ternidade como sinônimo de provimento ma- mentalidade patriarcal que realiza e re-atualiza
terial: é o “impensado” e o “naturalizado” dos o controle das mulheres e a rivalidade presumi-
valores tradicionais de gênero. Da mesma for- da entre homens estão sempre presentes nas
ma e em conseqüência, o masculino é investido agressões por ciúme (medo da perda do objeto
significativamente com a posição social (natu- sexual e social) cujo ponto culminante são os
ralizada) de agente do poder da violência, ha- homicídios pelas chamadas “razões de honra”.
vendo, historicamente, uma relação direta entre No Brasil, “razão de honra” é uma categoria re-
as concepções vigentes de masculinidade e o lacional forte e ao mesmo tempo provisória,
exercício do domínio de pessoas, das guerras e pois sua existência, culturalmente, depende do
das conquistas. O vocabulário militarista erudi- exercício de vários papéis masculinos: o de pro-
to e popular está recheado de expressões ma- vedor, o de pai e, sobretudo, o de marido que
chistas, não havendo como separar um de ou- precisa assegurar a fidelidade da parceira no de-
tro. Levando em conta o caso brasileiro, típico safio com outros homens. Neste último caso
da cultura ocidental e ao mesmo tempo especí- evidencia-se uma contradição de termos, pois o
fico em sua historicidade, comentarei três situa- homem “honrado” vive em eterna vigilância
ções: a do estupro, a da violência contra a mu- contra o homem “bicho danado” (Machado,
lher na condição de cônjuge e a do homicídio 2001), e esses papéis podem ser trocados sem-
cometido por homens contra homens. pre, dependendo do olhar do outro. Como num
No ato do estupro realiza-se superlativamen- jogo de espelhos, o “homem honrado” enxerga
te a dissociação entre o sujeito e o objeto da se- a masculinidade como o lugar dos instintos in-
xualidade, entre o apoderamento sexual do ou- controláveis, da agressividade e da violência.
tro e a anulação da vontade da vítima. Machado No mundo da criminalidade, a idéia fundan-
(2001) comenta que todos os estupradores que te de macho violento se centra na mesma crença
entrevistou em sua pesquisa, apesar de confes- arraigada do masculino como o espaço da ini-
sarem que forçaram a relação sexual (o que te- ciativa, do poder e da imposição da vontade, fa-
ria sido feito como “uma fraqueza” ou “num zendo a associação de dois planos, o da sexuali-
momento de fraqueza”), no fundo acreditavam dade e o da sociabilidade. A moral do macho
que a mulher queria ser violentada. Essa crença, violento é a da virilidade que se apodera do cor-
de um lado insinua pelo menos duas coisas: 1) po, dos desejos, dos projetos, dos negócios e da
“macho mesmo”, do ponto de vista sexual, dei- vida do outro. Machado (2001) analisa essa di-
xa-se levar pela fraqueza, pois seus impulsos são nâmica tomando como exemplo as falas de jo-
tão fortes que ele não consegue controlá-los, vens infratores do Distrito Federal. A partir de-
por isso, “naturalmente” precisa ser compreen- les, busca entender os efeitos da pós-moderni-
dido e perdoado; 2) o “não” da mulher nunca dade sobre a construção das categorias de mas-
deve ser considerado verdadeiro e sim parte do culinidade em associação com novas modalida-
ritual de sedução. Portanto, a plenitude da ma- des de violência. A autora evidencia a convivên-
cheza não admite que a mulher (em sendo ob- cia de várias lógicas temporais fortemente pre-
jeto) possa dizer “não”. sentes na sociabilidade violenta dos jovens in-
No caso das relações conjugais, a prática cul- fratores: 1) a permanência do machismo da
tural do “normal masculino” como a posição do “honra”; 2) o crescimento da consciência de di-
“macho social” apresenta suas atitudes e rela- reito, vivido no exagero do “individualismo das
ções violentas como “atos corretivos”. Por isso, singularidades” (2001) que se expressa no culto
em geral, quando acusados, os agressores reco- da hiperliberdade individual per si; 3) a expe-
nhecem apenas “seus excessos” e não sua fun- riência da compressão do tempo-espaço pela va-
ção disciplinar da qual se investem em nome de lorização do tempo curto e rápido e 4) o culto do
um poder e de uma lei que julgam encarnar. imediatismo nas vivências de prazer e sucesso.
Geralmente quando narram seus comporta- Assim, o caminho para o uso das drogas, a
mentos violentos, os maridos (ou parceiros) participação em assaltos, os pegas de carro, o
costumam dizer que primeiro buscam “avisar”, excesso de velocidade no trânsito, as mortes en-
“conversar” e depois, se não são obedecidos, comendadas e executadas como fato acabado,
“batem”. Consideram, portanto, que as atitudes as ordens arbitrárias dadas às comunidades em
e ações de suas mulheres (e por extensão, de que vivem e as instituições aí presentes por par-
suas filhas) estão sempre distantes do compor- te das gangues reafirmam a valorização do ma-
tamento ideal do qual se julgam guardiões e chismo de longa duração. Atualizam-se na iden-
precisam garantir e controlar. A associação da tidade do “chefe do bando, do bonde, do gru-
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Violência, pp. 40-46. In Câmara dos Deputados (Co- gênero, muitas vezes parece haver ainda pouca
ordenação de Publicações). Violência urbana e segu- clareza quando se afirma que é a mesma socie-
rança pública. Câmara dos Deputados, Brasília.
Zaluar A 2002. Diagnóstico da violência urbana no Brasil,
dade que orienta a construção de elaborações
pp. 18-19. In Câmara dos Deputados (Coordenação consideradas masculinas e femininas. Se é igual-
de Publicações). Violência urbana e segurança pública. mente inegável que sua característica básica é a
Câmara dos Deputados, Brasília. assimetria de gênero, o que quero chamar a
atenção aqui é que a forma como sujeitos viven-
ciam essa dimensão em suas vidas é constituin-
te tanto de mulheres quanto de homens.
É ainda desse campo de discussão uma ou-
tra questão trazida pelos autores que diz respei-
to à lógica dos benefícios indiretos para as mu-
Homens e saúde: diversos sentidos lheres da participação dos homens no campo
em campo saúde, sexualidade e reprodução. O caminho a
Men and health: several senses in field ser percorrido para se compreender o que sig-
nifica afinal falar-se em homens como sujeitos
Pedro Nascimento 5 de direitos. Como pensar em direitos em rela-
ção a quem não só sempre usufruiu dos mes-
Para mim é uma grande satisfação a oportuni- mos, como ainda impediu que outros – outras,
dade de participar deste debate que considero as mulheres – assim se insurgissem? Caricatu-
tão importante. Além da pertinência do tema ras à parte, há um longo caminho para que con-
que já valeria a empreitada, o artigo “Homens e sigamos dar o lugar devido ao fato de tratarmos
saúde na pauta da Saúde Coletiva” consegue dos homens, por um lado, como uma categoria
mapear diversas dimensões de um mesmo cam- genérica e universal e, por outro, falar dos sujei-
po. Se por um lado essa amplitude deixa o de- tos concretos do dia a dia.
batedor com vontade de referir várias questões Os autores enfrentam esse dilema o tempo
ao mesmo tempo – o que é aqui impossível; por todo. Referências a expressões como “masculi-
outro, oferece ao leitor uma oportunidade ím- nidade hegemônica”, “padrões hegemônicos”
par de reflexão pelo que parabenizo os autores. etc., as quais são fundamentais para possibilitar
Também gostaria de situar minha fala: o lu- mesmo a caracterização, trazem os riscos das
gar onde surgem meus questionamentos cruza generalizações e por isso os autores recomen-
a experiência de um antropólogo “iniciado” em dam que não se pode desconsiderar a existência
bares junto de sujeitos que, reunidos, apren- dos diferentes estilos de masculinidade, pois na
diam a ser homens (Nascimento, 1995), com a vida cotidiana devemos levar em conta a posição
experiência de uma pessoa que participa dessa concreta e particular dos sujeitos em cada grupo
discussão propondo um espaço para a reflexão de referência. Isto, contudo, não é uma tarefa fá-
sobre os homens nos campos aqui discutidos. cil, pois a referência ao modelo traz sempre a
Não se trata de reinstalar uma pouco produtiva “tentação” da facilidade de achar que já conhe-
oposição entre produção de conhecimento e cemos o que se nos apresenta antes mesmo de
ativismo, mas dizer dos dilemas próprios de um nos darmos ao trabalho de investigar a fundo
campo em construção (Medrado et al., 2000). A suas múltiplas dimensões. Como não nos des-
apresentação desses dilemas, a propósito, é o lumbrarmos com a certeza tantas vezes repetida
maior mérito deste artigo. São alguns deles, que em diferentes espaços de que “os homens são
particularmente me chamam a atenção, de que assim”? Neste sentido, valorizar e dar visibilida-
estarei tratando. de à diversidade dos sujeitos tem, por um lado,
Uma primeira questão que destaco é que o o apelo da pertinência metodológica e, por ou-
artigo aponta para a necessidade de refletirmos tro, a força da busca da superação dos estereóti-
o que estamos dizendo quando falamos gênero pos (Nascimento, 1999).
e estimula a busca da superação da reificação Uma outra questão tem a ver com a discus-
no feminino. Se parece que há acordo quando a são sobre masculinidade e trabalho. A centrali-
referência é ao caráter histórico e cultural do dade do trabalho na vida dos homens e na ne-
gociação de suas identidades; os desafios postos
quando não são capazes de atualizar a prerro-
gativa de provimento financeiro do lar e mes-
5 Instituto Papai, Recife PE. pedro@papai.org.br mo a inconstância do trabalho precisam ser le-