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Knauth, Daniela & Machado, Paula Sandrine. Comentários ao artigo “Homens e saúde na pauta da Saúde Coletiva”. Ciência & Saúde Coletiva, 10(1):18-34, 2005
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Knauth, Daniela & Machado, Paula Sandrine. Comentários ao artigo “Homens e saúde na pauta da Saúde Coletiva”. Ciência & Saúde Coletiva, 10(1):18-34, 2005
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Comentários ao artigo “Homens e saúde delo hegemônico, já se constituía como um
na pauta da Saúde Coletiva” “campo masculino” por excelência. Comments to the article “Men and health Não se pode esquecer, ainda, de que a gran- as targets of the Public Health” de maioria dos ensaios clínicos de medicamen- tos se realiza sobre a população masculina. Ou Daniela Riva Knauth 1 seja, os homens são tomados como padrão, no Paula Sandrine Machado 2 sentido do termo que remete à espécie humana. Assim, a novidade não é propriamente a inclu- O artigo pretende analisar como a literatura da são dos homens, mas sim a reflexão sobre as di- área da Saúde Coletiva tem tratado a temática ferenças e especificidades das mulheres e, por dos homens nas últimas décadas. Esta revisão contraposição, dos homens. Com este movi- permite demonstrar como os homens têm sido mento, o caráter de representante da espécie contemplados nos estudos através de três temá- que o masculino sempre assumiu passa a ser ticas principais: morbi-mortalidade, saúde se- questionado e os homens tornam-se uma cate- xual e reprodutiva, e violência. Aí reside, exata- goria a mais a ser investigada, matizada, investi- mente, a contribuição do artigo à discussão dos da, tal como as mulheres, as crianças, os jovens, estudos sobre masculinidade. Ao dar visibilida- etc. Lançam-se perguntas ao modelo de mascu- de à maneira como a literatura tem incorpora- linidade dominante, que desestabilizam sua su- do os homens, os autores demonstram não ape- posta homogeneidade e naturalidade. nas o interesse crescente sobre esta população, Esta nova concepção sobre o masculino é, mas também a representação de masculino que sem dúvida, resultado da inclusão da categoria impera nos estudos. E é justamente neste ponto de gênero nos estudos na área da saúde e do que o artigo poderia avançar analiticamente, conjunto de estudos produzidos sobre saúde da explorando de forma mais aprofundada o en- mulher, que evidenciaram as diferenças em re- trelaçamento dos três eixos temáticos eviden- lação ao padrão masculino. Entretanto, como ciados, que dominam o campo científico, sua bem salientam os autores, em grande parte dos relação com as representações sobre o masculi- trabalhos, gênero é entendido como correspon- no e a masculinidade, bem como sua vincula- dente ao sexo e o caráter relacional e particular ção com as diferentes áreas do conhecimento. do gênero se torna essencial e universal. Os pró- Será que, ao privilegiar estas temáticas, a litera- prios autores escorregam neste aspecto quando, tura não está também legitimando uma deter- apesar de falarem em “masculinidades”, forne- minada visão sobre o masculino? Ou, em outras cem dados epidemiológicos sobre a população palavras, seria a associação entre homens, mor- masculina (tais como fumo e violência) sem es- bi-mortalidade, sexualidade e violência apenas pecificar de que homens estão falando ou ainda um reflexo da realidade ou uma forma de apre- sem ressaltar que estes comportamentos apre- ender esta realidade na qual o que se busca já sentam grandes variações segundo classe social, está de certa forma determinado por um con- escolaridade, etc., mesmo na população mascu- junto de representações sobre o masculino? lina. Acaba-se, dessa forma, operando com uma Neste sentido, caberia uma análise mais apro- perspectiva essencialista do masculino. fundada sobre os contextos destas produções É claro que os matizes de gênero, tais como (e, mesmo, sobre quem as produz), bem como as diferentes masculinidades, apresentam-se sobre a vinculação destas com determinadas mais ou menos problematizados conforme o ei- áreas do conhecimento e perspectivas teóricas. xo de análise privilegiado. Talvez seja justamen- Ao propor o tema dos homens e saúde co- te esse aspecto que deva ser salientado na análi- mo uma novidade, os autores também estão se dos estudos sobre homens, pois quando se acionando uma concepção específica do mas- trata de contrapor ao feminino, os homens apa- culino, visto que os homens sempre estiveram recem sempre como um grupo homogêneo, de no foco dos estudos e da atenção em saúde, es- acordo com o que acontece na maior parte dos pecialmente pelo viés da manutenção da força estudos de caráter epidemiológico sobre morbi- de trabalho. Os homens também foram inseri- dos nesse contexto através da pauta da saúde se- xual, especialmente com o advento da Aids, di- 1 Departamento de Medicina Social, Universidade Federal recionada muito fortemente ao universo ho- do Rio Grande do Sul. knauth@portoweb.com.br mossexual. A sexualidade, e ainda assim relacio- 2 Programa de Pós-Graduação em antropologia social, nada a masculinidades perturbadoras do mo- Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 19
Ciência & Saúde Coletiva, 10(1):18-34, 2005
mortalidade e violência. Entretanto, quando o rem no universo masculino. E, neste sentido, a enfoque privilegia, de fato, uma perspectiva de perspectiva de gênero pode contribuir para o gênero, não apenas aparecem as contraposições questionamento das categorias e práticas tradi- ao feminino, mas também ao próprio modelo cionais da área da saúde, permitindo, com isso, hegemônico de masculinidade. E é neste senti- conhecer outras formas de se relacionar com a do que Kimmel chama a atenção para o fato de mesma que escapam às suas prescrições. Incluir que a masculinidade se constrói não só em rela- os homens nos estudos deve propiciar uma mu- ção ao feminino, mas também em relação ao dança de perspectiva e não apenas de universo próprio grupo de pares e a diferentes modelos de investigação. masculinos, inclusive à homossexualidade. As- sim, a grande maioria dos trabalhos na área da Saúde Coletiva opera ainda com a perspectiva de uma masculinidade hegemônica, sem consi- derar a existência de diferentes tipos de mascu- linidades. Um outro aspecto que deve ser questionado Saúde do homem: uma nova etapa a partir da perspectiva de gênero é que esta da medicalização da sexualidade? abordagem não se restringe a incluir os homens Man’s health: a new stage of nos estudos e formulação de políticas públicas, medicalization of sexuality? mas implica uma mudança na forma de abor- dar as questões de saúde e de prevenção. Ou se- Estela Maria Leão de Aquino 3 ja, esta perspectiva impõe uma abordagem cen- trada no caráter relacional e, portanto, não bas- Durante muito tempo, as diferenças entre os se- ta incluir os homens, mas a própria forma de xos no adoecimento e na morte foram conside- trabalhar com as mulheres deve ser repensada. radas naturais e as explicações, quando busca- O eixo das reflexões e intervenções deixa de ser das, apoiavam-se na biologia – ciência preten- o individuo (homem ou mulher) e passa a ser samente neutra e objetiva. Isso orientou toda a as relações e representações sociais acionadas construção de conhecimentos científicos e tec- nestes contextos. nológicos na área de saúde (Krieger & Fee, 1994). A dificuldade em dar conta destas implica- As diferenças mais evidentes eram ligadas ao ções aparece claramente no artigo quando os aparelho reprodutivo, o que incluía não só doen- autores acionam uma concepção de saúde e de ças – por exemplo, as mulheres acometidas por cuidado intensamente marcada pela concepção neoplasias de colo de útero e os homens pelo biomédica. Concepção esta que não contempla câncer de próstata –, mas também um conjunto outras possibilidades de pensar o cuidado de si de eventos relativos à menstruação, à gestação, e do outro fora das formas tradicionais, com as ao parto e ao puerpério, restritos obviamente às quais as mulheres são fortemente identificadas. mulheres. Muitas outras doenças, como as car- É assim que os homens são percebidos como diovasculares, apresentavam distribuição dife- não-socializados para o cuidado e a valorização rente entre mulheres e homens, mas isso podia da saúde. Será que ao contemplarmos as ques- ser explicado pela maior proteção hormonal tões de gênero o cuidado não adquire também das primeiras ou pelo estresse naturalmente um outro significado? Ou seja, será que, por maior dos últimos. A infância e a velhice eram exemplo, as estratégias acionadas pelos homens (e ainda o são) descritas sem sexo. Na saúde face a determinadas situações – tais como as re- ocupacional, essa variável tampouco era usada, lações sexuais com as “mulheres de rua” ou “pe- porém a produção de conhecimentos e as inter- rigosas” – não podem ser pensadas como um venções voltavam-se aos homens, sendo as mu- cuidado de si, embora se encontrem distante do lheres – sempre potencialmente grávidas – lem- modelo preconizado pelo discurso biomédico? bradas apenas para a proteção ao feto. E todos os esforços despendidos à manutenção A partir da década de 1980, o que parecia da própria masculinidade não podem também óbvio passou a ser questionado por influência ser incluídos na categoria do cuidado e, nesse caso, não apenas de si mas também do outro? Assim, antes de excluir os homens das cate- 3 MUSA–Programa de Estudos em Gênero e Saúde gorias de cuidado e saúde faz-se necessário pen- do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal sar nas significações que estas categorias adqui- da Bahia. estela@ufba.br