Raiou o dia, fui apagado A borracha branca deletou o meu afeto Mas é pelos ares do meu povo que sou enfeitiçado Minha melanina grita séculos depois do açoite Não sou cristão, tenho fé é nas Pombo-Giras Sou Afro, sou Afronta, sou AFROBIXA Bixa preta da perifa Escutei em todas as esquinas Cavalo, jumento e mula Mas afirmo, afirmo O meu pau não está em tua cama Tampouco no teu Carnaval
(Afrobixas. Jonathan Dutra)
Escrito na “Roda de Conversa de Pretos Gays” por Jonathan Dutra, membro do Coletivo Afrobixas, realizada na Semana da Consciência Negra da UnB em 2015, e cedido pelo autor. Considerações iniciais • O ‘supremacismo branco’ e suas formas de dominação e exercício de poder por meio dos parâmetros da branquitude (NASCIMENTO, 2003; MOORE, 2010). • O “corpo negro” e seu lugar na sociedade: subalternização, animalização, fetichização (FANON, 2008; NKOSI, 2014; PINHO, 2005). • a teoria interseccional como entendimento mais complexo e dinâmico das relações humanas, para além do foco dado a um único aspecto social, demonstrando que seu entrelaçamento com as categorias de gênero, raça ou sexualidade são simultaneamente subjetivos, estruturais e sobre posicionamentos sociais nas práticas cotidianas (BRAH; PHOENIX, 2004). • Interpretações de narrativas de membros do Coletivo AFROBIXAS. Narrativas (auto)biográficas: masculinidades negras homoafetivas
• Rodrigo: Durante a faculdade eu tive dois
namorados, os dois eram brancos, e eu me senti objetificado algumas vezes, senti um tratamento diferente por ser negro, não tanto deles, mas das pessoas que estavam ao redor, tipo “nossa fulano tá pegando um negão, que safado”, e isso sempre me incomodou bastante. Por que “safado”, só porque sou negro? Se fosse com um branco você falaria a mesma coisa? Casos ilustrativos: memes recebidos no Whatsapp: Casos ilustrativos: memes recebidos no Whatsapp: • “diante do negro, com efeito, tudo se passa no plano genital” (FANON, 2008, 138). • “o elogio ao (descomunal, excessivo e animalizado) pênis e/ou desempenho sexual do negro muitas vezes esconde justamente a impossibilidade de reconhecer sua humanidade em outras instâncias da vida” (NKOSI, 2014, p. 85). • racialização das subjetividades entre brancos e negros: a expressividade e o valor do homem negro está no campo do corpo, transformando-o no criado supermasculino, incapaz de assumir posições de intelectualidade (Nkosi, 2014). Narrativas (auto)biográficas: masculinidades negras homoafetivas
• Danilo (1): Primeiro foi com um perfil fake no
Facebook como uma pessoa branca [pausa]. É muito rico porque, nossa! Eu usava o perfil de uma pessoa branca [pausa longa], mas por que eu usava uma pessoa branca? Será que é por causa da minha autoestima? • Danilo (2): Um negro de 1,90m de altura, meio que com corpo padrão, e aí quando ele abre a boca [...] é a “bixa”, é “viado”, é o efeminado, sabe? [pausa] Assim, causa aquele estranhamento. Quando me chamavam de “Vera Verão” na rua, eu achava o fim! E hoje se falam “olha a Vera Verão”, eu falo “Vera Verão, sim, e você? Narrativas (auto)biográficas: masculinidades negras homoafetivas • Malcolm (1): considerando que eu tinha mais dinheiro, eu estava indo mais pro centro do que ficando próximo dos meus, eu comecei a me envolver mais com pessoas brancas, e eu não tinha raciocinado sobre isso; eu não tinha consciência de classe, de raça. • Malcolm (2): [...] Um amigo meu me questionou: “Malcolm, você viu aquele menino que você tava pegando hoje? Ele era muito branco!”. E eu falei: “Tá, mas e daí?”. Ele: “Você não percebeu que você só fica com pessoas brancas?”. Aí eu: “ah, não sei se isso é verdade” [pausa]. Aí eu comecei a ficar meio, assim, chocado com isso né? Porque [...] é uma afirmativa muito forte, né? Pra quem não tem consciência de raça, foi uma afirmativa muito forte. De todo modo, ele provocou uma reflexão que desembocou numa consciência mais abrangente. • Imagem do gay como modelo de cidadão-consumidor branco e de classe média (MARSIAJ, 2003). • “[...] as comunidades de gays, de homossexuais, produziram uma determinada brancura ou a branquitude gay como a norma estética. E mais, um lugar de poder, uma posição de sujeito branco, que é determinante para as interações sexuais e para o gerenciamento do desejo nos mundos homossexuais” (PINHO, 2005, p. 129). Algumas considerações • Dimensão opressiva em que vivem sujeitos que se identificam com a negritude e com a homossexualidade de maneira interseccional: experiências narradas apontam para uma sociedade ainda pautada por um imaginário coletivo racista e homofóbico sobre o corpo negro, também na construção das masculinidades que o marcam socialmente pela raça (SILVA, 2017). • No imaginário social existe a correlação entre a superioridade corporal e inferioridade intelectual na racialização das subjetividades entre brancos e negros: criação do “criado supermasculino” (NKOSI, 2014). • A emasculação do homem negro diante da subordinação racial: virilidade e truculência como reação à castração sobre o acesso aos espaços e formas de poder do patriarcado da supremacia branca (PINHO, 2005; FANON, 2008; hooks, 2012; 2013; NKOSI, 2014). • os entrevistados parecem demonstrar em suas vivências interseccionais entre negritude e homossexualidade que construções alternativas de suas masculinidades podem se encontrar referenciadas na pluralidade identitária possibilitada pelo seu entrelaçamento com outras categorias num sentido contra-hegemônico na sociedade. Bixa Preta é luta! É luta todos os dias, quando se levanta e sai às ruas, forte o suficiente pra ser quem é. É luta quando não aceita os padrões impostos ao seu corpo, porque viado preto, só se for malhado, ativo e comedor. A Bixa Preta é resistência, e não aceita mais ser a piada de alguém, ou o estepe de alguém. A Bixa Preta resiste ao racismo, à homofobia, ao pouco caso dos governantes e ao escárnio para com seu corpo. E ela sai, todos os dias, com seu Black, com suas tranças, seu turbante e toda sua ancestralidade e diz, apenas por estar viva: eu vivo, e, mais que isso, eu resisto! E a gente tá aqui, dia após dia, esfregando na cara da sociedade, do governo e de quem for que a Bixa Preta, além de luta, é o Poder! David Lean Membro do Coletivo Afrobixas. Um olhar fenomenológico sobre Disponível em: vivências negras <https://www.facebook.com/afrobixas>. homoafetivas Acesso em: 30/01/2017. OBRIGADO! pi.silva@gmail.com