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s í s i f o / r e v i s t a d e c i ê n c i a s d a e d u c a ç ã o · n .

º 2 · j a n / a b r 0 7 issn 1649 ‑4990

E se a melhoria da empregabilidade
dos jovens escondesse novas formas
de desigualdade social?

Natália Alves
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa
nalves@fpce.ul.pt

Resumo:
O termo empregabilidade tem vindo a impor-se como uma categoria universal de análise
do mercado de trabalho, como um referente hegemónico das políticas de emprego e,
mais recentemente, das políticas educativas. A sua introdução nos discursos educativos
oficiais corresponde a uma alteração no paradigma por que se têm orientado as políticas
sociais e inscreve-se numa lógica de individualização e responsabilização individual e na
tendência crescente para a privatização dos problemas sociais. Mas a empregabilidade le‑
gitima, também, o reforço das fileiras profissionalizantes destinadas a todos e de medidas
específicas destinadas a alguns: aos jovens das classes populares, com trajectórias escola‑
res de insucesso e em risco de abandono escolar. Neste artigo, pretendemos demonstrar
que, em Portugal, a profissionalização do sistema educativo é o resultado de uma polí‑
tica voluntarista do Estado que não encontra eco num tecido empresarial que continua
a apostar nos baixos custos da mão-de-obra como factor de competitividade ao mesmo
tempo que relega para um plano secundário a discussão do seu papel na (re)produção
social e na criação de formas “doces” de exclusão.

Palavras-chave:
empregabilidade, desigualdades sociais, formação inicial e inserção profissional.

Alves, Natália (2007). E se a melhoria da empregabilidade dos jovens escondesse novasformas de


desigualdade social? Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 2, pp. 59‑68.
Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt

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Introdução trar que em Portugal a profissionalização do sistema
educativo é o resultado de uma política voluntarista
A introdução da palavra “empregabilidade” nos do Estado que não encontra eco num tecido empre‑
discursos políticos corresponde a uma mudança sarial que continua a apostar nos baixos custos da
de paradigma que importa esclarecer antes de ana‑ mão-de-obra como factor de competitividade ao
lisar a forma como o sistema educativo português mesmo tempo que relega para um plano secundário
responde ao que tem vindo a ser identificado como a discussão do seu papel na (re)produção social e na
a necessidade de aumentar a empregabilidade dos criação de formas “doces” de exclusão.
jovens. Colocar a empregabilidade no centro das
políticas educativas corresponde a uma mudança no
debate sobre a educação e sua relação com a socie‑ Algumas considerações em torno do
dade em geral e a economia em particular. Até às cri‑ conceito de empregabilidade
ses dos anos setenta, a educação era concebida como
um instrumento fundamental para diminuir as desi‑ O termo empregabilidade tem vindo a impor-se
gualdades sociais e como uma condição indispen‑ como uma categoria universal de análise do mer‑
sável para assegurar o crescimento económico. O cado de trabalho, como um referente hegemónico
aumento do desemprego, em particular do desem‑ das políticas de emprego e, mais recentemente, das
prego juvenil, traz para a agenda política a discus‑ políticas educativas. Como muitas outras palavras
são sobre o seu papel no combate a este fenómeno hoje em voga1, também esta é objecto de um consen‑
e está na origem da profissionalização dos sistemas so semântico generalizado que dispensa, à partida,
educativos. A introdução recente do termo empre‑ qualquer tipo de definição. No entanto, este con‑
gabilidade nos discursos educativos corresponde a senso é apenas aparente. A polissemia da noção de
uma alteração no paradigma por que se têm orien‑ empregabilidade está patente nas diferentes defini‑
tado as políticas sociais e inscreve-se numa lógica ções produzidas no campo científico, nos usos que
de individualização e responsabilização individual decorrem da sua utilização enquanto categoria de
e na tendência crescente para a privatização dos pro‑ acção das políticas de emprego2 e nos significados
blemas sociais. Mas a empregabilidade legitima, que lhe são atribuídos, por exemplo, nos documen‑
também, o reforço das fileiras profissionalizantes tos produzidos no âmbito da Comissão Europeia e
destinadas a todos e de medidas específicas desti‑ da OCDE3. Os objectivos que orientam a nossa re‑
nadas a alguns: aos jovens das classes populares, flexão levam-nos a debruçarmo-nos exclusivamente
com trajectórias escolares de insucesso e em risco sobre a genealogia do conceito e os seus significados
de abandono. Neste artigo, pretendemos demons‑ científicos, seguindo de perto os trabalhos de Gazier

60 sísifo 2 | natália alves | e se a melhoria de empregabilidade dos jovens escondesse novas formas…
(1990, s/d). Este autor identifica sete noções diferen‑ te numa lógica que se organiza em torno da ideia
tes de empregabilidade: empregabilidade dicotómi- de défice de aptidões. Em contrapartida, a empre-
ca, empregabilidade sócio-médica, empregabilidade gabilidade fluxo, de origem francesa5, apresenta-se
como política da força de trabalho, empregabilidade como uma alternativa às abordagens individualistas
fluxo, empregabilidade como performance esperada centradas na oferta de trabalho, dominantes até en‑
no mercado de trabalho, empregabilidade de inicia- tão. A empregabilidade à francesa, como a designa
tiva e empregabilidade interactiva. Gazier (1990), focaliza-se nas condições globais da
A empregabilidade dicotómica tem origem no procura de trabalho. Ela corresponde às probabili‑
início do século XX nos Estados Unidos e na Grã- dades diferenciais de saída do desemprego, segun‑
Bretanha e era usada, pelos serviços públicos, para do as características sócio-demográficas clássicas e
classificar as pessoas que se apresentavam no mer‑ as condições gerais da economia. Esta concepção
cado de trabalho ou solicitavam assistência pública de empregabilidade, que contempla ainda dois ti‑
em duas categorias: os empregáveis e os “inempre‑ pos conceptualmente distintos – empregabilidade
gáveis”. A primeira categoria englobava todos aque‑ média6 e empregabilidade diferencial7 - toma como
les que podiam ou queriam trabalhar; a segunda unidade de análise o grupo de desempregados e
integrava os que não podiam trabalhar em virtude não o desempregado individual. Ao colocar a tó‑
de constrangimentos vários sendo, por isso, candi‑ nica nos determinantes colectivos do desemprego,
datos a beneficiários da segurança social. Na práti‑ esta concepção de empregabilidade estabelece uma
ca, tratava-se, nas palavras de Gazier (s/d, p. 10) de rotura com a perspectiva psicologizante de pendor
um “instrumento elementar de partição dos pobres deficitário que enforma as outras noções para se
e de gestão de uma situação de urgência”. inscrever numa perspectiva sócio-económica que
Os anos cinquenta e sessenta definem tempo‑ tem em conta os ciclos económicos e a forma como
ralmente a emergência de três novas noções de os modos de regulação dos mercados de trabalho
empregabilidade que têm em comum uma aborda‑ afectam, diferenciadamente, categorias distintas de
gem quantitativa dessa mesma empregabilidade, trabalhadores.
mantendo intacto o grupo social de referência: os A partir dos anos oitenta, desenvolvem-se três
desempregados4. A empregabilidade sócio-médi- novas formulações do conceito de empregabilida‑
ca é a primeira a surgir, nos anos cinquenta, nos de. O aumento do desemprego conduz à criação de
Estados Unidos, na Grã-Bretanha e na Alemanha um vasto número de medidas e de programas no
e pretende medir, através da aplicação de baterias quadro das políticas públicas de emprego. Neste
de testes, a distância entre as características físicas, novo contexto, a empregabilidade transforma-se,
cognitivas e mentais de quem procura emprego e os segundo Barbier (2000), numa categoria de acção
requisitos associados a um determinado emprego. dos organismos e dos operadores das políticas de
A empregabilidade como política da força de tra- emprego, no quadro da gestão do desemprego de
balho, desenvolvida nos Estados Unidos, a partir massas e num indicador para avaliar a sua eficácia.
dos anos sessenta não é mais do que uma exten‑ A empregabilidade como performance esperada no
são da empregabilidade sócio-médica. A avaliação mercado de trabalho surge, assim, como uma noção
das distâncias entre os requisitos associados a um descritiva, usada internacionalmente, para avaliar
determinado emprego e os atributos individuais, o sucesso ou fracasso de uma medida de política
incorpora, agora uma outra dimensão: a aceitabili‑ de emprego ou de formação8, através do cálculo do
dade social. Nesta perspectiva, a empregabilidade tempo dispendido até à obtenção de um emprego,
designa, segundo Gazier (1990, p. 579) “a atracti‑ do número de dias de permanência nesse emprego
vidade de um indivíduo aos olhos de um emprega‑ e da remuneração auferida. Esta noção de emprega‑
dor, apreciada através dos resultados dos testes que bilidade, de cariz marcadamente instrumental, é si‑
combinam a avaliação de aptidões e de comporta‑ nónimo da “capacidade para obter um rendimento
mentos e privilegiam a integridade profissional”. no mercado de trabalho” (Gazier, s/d, p. 11).
Comum a estas duas noções está uma concepção Nos finais da década de oitenta, surgem duas
estritamente individual da empregabilidade, assen‑ outras noções de empregabilidade que, uma vez

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mais, reflectem a querela que opõe os que defen‑ que “a interactividade, supostamente no centro do
dem uma análise da empregabilidade que tome em conceito, parece estar a ser substituída por um en‑
linha de conta as dinâmicas sócio-económicas e os foque singular no indivíduo e no que pode ser de‑
que a concebem como um atributo individual, qua‑ signado por ‛competências de empregabilidade’”.
se ontológico. A empregabilidade de iniciativa ins‑ A crítica à hegemonia que a concepção individual
creve-se, precisamente, nesta última tendência que da empregabilidade tem vindo a assumir é também
tem sido dominante e que ganha um novo fôlego partilhada por sociólogos como Charlot e Glassman
com a difusão da ideologia neoliberal em particu‑ (1998) e Ebersold (2001). Para estes autores, esta
lar nos Estados Unidos e no Reino Unido. Definida hegemonia inscreve-se num processo mais geral de
por Gazier (s/d, p. 11) como “as capacidades indi‑ individualização e de responsabilização individual
viduais para ‘vender’ as qualificações no mercado a que se referem numerosos sociólogos (Beck, 2001;
de trabalho”, esta concepção coloca uma vez mais Dubet & Martucelli, 1996; Ehrenberg, 1991, 1995;
a tónica no trabalhador individualmente conside‑ Giddens, 2001) e que tem como corolário o que
rado. Trata-se, como o mesmo autor defende, de Wallace e Kovatcheva (1998) designam por uma
desenvolver a criatividade e a responsabilidade in‑ crescente privatização dos problemas sociais.
dividuais e a capacidade para construir e mobilizar Desde sempre associada à questão do desem‑
os recursos sociais, indispensáveis para manter um prego, a empregabilidade individual assume agora
emprego ou para obter um novo. Aos trabalhadores uma nova centralidade face à necessidade de gerir
não lhes basta, como há algumas décadas atrás, rea‑ um desemprego estrutural de massas e à incapa‑
lizar as tarefas que lhes são exigidas. Eles têm agora cidade e impossibilidade dos governos nacionais
de se investir objectiva e subjectivamente no traba‑ para criar emprego. Sem poderem intervir direc‑
lho, de adquirir capacidades de empregabilidade tamente sobre a oferta, eles vêem o seu campo de
vendáveis no mercado de trabalho, de se tornar em‑ intervenção reduzido a acções que incidem quase
presários de si. A empregabilidade de iniciativa é, exclusivamente sobre o lado da procura, quer sob
assim, uma característica de indivíduos atomizados a forma de políticas de emprego quer de educa‑
e flexíveis, capazes de se deslocar entre empregos, ção-formação. Actuar sobre a melhoria da empre‑
num mercado de trabalho cada vez mais desregula‑ gabilidade individual surge como a única resposta
do. A empregabilidade interactiva, por seu turno, é política possível, no quadro do ideário neoliberal,
originária do Canadá e, embora mantenha a ênfase para gerir um desemprego de massas que assume
no indivíduo e nas suas capacidades, admite que contornos paradoxais. Ele é concomitante com o
a empregabilidade individual não pode ser disso‑ aumento generalizado das qualificações escolares
ciada dos modos de funcionamento do mercado de (Beck, 2001; Canário, 2005; Castel, 1999); atinge
trabalho. Neste sentido, a empregabilidade não é não só os detentores de baixos níveis de habilitação
um estado, mas um processo que se constrói na in‑ escolar, mas também os mais qualificados dos qua‑
teracção entre as estratégias e os recursos individu‑ lificados e, deixa de ser o resultado da ausência de
ais, por um lado, as dinâmicas macro-económicas e crescimento económico para se tornar inerente ao
as estratégias empresariais, por outro. próprio modelo de crescimento económico, como
No entanto, apesar de existir um consenso for‑ Boltanski e Chiapello (1999) tão bem demonstra‑
mal em torno da concepção interactiva da empre‑ ram e os lucros das grandes empresas nacionais e
gabilidade, e de no campo científico se desenvolve‑ multinacionais não param de confirmar. A aceita‑
rem abordagens que operacionalizam as diferentes ção da inevitabilidade do desemprego como con‑
dimensões deste conceito9, o que é um facto é que, dição indispensável ao crescimento das economias
o aumento do desemprego, o seu carácter estrutu‑ nacionais e das taxas de lucro das empresas vai a
ral e a consolidação do pensamento neoliberal têm par com a difusão de um discurso que não cessa de
contribuído para a manutenção e mesmo para o “culpabilizar as vítimas” e onde a empregabilidade
reforço da perspectiva individual da empregabili‑ é o termo que lhe confere a necessária legitimidade
dade. McQuaid e Lindsay (2005, p. 205) referem- científica e que ofusca os interesses, estruturalmen‑
se, precisamente a esta tendência, quando afirmam te antagónicos, entre capital e trabalho. Com efeito,

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explicar o desemprego por via, exclusiva, da ausên‑ intacto o processo de recrutamento e formação das
cia de competências de empregabilidade é ocultar elites nacionais11. Via de escolarização por excelên‑
os efeitos sociais e económicos desta nova fase de cia das classes populares, o ensino técnico é extinto
acumulação capitalista. Assim, num contexto onde na segunda metade da década de setenta, fruto da
impera a penúria de emprego e uma crescente flexi‑ revolução em curso e do movimento de unificação
bilização da relação salarial, colocar o ónus do de‑ do ensino que esteve na origem do collège em Fran‑
semprego nos desempregados e explicá-lo por via ça e da comphreensive school no Reino Unido.
da sua reduzida empregabilidade é mistificar um O início dos anos oitenta marca um novo ciclo
problema, por definição complexo, cuja resolução nas políticas educativas em Portugal e uma alte‑
não se compadece nem com medidas compensató‑ ração na forma de conceber o papel da educação.
rias nem com medidas paliativas. Se até às crises económicas dos anos setenta, a
educação era entendida como um instrumento no
combate às desigualdades sociais e uma condição
Aumentar a competitividade, ­combater indispensável para assegurar o crescimento econó‑
o desemprego e a exclusão social, mico, com o aumento do desemprego juvenil vê-se
melhorar a empregabilidade investida de um novo papel: o de contribuir para
a diminuição do desemprego. A reintrodução de
Em Portugal, o termo empregabilidade tem esta‑ fileiras profissionalizantes nos países onde tinham
do, principalmente reservado ao “tratamento” dos sido extintas e o seu reforço nos restantes são legiti‑
desempregados, em geral, e dos desempregados de mados, do ponto de vista político, pela necessidade
longa duração em particular, sendo por isso uma de aumentar a competitividade das economias eu‑
constante nas medidas de política pública de empre‑ ropeias e principalmente, pela necessidade de com‑
go-formação, destinadas a este grupo alvo. Já no do‑ bater o desemprego juvenil. Fazendo tábua rasa dos
mínio educativo, a sua inclusão na retórica discursi‑ conhecimentos produzidos nos campos da econo‑
va oficial é muito mais recente e marginal. Melhorar mia e da sociologia12, o desemprego é explicado nos
a empregabilidade dos jovens surge actualmente a discursos políticos e nalguns discursos produzidos
par de três outros grandes objectivos definidos para no campo científico como o resultado das deficiên‑
a educação no nosso país: aumentar a competitivida‑ cias do sistema educativo que: não incute nos jo‑
de, combater o desemprego e a exclusão social. Es‑ vens um sistema de disposições favoráveis ao traba‑
tes objectivos, reiterados pelos vários governos nas lho (Furlong, 1988); não desenvolve as competên‑
últimas décadas, independentemente da sua filiação cias necessárias à sua inserção na vida activa (Finn,
política, colocam no centro da agenda e do debate 1985); ministra uma formação que é acusada de ser
políticos a relação entre educação e trabalho, a qual demasiado académica e pouco relevante em termos
ganha uma actualidade renovada com a manutenção profissionais (Finn, 1984; Sherman, 1991). Portugal
do problema estrutural do desemprego. não foge a esta tendência pelo que a reintrodução
Em Portugal, esta sempre foi uma relação con‑ da fileira profissionalizante no nosso país ou a fle‑
turbada. Materializada nos cursos do ensino técni‑ xibilização externa do sistema educativo, como lhe
co até à Revolução de 1974, ela foi e continua a ser chama Correia (1999), vai reproduzir os argumen‑
o resultado de uma política voluntarista do Estado tos dominantes: dar resposta à necessidade de au‑
com pouco eco numa classe empresarial que não mentar a competitividade da economia nacional e
privilegiava a formação profissional nem inicial nem de combater o desemprego juvenil explicado pela
contínua (Grácio, 1986)10 e que, nos dias de hoje, falta de qualificação profissional dos jovens.
continua a apostar nos baixos salários como prin‑ As críticas ao retorno a uma concepção instru‑
cipal factor de competitividade económica. Mas ela mental e gestionária da educação fazem-se imedia‑
foi também um instrumento essencial para respon‑ tamente sentir quer em Portugal quer nos restantes
der, a partir da década de sessenta, ao aumento da países europeus onde se assistiu a uma progressiva
procura social de educação por parte da classe mé‑ subordinação da educação aos interesses económi‑
dia e de algumas franjas do operariado, mantendo cos. No essencial, estas críticas organizam-se em

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torno de três tipos de argumentos distintos: políti‑ e a prova de que uma educação orientada para o tra‑
cos, educativos e económicos. balho, que diminua os riscos de exclusão e aumen‑
Do ponto de vista político, critica-se quer a su‑ te a empregabilidade, é algo que se destina aos que
bordinação da educação à economia quer a concep‑ não possuem as competências cognitivas que lhes
ção fragmentada do actor social em que se valoriza permita seguir um curriculum “normal” e que, por
a formação do trabalhador como se este papel fosse acaso, são, na sua quase totalidade, oriundos das
autónomo relativamente ao do cidadão (Correia, Sto‑ classes populares e das minorias étnico-culturais.
leroff & Stoer, 1993). Critica-se ainda a deslocação Do ponto de vista económico, alguns estudos pro‑
do locus da discussão do conceito de igualdade de duzidos no domínio da economia da educação, como
oportunidades do universo educativo para o mundo é o caso do trabalho realizado por Corson (1991),
do trabalho (Alves et al., 2001). A igualdade de opor‑ demonstram que os elevados custos indexados aos
tunidades deixa de ser uma referência central da po‑ cursos profissionalizantes, quando comparados com
lítica educativa sendo substituída pela igualdade de os da formação geral, não têm o retorno esperado no
oportunidades na obtenção de um emprego. que respeita ao aumento da produtividade individu‑
No plano educativo, fazem-se ouvir críticas ao al concluindo que, em termos económicos, eles são
carácter socialmente discriminante destas ofertas comparáveis aos da formação geral. Outras investiga‑
formativas que tendem a transformar-se em ghetos ções corroboram a tese de que este tipo de formação
habitados por jovens das classes populares marca‑ não aumenta as vantagens comparativas destes jovens
dos por trajectórias escolares de insucesso (Alves no mercado de trabalho. Dois estudos realizados so‑
et al., 2001; Combes, 1988; Grácio, 1991; São Pe‑ bre a inserção na vida activa de jovens que concluíram
dro et al., 2002) o que lhes confere um estatuto de o ensino secundário (São Pedro et al., 2002) e acções
segunda oportunidade no interior do sistema edu‑ de formação profissional inicial (Carimbo, 2001) de‑
cativo e que se perpetua no mercado de trabalho monstram que não existe uma diferença significativa
com os seus detentores a terem proporcionalmente na situação face ao desemprego, uma vez que: dos
menores oportunidades de promoção na carreira jovens que frequentaram os cursos gerais do ensino
do que os seus colegas universitários, a terem mais secundário, 18% estava desempregado; dos que fre‑
probabilidades de ficar desempregados e de obter quentaram os cursos tecnológicos, 19% encontrava-se
uma menor rendibilidade dos seus diplomas (Grá‑ no desemprego; entre os que concluíram cursos pro‑
cio, 1997; Portugal, 2004)13. O carácter socialmente fissionais a taxa de desemprego era de 15% e dos que
selectivo e, nalguns casos estigmatizante, destas concluíram acções de formação profissional inicial,
ofertas educativas foi recentemente reforçado com 17% tinha o estatuto de desempregado. Outros ainda,
a criação dos currículos alternativos e dos cursos centrados nas estratégias de recrutamento (Moreno,
de educação formação na escolaridade obrigatória. 1998) mostram que os empresários portugueses con‑
Elegendo como público-alvo os jovens em risco de tinuam a privilegiar o recrutamento dos jovens menos
abandono escolar, estas modalidades, que apresen‑ qualificados, portadores de qualificações de nível I e
tam como objectivos combater a exclusão social e II e que a formação geral, a capacidade de aprendiza‑
aumentar a empregabilidade, vêm introduzir per‑ gem e as capacidades motivacionais (empenhamento
cursos diferenciados no ensino básico, legitimados e esforço) e comportamentais (assiduidade, pontuali‑
à luz da ideologia da inclusão (Correia, 1999). Ao dade, respeito pelas hierarquias) são critérios de se‑
fazê-lo, elas estão a contribuir para a uma nova re‑ lecção mais valorizados do que a formação de matriz
formulação semântica da noção de igualdades de profissionalizante.
oportunidades que deixa de ter como referente um
ensino igual para todos para passar a consagrar a
ideia de um ensino diferente para capacidades di‑ Síntese conclusiva
ferentes. Mas estas modalidades, que se inscrevem
num processo de flexibilização interna do sistema Que conclusões retirar do que acabámos referir?
educativo (Correia, 1999), são também uma das fa‑ Em primeiro lugar, que em Portugal persiste um
ces visíveis da exclusão doce a que se refere Dubet modelo de especialização económica que continua

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a construir as suas vantagens competitivas nos bai‑ qualificação da mão-de-obra juvenil, e a discordân‑
xos custos da força de trabalho. Em segundo lugar, cia profunda ao nível das práticas sociais concretas.
que as estratégias de recrutamento das empresas, Em quarto lugar, que os discursos e as políticas, as‑
ao valorizarem o perfil motivacional e comporta‑ sentes na defesa de modalidades de formação pro‑
mental dos trabalhadores, estão, no essencial, a fissionalizante, são marcados por uma forte carga
privilegiar a sua capacidade de se investir subjec‑ ideológica que tendem a resistir a todas as evidên‑
tivamente no trabalho, capacidade essa que é si‑ cias empíricas que os colocam em causa. Em quinto
multaneamente sinónimo de empregabilidade e de e último lugar, que estamos perante discursos e po‑
permeabilidade às novas formas de exploração do líticas que ocultam o papel destas modalidades de
trabalho. Em terceiro lugar, que se mantém inalte‑ formação na reprodução das desigualdades sociais
rável a contradição entre a política educativa e as colocando a tónica em argumentos que se preten‑
estratégias empresariais, a qual se traduz na con‑ dem ideologicamente neutros como a competitivi‑
traposição entre a coincidência dos discursos polí‑ dade económica, o combate ao desemprego e à ex‑
ticos e empresariais, que atribuem o desemprego e clusão social e, mais recentemente, no aumento da
a reduzida competitividade da economia à falta de empregabilidade.

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Notas explicativas do desemprego juvenil como a teoria
do ciclo, a teoria da concorrência ou da fila, a teoria
1. Estamos a pensar, concretamente, em pala‑ estrutural e as teorias da segmentação do mercado
vras como exclusão social, flexibilidade ou apren‑ de trabalho (Cf. Giret, 2000).
dizagem ao longo da vida que são hoje uma pre‑ 13. Registe-se que, de acordo com dados recen‑
sença constante nos discursos políticos nacionais e tes, divulgados pelo Eurostat e pela ONU, Portugal é
transnacionais e que dispensam qualquer definição entre os países da EU (15) o segundo país onde a desi‑
prévia. gualdade na repartição dos rendimentos é maior. A
2. Sobre este tipo de estudos ver, por exemplo, enorme dispersão salarial registada no nosso país e
para o caso francês, o artigo de Barbier (1994), e para a elevadíssima rendibilidade individual do diploma
os Estados Unidos e o Reino Unido o trabalho de do ensino superior, a par do estigma social que acom‑
McQuaid e Lindsay (2005). panha estas modalidades contribuem para explicar
3. Sobre este tipo de análise ver Pochet e Pater‑ a reduzida atracção que elas exercem sobre a popu‑
notre (1998). lação discente.
4. Desde a sua génese que empregabilidade está
associada à privação de emprego. A empregabili‑
dade é, assim, uma questão que diz essencialmente Referências bibliográficas
respeito aos desempregados.
5. Esta noção de empregabilidade tem origem no Alves, N.; Almeida, A. J.; Fontoura, M. & Al‑
trabalho pioneiro de Ledrut (1966). ves, P. (2001). Educação e Formação: Análise
6. Este tipo de empregabilidade está dependente Comparativa dos sub-sistemas de qualificação
da conjuntura económica (Gazier, 1990) na medida profissional de nível III. Lisboa: OEFP.
em que a probabilidade de encontrar um novo Azevedo, J. (1999). Inserção precoce dos jovens no
emprego, quando se está desempregado, aumenta mercado de trabalho. Lisboa: MTS/PEETI.
em períodos de crescimento económico e diminui Barbier, J.-C. (1994). Le retour à l’emploi. Infor-
em conjunturas de recessão. mations Sociales, 37, pp. 121-129.
7. A empregabilidade diferencial remete para Barbier, J.-C. (2000). A propos des difficultés de
análise das desigualdades sociais e económicas que traduction des catégories d’analyse des marchés
afectam determinados grupos de desempregados e du travail et des politiques de l’emploi en contexte
que influenciam a probalidade de aceder a um novo comparatif européen. CEE, Document de tra‑
emprego (Gazier, 1990). vail, 3.
8. Em Portugal, esta noção de empregabilidade Beck, U. (2001). La société du risque. Sur la voie
assume, frequentemente, a designação de taxa de d’une autre modernité. Paris: Èditions Flamma‑
empregabilidade e é um dos indicadores mais uti‑ rion.
lizados para avaliar a qualidade e a eficácia dos cur‑ Boltanski, L. & Chiapello, E. (1999). Le nouvel
sos de formação profissional inicial da responsabili‑ esprit du capitalisme. Paris: Gallimard.
dade do Ministério da Educação e/ou do Trabalho. Canário, R. (2005). Multiplicar as oportunidades
9. Ver por exemplo a proposta apresentada por educativas. Intervenção na sessão pública de
Evans et al. (1999) apresentada no artigo de McQuaid apresentação do Programa Novas Oportunida‑
e Lindsay (2005) e aquela que estes últimos autores des. Lisboa: Universidade de Lisboa, mimeo.
apresentam no referido artigo. Carimbo, S. (2001). Inserção profissional dos ex-
10. A reduzida valorização da formação conti‑ formandos de acções de formação profissional
nua a ser uma característica dos empresários portu‑ inicial. Relatório Global – 1997/98. Lisboa:
gueses, confirmada por estudos mais recentes (Aze‑ CIME/DGEFP.
vedo, 1999; Moreno, 1998). Castel, R. (1999). Les métamorphoses de la ques-
11. Este processo consistia na frequência do liceu tion sociale. Une cronique du salariat. Paris:
e, posteriormente da universidade. Gallimard.
12. Refiro-me concretamente às várias teorias Charlot, B. & Glasman, D. (1998). Introduction.

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