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Cemitérios, Bibliotecas e Necrotérios

Ronni dos Santos Oliveira1

Bibliotecas alegres, vivas, bonitas e tão


agitadas quanto os “shopping-centers”

Edson Nery da Fonseca

Três objetos sociais:


Um cemitério.
Um necrotério.
Uma biblioteca.

Qual a conexão social existente entre estas três instituições? Aparentemente, no


âmbito proposto, nenhuma. Seria uma comparação bizarra, pra não dizer de muito
mau gosto, tétrica. Cabível? O que existe em comum entre alguns conceitos e
algumas práticas desenvolvidos no âmbito da Biblioteconomia em relação às
instituições cemitério e necrotério? Existem analogias conceituais, práticas,
elementos, atores sociais e contextos significativo-simbólicos equivalentes;
paradoxos e objetos culturais.

As três instituições são comprometidas, na esfera da dinâmica social, com um ser


cultural denominado cidadão. Um cidadão desprovido de vida biológica, fisiológica
no cemitério e no necrotério; um ser ativo, em processo de evoluções sociocultural
e biológica, na biblioteca. O trabalho com o cidadão, independente da condição,
dinâmica e contexto, é um objeto em comum entre os três. Seria interessante que
as comparações parassem neste aspecto, mas, por incrível que possa parecer,
continuam, e de maneira bastante curiosa. Cada qual possui o seu ator social,
sujeito mediador e criador das dinâmicas simbólica e cultural: um médico (ou um
outro profissional equivalente), um coveiro, um bibliotecário. O silêncio. Uma
suposta ausência plena de comunicação e interação social. No quesito silêncio, no
cemitério, dentro do imaginário popular, isso é questionável, pois reza a lenda que

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Bibliotecário do Instituto de Geociências da USP, formado pela Escola de Comunicações e Artes –
ECA/USP.

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os mortos se comunicam, levantam de suas tumbas, perambulam pelos locais à
vontade, sem restrição, barreiras, pintam o sete e depois voltam para suas
covas... bendito imaginário popular, com suas inspirações de liberdade e
criatividade! Na biblioteca, o silêncio é imposto ao ser vivo, cultural e dinâmico.
Relações plenas de interação social são bloqueadas em detrimento de regras e
convenções sociais. No cemitério e no necrotério, o cidadão desprovido de vida
biológica, não é condicionado ao comportamento uniforme, como acontece em
muitas bibliotecas, nas quais as práticas dialógicas, plurissignificativas e
heterogêneas são obstruídas; naqueles espaços fúnebres, o silêncio é o resultado
natural de um ciclo vital concluído, sem imposições e convenções ultrapassadas e
muitas vezes egocêntricas. O silêncio do cemitério e do necrotério é nobre. O
silêncio e o bloqueio aos processos de comunicação em muitas bibliotecas são
deprimentes, patéticos. A vida é polissêmica. A ação discursiva humana é
heterogênea e deve ganhar liberdade de expressão e criação em toda a sua
potencialidade, em todos os ambientes sociais comprometidos com a construção
democrática do conceito e da prática de cidadania plena.

Bibliotecas, cemitérios e necrotérios estão distantes nas suas ações


socioculturais, no seu comprometimento com a figura humana. Um paradoxo
cultural seria evidente e natural. Mas, surpreendentemente, esse paradoxo se
desfaz no imaginário e no significado simbólico do cidadão. Como? No cemitério e
no necrotério são encontradas pessoas sem vida, impossibilitadas (teoricamente,
até que se prove o contrário) de estabelecer um processo ativo e construtivo de
comunicação; em muitas bibliotecas, o bloqueio a esse processo criativo e
transformador é vicioso, impregnado de autoritarismo, convenção, doutrina e
regra, como se, por natureza, a essência visceral de espaços públicos de
informação e comunicação, em sociedades democráticas, estivesse ligada a
ausência de interação, debate e conflito social. A democracia só se concretiza
com ações, pensamentos e práticas divergentes, com a pluralidade ideológica e
cultural, com o choque entre as diferenças, com as adversidades, num confronto
coletivo. A biblioteca é a representação social, o significado, o objeto simbólico da
democracia e da cidadania. Ela não pode, jamais, impor, obstruir, limitar, inserir o

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seu cultural num canal fechado por padrões e condutas homogêneas, colocando o
cidadão na esfera “reto-anal” da sociedade, como um mero espectador e receptor
passivo de significados e objetos simbólicos criados e produzidos por agentes
sociais que dominam, mesmo na sua minoria, as grandes massas agrupadas
socioeconomicamente: desigualdade social. Independente da sua condição social,
as pessoas morrem, calam-se e, democraticamente, do ponto de vista biológico,
cessa o embate, o conflito cultural (a menos que o cidadão tenha expressado suas
idéias e conceitos, registrando-os em canais formais de comunicação para a
eternidade, mantendo o seu discurso, de acordo com a pertinência, vivo e latente).

É lamentável que possa haver uma relação social, uma analogia negativa, no
imaginário popular, entre a biblioteca, o necrotério e o cemitério, ligadas ao
comportamento do cidadão, na sua impossibilidade de se comunicar e criar
situações de ruptura, conflitos. As bibliotecas que praticam tais ações, no Brasil
contemporâneo, não têm o direito de isolar os cidadãos em jazigos bibliotecários
grupais ou individuais de silêncio e total falta de interação social.

As bibliotecas, no âmbito social, são centros de cultura, comunicação, criação,


conflito, quebra de padrões, convenções sociais. Devem estimular a subversão.
Dar liberdade à voz, ao diálogo, à ruptura de padrões e verdades inatas, à
reflexão, à crítica. Divergência sempre! Criação e criatividade. O fim da
reprodução, da repetição sociocultural.

Os bibliotecários são seres vivos. Os cidadãos estão vivos. As bibliotecas são


espaços cheios de vida para a expressão da potencialidade de criação e
expressão humanas. E essa motivação para criar está na busca de novos
significados para a vida, como comenta OSTROWER (1984, p, 28):

Criar representa uma intensificação do viver, um vivenciar-se no


fazer, e, em vez de substituir a realidade, é a realidade; é uma
realidade nova que adquire dimensões novas pelo fato de nos
articularmos, em nós e perante nós mesmos, em níveis de
consciência mais elevados e mais complexos. Somos, nós, a
realidade nova. Daí o sentimento de essencial e necessário no

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criar, o sentimento de um crescimento interior, em que nos
ampliamos em nossa abertura para a vida.

Cemitérios e necrotérios representam, com o silêncio, o significado concreto do


fim de uma trajetória de vida, sem imposição ou convenção. Um término,
infelizmente, mas natural. O silêncio arbitrário nas bibliotecas não tem o direito de
provocar o término, o fim de uma expectativa ou de um ideal proveniente do
imaginário de construção humano. A biblioteca é o início. Permanente espaço de
recomeço, de experimentação, de criação de significados e símbolos culturais. A
biblioteca é um ambiente de convivência, permeado por vozes, alegria, risos, dor,
choro, amor, ódio, paixão... uma polissemia de emoções e comportamentos
culturais.

A biblioteca está, indissociavelmente, inserida no ciclo dinâmico da vida, com “[...]


seus livros, bate-papos, sons e as divagações, é um espaço de liberdade, uma
casa de contradições emocionantes, de desassossego, onde o prazer essencial e
a resolução provisória de conflitos e a criação de outros” (MILANESI, 2003, p.
270).

REFERÊNCIAS

MILANESI, Luís. A casa da invenção. 4. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e processo de criação. 4. ed. Petrópolis:
Vozes, 1984.

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