-
mas falavam disso como um duro tra- Campos, especialista em Saúde Men- da uma Unidade de Atenção à Crise
balho cotidiano — o trabalho da tal e super-visora clínica na área (NAC) e um pequeno núcleo de pa-
cura. Onde estariam eles se não fos- de Campinas (SP), a rede na cida- cientes crônicos. “O fato de contar
se o CAP?”. de desenvolveu-se positivamente com um CAPs por distrito de saúde
Para o especialista, o modelo na última década no que diz res- honra a proposta de regionalização
proposto de substituição dos mani- peito à desospitalização. “Houve do SUS”, orgulha-se. “Sem falar
cômios está centrado no paciente, crescimento do número de CAPs, que a grande quantidade de CAPs
em sua inclusão ativa na vida cotidia- com implantação do tipo 3, e foi 3, em tese, favorece a queda das
na. E o CAPs ajuda na articulação da desativado um hospital psiquiátri- internações psiquiátricas”. Em sua
rede de saúde mental em determina- co”, conta. “Essa desativação foi opinião, o exemplo de Campinas é
do território, aproximando a rede bá- realizada de maneira pioneira, ofe- válido para mostrar que há instru-
sica, os ambulatórios, as residências recendo às pessoas que ali traba- mentos legais suficientes para fa-

terapêuticas, os leitos de saú- zer andar a reforma psiquiá-


de mental em hospital geral, os trica, bastando para isso von-
programas de geração de ren- tade política e competência
da e trabalho. técnica dos municípios. “Não
Segundo dados da Coor- estou afirmando com isso que
denação de Saúde Mental do esses instrumentos sejam per-
Ministério da Saúde, existem feitos”, diz. “Eles devem ser
hoje 660 CAPs (235 do tipo 1, aperfeiçoados, devemos me-
246 do tipo 2, 29 do tipo 3, 51 lhorar o financiamento, mas
CAPs infantis e 89 CAPsAd), 320 são suficientes para começar
módulos de residências tera- a caminhar”.
pêuticas, 1.970 leitos em hos- Nesse contexto de mu-
pital geral, centenas de equipes do lhavam a chance de se re-inserir danças é possível destacar ainda a
Programa de Saúde da Família trei- num CAPs, mantendo o emprego”. cidade de Sobral, no Ceará. Luís
nadas para atendimento em saúde Além disso, a Saúde Mental da Tófoli, coordenador da Rede de
mental, com apoio de cerca de 300 cidade trabalha em conjunto com al- Atenção Integral à Saúde Mental
programas de geração de renda e in- gumas Unidades Básicas de Saúde. As- (Raism) da cidade, contou à Radis
clusão pelo trabalho. sim, as equipes dos CAPs passaram a em detalhes como o hospício local
Mais do que a portaria ou a lei, apoiar as equipes de atenção básica foi fechado.
um importante impasse para o avan- na discussão de casos clínicos, de pro- Em Sobral existiu, por mais de
ço da reforma, segundo o próprio jetos terapêuticos e no agenciamento 25 anos, o manicômio Casa de Re-
Pedro Gabriel, é ainda a pouca agili- de outros equipamentos sociais para pouso Guararapes, responsável pela
dade e o pouco esforço de alguns estimular a reinserção social e a am- internação psiquiátrica dos morado-
estados e municípios em proporcio- pliação da rede de suporte dos por- res da faixa noroeste do estado do
nar mudanças. “A resolutividade da tadores de sofrimento psíquico. Ceará, a chamada Macrorregional
atenção básica para os problemas de Campinas conta hoje com seis de Saúde de Sobral (área que hoje
saúde mental é ainda baixa em mui- CAPs (cinco deles funcionando 24 ho- tem mais de 1,5 milhão de habitan-
tos locais do país”, diz. “Precisamos ras por dia), um CAPs para dependen- tes). Diante da denúncia de morte
também melhorar a efetividade do tes químicos, um CAPs para infância do paciente Damião Ximenes Lopes,
atendimento a usuários de ál- e adolescência, vários centros de ocorrida em circunstâncias não-
cool e outras drogas”. convivência, oficinas de trabalho para esclarecidas e muito irregulares, em
pacientes com transtornos mentais, outubro de 1999, foi aberta uma
NOS TRILHOS 30 serviços residenciais terapêuticos comissão municipal que constatou
DA REFORMA para egressos de longas internações, vários problemas no hospital. Em
Felizmente, algumas ci- equipes de apoio matricial e psiquia- março de 2000, decretou-se a in-
dades estão na direção certa da tras inseridos no Serviço Médico de tervenção municipal na instituição,
Reforma Psiquiátrica. Na opinião Urgência (SAMU). que foi sendo paulatinamente es-
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vaziada. No dia 10 de julho de 2005, te atendendo os pacien-


ela foi descredenciada. tes”. Segundo Luís, a idéia
Com o fechamento do princi- é que, com a atenção
pal hospício, Sobral formou a Raism, colaborativa, a equipe de
composta por uma unidade de Saúde da Família veja um
internação psiquiátrica em hospital caso, comece a pensar e
geral, uma residência terapêutica, daí trabalhe melhor com
um CAPs geral (para os municípios outros casos semelhantes,
de Sobral e Forquilha), um ambula- perdendo o medo que
tório macrorregional de psiquiatria, advém do desconhecimen-
um CAPs para álcool e drogas e um to das situações que en-
CAPs de infância e adolescência a volvem a saúde mental, diz
ser instalado. o coordenador.

Integram-se à rede as equipes e O trabalho realizado em saúde caiu expressivamente, assim como a
unidades do Saúde da Família de Sobral. mental na cidade se destaca, na opi- média de permanência de internação.
Segundo Luís Tófoli, os profissionais nião de Luís Tófoli, pelo fato de que “Eram cerca de 30 dias, e agora é de 7
do CAPs começaram um trabalho con- os CAPs não são meramente servi- ou 8 dias”, informa. Além disso, pacien-
junto com o programa desde 2000, por ços substitutivos do modelo manico- tes cuja única forma de tratamento era
meio do modelo Atenção Colaborativa mial, “mas verdadeiros centros de entrar e sair do hospital puderam ter
Integral em Saúde Mental. “Esse tra- interação com a comunidade”. Os sua cidadania respeitada, fazendo par-
balho foi se fortalecendo com o tem- centros psicossociais da cidade vêm te dos grupos terapêuticos do CAPs e
po e se ampliando”, conta. “Atualmen- atendendo não só pacientes inten- da Associação Encontro dos Amigos da
te, todas as unidades de Saúde da sivos e semi-intensivos, como tam- Saúde Mental de Sobral, fundada em
Família são visitadas por supervisores bém os ambulatoriais. 2003. Outros ainda conseguiram rece-
psiquiatras ou uma enfermeira com es- Sobral vem colhendo bons frutos. ber alta da residência terapêutica, vol-
pecialização em psiquiatria, avaliando O número de dias internados de cida- tando para suas famílias ou vivendo sós.
e discutindo casos, e não simplesmen- dãos sobralenses e da macrorregional “Fora isso, a mentalidade da cidade vem
mudando paulatinamente, perdendo o
preconceito e aceitando o tratamento
não-segregador”, alegra-se Luís.
Loucos de pedra Apesar do sucesso do trabalho, há
alguns desafios ainda a enfrentar. Para

A imagem da capa reproduz A extração da


pedra da loucura, de 1485 (óleo sobre ma-
deira, 48 x 35 cm, Museu do Prado, Madri), do
o coordenador, é preciso criar, ao re-
dor da cidade, novos CAPs para atendi-
mento de municípios vizinhos e conquis-
pintor flamengo Hieronymus Bosch (1450-1516). tar mais altas da residência terapêutica.
Na Idade Média e no Renascimento, No que diz respeito à Reforma Psiquiá-
supunha-se que a loucura era causada por trica do país, ele acredita ser necessá-
uma pedra no cérebro, e sua extração se- rio ampliar a luta pelo respeito ao paci-
ria “o caminho da cura”. Na inscrição, lê- ente de transtornos mentais, melhorar
se: “Meester snyt die keye ras — myne a inclusão destes indivíduos no merca-
name is lubbert das”, ou “Mestre, retire a
do de trabalho, desenvolver tecnologias
pedra, meu nome é Lubbert Das”. Bosch
e serviços que sejam compatíveis
satirizou um desafeto e a medicina neste
quadro. Para uma análise desta e de ou- com estes objetivos. “Apesar dos
tras pinturas do Renascimento sobre a “ex- avanços recentes”, diz, “infeliz-
tração da pedra da loucura” veja o artigo mente a forma de remuneração
(em inglês) ‘Psychosurgery’ in Renaissance ainda é muito atrelada a mode-
art (http://www.princeton.edu/~cggross/ los medicalocêntricos e fixados
Trends_Neurosci_10_429_1999.pdf). no procedimento, e não na atenção in-
tegral à saúde”.
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DEBATES NA ENSP/FIOCRUZ — EPIDEMIOLOGIA

Investigação
e avaliação
dos serviços
em saúde
res, profissionais e convidados, lotavam de
Marinilda Carvalho e Thiago Vieira* o Salão Internacional do quarto an- acompa-
dar da escola, aguardando as pales- nhar.” A idéia

A
comissão de pós-graduação tras em clima de excitação — houve dos organizadores é
da Escola Nacional de Saú- até um tombo espetacular na busca estabelecer focos, priori-
de Pública Sergio Arouca de bons lugares! —, já que o tema é dades e desafios que orientem
promoveu em 4 de agosto no de grande interesse para o pessoal da o cotidiano da pós-graduação da Ensp,
auditório da escola, em Manguinhos, saúde. Como não parava de chegar em processo de reformulação. Como
Rio de Janeiro, o primeiro de uma sé- gente, antes do fim da intervenção de os temas estão no foco do Programa
rie de debates sobre saúde pública. César Victora os organizadores se vi- RADIS, registraremos as palestras.
O evento marcou o lançamento de ram obrigados a transferir o evento Carlos Coimbra, editor dos Cader-
edição especial sobre “Investigação para o auditório principal, no térreo. nos de Saúde Pública, saudou a inicia-
e avaliação dos serviços em saúde” O diretor da Ensp, Antônio Ivo de tiva inédita de casar o lançamento de
dos Cadernos de Saúde Pública, pu- Carvalho, abriu os trabalhos comen- uma edição temática às atividades da
blicação bimestral da Ensp/Fiocruz. tando o boom de debates na escola. pós-graduação. “Nossas forças unidas
As coordenadoras da edição, Cláudia “A cada manhã e a cada tarde te- juntam muito mais gente do que podí-
Travassos e Maria Dutil, convidaram mos recebido autores renomados, amos imaginar”, disse, provocando ri-
os epidemiologistas César Victora e no esforço de proporcionar um in- sos no auditório lotado. Carlos expli-
Jairnilson Paim para falarem sobre a tercâmbio permanente entre alunos, cou que os números temáticos dos
importância das duas disciplinas nos professores e colegas de outras ins- Cadernos visam atender a uma deman-
serviços e nos sistemas de saúde. tituições”, disse. “Esse evento se ins- da de aprofundamento das discussões
Fazia muito calor, e mais de 150 creve nesse programa intensivo de sobre grandes temas de interesse da
pessoas, entre estudantes, professo- debates, num ritmo quase impossível saúde coletiva.
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“Nem todas as populações são iguais”


FOTOS: GUTEMBERG BRITO/ENSP

Modelo de investigação experi-


mental.

uma população? Há sentido em fazer-


mos metanálise de intervenções com-
plexas em populações e ainda achar
que vai dar tudo a mesma coisa? E se
eu fizer um ensaio clínico randomizado
na Tanzânia de prevenção de transmis-
são de HIV em adolescentes, seria apli-
cável ao Brasil ou à Bolívia? Temos que
pensar um pouco mais sobre a interfe-
rência sem necessariamente adotá-la,
automaticamente, em outras áreas do
conhecimento, em especial na clínica,
que é a área da qual se origina gran-
de parte dos epidemiologistas. Essa
palestra hoje é para discutir um pou-
co a questão dos paradigmas, mos-
trar alguns exemplos de avaliação que
podem ser feitos em saúde pública.
César Victora
Sou epidemiologista, portanto vou
falar da avaliação do ponto de vista
epidemiológico, sem abordar as outras

P ara introduzir o tema da pales-


tra, a avaliação dos estudos epi-
demiológicos e sua adequação a dife-
estudo com ratos: as experiências
indicaram que tais substâncias tóxi-
cas não tinham influência alguma.
áreas de conhecimento essenciais à
avaliação: vou falar sobre o estudo de
impacto, o estudo de processo.
rentes meios, César Victora, profes- Como epidemiologistas, a primeira coi- Na evidência em saúde pública,
sor da Universidade Federal de Pelotas sa que perguntamos foi: como se pode há três tipos de delineamento: pro-
(RS), contou que em 1987 foi convida- generalizar com uma só experiência? babilidade, adequação e plausibilidade.
do para uma reunião da Agência In- O sujeito virou e disse: “A rat is a rat” O movimento da medicina baseada na
ternacional de Pesquisa sobre o Cân- (um rato é um rato), e vai dar a mesma evidência tem trazido uma contribui-
cer, da OMS, que avalia substâncias coisa no Brasil, no Japão e na Índia”. ção importantíssima. A questão é
cancerígenas. Era um estudo sobre Nós, os epidemiologistas, chocados: os que, infelizmente, o modelo predo-
bebidas que contêm metilxantinas níveis de interferência são bem dife- minante em evidência é o ensaio
(como a cafeína). Então, era para ana- rentes. No laboratório temos as con- clínico randomizado. E digo infeliz-
lisar café, chá, mate, chimarrão. “Acho dições controladas, os ratos são simi- mente porque ele é extremamen-
que fui escolhido por ser gaúcho e lares, faz-se um ou outro estudo para te bom para alguns, mas não resol-
ter feito uns estudos de caso sobre comprovar e está resolvida a questão. ve a questão da saúde pública. O
câncer de esôfago e chimarrão”, dis- Mas o paradigma predominante na epidemiologista tem que pedir fre-
se. Antes de viajar, recebeu telex do pesquisa clínica é outro. São diversos qüência de doença, e isso se faz ba-
Itamaraty: “Prezado Dr. Victora, es- estudos primariamente randomizados, sicamente com estudos descritivos.
pero que o senhor tenha em conta em pacientes de diferentes lugares, É preciso medir, então usa-se fre-
os efeitos potenciais sobre a econo- observando uma variabilidade primaria- qüência de exposição. E, na rela-
mia brasileira”, lembrou. A platéia riu. mente aleatória porque se estima um ção entre exposição e doença, usa-
“Eu me senti muito importante”. efeito com margem de erro diferente. mos esses estudos experimentais,
E o que se faz em seguida? Reúnem-se alocando uma exposição a um gru-
A FALA DE todos esses estudos numa metanálise,
que resume diversos estudos e chega
po ou a outro, mas muitas vezes es-
barramos em problemas éticos e
CÉSAR VICTORA a um valor que seria a verdade. “Esse é operacionais. Grande parte do que
o paradigma das ciências clínicas: já não sabemos hoje sobre fatores de ris-
Na reunião havia epidemiologistas se trata mais de que um rato é um rato, co e determinantes de doenças é
de diferentes disciplinas, inclusive agora um paciente é um paciente — baseada em estudos operacionais.
das ciências básicas, que trabalham um pouquinho mais complicado. Outro aspecto na avaliação do
com modelos de cancerígenas em Esse paradigma é válido para a saú- serviço são os estudos sobre cobertu-
animais. Um americano apresentou de pública? Será que uma população é ra de programas de saúde: é preciso
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saber quem está sendo atingido pelo os mais pobres, o grupo em que have- agentes comunitários iam às casas e
programa. A desigualdade de cober- ria maior impacto. levavam a intervenção. Mesmo um
tura é questão fundamental, que Então, o estudo já tem uma série enfoque probabilístico exige um ar-
exige estudos descritivos. Temos es- de imperfeições, e a necessidade da gumento de plausibilidade para tor-
tudos de eficácia de intervenção, intervenção pode ser menor do que nar a evidência crível e plausível.
queremos saber se aquela linha de naquele lugar em que se fez o ensaio Mas a questão é somente de efi-
intervenção funciona em condições controlado. Aplico vitamina A numa cácia e efetividade? E o que existe
ideais, aí precisamos também de es- região sem tanta necessidade. Final- no meio? Por exemplo, para a eficá-
tudos experimentais e às vezes mente, os fatores contextuais po- cia clínica de uma droga ou vacina:
observacionais, pois é um tipo de dem não existir nessa outra rotina, as condições são ideais? Oferecemos
evidência. Basicamente temos que e não se consegue o mesmo impac- a todo mundo? A droga é grátis? E a
voltar aos estudos observacionais to. Os ensaios clínicos randomizados aderência do paciente, também é
para medir efetividade em larga es- ideal, há vantagens para as pessoas
cala: nem todas as populações são participarem? Então, trata-se de um
iguais. A modificação de efeito, que ensaio individual. No segundo tipo de
é um termo usado em epidemiologia, Temos que ensaio, que chamamos de regime,
é a regra, e não a exceção, e signi-
fica que um programa numa popula- pensar um entra a saúde pública: as unidades
já são um grupo (um município, um
ção pode ser diferente em outra.
Isso é especialmente válido no cam-
pouco mais sobre centro de saúde, uma escola), faze-
mos uma oferta ideal e adotamos
po da saúde internacional, pois en- a interferência medidas especiais para que a ade-
saios clínicos e resultados de um rência seja ideal também (damos
país não se aplicam necessariamen- sem adotá-la traansporte, tratamentos grátis e be-
te a outros países, devido a siste-
mas de saúde diferentes e a popu-
automaticamente nefícios para que participem). Cha-
mo isso de eficácia de regime, por-
lações diferentes. que as pessoas recebem a droga
efetivamente, ela chega ao recipi-
AS CONDIÇÕES IDEAIS priorizam a validade interna, a loca- ente da melhor maneira.
O estudo de eficácia responde a ção aleatória reduz a probabilidade.
uma pergunta: a intervenção funciona Não anula, mas reduz a uma probabi- A EFICÁCIA IDEAL
quando implantada em condições ide- lidade conhecida a priori. Segundo, Há outro tipo de eficácia, a de
ais? Um programa de vacinação, de trei- o cegamento, o fato de que as pes- oferta, muito parecido com eficácia de
namento de agentes comunitários, de soas sabem ou não sabem se estão regime: a intervenção é do tipo ideal,
suplementação de ferro funciona em recebendo a intervenção, também mas sem nada de excepcional para
condições ideais? Esse modelo tem al- reduz o viés da informação. Já fiz meia melhorar a aderência: não se paga pas-
gumas características: geralmente é dúzia de ensaios randomizados, e eles sagem etc. Apenas uma intervenção
muito bem implementado. Treinam-se são ótimos, são essenciais — só que bem-oferecida. Isso é uma eficácia de
as pessoas, fornecem-se os equipamen- não vão até o fim, lá onde a saúde oferta: grande parte dos estudos que
tos e tudo funciona em condições óti- pública precisa chegar. fazemos aqui no Brasil é de eficácia de
mas. A cobertura populacional é muito Na saúde pública, as cadeias cau- oferta. O fato de existir uma pesquisa
alta. Paga-se até o transporte do paci- sais num programa de vacinação, por já melhora um pouco a oferta do servi-
ente; se ele não vem, alguém vai atrás. exemplo, são muito mais complexas — ço, as pessoas sabem que estão sendo
E são atingidos os mais pobres. até a vacina chegar ao indivíduo tem estudadas, as unidades sabem que ssão
Por exemplo, não se faz um ensaio que acontecer um monte de coisas. parte de um estudo. Eu diria que já
de vitamina A no Rio Grande do Sul, mas Um exemplo clássico é uma droga de não é a rotina, e sim a boa prática, um
no interior do Nordeste. Isso é impor- efeito farmacológico que cura uma pouquinho melhor do que a rotina.
tante, porque às vezes o programa é doença: essa é uma cadeia que eu Uma quarta opção é a eficácia de
usado onde não é tão necessário. Fi- chamaria de curta do ponto de vista programa. O programa é oferecido no
nalmente, os fatores contextuais, as ca- da saúde pública. O ensaio clínico contexto de uma situação de estudo:
racterísticas do ambiente raramente randomizado mostra a probabilidade de não é ideal, não faço nada de excepci-
são descritas no ensaio de eficácia. que o resultado se deva à intervenção. onal, mas o programa é oferecido a al-
No outro extremo, o que a efe- É uma afirmativa probabilística. Ele por gumas unidades de saúde. Mas estou
tividade responde? O gestor quer sa- si só não basta, exige outras evidênci- interessado mesmo é na efetividade:
ber se a intervenção funcionará, mas as. Em termos de plausibilidade biológi- tenho grupos que recebem e outros
a implementação dos estudos de efe- ca, é preciso explicar como age o agen- que não recebem, tudo sob condições
tividade geralmente é imperfeita, e te que causou tal efeito, entender de rotina. Então, para medir efetividade,
não se consegue um programa bem como isso ocorre; e de plausibilidade sendo ensaio randomizado ou não, a mera
implementado como o estudo de efi- operacional, no caso de um progra- presença de um grupo de pesquisadores
cácia em condições de rotina. Não há ma, é preciso mostrar os municípios já influencia. Temos que fazer isso por
treinamento adequado, a cobertura é que receberam a intervenção, que métodos observacionais. Infelizmente te-
parcial, e provavelmente são excluídos as pessoas foram treinadas, que os mos um grande viés, que é nossa herança
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problemas de desnutrição, então, to- nados; dos que foram treinados, 80%
Em inglês, Consolidated Standards das essas etapas têm de ocorrer. No melhoraram o conhecimento; des-
of Reporting Trials, ou recomen- nosso estudo randomizado, investiga- ses, 80% melhoraram o desempenho...
dações destinadas a melhorar a mos o efeito significativo e consegui- Então eu fiz uma conta: isso dá 21%
qualidade dos relatórios de ensai- mos documentar todas as etapas; en- de efetividade. Mesmo com um nível
os, com lista de verificação (check tão qual é, na verdade, a validade alto de eficácia em cada ponta, a
list) e de fluxograma. Alguns auto- externa do meu estudo em áreas po- efetividade final vai ser muito baixa.
res falam em 22 itens. bres de Pelotas? É que em Pelotas há Então, temos que colocar os pés
uma série de coisas que normalmente no chão dessa realidade complexa.
também da clínica, de que se o estudo as pessoas não mostram. Primeiro, ha- Por que dizemos que os ensaios
não é randomizado não é bem feito. via uma equipe central competente de eficácia podem não ser generali-
Nós, sanitaristas, temos que res- que adaptou o programa. Segundo, os záveis para rotina? Primeiro, a dose da
ponder a essa crítica e valorizar ou- intervenção pode ser menor na rotina
tros tipos de estudos experimentais. do que a usada no estudo, o que cha-
Um consort, rotina de informações num mamos de “modificação de efeito
ensaio clínico (grande parte das revis- O ensaio clínico comportamental”, o comportamento
tas nem aceita artigos sem consort),
tem todas essas características, que randomizado do agente e do recipiente. A dose é
menor porque o agente não aderiu
são 21. E só uma dessas 21 característi-
cas é a validade externa, o resto é tudo
é bom para alguns, bem ao programa, ou porque a popu-
lação não estava usufruindo desse pro-
interna. Claro, se o estudo não tem mas não resolve grama na proporção certa. A segunda
validade interna também não terá ex- coisa é quando a relação dose-respos-
terna, mas vejo um viés nessa tão gran- a questão da ta é feita de forma diferente, o que
de valorização da validade interna —
de como esse estudo pode ser gene-
saúde pública chamamos de “modificação de efeito
biológico”: a população é diferente
ralizado para outras populações, a ques- daquela do estudo. Quanto maior a
tão crítica da saúde pública. cadeia causal, ou seja, quanto mais
Quando faço um ensaio em saúde agentes são treináveis, ou seja, dada a etapas tivermos, maior a probabilidade
pública, ele é randomizado, mas já te- complexidade do programa educativo, de que haja alguma modificação de-
remos uma visão em saúde pública. Pri- a qualidade do agente era adequada. pois. Então, é óbvio que, se eu faço
meiro, temos que oferecer intervenção (Participei de avaliações de programas um estudo de deficiência de vitamina A
do nível central, do ministério ou da se- em vários países: na Tanzânia, por numa população com muita carência
cretaria de saúde, que precisa chegar exemplo, o programa era muito incom- de vitamina A, a resposta vai ser enor-
às comunidades. No nível local os tra- pleto e o agente de saúde tinha um me. Com pouca carência, a resposta
balhadores de saúde têm que aderir, e nível tão básico que era não-treinável. vai ser menor — mas aí o poder de es-
a população também. Somente no fim Na verdade, essa é uma expressão ina- tatística é pequeno, todo mundo vai
terei um efeito biológico da interven- dequada — o programa é que era ruim. atrás do lugar onde tem muito proble-
ção. As cadeias causais com que estamos Em Pelotas, o agente era treinável.) ma para fazer estudos.
lidando são muito mais complexas. Mais: é necessário pesar a crian- Bom, quais são as limitações da
Se um programa da OMS é expor- ça, então precisamos ter balança. O metodologia dos ensaios clínicos para
tado para mais de 100 países, há um serviço de saúde: se ninguém apare- esse tipo de implementação em larga
componente nutricional: o estímulo ce para consultas, o problema é sé- escala? Muitas vezes não é possível
ao aleitamento materno ou a uma rio. No Níger, o número de consultas randomizar, ou não é ético ou não é
complementação alimentar adequada por ano é de 0,5, ou seja, uma crian- político. Por exemplo, a cidade onde
para a criança a partir dos 6 meses, ça vai ao médico meia vez por ano. De nasceu o secretário de saúde sempre
com alimentos ricos em energia e pro- 0 a 5 anos vai duas vezes e meia ao tem que estar no grupo que recebe...
teínas. Então é uma intervenção serviço de saúde pública, ou seja, não [A platéia ri]. A outra coisa que acon-
comportamental de mudança de hábi- dá para fazer um estudo, de tanto que tece muito em nosso país é que a gen-
tos de alimentação de crianças meno- o acesso é limitado. Os alimentos têm te implementa sem avaliar. A avaliação
res de 2 anos. O programa precisa ser que estar disponíveis, não adianta fa- em si atrapalha a intervenção. Além
adaptado ao país: temos que treinar zer educação alimentar se a popula- desses estudos de probabilidades que
os agentes de saúde para melhorar seu ção não tem condição de comprar o estão constituindo o padrão-ouro para
desempenho, para transmitir à mãe o alimento. E, finalmente, a falta de ali- avaliação de eficácia de agentes bio-
conhecimento, pois é a mãe que vai mentos tem que ser uma causa da des- lógicos, nutricionais e principalmen-
mudar a dieta da criança, aumentar sua nutrição. Em alguns lugares não é — te em contextos clínicos, há outros
ingestão calórica e protéica e melho- pode ser um excesso de alimento de- enfoques, que chamamos de “quase-
rar o ganho de peso. teriorado, e não falta de alimento. experimentos”, de alguns experimen-
Para colocar os pés na realidade, tos naturais. Há estudos de adequa-
A VALIDADE EXTERNA se tiver 80% de sucesso em cada etapa ção descritivos e de plausibilidade.
Se se trata de uma intervenção do programa qual é o impacto final? Uma variação de adequação é muito
dirigida a uma população ainda com Tenho 80% dos agentes de saúde trei- simples: se o meu programa tem uma
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meta, por exemplo, reduzir a mortali- para ver aquele sinal de desidratação, tão, precisamos de mais evidências para
dade infantil em 20%, pergunto se foi que hoje em dia já não se vê mais. Hou- melhorar essa plausibilidade.
atingido ou não. Se meu programa não ve um grande programa na década de
tem meta quantitativa, pergunto se as 90, o Programa Nacional de Controle das O PESO DO JULGAMENTO
tendências observadas foram na dire- Doenças Diarréicas, que envolvia a te- Então, muita coisa mudou no
ção certa e na magnitude esperada. rapia de hidratação oral, soro caseiro, Nordeste, felizmente tínhamos da-
soro de pacote distribuído nas unida- dos do Censo (saneamento, pobre-
IMPACTO INSUFICIENTE des sanitárias. E nós resolvemos medir za, amamentação, prevalência de des-
Se com isso liquidamos metade isso retrospectivamente usando dados nutrição), e criamos um modelo de
dos programas que existem no Brasil, secundários, que é outra coisa que a simulação que usava os riscos relativos,
simplesmente as coisas não estão se gente tem que resgatar. No caso, usa- que já existiam de outros estudos bra-
desenvolvendo com o impacto que de- mos hospitalizações e tivemos contro- sileiros. Desta forma, constatávamos
veriam. A avaliação de adequação é a que, se aumentou o saneamento em
coisa mais simples que existe, e tam- tantos porcento, a diarréia tinha que
bém tem limitações. O que chamamos ter diminuído tantos; se a amamentação
de adequação é a significância sanitá- Como um aumentou de tanto para tanto, a diar-
ria. Quando um gestor de saúde pode
tomar decisões? Primeiro, quando a si- estudo pode réia tinha que ter diminuído tanto. E
essa simulação mostrou que esperaría-
tuação não melhora, ou o programa
está ruim ou aconteceu alguma coisa
ser generalizado para mos 21% de declínio na mortalidade de-
vido a esses fatores contextuais. Mas,
na cidade que aumentou a prevalência outras populações é na verdade, houve um declínio de 57%,
da doença. Quando há melhora, três bem maior que o previsto. Logo, algu-
fatores têm que estar presentes: pri- a questão crítica ma coisa ocorrera além de saneamen-
meiro, a magnitude é grande; segun-
do, a cadeia causal é relativamente
da saúde pública to, amamentação etc. A melhora da di-
arréia parece ser devida ao programa.
curta, ofertando um programa que No estudo de plausibilidade usamos
leva um efeito mais ou menos imedia- muito o julgamento. Tudo apontava no
to; terceiro, quando a probabilidade le histórico e geográfico. Naquela sentido certo. Então, posso ficar tran-
de confusão é baixa, uma avaliação de época não havia sistemas de informa- qüilo: se sou gerente do serviço em
adequação pode ser suficiente. Final- ções hospitalares, então pegamos um saúde, secretário ou ministro, conti-
mente, a avaliação de adequação é estudante de Medicina e colocamos nuo com o programa.
analisar o antes e o depois, é obser- em cada um dos maiores hospitais Esses estudos observacionais que
var as tendências daquele evento e pediátricos nordestinos (porque o Nor- a gente tem que resgatar precisam ser
observar depois o problema. deste era a maior região do país em valorizados, porque quando são bem fei-
Agora, vou citar alguns estudos mortalidade por diarréia). Esses estu- tos podem ajudar na tomada de deci-
de plausibilidade — lembrem, proba- dantes revisaram 10 anos de prontuári- sões em saúde sem nenhuma dúvida.
bilidade é o randomizado, eu tenho os. E viram quantos porcentos de crian- Mas, quando usamos essa avaliação de
uma afirmativa restrita de probabili- ças eram admitidas em função da diarréia. plausibilidade? Primeiro, quando o ensaio
dade e estatística, e plausibilidade é E são impressionantes esses dados: clínico é tão artificial que não é adequa-
quando eu não posso fazer isso. Eles em 1980, quase 60% das internações de do à complexidade da intervenção, que
respondem à pergunta seguinte: o crianças menores de 1 ano eram por na prática vai ser muito diferente da que
impacto observado parece ser devido diarréia (tinha enfermaria de diarréia foi construída no ensaio. Segundo, quan-
a minha intervenção? Então tenho que no hospital); 10 anos depois eram 30%, do temos eficácia, mas vamos ver se fun-
ter algo para comparar, e essa compa- ainda era bastante, mas a metade. Em ciona na rotina. Terceiro, quando há ra-
ração pode ser histórica, antes ou 1980 ninguém usava hidratação oral, os zões éticas ou práticas que impeçam a
depois, e geográfica — lugares onde pediatras resistiam. Ao mesmo tempo, randomização. Quando a intervenção
haja mais daquela intervenção e lu- eu não tinha denominador. Então, re- é rapidamente universalizada e não há
gares com menos. É o velho estudo solvi pegar tudo quanto era óbito de tempo de ter controle e é preciso
observacional aplicado à avaliação menor de 1 ano por diarréia e dividir avaliar de qualquer maneira. Estamos
de impacto de programas de saúde. pelo total de óbitos do estado. Era uma tentando resgatar a importância dos
Tenho que controlar a possibilida- mortalidade proporcional modificada — estudos randomizados. Precisamos de
de de que outros fatores expliquem óbito de menor de 1 ano por diarréia estudos de eficácia e de efetividade,
o que aconteceu quando o progra- por total de óbitos. Em 1980, 13% dos precisamos de estudos randomizados
ma foi implementado. óbitos registrados no Nordeste em e observacionais. Temos que ter va-
E o exemplo que queria dar, ainda qualquer idade era diarréia de crian- lidade interna, mas também temos
que um pouco velho, é interessante: a ça, e caiu para 4% 10 anos depois. Foi que nos preocupar mais com a vali-
diarréia. Hoje em dia a gente não con- uma queda enorme também. E se eu dade externa. E, finalmente, as agên-
segue ensinar aos nossos alunos o que mostrar isso a qualquer epidemiologista cias financiadoras e as revistas médi-
é desidratação. Apareceu lá em Pelotas ele vai dizer, e com razão, que se está cas têm que ser mais receptivas a esse
um menino com prega cutânea persis- subindo uma e baixando a outra, signi- tipo de estudo, porque freqüentemente
tente e chamaram a faculdade inteira fica que uma é a causa da outra. En- isso não é publicado no exterior.
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“Nosso campo está no olho do furacão”


Eu não diria que são duas visões opos-
tas, mas talvez uma permeabilidade mai-
or ao se estudarem as políticas, as insti-
tuições e as práticas em saúde, para
um conjunto de olhares disciplinares,
que tendem a contribuir ao nosso cam-
po, deixando de ser uma coisa fecha-
da — ou da epidemiologia ou da planifi-
cação em gestão.
Essas contribuições, no entanto,
careceram de uma reflexão epistemoló-
gica que nos dessem segurança no de-
senvolvimento metodológico e técnico.
Primeiro precisamos entender essa prá-
tica científica como um campo de for-
ças que se enfrentam. Não é por acaso
que existem as prescrições para artigos
científicos, como Victora apresentou.
Mas, ao mesmo tempo em que é um cam-
po de forças que produz conhecimen-
to, produz símbolos. Tem uma parte da
realidade, outra do imaginário, e símbo-
Jairnilson Paim
los nesses meios termos.
Há necessidade de identificar
algumas particularidades desse cam-

O professor Jairnilson Paim, do Depar-


tamento de Saúde Coletiva da Uni-
versidade Federal da Bahia, brincou
e técnicos a demonstração da evidên-
cia de que os esforços estavam dando
resultado. Neste ano, em vários en-
po em que nós nos movemos, da pla-
nificação e gestão com a pesquisa.
Mario Testa, no livro Saber em saúde,
logo de saída: “Falar depois do César, contros, discutiu-se a avaliação da compara as chamadas ciências exatas
depois de toda a sua clareza, didática, efetividade de políticas de promoção às ciências sociais e humanas. E mos-
competência metodológica, é meio co- da saúde — além do lançamento de tra que ambas sofrem influência de de-
vardia, mas...”. Tanto mais, continuou, livros sobre a metodologia da avalia- terminados mitos. Agora, pelas carac-
“porque a área não tem ainda tão cris- ção. Essa edição dos Cadernos coroa terísticas distintas das ciências exatas
talizadas as estratégias de metodologia esses esforços. ou naturais, já se pode pensar em vali-
para chegar, de alguma forma, aos re- Esses levantamentos, no entan- dações internas, como Victora mencio-
sultados” que César Victora apresen- to, apesar de apontarem para um gran- nou. No entanto, nas ciências sociais e
tou. “Mas vou tentar legitimar a apre- de desenvolvimento da área de pes- humanas, entre as quais está a área de
sentação do César, como também as quisa, apontam também para o fato de planificação e gestão, esse espaço é
reflexões de epidemiologistas que têm que boa parte da produção intelec- mais complexo.
pensado a articulação entre planeja- tual nesta área tem muito mais a ver Enquanto nas ciências naturais a
mento e epidemiologia.” com reflexões sobre intervenção do produção de conhecimento muitas
que sobre investigação no sentido mais vezes gera terminologias, as ciências
A FALA DE restrito. A proximidade e a imediatez
da prática, muitas vezes, impõe cer-
sociais e humanas, para que se tor-
nem efetivas, precisam gerar aquilo que
JAIRNILSON PAIM tas abordagens que ainda não têm Testa chama de “militância sociopolí-
sistematização metodológica mais tica”. Muitas coisas que Victora citou,
Estudos da década passada e do estruturada. A contradição entre a que faziam parte do contexto, para que
início desta já registravam a ênfase na imediatez da prática e um conhecimen- venham a acontecer na ponta do sis-
avaliação em saúde. E isso pode ser in- to científico mais rigoroso parece ser um tema, do serviço e das práticas sociais
terpretado pelo desenvolvimento teó- dos grandes desafios do nosso campo. mais amplas, não basta dispormos de
rico e metodológico do campo, e tam- A planificação em saúde vai pro- tecnologias, precisamos de militância
bém porque agentes internacionais gressivamente superando uma visão mais
cobravam do governo responsabilida- centrada em serviços, ou centrada em Sanitarista e pensador argentino,
de em mostrar os efeitos de suas polí- sistemas — e como sistema pode abor- autor de Saber en Salud — La
ticas, e também por uma certa cultura dar tudo, infra-estrutura, financiamen- construcción del conocimiento, Lu-
de responsabilização, de que os pró- to, organização em gestão — para uma gar Editorial, Buenos Aires, 1997.
prios cidadãos requeriam de gestores outra dimensão, o espaço das políticas.
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do ponto de vista concreto das insti- sas. Há ênfase na pesquisa básica, na cisão. Temos momentos em que falta co-
tuições e das práticas. dicotomia com a pesquisa aplicada, en- nhecimento para a tomada de decisões,
Testa mostra como a vida cotidia- tendendo a pesquisa básica por “conhe- mas temos momentos em que há co-
na vai criando mitos que se relacionam cer e entender” e a aplicada, por “co- nhecimento suficiente, e as decisões
com outras formas de construção de nhecer e utilizar”. Há uma cobrança muito são postergadas porque implicam opção.
mitos, como a religião e a história, o grande para que a investigação de serviços Em outras palavras, nem sempre é por
que constrói uma determinada manei- em saúde seja aplicada. falta de conhecimento que as decisões
ra de ver as coisas, que pode se trans- não são tomadas.
formar em determinado saber-fazer e ENTRE PROVAS E CRENÇAS Também há momentos em que as
resultar em práticas profissionais e No Modo 1, o enfoque disciplinar, decisões são necessárias mesmo dian-
culturais. Nas ciências naturais, já se a transferência unidirecional e poste- te de escassas evidências. Não vamos
começa com uma teoria de desenvol- rior dos conhecimentos e tecnologias, esperar 10, 20, 30 anos para que os
vimento metodológico e epistemológico, efeitos dos transgênicos se façam
chegando a crescimento e mudança demonstráveis e determinadas deci-
com essa validação de resultados. Nas sões sejam assumidas. Nosso campo
humanas e sociais, há uma imersão do Não vamos está no olho do furacão, entre políti-
pesquisador nesse mundo social.
Então, quando falamos de uma ins- esperar 10, 20, cas e programas baseados em evidên-
cias — ou baseados em crenças.
tituição, já temos um olhar muito próxi-
mo, uma familiaridade, o pressuposto de
30 anos para que os As investigações que recortam
das práticas de saúde ao conjunto
que se conhece tudo daquela institui- efeitos dos transgênicos de políticas são um desenvolvimen-
ção. Portanto, a necessidade de passar to do que realizamos na América La-
por cima dessa pré-noção e chegar à se façam tina e no Brasil ao longo da década
construção do conceito de uma teo-
ria, para nos distanciarmos daquilo que
demonstráveis de 90. Conseguimos atravessar as vá-
rias estratégias de investigações mais
está mais próximo, passa pelo que o “macro”, que trabalhavam com con-
autor chama de “hermenêutica zero” ceitos mais robustos, até mediações
— uma construção do objeto. Para isso ênfase em método científico, recursos que nos fizeram chegar a investiga-
buscamos enfoques teóricos que ori- públicos e planejamento centralizado — ções mais concretas e empíricas. Em
entem o desenvolvimento metodológico os recursos públicos financiam a maior vez de investigações sobre grandes
e técnico da investigação. A validação parte das investigações ditas tradicionais. determinantes das políticas de saú-
interna já é uma segunda hermenêutica A outra forma de produzir conhe- de, chegamos a preocupações muito
nesse campo das investigações sociais cimento, o socialmente distribuído, mais relacionadas à implementação
e humanas, criando novas positividades não parte de instituições fechadas, dessas políticas, às trajetórias, do que
e, por sua vez, em última análise, re- mas de redes de colaboração entre aos processos decisórios.
sultando na militância social. instituições. A agendas são definidas
Isso foi ilustrado em duas diferen- em contextos de aplicação, não tan- COMO “NÓS” GOVERNAMOS?
tes formas de produção de conheci- to pela cabeça do pesquisador. Há Uma pergunta nos inspirou nes-
mento científico, numa esquematização muita preocupação com solução de se período: como o governo gover-
de Gibbons. A primeira ele chama de problemas, enfoque transdisciplinar ou na a saúde? Trabalhos transforma-
Modo 1 ou tradicional, e a outra, de interdisciplinar, intercâmbio permanen- dos em livros tentaram mostrar
Modo 2 ou forma socialmente distribu- te de conhecimentos e tecnologias. Há como os diferentes governos con-
ída. A forma tradicional de produzir co- uma preocupação, sim, com o método templavam a vigilância sanitária na
nhecimento científico se caracteriza científico, mas acoplado à relevância ditadura, na Nova República e mais re-
por instituições com paredes, geralmen- social, a múltiplos meios para difundir centemente. Quanto mais nós, da saú-
te universidades e centros de pesquisa. esse conhecimento, e não somente às de coletiva, nos aproximarmos do Esta-
As agendas são definidas por pesquisa- chamadas revistas científicas. E uma do, do governo, da gestão, dos processos
dores em função de suas disciplinas, su- diversidade de fontes, de financiamen- de decisão, surgem perguntas mais es-
bordinados ao meio-fio de suas pesqui- tos públicos e privados, e a necessida- pecíficas: como a saúde coletiva gover-
de de criação de espaços de interação. na a saúde? Quando a “classe operária
Com algum exagero, eu diria que chega ao paraíso?” Ou quando o sanita-
Doutor em Física, mestre em ra- as investigações de serviços em saúde, rista chega ao núcleo mais poderoso do
dioastronomia, matemático, en- na área de planificação e gestão, ten- Estado, que é o Ministério da Fazenda [ri-
genheiro, hoje secretário-geral dem muito mais ao modo 2 do que ao sos na platéia] e espaços da administra-
da Association of Commonwealth modo 1. O que não significa que não ção central são ocupados pelos salubristas,
Universities, a Associação das Uni- devamos explorar o mais criativamente os sanitaristas, os médicos sociais e os
versidades da Comunidade Britâ- possível certas características do modo socialistas da saúde, enfim, todas as tri-
nica na Organização para a Coo- 1. Ao mesmo tempo, temos que ter em bos e subtribos, como governamos?
peração e o Desenvolvimento conta toda a complexidade da área de Esta não é uma preocupação in-
Econômico (OCDE). planificação e gestão, com diferentes gênua. A chamada ciência neoliberal,
tipos de momentos para orientar a de- que tinha um conjunto de reformas
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tivas, ética e politicamente aceitáveis, duzir e disseminar conhecimentos ori-


Professor da UFBA, primeiro epide- sempre que possível fundamentadas ginais — quando os já existentes não
miologista brasileiro a ingressar na em evidências científicas. Averiguar permitirem decisões —, fortalecer a
Academia Brasileira de Ciências. tecnologias e saberes disponíveis para capacidade de avaliação do impacto
solução de cada problema seleciona- das decisões, sejam elas em forma de
do, mediante consenso de especia- política, norma, lei, ação etc.
setoriais para o mundo, particularmen- listas com síntese de pesquisas du- Para concluir, faço uma provo-
te para os países que precisavam do rante a fase de planejamento em saúde. cação sobre nosso compromisso com
dinheiro do Banco Mundial e do FMI, E, na falta disso, formulemos pergun- a saúde pública, diferente do com-
tinha um roteiro de investigações tas e novas perguntas de investigação. promisso da saúde pública conven-
subjacente. Nesse processo, houve Em relação ao planejamento, vi uma cional (nem vou falar da “nova saúde
rejeição ao “coro dos contentes”, cri- experiência no Canadá interessante: pública”, porque esse é outro bara-
aram-se, com todas as dificuldades, to...). A saúde coletiva ou a saúde
alternativas de gestão. E há diferen- pública crítica tem compromisso com
ça de gestão entre sanitaristas e con- a emancipação do sujeito, compro-
servadores. Para o epidemiologista A saúde misso com a radicalidade democráti-
Maurício Barreto, o processo de trans-
formar o conhecimento em evidência pública ca. Ela não é como a saúde pública
convencional — um problema e uma
alimentadora de uma decisão é com-
plexo, e nunca sai do conhecimento
crítica tem tecnologia a serem aplicados. Não
abriremos mão das tecnologias dis-
científico — e isso, vindo de um compromisso com poníveis, mas nós, da saúde pública
epidemiologista, há que sublinhar [ri- crítica, temos compromisso com a
sos na platéia]. Sofre diferentes inter- a radicalidade emancipação dos sujeitos, com a au-
pretações e valorações do conheci-
mento existente, da mesma forma em
democrática tonomia das pessoas. E não devemos
perder esse horizonte, porque foi
que o processo de produzir e disse- assim que nasceu o nosso campo, e
minar conhecimentos é mediado por citei autores que mostram que o co-
relações que se estabelecem na co- para cada objetivo, com meta nhecimento científico pode contri-
munidade científica, e desta pelos se- quantificada, o Ministério da Saúde buir para contextos emancipatórios.
tores e interesses da sociedade. incluía o que existia de conhecimento Um reconhecimento, portanto,
Comecei a estudar outra forma para sustentar aquela meta; nas lacu- de diversos saberes e práticas para
de mortalidade infantil com Victora, nas, dava sinal verde à academia, que se transformarem naquilo que Boaven-
quando ele examinou a mortalidade se debruçava sobre aquilo para tornar tura Sousa Santos [cientista social por-
infantil do Rio Grande do Sul em os planos de saúde mais conseqüentes. tuguês] considera uma “ciência pru-
minifúndios e latifúndios. César e tan- Uma das vias: um plano nacional de saú- dente para uma vida decente”. Uma
tos outros pesquisadores, inclusive de. Debruçando-nos sobre esse plano, relatividade de discursos calcada na
desta casa, tiveram muito empenho com objetivos e metas, tentaríamos ver apreensão processual e aproximativa
intelectual em avançar nessa linha. um conjunto de linhas de pesquisa e da realidade: nós sempre estamos nos
Ao mesmo tempo, havia um con- prioridades para essa investigação em aproximando do real, e é muito difí-
junto de restrições contra o avanço serviços de saúde, indicando às insti- cil nos apropriarmos completamente
da epidemiologia social. De certa tuições de pesquisa ou ensino deman- de sua totalidade.
forma, isso ilustra as relações entre das relevantes para soluções de proble- Buscar rigor metodológico sem-
setores e interesses da sociedade: mas atuais e potenciais. pre a serviço de uma realidade sem-
quem financiava a pesquisa não es- Outra via: aproximação entre pre mais complexa, como meio para
tava muito interessado em que as in- planejadores, pesquisadores e gestores reconstruir, questionar cada resul-
vestigações chegassem à análise de em comitês mistos, discutindo questões tado que encontramos na produção
uma determinação mais estrutural a partir das pré-noções — aquela científica, uma intencionalidade
dos problemas de saúde. E conclui “hermenêutica zero” a que me referi, explicitada de se manter a crítica não
Maurício Barreto: há conhecimentos com indicação de síntese de pesqui- só do ponto de vista da validade ex-
diversificados produzidos por dife- sas, visão sistemática com investigações terna e interna, mas do ponto de vis-
rentes disciplinas, muitas vezes com originais. E propostas como o fortale- ta político e ético. No âmbito cientí-
diferentes abordagens teóricas. cimento das redes, o Modo 2 de pro- fico, construir nossas possibilidades
Então, saúdo a abertura dos duzir conhecimento, como a rede de ideais de diálogo, a ciência subme-
epidemiologistas em buscar outras investigação de sistemas e serviços em tendo-se tanto às agências de pes-
formas de ver. saúde do Cone Sul, para expandir a base quisas como à variação de resultados
Algumas possíveis estratégias que de produção, reprodução, difusão e e à própria substância do método ci-
poderiam ser trabalhadas nessa temá- utilização do conhecimento científico entífico, às expectativas públicas tra-
tica: a questão da intervenção — de planificação e gestão, ampliando, dicionalmente consideradas fora do
além de mobilizar recursos e volun- portanto, nossa capacidade no setor. sistema científico.
tários para que as coisas aconteçam, Trata-se de produzir conhecimen-
temos que selecionar tecnologias efe- to a partir da literatura científica, pro- * Estágio supervisionado
RADIS 38  OUT/2005
[ 28 ]

CIÊNCIAS SOCIAIS e HUMANAS

FRAGILIDADE
DA VIDA
Um futuro indicador
de saúde? O espaço rural também é atin-
gido, mas minimamente, acredita ela,
porque mal se pode dizer que exista uma
sociedade rural — há apenas resquícios. No
grande processo de urbanização, os valores
ligados à solidariedade, a grupos solidários, à
família desaparecem completamente. Nessa
outora em Ciência Política pela USP, sociedade urbana, os valores são a competi-
mestra em Sociologia pela UCL da ção, a busca de sucesso, o individualismo, o
Bélgica e formada em Filosofia pela consumismo, de onde brotam a hostilidade, a
UFRJ, a professora da Uerj Madel violência. “E isso põe em questão a vida”, afir-
Terezinha Luz presidiu em julho, em Florianó- ma. “Produz isolamento, ansiedade, estresse
polis, o 3º Congresso Brasileiro de Ciências Soci- e gera doenças novas, ditas contemporâneas,
ais e Humanas em Saúde. Antes de viajar em me- como pânico, bulimia, anorexia, a loucura pela
ados de agosto para Paris, onde estudará a forma física — afastar-se dessas normas é co-
relação entre ciências sociais e saúde e também locar-se na anormalidade”.
o surgimento tardio dessa relação, Madel con- De acordo com Madel, essa fragilidade se
versou com a apresentadora e roteirista Márcia relaciona ao sofrimento psíquico e ao desam-
Fixel, do Departamento de Comunicação e Saú- paro das pessoas, o que se verifica mais for-
de do Cict/Fiocruz. temente em alguns grupos. No congresso de
Para Madel, o tema do congresso, “Desa- Florianópolis predominaram o diálogo entre os
fios da fragilidade da vida”, está nas preocupa- profissionais e o pensamento ligado à saú-
ções das ciências humanas não apenas por con- de coletiva e às ciências sociais e
ta da violência, do terrorismo, das epidemias, humanas — algo relativa-
do surgimento de novas doenças, mas também mente recente, que
pela perda de valores e sentidos na sociedade vem se consoli-
atual — criando no futuro, quem sabe, até um dando.
novo indicador de saúde. “O que chama aten-
ção atualmente das ciências humanas é a
fragilidade da vida humana, principalmente
no espaço urbano”, diz.
RADIS 38  OUT/2005
[ 29 ]

to das disciplinas e a afirmação


do seu campo como o único vá-
lido não apareceu”.
O congresso, para a pro-
fessora, correspondeu a um conjun-
to de expectativas que tinham a ver
não apenas com a busca pela valori-
zação da vida, de valorização de sen-
tidos, valores e significados para a
Na entrevista — que vida, mas também da busca de um pen-
constará de documentário es- sar solidário interdisciplinar, que saia
pecial sobre o congresso, a ser do isolamento da produção científica
distribuído pelo VideoSaúde e apre- dura, daquela acumulação de verdades
sentado pela UTV (canal universitário experimentais que esquecem a atenção
na Net-Rio) —, Madel lembra que desde o ao sofrimento, à perda de referências do
século 19 as ciências sociais integram a área ser humano — o que contribuía para o
da saúde coletiva e estão na própria origem da que chamamos de fragilidade da vida.
medicina social, com a demografia, a economia, A Comissão de Ciências Sociais e
a filosofia, mas a presença do adoecimento, da Humanas da Associação Brasileira de
saúde e da vida só ocorreu no século 20, e de Pós-Graduação em Saúde Coleti-
modo restrito. Sobretudo a sociologia se ocupava va (Abrasco) — que promo-
muito da normalidade e da anormalidade, tanto veu o congresso — tem
que existiu um campo da sociologia chamado pa- planos de organizar
tologia social, conta Madel. Mas, em estudos or- encontros regionais
ganizados, apenas nos últimos 30 anos. em ciências soci-
ais e humanas em
ADESÃO INTERDISCIPLINAR saúde. Já está
A professora se disse impressionada com a previsto um
adesão ao tema dos profissionais de saúde no encontro no
congresso de Florianópolis. “Não esperava que Nordeste.
a questão do corpo, da subjetividade, dos sen-
tidos fosse atrair diversas áreas”, disse. Havia
psicólogos, enfermeiros, médicos, fisioterapeu-
tas, professores de educação física. Também em
relação a cuidado, atenção e práticas em saú-
de havia grande participação não só de profis-
sionais, como de estudantes de pós-gradua-
ção e gestores.
Há que sublinhar a tendência muito
clara a se pensar intersetori-
almente e interdisciplinar-
mente. “Quer dizer,
aquele escanteamen-
RADIS 38  OUT/2005
[ 30 ]

6ª CONFERÊNCIA DAS CIDADES

Água, esgoto,
lixo e drenagem,
o “quarteto mágico”
da saúde pública
Dele participaram, além do pre- to do que seria preciso para come-
Claudia Lopes sidente do Instituto Brasil Pnuma, o çar a atender à necessidade da po-
secretário Nacional de Saneamento pulação brasileira. Ao falar da visão

A
s doenças causadas pela con- Ambiental, Abelardo de Oliveira Filho, do setor empresarial sobre o cená-
taminação da água e pela o superintendente Nacional de Sanea- rio atual do saneamento, Azevedo re-
falta de saneamento básico mento e Infra-Estrutura da Caixa Eco- correu a estimativas do próprio go-
respondem por 50% das in- nômica Federal, Rogério Tavares, o verno federal, de que é preciso um
ternações hospitalares nos países vice-presidente da Associação Brasi- investimento anual de R$ 9 bilhões,
em desenvolvimento e levam apro- leira de Infra-Estrutura e Indústria de em média, pelos próximos 20 anos,
ximadamente 3 milhões de crianças Base (Abdib), Newton Azevedo, a dire- para que os serviços de tratamento
à morte a cada ano, de acordo com tora-tesoureira da Confederação Na- de água e esgotamento sanitário se-
a Organização Mundial de Saúde cional das Associações de Moradores jam universalizados no país.
(OMS). Os dados foram apresentados (Conam), Bartíria Lima da Costa, e a Azevedo acredita que o proble-
por Haroldo Mattos de Lemos, presi- deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG). ma só pode ser resolvido com parce-
dente do Instituto Brasil Pnuma (Co- rias Estado-iniciativa privada, mas res-
mitê Brasileiro do Programa das Na- DEFESA UNÂNIME saltou que a participação do capital
ções Unidas para o Meio Ambiente), Os palestrantes foram unânimes privado depende do estabelecimen-
na 6a Conferência das Cidades, reali- na defesa do PL 5.296/05, que pro- to do marco regulatório, o que será
zada na Câmara dos Deputados entre põe que os sistemas públicos de abas- alcançado com a aprovação do PL
23 e 25 de agosto. tecimento de água e esgotamento 5.296/05. O empresário também citou
O evento, que teve como tema A sanitário, de manejo de águas pluvi- dados da OMS mostrando que água e
reforma urbana é uma realidade legal, ais (drenagem) e de gerenciamento esgoto tratados reduzem a mortali-
reuniu parlamentares, representantes de resíduos sólidos (lixo) sejam trata- dade em 20%, e destacou que sanea-
dos governos municipais, estaduais e dos de forma integrada pelo poder mento gera empregos.
federal, de movimentos populares, do público. Em sua palestra, “Disponibi- Haroldo Mattos de Lemos lem-
setor empresarial, dos trabalhadores e lidade de recursos financeiros para brou que reduzir à metade a percen-
de entidades não-governamentais. saneamento e formas de acesso”, tagem de pessoas sem abastecimen-
Rogério Tavares, superintendente de to de água potável até 2015 é uma
DIREITO ESQUECIDO Saneamento e Infra-Estrutura da CEF, das metas do milênio da ONU. Ele tam-
No Brasil, calcula-se que 45 milhões explicou que a maior parte dos re- bém enfatizou a necessidade de mais
de pessoas não tenham acesso a água cursos para o saneamento básico vem investimentos em saneamento, criti-
potável de qualidade, 93 milhões não do Fundo de Garantia por Tempo de cando o ritmo lento dos avanços na
tenham serviços de esgoto e 15 milhões Serviço (FGTS), e que o governo con- área, em comparação ao de outros
não tenham coleta de lixo. Por isso, a ta, no momento, com R$ 2,6 bilhões setores de infra-estrutura.
Política Nacional de Saneamento (PNS), para os investimentos nessa área.
proposta no Projeto de Lei 5.296/05, foi Embora o montante seja, segun- TITULARIDADE INDEFINIDA
um dos assuntos de maior destaque no do Tavares, um dos maiores já inves- Lemos reconheceu que o Brasil
encontro, tendo sido discutida no pai- tidos em saneamento, na opinião do teve algumas conquistas na área nos
nel Saneamento básico — um direito de vice-presidente da Abdib, Newton últimos anos, como a instituição da Lei
todos, na tarde do dia 24. Azevedo, o valor não chega a um quar- de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98)
RADIS 38  OUT/2005
[ 31 ]

me a Constituição, mas que haja fle-


xibilidade, entre outras coisas, para
a criação de consórcios, ou seja, par-
cerias com outros municípios.
“O painel ajudou na discussão,
mas o PL 5.296/95 é polêmico”, afir-
mou a deputada em entrevista por
telefone à Radis. “Na comissão,
estamos tentando construir um con-
senso para sua aprovação, pois o pro-
jeto é muito importante para a soci-

edade brasileira, e será bom para to-


dos — para os cidadãos, os municípi-
os, e também para as empresas esta-
duais de saneamento”. A deputada
ressaltou que a Comissão Especial de
Saneamento Básico é formada por
parlamentares que vêm acompanhan-
e do Decreto 5.440/05, segundo veira Filho, é justamente neste do as questões relativas à formulação
o qual as empresas de saneamen- ponto que a proposta esbarra na do Plano Nacional de Saneamento há
to básico são obrigadas a pres- resistência dos governos e das bastante tempo.
tar ao consumidor informações empresas estaduais de sanea- Além do debate sobre a Política
sobre a qualidade da água que mento, que desejam continuar Nacional de Saneamento, a 6ª Confe-
fornecem. se auto-regulando e definindo, rência das Cidades também teve pai-
Um dos pontos principais sozinhos, tarifas e investimen- néis sobre Regularização Fundiária,
do debate foi a indefinição da tos. A Associação das Empresas Parcelamento do Solo Urbano, Habi-
titularidade dos serviços de sa- de Saneamento Básico Estaduais tação Popular, Transporte Coletivo e
neamento, isto é, se a prestação (Aesbe) é responsável pela maio- Acessibilidade e Gestão Democrática
desses serviços à população deve ria das 862 emendas que o pro- das Cidades. Neste último, todos os
ser da competência dos estados jeto recebeu na Câmara, onde palestrantes destacaram que a parti-
ou dos municípios. De acordo tramitava em regime de urgência. cipação popular é fundamental para
com o secretário nacional de Sa- Devido às divergências, os a elaboração dos planos diretores das
neamento Ambiental, Abelardo de próprios parlamentares que atu- cidades. Os planos são instrumentos
Oliveira Filho, a proposta do go- am na defesa do projeto pedi- previstos no Estatuto das Cidades com
verno procura resgatar o pacto ram ao Executivo mais tempo para o objetivo de garantir uma boa ges-
federativo, incentivando a coo- a discussão e a negociação. O tão pública municipal, e todos os
peração entre União, estados e presidente Luiz Inácio Lula da municípios com mais de 20 mil habi-
municípios. O Poder Executivo Silva concordou com a solicitação tantes deverão apresentá-los até ou-
considera que cabe ao Supremo e a retirada da urgência foi anun- tubro de 2006.
Tribunal Federal decidir sobre ciada em 23 de agosto, na aber- Mas a sociedade precisa ficar
a questão da titularidade, mas tura da conferência, pelo minis- atenta. De acordo com o diretor do
defende que a regulamentação tro de Relações Institucionais, Departamento de Planejamento Ur-
estabelecida no PL 5.296/05 se Jaques Wagner. As emendas es- bano do Ministério das Cidades,
mantenha inalterada, indepen- tão agora sendo analisadas pela Benny Schasberg, há gestores com-
dentemente da decisão do STF. Comissão Especial de Saneamen- prando planos diretores já prontos,
A esse respeito, a debatedora to Básico, na Câmara dos Depu- sem discuti-los com a população, ape-
Bartíria da Costa, representan- tados, com o objetivo de con- nas para cumprir o prazo.
te da Conam, expressou a vi- seguir a aprovação do projeto o A Conferência das Cidades, pro-
são da entidade em defesa da mais rapidamente possível, infor- movida pela Comissão de Desenvol-
titularidade municipal. mou a Agência Câmara. vimento Urbano da Câmara dos De-
O painel foi encerrado com putados, é um dos mais importantes
A PROPOSTA a palestra da deputada Maria do fóruns anuais de debate sobre ques-
E A RESISTÊNCIA Carmo Lara (PT-MG), que integra tões urbanas no país, tendo contri-
O secretário de Saneamen- a Comissão Especial. Ela acredita buído, em outras edições, para a
to Ambiental destacou que, além que começa a haver uma mudan- formulação do Estatuto das Cidades
de regular o setor e integrar os ça na mentalidade dos gestores e até mesmo para a criação do Mi-
serviços, o projeto prevê o con- públicos, no sentido de darem nistério das Cidades, entre outros
trole social da política de sanea- maior importância ao saneamen- avanços. Este ano, ela precedeu a
mento, propiciando, entre ou- to básico. A deputada também é 2ª Conferência Nacional das Cida-
tras coisas, transparência e favorável a que os municípios te- des, que será organizada pelo mi-
participação popular na definição nham a competência e a respon- nistério e está programada para o
das tarifas. Para Abelardo de Oli- sabilidade pelos serviços, confor- fim de novembro.
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[ 32 ]

HISTÓ R I A DA F IO C RUZ

Memórias que valem a pena

O
fundo musical preparava
os espíritos: a voz de Chico
Buarque recebia os convi-
dados nos jardins do Cas-
telo Mourisco, sede da Fundação
Oswaldo Cruz no Rio. O pretexto da
cerimônia, em 26 de agosto, era a
inauguração da estátua do médico-
sanitarista Sergio Arouca (1942-2003),
nos 20 anos de sua posse na direção
da Fiocruz; o motivo real, a celebra-
ção permanente da democracia, Uma foto de Arouca discursando em frente ao carro de som da Asfoc
inspirou o escultor Otto Dumovich
para que não se perca o hábito. E
os espíritos vieram: os deste mun- ro, foi o sanitário), o diretor-geral não deu certo e a valorizar o que
do, em torno de 500, para homena- da Associação dos Servidores da deu certo”.
gear o amigo que partiu num sábado Fiocruz, Rogério Lannes, a viúva de
de agosto há dois anos; os do ou- Arouca, a sanitarista Lucia Souto, ONDE ESTÁ JORGE CARELI?
tro, para espiar a festa. O chefe de os filhos Pedro e Lara, a neta Nina. A pergunta ressoou, três dias de-
Gabinete da Fiocruz, Arlindo Fábio Freire, em sua fala, disse que pois, no Auditório Arthur Neiva, do Ins-
Gomez de Sousa, um dos três vice- Arouca não é apenas saudade: “Faz tituto Oswaldo Cruz. Desta vez, o fun-
presidentes da gestão Arouca, foi o uma tremenda falta na compreensão do musical era Villa-Lôbos: as Bachianas
mestre de cerimônias: “Quisemos de tudo o que aí está e do que seja e o Trenzinho caipira, nos violoncelos
que Arouca, símbolo dos novos tem- a esquerda hoje”. Paulo Buss refe- do Duo Santoro, pontuaram a entrega
pos de nossa instituição, ficasse ao riu-se com emoção ao modelo de da Medalha Jorge Careli, concedida
lado de nossos símbolos maiores, gestão participativa (Radis 33) que anualmente pela Associação dos Servi-
Oswaldo Cruz e Carlos Chagas”. Arouca adotou em sua administração dores da Fiocruz a personalidades que
De fato, ali perto estão os bus- (1985-1989). “Vejo aí fora instituições se destacam na defesa dos direitos
tos dos grandes mestres. O mesmo com problemas graves, servidores em humanos. Também foi entregue o 2º
lugar em que foram espalhadas as cin- dificuldades — Arouca provou que Prêmio Sergio Arouca de Saúde e Cida-
zas de Arouca, e onde cresce uma vale a pena investir nos servidores dania, ao procurador da República
jabuticabeira plantada em sua honra. públicos”, disse. Humberto Jacques de Medeiros, do
Descerraram a estátua, juntos, velhos “Filho desta casa, do partido sa- Ministério Público Federal da Saúde.
companheiros, como o ministro da Saú- nitário e da Reforma Sanitária”, dis- Receberam a medalha Catia Pa-
de, Saraiva Felipe, o presidente da se o ministro em seguida, “foram 30 tricia da Silva, representando as famí-
Fiocruz, Paulo Buss, o parasitologista anos de convivência com os vários lias das vítimas da Chacina de Queima-
Luiz Fernando Rocha Ferreira da Sil- Aroucas, o sanitarista, o deputado, o dos (noite de horror em que policiais
va, o deputado Roberto Freire, presi- amigo, o companheiro da utopia de executaram 29 pessoas na Baixada
dente do PPS (o segundo partido em Montes Claros” [experiência de inici- Fluminense, em 31/3), Elizabeth Cam-
que Arouca militou — o primeiro, cla- ada em 1974, considerada o projeto pos Silva, ativista da comunidade de
fundador do Manguinhos, Rita Mattos, ex-diretora
FOTOS: ARISTIDES DUTRA

Movimento da Asfoc, e Luis Cláudio Guimarães,


Sanitário]. amigo de Careli.
Saraiva citou Catia dedicou a medalha aos que
a proposta morreram. “Tanta gente inocente
de “reforma morta, mas é preciso reagir: grite,
da reforma lute, não deixe o medo calar você”,
do SUS” do disse. Em 10/8/1993, o servidor da
próprio Aro- Fiocruz Jorge Careli foi espancado por
uca (Radis 3) policiais da Delegacia Anti-Seqüestro.
para um de- Levado numa Kombi, nunca mais apa-
safio: “Va- receu. Os servidores promoveram
mos repen- dezenas de atos de protesto. O cor-
sar o SUS de po nunca foi encontrado, mas a Asfoc
forma a su- continua perguntando: “Onde está
Luis Cláudio, Rita, Catia, Elizabeth e Humberto: cada um
em sua área, todos pelos direitos humanos perar o que Jorge Careli?” (M.C.)
RADIS 38  OUT/2005
[ 33 ]

E N T R E V I STA

José Gomes Temporão

“Nada na saúde foi construído em cima de


punições, mas de articulação e pactuação”
construído em cima de punições, mas
Wagner Vasconcelos de conversas, articulação e pactuação.

D
o Rio de Janeiro, onde estava Mas haverá alguma punição?
para assinar acordo com o pre- Essa discussão é inadequada para o
feito César Maia, o secretário momento. Nosso foco é a repactuação,
de Atenção à Saúde do Mi- que definirá como será a nova lei que, é
nistério da Saúde, José Gomes Temporão, importante frisar, é necessária.
conversou por telefone com a Radis
para esclarecer a decisão de arquivar Então, virá um novo projeto?
o anteprojeto da Lei de Responsabili- Sim. E essa lei deverá refletir todo
dade Sanitária (LRS). o conjunto de leis e discussões que
Um novo projeto deverá ser cria- surgirem do pacto de gestão e da defi-
do, mas este não é o foco do ministé- nição dos novos padrões de repasses
rio, e sim a montagem de um pacto de de recursos.
gestão que defina metas e prioridades
para gestores e mecanismos que redu- O deputado Roberto Gouveia (PT-SP), Roberto Gouveia e podemos nos inspi-
zam os hoje numerosos padrões de re- que tem um projeto de Lei de Res- rar em experiências como as adotadas
passe de recursos. ponsabilidade Sanitária, será ouvido? pela França, por exemplo, para fazer-
Médico-sanitarista, militante histó- Sim, inclusive já conversamos com mos avançar esse projeto preliminar que
rico da reforma sanitária, no início do ele, que concordou com a nossa deci- estamos desenhando e que será avalia-
ano integrou o colegiado de coordena- são de modificar o projeto anterior. O do tanto pela Comissão Intergestores
dores da “intervenção” do Ministério da deputado, até, já tem idéias a respeito Tripartite quanto pelo Conselho Nacio-
Saúde no SUS do Rio (Radis nº 33). Habi- do pacto de gestão que vamos rediscutir. nal de Saúde, evidentemente.
tuado à negociação, como a maioria
dos sanitaristas históricos, Temporão ar- E o que será o Código de Direitos do Haverá tempo de se aprovar uma nova
gumenta contra o formato atual da Usuário do SUS? lei, tendo em vista que o governo
LRS: “Nada na área da saúde foi Embora a Constituição Federal es- entrou na reta final e que as votações
construído em cima de punições, mas tabeleça o direito à saúde, o Código de no Congresso nem sempre ocorrem
de conversas, articulação e pactuação”. Direitos do Usuário do SUS vai dar ga- com a rapidez necessária?
rantias mais objetivas, que não estão Essa é uma questão que transcende
Por que sepultar a LRS? detalhadas na lei. Vai versar desde a a minha avaliação. Mas acredito que o
O termo “sepultar” não é correto. questão da privacidade do paciente até Congresso terá sensibilidade de votar uma
A LRS é questão estratégica, mas o mi- seu direito de saber o nome do médico lei que tem uma grande importância.
nistério entende que é fundamental co- que o está atendendo, qual o conjunto
meçar pelo pacto de gestão, redefinindo de procedimentos a que está sendo sub- O projeto anterior abria muito espaço
o papel dos gestores e mudando os pa- metido e as informações sobre a quem para as intervenções. Que avaliação o
drões dos repasses de recursos, que recorrer nos casos em que julgar ne- senhor faz disso?
hoje chegam a 111. Isso é inadmissível e cessário. Será um passo importante, pois Acreditamos que a intervenção
inadministrável. O ideal seria um só pa- vai fazer com que cada cidadão seja, de deva ser algo muito pontual, muito es-
drão, mas claro que isso não é possível. certa forma, um fiscal da lei. pecífico, e não uma regra. O nosso foco
Vamos discutir que soluções podemos é a negociação, a articulação. Se um
encontrar. Quanto ao pacto de gestão, Esse código não restringiria os direi- acordo como este que assinamos hoje
posso dizer que ele será um grande avan- tos dos usuários? [8/9/05]aqui no Rio tivesse sido feito
ço para a saúde, pois hoje não temos Não, porque o código não se refe- antes, acredito que grande parte dos
controle, metas ou prioridades. re à questão do acesso ou dos serviços a transtornos poderia ter sido evitada.
que o usuário tem direito, mas à ques-
Por que a crítica à pena de prisão para tão da qualidade do serviço que lhe é Qual é o acordo?
o gestor que descumprir a lei? prestado pelo sistema público de saúde. Pelo acordo, a prefeitura do Rio
A versão que recebemos da LRS era devolverá ao MS quatro hospitais que ha-
um libelo persecutório. Da forma como Quando deve sair o pacto de gestão? viam sido municipalizados em 1999. Além
estava, ninguém gostaria de ser um Já está sendo discutido. Mantemos disso, a prefeitura se comprometeu a am-
gestor de saúde. A previsão de pena de a expectativa de que isso tudo seja pliar o Programa de Saúde da Família, pas-
prisão era um equívoco grave, um viés concluído ainda este ano. Estamos con- sando das atuais 86 equipes para cerca
inadequado. Nada na área da saúde foi versando bastante com o deputado de 260 até o fim deste ano.
RADIS 38  OUT/2005
[ 34 ]

S E RV I Ç O

EVENTOS Mais informações ções adversas e dos índices de intoxi-


Tel. (61) 3424-9664/9656/9670 cação humana provocadas por produ-
4º C ONGRESSO I NTERNACIONAL DE Site www.cgee.org.br/cncti3/index.php tos farmacêuticos, elevando o nível de
S AÚDE M ENTAL E D IREITOS H UMANOS informação e consciência da popula-
E 2º E NCONTRO I NTERNACIONAL PUBLICAÇÕES — LANÇAMENTOS ção sobre a questão e evitando o con-
DE L UTA A NTIMANICOMIAL tínuo crescimento de agravos à saúde.
E DITORA B RASILIENSE Mais informações

P romovido pela Associação das Mães


da Praça de Maio, da Argenti-
na, com apoio da Escola Nacional
Saúde pública, éti-
ca e mercado no
Livraria da Abrasco
Tel. (21) 2598-2526 e 2590-2073
E-mail abrlivro@ensp.fiocruz.br
de Saúde Pública Sergio Arouca, da entreato de dois sé-
Fiocruz, o evento traz como tema culos, de Marília
central Saúde, educação e traba- Bernardes Marques, E DITORA F IOCRUZ
lho. O congresso é resultado da apresenta temas re-
relação entre trabalhadores da levantes do mundo Avaliação em Saúde —
Saúde Mental e militantes sociais, contemporâneo, dos modelos teóricos
e busca uma formação crítica na como bioética, bios- à prática na avaliação
área, trabalhando as práticas clí- segurança, ética das pesquisas em de programas e siste-
nicas e sociais. seres humanos, clonagem humana, mas de saúde, organi-
Data 10 a 13 de novembro manipulações genéticas, transgênicos zado por Zulmira Ma-
Local Buenos Aires, Argentina e pesquisas com células-tronco em- ria de Araújo Hartz e
Mais informações brionárias. Os textos que formam esta Ligia Maria Vieira da
Tel. (5411) 4382-1055 coletânea foram produzidos nos últi- Silva, apresenta uma
E-mail congreso@madres.org mos 15 anos. Alguns são inéditos, ou- coletânea de artigos analisando os as-
tros já foram divulgados pela impren- pectos conceituais e teóricos da avali-
sa brasileira ou em conferências, ação em saúde e situações concretas
3ª C ONFERÊNCIA N ACIONAL DE publicações acadêmicas e livros. Dis- sobre o tema no Brasil e no Canadá. O
C IÊNCIA , T ECNOLOGIA E I NOVAÇÃO ponível na Livraria da Travessa, Rua livro é referência para quem inicia tra-
Visconde de Pirajá, 572, Ipanema, RJ. jetória no campo da avaliação em saú-
Mais informações de, como também para acadêmicos e
Site www.editorabrasiliense.com.br/ gestores dos serviços de saúde.
catalogo-site/livrosaudepublicaeticae
mercado.htm Urgências e emer-
gências em Saúde:
perspectivas de
L IVRARIA A BRASCO profissionais e usu-
ários, de Armelle
“Ao persistirem os Giglio-Jacquemot,
sintomas o médico pretende desvendar

O objetivo principal da conferência


é demonstrar como a ciência, a
tecnologia e a inovação (CT&I) po-
deverá ser consulta-
do”. Isto é regula-
ção?, de Álvaro César
o que seja uma ur-
gência ou uma emer-
gência de saúde a partir de duas
dem ser a base de uma estratégia Nascimento, jornalis- perspectivas: a dos usuários e a dos
para o desenvolvimento político, ta e editor da revista profissionais da rede pública. Nesta
econômico, social e cultural do país. Riopharma, analisa o publicação, a autora mostra um uni-
Entre as propostas de discussão, CT&I frágil modelo regula- verso dinâmico e complexo a partir
como desenvolvimento nacional, tório da propaganda de medicamentos de um trabalho antropológico reali-
aproximação dos setores acadêmico, no Brasil e seus danos à saúde pública. zado na Faculdade de Medicina de
empresarial e público (governamen- A obra é resultado de pesquisa realiza- Marília, em São Paulo. São decisões
tal e não-governamental), aumentan- da como pré-requisito à obtenção do médicas muitas vezes antecedidas por
do o número de exemplos de inser- grau de mestre em Saúde Coletiva pelo pequenos passos e atitudes peculia-
ção de CT&I na vida da sociedade. A Instituto de Medicina Social da Uerj, res, como a de um motorista de am-
conferência ocorrerá pouco depois em 2003, e foi editada com a chancela bulância ou o porteiro do hospital.
de um ano do lançamento da Políti- da Sociedade Brasileira de Vigilância de
ca Industrial, Tecnológica e de Co- Medicamentos (Sobravime) e do pró- Mais informações
mércio Exterior do atual governo, e prio Instituto de Medicina Social da Editora Fiocruz, Av. Brasil, 4.036, sala
já na vigência da Lei de Inovação Uerj. O livro mostra a urgência de um 112, Manguinhos, Rio de Janeiro, RJ.
Tecnológica. esforço regulatório mais rígido e CEP 21040-361
Data 16 a 18 de novembro abrangente, que contribua para a di- Tel. (21) 3882-9039 e 3882-9006
Local Complexo Blue Tree Alvorada, minuição do uso incorreto de medica- E-mail editora@fiocruz.br
Brasília mentos, a redução dos casos de rea- Site www.fiocruz.br/editora
RADIS 38  OUT/2005
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PÓS-TUDO

ARISTIDES DUTRA
Poder do
cidadão
Em 3 de novembro de 2005
Betinho completaria 70 anos. O Ibase
(www.ibase.org.br) vem promovendo
encontros para debater suas idéias e
estruturas que beneficiam uns e ig-
noram milhões de outros. E querer
mudar a realidade a partir da ação
com os outros, da elaboração de pro-
nomia. Não estamos falando de coisas
abstratas, de boas intenções ou dese-
jos humanitários de alguns.
Cidadania é, portanto, a condi-
reuniu seus textos na seção “Conver- postas, da crítica, da solidariedade ção da democracia. O poder demo-
sas com Betinho”, de onde foi retira- e da indignação com o que ocorre crático é aquele que tem gestão,
do este artigo, publicado em encarte entre nós. controle, mas não tem domínio nem
da revista Democracia, nº 113, 1995 Um cidadão não pode dormir subordinação, não tem superiorida-
com um sol deste: milhares de cri- de nem inferioridade. Uma socieda-
anças trabalhando em condições de de democrática é uma relação entre
Herbert de Souza (1935-1997)
escravidão, trabalhadores sobrevi- cidadãos e cidadãs. É aquela que se
vendo com suas famílias num qua- constrói da sociedade para o Estado,

N ão é por acaso que a palavra ci-


dadania está sendo cada vez
mais falada e praticada na sociedade
dro de miséria e de fome, a explo-
ração da mulher, a discriminação do
negro, uma elite rica esbanjando in-
de baixo para cima, que estimula e
se fundamenta na autonomia, inde-
pendência, diversidade de pontos de
brasileira. Uma boa onda democráti- diferença num mundo de festas e vista e, sobretudo, na ética — con-
ca que vem rolando mundo afora che- desperdícios escandalosos, de ban- junto de valores ligados à defesa da
gou ao Brasil há algum tempo e tem queiros metendo a mão no dinheiro vida e ao modo como as pessoas se
nos ajudado a descobrir como dar con- do depositante, da polícia batendo relacionam, respeitando as diferen-
ta do que acontece na vida pública. em preto e pobre. ças, mas defendendo a igualdade de
Cidadania é a consciência de di- A fome é a realidade, o efeito e o acesso aos bens coletivos.
reitos democráticos, é a prática de sintoma da ausência de cidadania. O O cidadão é o indivíduo que tem
quem está ajudando a construir os ponto de partida e de chegada das consciência de seus direitos e deve-
valores e as práticas democráticas. ações cidadãs. A negação radical da res e participa ativamente de todas
No Brasil, cidadania é fundamental- miséria é um postulado de mudança ra- as questões da sociedade. Um cida-
mente a luta contra a exclusão soci- dical de todas as relações e processos dão com sentido ético forte e cons-
al e a miséria e mobilização concre- que geram a miséria. É passar a limpo a ciência de cidadania não abre mão
ta pela mudança do cotidiano e das história, a sociedade, o Estado e a eco- desse poder de participação.

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