Conjuntura internacional
Oriente Médio: a paz sempre mais distante.
Em julho de 2000, foram assinados os acordos de Camp David II, dando continuidade
aos acordos de paz de Oslo (1993). Mas Bush (declarado eleito em novembro de 2000) e
Sharon (eleito em fevereiro de 2001) tinham outro plano: definir as novas fronteiras do
Grande Israel e da Grande Jerusalém até 2010. Foi assim ignorada a resolução 242 do
Conselho de Segurança que declara que terras não podem ser tomadas pela guerra.
Para redefinir as fronteiras, Sharon humilhou os palestinos mantendo Arafat preso no
quartel de Ramalah, invadiu e destruiu a faixa de Gaza, multiplicou os “pontos de controle” e
aumentou as colônias na Cisjordânia. Desde 2002 está construindo o “muro da vergonha”,
embora a corte internacional de justiça da Haia tenha condenado sua construção. Em setembro
de 2005 Israel saiu da faixa de Gaza, totalmente destruída. Fez uma retirada no sul, para
fortalecer a anexação do norte.
Em julho deste ano, a pretexto de resgatar um soldado preso na fronteira, Israel
invadiu novamente a faixa de Gaza, semeando a morte e humilhando os palestinos. Outro
sequestro de soldados foi o pretexto para uma cruel exibição de hegemonia militar: com o
apoio incondicional dos EUA e a tímida crítica européia - como se a memória do horror
nazista justificasse os horrores atuais – invadiu o sul do Líbano, bombardeou
indiscriminadamente Beirute e outras cidades, destruindo a infraestrutura de comunicação e
transportes do país. Seu alvo é o Hezbollah (partido de Deus), criado em 1982 quando Israel
invadiu o Líbano. É um inimigo com força limitada: seus foguetes nada são em comparação
ao poder de fogo israelense; em compensação, seus membros têm enorme força moral e
vontade de lutar. Embora incapazes de impor uma derrota militar a Israel, nem o Hezbollah,
nem o Hamas, nem a Síria, nem outras forças envolvidas no conflito na região serão vencidos
pela guerra. O cessar-fogo ora em vigor bem o demonstra: a linguagem das armas gerou mais
ódio e vontade de vingança, tornando a paz entre israelenses e palestinos ainda mais distante,
enquanto o Hesbollah tem hoje mais prestígio do que há dois meses...
1
O fracasso da OMC
A pretendida “Rodada do Desenvolvimento”, lançada em Seattle em 1999 para ser
assinada em dezembro de 2004, fracassou e a Organização Mundial do Comércio nunca mais
será a mesma. Fracassou por causa da intransigência dos mais ricos (EUA, UE, Japão), que já
não têm a mesma força de 1994, quando venceram a “Rodada Uruguai”. Agrupados no G20
(são mais de 30), os países emergentes conseguiram o apoio do G90 (grupo dos países
pobres), e rejeitaram as regras de jogo impostas pelo “Norte”.
Desde o inicio o confronto se deu no ponto mais sensível: a agricultura. Os EUA, o
Japão e a UE defendem os subsídios a seus agricultores em nome da soberania alimentar, da
qualidade dos produtos e até das tradições culinárias. O G20 e o G90 queriam a diminuição
dos subsídios, a diminuição das tarifas de importação e o abrandamento de regras
fitosanitárias. Os ricos pediam, em compensação, redução das tarifas de importação para
produtos industriais, acesso livre aos serviços, liberdade e proteção para as inversões
financeiras e proteção da propriedade intelectual. Mas os países do G90 viam nessas medidas
impedimento à sua industrialização e desenvolvimento. Além disso, a invasão chinesa no
mercado mundial diminuiu o entusiasmo pelo livre-comércio.
Foram cinco anos de muita negociação mas pouca participação dos pobres. Quanto
mais apertadas as negociações, menor era o numero dos negociadores. Os confrontos sobre a
agricultura, por exemplo, ocorriam apenas entre EUA, UE, Brasil, Índia e Austrália. Os grupos
se ampliavam ou se reduziam em função dos temas em negociação. Houve muitas tentativas
para superar os impasses, mas em vão: as negociações estão suspensas e a correlação de
forças mudou em favor dos países emergentes.
No Brasil, como em outros países emergentes, o principal perdedor é o agronegócio e
já se percebe na mídia sua pressão para a retomada das negociações. De fato, não é bom que a
OMC seja marginalizada ou reduzida a mera instância de resolução de conflitos, quando se
multiplicam tratados de livre-comércio que favorecem os mais fortes e debilitam os mais
fracos. Mas a OMC não desempenhará o papel de assegurar a estabilidade econômica e
política no mundo, se não elaborar e não fizer respeitar regras para o justo comércio, regras
que beneficiem os países mais fracos. Essa revolução interna da OMC dependerá da pressão
de quem busca a justiça nas relações internacionais.
Passos na integração latino-americana.
A América Latina vive um momento político inédito: por um lado, cresce a integração
entre países importantes; por outro, aumentam as iniciativas dos EUA para amarrá-la em sua
órbita. O Mercosul tem sido o principal espaço desse processo de integração regional. O
ingresso da Venezuela e a provável adesão da Bolívia são etapas importantes. Há também a
proposta de Cuba integrar-se como observador.
Os avanços poderiam ser maiores, se houvesse uma definição mais clara de Lula.
Kirchner e Chávez têm tomado a iniciativa e a presidente do Chile, Michelle Bachelet,
também se mostra disposta a tecer mais laços regionais. A dinâmica da integração é como a
da bicicleta: se não avançar com certa velocidade, cai. Por isso, é boa a idéia de criar-se o
Parlamento do Mercosul a partir de 2007 e escolher uma sede para suas instituições.
No plano econômico, a Venezuela propõe uma política energética baseada no
“Gasoduto do Sul” que unificará Venezuela e Argentina, incluindo Brasil, Paraguai, Bolívia e
Uruguai. Avança o projeto do Brasil, Argentina e Venezuela criarem o “Banco do Sul” para
obras de infraestrutura. Há ainda a proposta de um “fundo estrutural” a favor do Uruguai e
Paraguai para equilibrar sua integração com os seus vizinhos maiores. O encontro entre os
ministros da economia de Brasil e Argentina, para eliminar o dólar dos intercâmbios
comerciais bilaterais, é um primeiro passo para chegarem a uma moeda comum. São
pequenos mas auspiciosos passos para consolidar a integração e torná-la irreversível.
2
Paralelamente, crescem as forças de grupos econômicos e financeiros que, sob a capa
da globalização, colocam a América Latina sob a hegemonia dos EUA e se opõem à
integração latina sem dependência dos EUA. Nesse sentido vão o plano do México de uma
ALCA sem Mercosul; as normas comerciais (não negociadas nem acordadas, mas impostas)
entre EUA, América Central e Santo Domingo, Chile, Colômbia e Peru; e a pressão sobre
Paraguai e Uruguai para que também abram “negociações” (no Equador elas estão suspensas
até as eleições em outubro). Os Tratados de Livre Comércio bilaterais, ditados pelos EUA,
são ainda mais desiguais e constrangedores que o projeto da ALCA. O fim da Comunidade
Andina de Nações é uma derrota do projeto da integração, e reforça as ambições de
Washington.
Esse processo econômico é acompanhado de uma nova investida militar na região. O
Senado paraguaio aprovou em maio de 2005 a entrada de tropas dos EUA, conferindo-lhes
total imunidade. Em julho de 2006, entraram 400 soldados dos EUA com aviões, armas,
equipamentos e munições. Uma base dos EUA, a 200 quilômetros da fronteira com a Bolívia,
permitirá a aterrissagem de aviões de grande porte. Agora o presidente Bush quer pedir à OEA
o envio de uma força antiterrorista na “tríplice fronteira”. Por que razão? Será para monitorar
as reservas de gás natural na Bolívia? Ou ter acesso ao aqüífero Guarani, o maior do mundo,
em sub-solo do Brasil, Argentina e Paraguai? O certo é que o assunto merece mais atenção.
Da insegurança pública a uma tragédia social
Está em curso uma tragédia social comandada pelo crime organizado (diversas facções
criminosas atuando em âmbito estadual), por um lado, e pelas forças policiais, do outro. Suas
raízes podem ser encontradas nos anos de chumbo do regime militar – cuja violência foi
apagada da história oficial – que deu aos policiais militares e civis a certeza da impunidade
quando acobertados por seus superiores. No caso de São Paulo, a origem da princiopal facção
cirminosa - o PCC - pode ser remontada ao massacre do Carandiru, quando uma rebelião foi
esmagada com o assassinato de 111 presos acuados e indefesos. A impunidade dos assassinos
e a tácita aceitação do massacre pela opinião pública, deram àquela organização criminosa a
oportunidade de tornar-se um instrumento de autodefesa da população carcerária. Defesa e
opressão, porque submetem os presos ao seu controle mediante ameaças à sua vida e de seus
familiares. Essas organizações são capazes de usar qualquer meio para fazer valer sua
vontade: assassinatos, queima de ônibus, bombas, paralização da cidade, sequestro de
jornalista... Por sua vez, as forças policiais dão mostra de só saberem reagir pelo uso de maior
violência: vingam seus mortos executando grande número de suspeitos. Essa realidade deixa
perplexa a sociedade e interpela nossas instituições.
A superlotação é a principal causa da rotineira revolta dos presos. Não há como
controlar o sistema prisional sem espaço suficiente para os presos. De fato, o comando das
galerias cabe aos próprios prisioneiros. O costumeiro desrespeito à Lei de Execução Penal
favorece a promiscuidade entre presos e agentes do sistema carcerário e sua corrupção. Neste
quadro, quando uma rebelião ultrapassa os limites do presídio só resta ao Estado a alternativa
de negociar com as organizações criminosas. E a complacência do Estado com bandidos é o
principal ingrediente do crime organizado que se aloja nas suas entranhas.
Incapaz de desarmar a população e garantir a segurança pública, o Estado perde o
monopólio da força. A chamada “segurança privada” tem hoje maiores efetivos do que o
conjunto das polícias federal, militares e civis. Aqui, como em Tel-Aviv e em Washington,
predomina a lógica militarista segundo a qual a força vencerá o crime. Assim, espaços fora do
controle policial, como os morros e aglomerados de periferia, são encarados como território
inimigo. Não por acaso, jovens da periferia apoiaram as ações do PPC contra a polícia, tal
como a população árabe apóia o Hesbollah. Uma política de segurança cada vez menos
preventiva e nem mesmo suficientemente repressiva, só faz alimentar a espiral da violência.
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As questões de fundo pouco são discutidas pelos políticos e pela sociedade. Afirmar
que a pobreza produz criminalidade, como sugere a mídia ao oferecer como espectáculo os
confrontos entre forças policiais e bandidos, é criminalizar a pobreza. Essa tragédia social só
poderá ser revertida por uma verdadeira revolução sócio-cultural, que construa uma nova
ordem institucional e instaure uma nova ordem legal capaz de mediar os conflitos e não
reforçar antigas iniqüidades de fundo étnico e social. Mas as elites políticas não têm
disposição de encarar a fundo a questão da segurança, pois isso implicaria enfrentar relações
promíscuas entre o público e o privado nas redes de corrupção, de lavagem de dinheiro1., do
narcotráfico e do tráfico de armas. Trata-se de enfrentar essas redes de corrupção e derrubar
poderosos do seu pedestal de impunidade. Isso requer mais que discursos moralistas,
sabidamente inoperantes. Só uma atuação qualificada da sociedade, sobretudo nos espaços
mais conflitivos, poderá chegar ao fundo da grande questão que é a desigualdade sócio-
cultural e econômica implantada pelo domínio colonial escravista até hoje vigente.
O momento político das eleições de 2006
Sistema eleitoral, eleitorado e formadores de opinião
As mudanças no cenário político e cultural brasileiro, acumuladas ao longo de sete
décadas, começam a explicitar a diferença entre dois projetos de Estado: a democracia formal
da elite e a democracia social almejada pelos setores subalternos organizados. Entender sua
natureza é fundamental para uma tomada de posição no processo eleitoral deste ano.
A Revolução de 1930 é o ponto inicial deste processo, pelas medidas tomadas por
Vargas para implodir as oligarquias regionais e promover a centralização estatal. Seu êxito foi
relativo, porque as oligarquias se acomodaram no aparelho do Estado e estabeleceram um
sistema eleitoral que até hoje as ampara; mas favoreceu a organização dos setores sociais
subalternos: num primeiro momento, amparados pelo regime varguista; mais tarde, com
autonomia. A luta contra a ditadura militar deu-lhe novo impulso, que resultou nas conquistas
inscritas na Constituição cidadã de 1988. A partir de 1989 o neoliberalismo vem, na contra-
mão desse processo, implantando o projeto de Estado mínimo, pautado pelo anti-estatismo e
conclamando a parceria da sociedade para sobre ela descarregar as responsabilidades sociais
do governo. Falando de “terceiro setor” (entre o mercado e o Estado), os governos liberais e
as agências multilaterais tentaram se apropriar das práticas associativas sob a forma de
voluntariado ou filantropia empresarial, e substituir a noção de política pelas noções de
colaboração, parceria, ou civismo. Assim, aquele período despolitizou os conflitos referentes
à ampliação da cidadania. Com efeito, os movimentos de trabalhadores, mulheres, negros,
índios, sem-terra, sem-teto e outros por natureza conflitivos - porque demandam direitos
constitucionais e relações sociais igualitárias - caem num campo nebuloso quando tratados sob
a forma de trabalho voluntário ou trabalho profissional das ONGs. Saem, então, da política
para entrarem no campo das relações pessoais, as quais não questionam relações verticais nem
afirmam direitos. Tal bifurcação tem freado o projeto político de democracia social com a
estratégia da democracia elitista e seu clientelismo.
A eleição de Lula sinalizou uma reação dos movimentos sociais contra o esvaziamento
do Estado e fez reverter o projeto do Estado-mínimo e as consequentes privatizações. Assim,
Lula tornou-se referência internacional, especialmente na América Latina e nos países
pobres: a eleição de um operário migrante em 2002, abriu o caminho para a emergência de
candidatos ligados a setores populares ou deles provenientes, vários dos quais vitoriosos.
Além disso, o governo Lula dialoga, ainda que timidamente, com os movimentos sociais,
inclusive quando reivindicam direitos de cidadania. Embora sua política econômica seja de
molde conservador, bem ao gosto da elite financeira, deve-se reconhecer que o governo Lula
tem favorecido o avanço político do projeto de democracia social.
1 Quando a CPI do Banestado chegou perto de desvendar essa rede, foi encerrada.
4
Este avanço político contraria os interesses das antigas e novas oligarquias, que
preferem ver os movimentos sociais longe do centro de decisões nacionais e que usam a mídia
para acuar o governo Lula. Lembremos que as redes mídiáticas ganharam abrangência
nacional durante o regime militar. Elas transmitem, de variadas maneiras, as vozes de
representantes da democracia elitista. Formadores de opinião – artistas e comentaristas de TV,
colunistas de rádio e jornal, cronistas – repetem incansavelmente os bordões do Estado-
mínimo, do equilíbrio fiscal, contra a “gastança” governamental, enquanto enaltecem o
trabalho voluntário, a filantropia, a “responsabilidade social” e os êxitos do “terceiro setor”. Já
quando se trata de repercutir as vozes dos setores populares, ou se calam ou os apresentam
como ameaças à ordem social.
A novidade, é que as sondagens de voto mostram o descolamento entre a opinião
pública e o discurso dos seus formadores. Embora a mídia insista nas denúncias de corrupção
– que é real - e tenha conseguido desgastar a imagem do PT nos setores letrados, não está
convencendo a grande massa popular como fez ao eleger Collor e FHC. O eleitorado popular
se agarra aos sinais de um projeto de democracia social, como a incorporação de mais de sete
milhões de pessoas com emprego e salário, a diminuição da desnutrição infantil devido aos
programas de transferência de renda e a diminuição do custo da cesta básica. Tais fatos o
deixam contente com o pouco que os governos fazer, mas isso já é meio caminho para o
entendimento da disputa entre projetos políticos. Afinal, quem alçou o atual governante ao
cargo de maior influência no país, contrariando os formadores da opinião pública, foram os
setores sociais subalternos, as classes médias e, principalmente, os movimentos sociais e um
partido político com vinte anos de lutas.
Na política econômica a prova de fogo do segundo governo
As pesquisas indicam que Lula será reeleito. Terá então a oportunidade de provar sua
vontade política de democratizar a sociedade brasileira, operando mudanças também nas suas
bases econômicas. Como foi dito acima, enquanto não for superarmos a desigualdade sócio-
cultural e econômica implantada pelo domínio colonial escravista, não haverá verdadeiro
desenvolvimento nacional.
O primeiro governo Lula não foi capaz de enfrentar essa questão estrutural, pois a
concentração de renda e da riqueza aumentou. O melhor exemplo é o dos grandes bancos que
têm lucros exuberantes, não só porque comandam o mercado, mas porque contam com a
cobertura do Banco Central, que lhes assegura um spread (não se fala mais “usura”!) médio
acima de 25 pontos percentuais. Como se não bastasse, as taxas pelos serviços (das quais só
são isentos os grandes correntistas) cobrem todos seus gastos com pessoal. Conclui um
economista: “É óbvio que interessa a qualquer economia moderna ter um sistema bancário
sólido e lucrativo. Mas, no caso do Brasil, o poder dos bancos passou dos limites e está
prejudicando seriamente grande parte da economia. Se o próximo governo quiser realmente
colocar a economia em movimento, não poderá deixar de enfrentar esse problema.”2
Outro exemplo da extranha política de distribuição de renda é a que vem embutida na
rolagem da dívida pública, que no primeiro semestre deste ano levou R$81,6 bilhões. A maior
parte desse pagamento (R$57,1 bilhões) foi realizada com o superávit primário - arrecadação
que o poder público (federal, estadual, municipal e empresas estatais) deixa de investir em
obras ou programas sociais - e o restante com a emissão de novos títulos da dívida. Na outra
ponta da transferência de renda, neste mesmo período o governo federal usou R$19 bilhões
para cobrir o prejuízo da Previdência e R$5 bilhões para o bolsa-família.3
4 Diz o texto: “a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da
lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do distrito Federal e dos Municípios,
e das contribuições sociais: I – dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro; II
– dos trabalhadores; III – sobre a receita de concursos de prognósticos”.
5 Esta não é a única fonte de recursos do superávit primário; há outros mecanismos como o contingenciamento.
6
últimos anos houve um aumento significativo das lutas sociais no campo, na questão indígena
e na ambiental (transgênicos, “deserto verde” e Amazônia são as mais evidentes).
Os movimentos sociais mantém a unidade em torno a objetivos históricos, como a
reforma agrária, a oposição à política econômica neoliberal, a luta pela auditoria da dívida
pública, e a universalização da educação. Atualmente há uma intensa mobilização em torno às
campanhas nacionais pela reforma política, a redução das tarifas de energia elétrica e a
reestatização da Vale do Rio Doce, que devem se intensificar no período das eleições.
Permanecem também seus desafios: construir maior solidariedade entre os movimentos;
conquistar apoio da sociedade para as lutas; romper com o maniqueísmo moralista, as práticas
sectárias e o corporativismo; articular-se com redes internacionais; elevar o nível de formação
e de consciência política de seus militantes; e garantir a contribuição das religiões, cuja
espiritualidade e ética são indispensáveis para a reconstrução social.
Nesse cenário, as Assembléias Populares têm revelado sua força articuladora em torno
da construção de um Projeto Popular alternativo que ajude a construir o “Brasil que
Queremos”. Uma metodologia de consulta ao povo, que aposta na participação popular real e
efetiva, buscando novos canais e caminhos de controle social e inventando novas formas de
democracia direta e participativa conjuntamente com a democracia representativa. Um
processo permanente de formação de grupos de base conscientizados e articulados, com a
vocação e a responsabilidade de participar na elaboração e concretização de um Projeto
Popular para o Brasil. Também o Grito dos Excluídos, em sua 12ª edição, vem apresentando
crescimento como espaço articulador e de manifestação massiva. Abrangendo praticamente
todas as capitais do País e realizando eventos populares em centenas de praças, ruas e
localidades, tem por tema: “Brasil: na força da indignação, Sementes de Transformação”.
Os movimentos sociais terão papel decisivo nos próximos quatro anos. Depois de oito
anos de governo Lula, ou o Brasil caminha para efetivar a Democracia transferindo riqueza e
renda dos mais ricos para os pobres (isso implica não só prioridade às políticas sociais, mas
também reforma agrária e reforma tributária), ou a eleição presidencial de 2010 terá como
marca o desespero dos setores subalternos, se nem Lula der conta de atender seus anseios por
equidade e justiça social.
Notícias do Congresso Nacional
Processo eleitoral
O processo eleitoral permeia a vida do País e marca a caminhada dos Poderes Públicos
numa democracia cada vez mais esvaziada, onde o equilíbrio fiscal dita as normas do político
e a governabilidade está condicionada pelo sistema neoliberal reinante, que o Papa João Paulo
II classificou como “sistema apoiado numa concepção economicista do homem”.
O processo eleitoral entre nós é um momento privilegiado para a busca de resposta
aos desafios que vêem à tona com maior ênfase, levando a população a também expressar sua
frustração com a política e os políticos6. Daí o atual clima de desalento, aparecendo o
Legislativo como o foco mais forte da indignação popular.
Fica cada vez mais claro que só uma Reforma Política poderá consolidar a nossa ainda
frágil democracia. Esta temática emergiu recentemente através da proposta de uma
Constituinte Exclusiva, mas tomou uma conotação eleitoreira. A proposta foi abafada, mas
dois pressupostos continuam pertinentes: a sua urgência e a interrogação se o Congresso terá
condições de realizá-la com isenção. A idéia surgiu a partir de um encontro de membros da
OAB com o Presidente da República. O Conselho Federal da OAB não a assumiu, mas criou
um Fórum da Cidadania pela Reforma Política, sob a coordenação do jurista Fábio
6 A pesquisa do Instituto de Ciência Política da UnB, realizada no Distrito Federal a menos de dois meses das
eleições, mostra que 87,4% dos entrevistados não confiam nos políticos (Jornal de Brasília, 08/08/06).
7
Comparato. Diz a nota do Conselho Federal da OAB: “Esse Fórum, que terá a presença dos
partidos políticos e de setores representativos da sociedade civil brasileira, não se submeterá a
facciosismos ideológicos de qualquer espécie. Será plural na sua composição e democrático e
transparente em seu método de trabalho, de modo a oferecer à sociedade brasileira e ao futuro
Congresso Nacional subsídios concretos para uma reforma política profunda e consistente,
que restaure a credibilidade das instituições republicanas”.
Chico Whitaker lançou, em longo texto, uma plataforma para um processo de Reforma
Política com selo de responsabilidade ética, com o título “Pela Refundação do Legislativo”.
Diz ele: “A única saída possível é mudar a lógica: uma dinâmica de "refundação" do
Legislativo tem que vir de dentro para fora desse poder. Para isso, é preciso que nele exista
um número suficiente de parlamentares que não vejam a ética como simples tática eleitoral, e
que se proponham a lutar pela mudança desse Poder como um compromisso pessoal. (...)
Uma tal "refundação" do Legislativo seria estratégica, porque influenciaria todos os demais
Poderes, na construção de uma cultura de responsabilidade ética no mundo da política. (...)
Mas, tudo depende de nós, cidadãos: caberá aos eleitores eleger esses parlamentares. O
problema passa a ser o de como identificá-los, entre os milhares de candidatos. Uma solução
poderia ser a criação de um "selo de responsabilidade ética", que indicasse que candidatos, de
quaisquer partidos, estão dispostos a atuar como o devem os representantes eleitos numa real
democracia”.
Uma boa notícia: o Movimento Nacional de Combate à corrupção eleitoral - em torno
da Lei 9.840 - tem recebido adesão de muitos grupos de profissionais e associações,
proporcionando maiores possibilidades de moralidade nas eleições. Até o momento, já foram
cassados 422 mandatos por corrupção eleitoral. No entanto, há uma preocupação específica - a
insegurança legal nas normas oficiais para estas eleições: interpretações diversas dos
Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) nas definições contidas na minirreforma eleitoral;
casos e casos sem respostas claras por parte do TSE. E grande parte das questões levantadas
só será respondida após as eleições. Assim como as eleições anteriores foram marcadas pelos
marqueteiros, estaremos agora sob o signo dos juristas.