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LUÍS DE

CAMÕES

OS LUSÍADAS

Cristiano da Silveira Pereira

1
O que veremos?

A noção de epopéia;
a relação de “OS LUSÍADAS” com outros
poemas épicos;
as características de uma narrativa épica;
a estrutura interna e externa da obra.

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ÍNDICE
1. O contexto renascentista
2. A biografia de Camões
3. Noção de Epopéia

4. Origens da Epopéia

5. Características da Epopéia

6. “OS LUSÍADAS”: estrutura externa e interna da


obra

7. Os Planos da narrativa na obra “Os Lusíadas”

3
1. O contexto renascentista

• Quando surge o
renascimento?
- Surge no século XVI.

•Qual é o grande momento histórico que


marcou este século?
- Osdescobrimentos portugueses e
espanhóis.
4
Idade Média X Renascimento
Sociedade feudal Conceito de Sociedade menos
hierarquizada.

Escrita nos mosteiros Invenção da imprensa em


meados do século XV

Educação escolástica Educação integral

Visão teocêntrica Visão antropocêntrica

5
2. Biografia de Camões
Camões viveu pobre e miseravelmente
- Nasceu em 1524 ou 1525 (?), em Lisboa
- Família de pequena nobreza.
- Estudou talvez em Coimbra.
- Em Lisboa, vivência contraditória: frequência
dos meios cultos /vida de boêmia
-Em 1549: embarca para Ceuta onde perde o olho direito.
-Em 1572: sai a 1ª edição de “Os Lusíadas”.
- Em 1579 ou 1580: morre de peste em Lisboa.

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3. E P O P É I A
O que é ?

A EPOPÉIA é uma narrativa, geralmente, em


estrutura de poema. Apresenta versos
decassílabos heróicos, organizados em oitavas,
que surgem distribuídos por vários cantos.

É uma composição onde são narrados


acontecimentos de dimensão e de valores
grandiosos, heróicos.

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4 . AS ORIGENS DA EPOPÉIA
1. Grécia - Séc. IX e VII a.C., data
provável dos poemas épicos ÍLIADA e
ODISSÉIA de Homero, onde se narram
acontecimentos relacionados com a guerra
de Tróia, provocada pelo rapto de Helena,
mulher de Agamémnon, Rei de Micenas,
por Páris, filho do Rei de Tróia.

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Enquanto na “Ilíada” são narrados os
momentos decisivos da Guerra de Tróia,
na “Odisséia” descreve-se o regresso do
herói Ulisses e todas as provas por que
teve de passar para chegar à sua terra
natal.

O objetivo destas epopéias era o de


valorizar e imortalizar os heróis Gregos,
entre os quais Ulisses, Aquiles e Enéias.

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2. Itália – a epopéia surge, por imitação dos
Gregos, com a ENEIDA de Virgílio.

Esta obra é a narração das aventuras de


Enéias e dos seus companheiros, desde a
queda de Tróia à fundação de Roma.
Virgílio imita a “Odisséia” nos seus seis
primeiros cantos e a “Ilíada” nos seis
últimos.

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3. A “Eneida” é, por excelência, o modelo de
“OS LUSÍADAS” !

Contudo, ao contrário de Homero e de


Virgílio, Camões não escolheu um herói
individual para a sua epopéia. Encontrou
uma palavra que, por si, anunciava a
história do seu glorioso povo: “Os
Lusíadas”, isto é, OS PORTUGUESES.

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5. AS CARACTERÍSTICAS DA
NARRATIVA ÉPICA

Segundo Aristóteles, filósofo Grego que


elaborou o primeiro estudo sistemático
sobre a epopéia, na obra “Poética”, o
gênero épico deve, de uma forma
resumida, obedecer às seguintes regras:

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A ação deve ter grandeza, solenidade e
ser expressão de heroísmo;

A ação deve ter unidade (deve ser um


todo harmonioso), deve ter integridade
(princípio, desenvolvi-mento e desenlace)
e o assunto deve ser real ou, pelo menos,
verosímil;

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 A introdução de episódios vem enriquecer a
epopéia, quebrando a monotonia;

 O maravilhoso deve intervir na ação da


epopéia;

 O protagonista, para além da sua elevada


estirpe social, deve revelar grande valor moral;

 A intervenção do poeta, tecendo considerações


em seu próprio nome, deve ser reduzida.

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“OS LUSÍADAS”
A) ESTRUTURA EXTERNA

A arquitetura do poema é simples:


 A obra distribui-se por dez cantos;
 Cada canto apresenta um número variável de
estrofes ou estâncias (em média 110);
 O número total de estrofes da nossa epopéia é
de 1.102;
 As estrofes são todas constituídas por oito
versos - oitavas;

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 Cada verso é composto por dez sílabas métricas
(decassílabos), maioritariamente heróicos (acentuados nas
6.ª e 10.ª sílabas) e, em alguns casos, sáficos (acentuados
nas 4.ª, 8.ª e 10.ª sílabas)

ex. “De e/xér/ci/to/s e/fei/tos/ sin/gu/la/res.” – heróico


ex.“De Á/fri/ca as/ ter/ras/ e / do O/rien/te os/ ma/res” - sáfico

 O esquema rimático é igual em todas as


estrofes: ABABABCC (cruzada nos 6 primeiros e
emparelhada nos 2 últimos versos)

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B) ESTRUTURA INTERNA
“OS LUSÍADAS” DIVIDE-SE EM 4
PARTES:
1. Proposição – (canto I, 1 a 3) – o Poeta apresenta o
assunto que se propõe cantar;
2. Invocação – (canto I, 4 e 5) – o Poeta invoca e pede
inspiração às Ninfas do Tejo (Tágides) para que o
ajudem a cantar dignamente os feitos heróicos dos
Portugueses;
3. Dedicatória – (canto I, 6 a 18) – o Poeta dedica o seu
Poema a D. Sebastião, monarca que considera a
última esperança da Nação;

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4. Narração – (Canto I, 19 até ao fim poema) – O
Poeta narra os feitos grandiosos dos
Portugueses (desde a fundação da
Nacionalidade até ao momento da feitura de
“Os Lusíadas”, pondo em destaque a viagem
de Vasco da Gama à Índia).
- A narrativa inicia-se in media res (quando a
armada de Vasco da Gama se encontra já em
pleno Índico)

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Os Planos da Narrativa
Plano da Viagem (ou Plano Central ) – Narração da
Viagem de Lisboa até à Índia e regresso a Portugal.
Plano da Mitologia (ou Plano Paralelo) – Intervenção dos
Deuses na ação (facilitando ou dificultando o avanço da
Armada.
Plano da História de Portugal (ou Plano Encaixado) -
Relato de fatos marcantes da História de Portugal.
Plano das Intervenções do Poeta (Ou Plano Ocasional)
considerações pessoais que o poeta tece ao longo do
poema (lamentos, críticas...)

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Possível rota exposta por Camões em “Os
Lusíadas”

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CANTO I
DEPOIS DA PROPOSIÇÃO (1-3): 2
E também as memórias gloriosas
1
Daqueles Reis que foram dilatando
As armas e os Barões assinalados
A Fé, o Império, e as terras viciosas
Que da Ocidental praia Lusitana
De África e de Ásia andaram devastando,
Por mares nunca de antes navegados
E aqueles que por obras valorosos
Passaram ainda além da Taprobana,
Se vão da lei da Morte libertando,
Em perigos e guerras esforçados
Cantando espalharei por toda parte,
Mais do que prometia a força humana,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram; 3
Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Netuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se levanta.
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Da Invocação (4-5)
4
E vós, Tágides minhas, pois criado
Tendes em mi um novo engenho ardente,
Se sempre em verso humilde celebrado
Foi de mi vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloco e corrente,
Por que de vossas águas Febo ordene
Que não tenham inveja às de Hipocrene.
5
Dai-me uma fúria grande e sonorosa,
E não de agreste avena ou flauta ruda,
Mas de tuba canora e belicosa,
Que o peito acende e a cor ao gesto muda;
Dai-me igual canto aos feitos da famosa
Gente vossa, que a Marte tanto ajuda;
Que se espalhe e se cante no universo,
Se tão sublime preço cabe em verso.
23
Da Dedicatória (6-18)

6
E, vós, ó bem nascida segurança
Da Lusitana antiga liberdade,
E não menos certíssima esperança
De aumento da pequena Cristandade;
Vós, ó novo temor da Maura lança,
Maravilha fatal da nossa idade,
Dada ao mundo por Deus, que todo o
mande,
Pera do mundo a Deus dar parte grande; 7
Vós, tenro e novo ramo florescente
De uma árvore, de Cristo mais amada
Que nenhuma nascida no Ocidente,
Cesárea ou Cristianíssima chamada
(Vede-o no vosso escudo, que presente
Vos amostra a vitória já passada,
Na qual vos deu por armas e deixou
As que Ele pera si na Cruz tomou);24
A ação começa em media res com a frota de Vasco da
Gama já no Oceano Índico, mas antes de chegar à Índia
(19 – até o fim do poema)

19
Já no largo Oceano navegavam,
As inquietas ondas apartando;
Os ventos brandamente respiravam,
Das naus as velas côncavas inchando;
Da branca escuma os mares se
mostravam
Cobertos, onde as proas vão cortando
As marítimas águas consagradas,
Que do gado de Próteu são cortadas, ...

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Concílio dos deuses (20 - 41)
Neste momento, é convocado o Concílio dos deuses para decidir se os portugueses
devem ou não conseguir alcançar o seu destino. Júpiter afirma que sim, porque isso lhes
está predestinado.
Baco discorda porque, se isto for permitido, as suas próprias conquistas no Oriente serão
esquecidas, ultrapassadas por este povo. Mas Vênus vê os portugueses como herdeiros
dos seus amados romanos e sabe que será celebrada por eles. Camões era um homem de
paixões, que também celebrava o amor na sua lírica, e talvez por isso tivesse escolhido a
deusa romana desse sentimento para patrona do seu povo.
Segue-se um tumulto, com os restantes olímpicos a tomar partido de Baco ou Vênus, até
que o poderoso Marte se impõe, assustando Apolo num aparte (estrofe 37). O amante de
Vênus, e admirador dos feitos guerreiros dos portugueses, lembra que não só já é
merecido que consigam realizar a sua façanha, como Júpiter já tinha decidido conceder
esse favor e não deveria voltar atrás na palavra. O rei dos deuses concorda e encerra o
concílio.
O discurso com que Júpiter começa a reunião é uma acabada peça de oratória. Abre com
o inevitável exórdio (1ª estrofe) em que, depois de uma original saudação, expõe
brevemente o tema a desenvolver. Segue-se, ao modo da retórica antiga, a narração (o
passado mostra que a intenção dos fados é mesmo a que o orador apresentou). Vem
depois a confirmação: com fatos do presente corrobora o que já, a seu modo, a narração
comprovara (4ª estrofe). E termina com duas estrofes de peroração, onde se apela à
benevolência dos deuses.

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20
Quando os Deuses no Olimpo luminoso,
Onde o governo está da humana gente,
Se ajuntam em concílio glorioso,
Sobre as cousas futuras do Oriente.
Pisando o cristalino Céu formoso,
Vêm pela Via Láctea juntamente,
Convocados, da parte de Tonante,
Pelo neto gentil do velho Atlante.

30
Estas palavras Júpiter dizia,
Quando os Deuses, por ordem
respondendo,
Na sentença um do outro diferia,
Razões diversas dando e recebendo.
O padre Baco ali não consentia
No que Júpiter disse, conhecendo
Que esquecerão seus feitos no Oriente
Se lá passar a Lusitana gente.

27
Concílio dos deuses
Esquema do episódio
“Já no largo Oceano navegavam” (plano da viagem)

“Quando os deuses no Olimpo luminoso” (plano dos deuses)

Júpiter conhece o valor do povo português e pretende premiá-lo ajudando-o a encontrar


um porto seguro onde possa repousar.

Gera-se uma discussão

Vênus e Marte Baco


(defensores dos portugueses) opositor ao empreendimento dos portugueses

Júpiter decide a favor


dos portugueses

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Síntese
Plano da Viagem: os portugueses navegam no Oceano Índico.
Plano dos Deuses: Mércúrio, por ordem de Júpiter, convoca todos os deuses
para em concílio discutirem sobre “as cousas futuras do Oriente”.
Utilização do maravilhoso (pagão) como uma das regras do poema épico:
* A chegada dos deuses ao Olimpo.
* O discurso de Júpiter.
* O debate dos deuses.

A chegada dos deuses ao Olimpo (est. 20 - 23)


* Caracterização do espaço: luminosidade, brilho, riqueza
* Caracterização da divindade máxima:
Caráter divino – “Do rosto respirava um ar divino/ Que
divino tornara um corpo humano”.
Estatuto de chefe supremo dos deuses – detentor do poder:
“Alto poder”; “Que do poder mais alto lhe foi dado”; “Gesto
alto, severo e soberano”; “Voz grave e horrenda”
(autoritário); “Com hua coroa e ceptro” (símbolos do poder).

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O discurso de Júpiter (est. 24 - 29)
* Finalidade do discurso: informar e convencer o público
* Informação
Desígnio dos Fados:os Portugueses tornar-se-ão mais famosos que os povos da
Antiguidade.
Parte desse desígnio já foi cumprido: os Portugueses construíram o seu reino,
lutando contra os mouros, castelhanos e romanos.
Falta concretizar-se o que já está prometido: o governo dos mares do
Oriente.
* Convencer: a argumentação do discurso
a) O valor guerreiro dos Portugueses:

“cum poder tão singelo e tão pequeno” na luta contra o:


- “o Mouro forte e guarnecido”
- “o castelhano tão temido”
- “os Romanos (senhores de um grande império)

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b) a coragem, a ousadia deste povo:
- “atravessar o mar duvidoso num lenho leve”
- “não teme a força dos ventos”
- “a mais se atreve”

c) A sua persistência apesar:


- “do tempo já decorrido”
- “das dificuldades da viagem: duro Inverno, ásperos perigos, climas experimentados, furor
dos ventos inimigos
- “do cansaço”

O discurso de Júpiter visa convencer o público e justificar a sua posição: ajudar os


Portugueses, ou seja, fazer cumprir as decisões dos Fados.

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O debate dos deuses (est. 30-40)
* Intervenção de Baco:
- motivo: o deus mais lesado com a chegada do povo português à Índia
- Baco opõe-se à chegada dos Portugueses à Índia, visto que estes apagarão o poder e a fama que ele
conquistara.
* Intervenção de Vênus:
- Posição de Vênus: pretende ajudar os portugueses
- motivos: o povo português assemelha-se ao povo romano pelas qualidades guerreiras, pela língua.
- O povo português, pelo seu caráter amoroso, torná-lo-ão célebre, onde quer que eles cheguem.
* Intervenção de Marte:
- motivos: o apoio a Vênus “porque amor antigo o obrigava”; a rejeição do tumulto que reinava
no concílio.
- Caracterização psicológica de Marte: poder de decisão, firmeza, segurança de um chefe militar.
-discurso: apelo à autoridade de Júpiter como chefe supremo dos deuses; condenação de Baco; uma
proposta de ação.
Decisão final (est. 41)
Este concílio termina com a decisão de Júpiter favorável aos portugueses e cada um dos deuses
regressa ao seu domínio celeste.

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Na Ilha de Moçambique e o piloto mouro

A ação volta então à frota lusa, que chega à ilha de Moçambique. São acolhidos por
muçulmanos que, intimidados pelo poderio bélico das naus, lhes prometem mantimentos
e um piloto que os leve à Índia. Mas as suas verdadeiras intenções são a destruição dos
portugueses. A inspiração do soberano mouro vem de Baco, que tomara a forma mortal de
um dos seus conselheiros.
A primeira estratégia é atacar os marinheiros que forem a terra abastecerem-se de água.
Mas estes, cuidadosos, vão armados e desbaratam as forças inimigas, prosseguindo
depois com o bombardeamento da cidade. O regedor rende-se e oferece então um piloto
que os conduza para terras inimigas, a segunda estratégia do deus do vinho.
Por duas vezes o piloto indica bons portos de acolhimento: uma terra de cristãos, que será
uma referência ao reino de Preste João, e outra em que cristãos e muçulmanos viveriam
juntos. Vasco da Gama confia no piloto. Mas Vênus, vendo que na realidade se trata de
terras de muçulmanos capazes de vencer os portugueses, desvia a frota com ventos
contrários. O primeiro porto é ultrapassado; o segundo é Mombaça, a pouca distância do
qual a frota lança âncora. E o canto termina com duas estrofes plenas de suspense.

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105
70
O recado que trazem é de amigos,
Pilotos lhe pedia o Capitão,
Mas debaixo o veneno vem coberto,
Por quem pudesse à Índia ser levado;
Que os pensamentos eram de inimigos,
Diz-lhe que o largo prêmio levarão
Segundo foi o engano descoberto.
Do trabalho que nisso for tomado.
Ó grandes e gravíssimos perigos,
Promete-lhos o Mouro, com tenção
Ó caminho de vida nunca certo,
De peito venenoso e tão danado
Que aonde a gente põe sua esperança
Que a morte, se pudesse, neste dia,
Tenha a vida tão pouca segurança!
Em lugar de pilotos lhe daria.

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No mar tanta tormenta e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida!
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade avorrecida!
Onde pode acolher-se um fraco
humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o Céu
sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?
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Canto II
Cilada em Mombaça

O rei de Mombaça envia um mensageiro com promessas de bom acolhimento e pede


que a armada entre no porto da cidade, mas com a intenção de armar uma emboscada.
Vasco da Gama envia primeiro dois degredados à cidade para passarem a noite e
avaliarem a situação. Enganados pelos mouros e por Baco, estes aconselham a entrada
em Mombaça. Mas Vênus interfere mais uma vez, e com a ajuda das Nereidas impede a
entrada dos navios portugueses.
Vênus sai então em direção aos céus (estrofe 33). Seduz Júpiter com a sua beleza e
queixa-se dos perigos que a expedição está a correr. O rei dos deuses reafirma que os
fados já destinaram sucesso para os portugueses e envia Mercúrio para avisar Vasco da
Gama da existência de Melinde, onde encontrará um rei justo e bondoso, que fornecerá
tudo o que procura.

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1
Já neste tempo o lúcido Planeta
Que as horas vai do dia distinguindo,
Chegava à desejada e lenta meta,
A luz celeste às gentes encobrindo;
E da casa marítima secreta lhe estava o Deus
Noturno a porta abrindo,
Quando as infidas gentes se chegaram
Às naus, que pouco havia que ancoraram.

33
Ouviu-lhe estas palavras piedosas
A formosa Dione e, comovida,
Dentre as Ninfas se vai, que saudosas
Ficaram desta súbita partida.
Já penetra as Estrelas luminosas,
Já na terceira Esfera recebida
Avante passa, e lá no sexto Céu,
Pera onde estava o Padre, se moveu.

37
Chegada a Melinde

Depois de interrogarem prisioneiros feitos em Mombaça, é confirmada a boa notícia do


reino de Melinde. A frota dirige-se para lá e é bem recebida. Apesar de naturalmente
romanceado, este episódio é um documentário da descoberta de novas terras e novos
povos. De uma grande riqueza descritiva, por ele se consegue "ver" Melinde e os
melindanos, como se apresentou a esquadra portuguesa, a recepção que teve, como
foram as reações de uns e de outros, e como foi feito o contato diplomático.
O rei melindano oferece mantimentos, munições e piloto para a Índia. Subindo a bordo
da nau capitânia, pede a Vasco da Gama que lhe conte sobre a sua viagem. Mas que
primeiro descreva o reino de Portugal: a sua geografia, a sua história e as suas gentes.

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97
Não menos guarnecido, o Lusitano,
Nos seus batéis, da frota se partia,
A receber no mar o Melindano,
Com lustrosa e honrada companhia.
Vestido o Gama vem ao modo Hispano,
Mas Francesa era a roupa que vestia,
De cetim da Adriática Veneza,
Carmesim, cor que a gente tanto preza;

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- «Mas antes, valoroso Capitão,
Nos conta (lhe dizia), diligente,
Da terra tua o clima e região
Do mundo onde morais, distintamente;
E assim de vossa antiga geração,
E o princípio do Reino tão potente,
Cos sucessos das guerras do começo,
Que, sem sabê-las, sei que são de preço;
39
40
Canto III
Após uma invocação do poeta a
Calíope, Vasco da Gama começa
por explicar a geografia da Europa
e a situação de Portugal no
continente (estrofes 6 a 20), quase
cume da cabeça De Europa toda.
Inicia então a narrativa da história
de Portugal. De Luso a Viriato,
passa para o rei D. Afonso VI de
Leão e Castela, D. Teresa e o
conde D. Henrique. Segue-se a luta
de D. Afonso Henriques pela
formação da nacionalidade e a Egas Moniz
enumeração dos feitos guerreiros
do primeiro rei de Portugal contra Neste episódio (estrofes 35 a 41) conta-se a história
castelhanos, leoneses e mouros. do aio de D. Afonso Henriques. Tendo dado a sua
palavra ao rei de Castela que o soberano português
lhe prestaria vassalagem, conseguiu o levantamento
do cerco castelhano a Guimarães. Mas como D.
Afonso Henriques se recusou a acatar estas
condições, Egas Moniz foi entregar-se ao rei
castelhano, com a mulher e os filhos, comovendo a
todos pela sua lealdade e honra.
41
1
AGORA tu, Calíope, me ensina
O que contou ao Rei o ilustre Gama;
Inspira imortal canto e voz divina
Neste peito mortal, que tanto te ama.
Assim o claro inventor da Medicina,
De quem Orfeu pariste, ó linda Dama,
Nunca por Dafne, Clície ou Leucotoe,
Te negue o amor devido, como soe.

36
Mas o leal vassalo, conhecendo
Que seu senhor não tinha resistência,
Se vai ao Castelhano, prometendo
Que ele faria dar-lhe obediência.
Levanta o inimigo o cerco horrendo,
Fiado na promessa e consciência
De Egas Moniz; mas não consente o peito
Do moço ilustre a outrem ser sujeito.
42
Batalha de Ourique
Em seguida (estrofes 42 a 54) é narrada a lenda da batalha de Ourique, em que o
fundador de Portugal derrota cinco reis mouros depois de ter uma visão de
Cristo. Por este motivo pinta os cinco escudos e os trinta dinheiros na bandeira
de Portugal.
É mais um exemplo de uma vívida batalha épica, em que os portugueses
enfrentam um inimigo cem vezes superior em número. O corajoso exército
“rompe, corta, desfaz, abola e talha” as forças inimigas, pondo os restantes em
fuga apavorada. No final, tantos são mortos em batalha que o sangue destes corre
em rios e pinta o campo verde e branco de carmesim.
A descrição das conquistas do rei Afonso continua (estrofes 55 a 68) em ritmo
acelerado: Leiria, Arronches, Santarém, Mafra, Sintra, Lisboa, Óbido, Alenquer,
Torres Vedras, Elvas, Moura, Serpa, Alcácer do Sal, Évora, Beja, Palmela,
Sesimbra, Badajoz.
42
Mas já o Príncipe Afonso aparelhava
O Lusitano exército ditoso,
Contra o Mouro que as terras habitava
De além do claro Tejo deleitoso;
Já no campo de Ourique se assentava
O arraial soberbo e belicoso,
Defronte do inimigo Sarraceno,
Posto que em força e gente tão pequeno,
43
Dinastia de Borgonha
Nesta última cidade D. Afonso acaba por ser
cercado pelo rei de Leão, e Camões introduz
o seu herdeiro D. Sancho I na história, que se
torna no assunto do canto bélico juntamente
com o pai, e depois da morte deste (estrofes
83 e 84) como rei.
Seguem-se os restantes reis da dinastia de
Borgonha, destacando a coragem e o bom
reinado de cada um (ou mau reinado, no caso
de D. Sancho II). É no canto do reinado de
D. Afonso IV que vão surgir mais alguns
episódios célebres de “Os Lusíadas”: a
Formosíssima Maria, a Batalha do Salado, e
Inês de Castro. Esta sequência torna a
narrativa num carrocel de emoções. O
primeiro é um episódio lírico, em que a filha
de D. Afonso IV roga a ajuda deste para o
seu reino de Castela contra os mouros.
Comovido, o rei parte em ajuda do genro, na
batalha do Salado, mais um exemplo de luta
épica.

44
83
De tamanhas vitórias triunfava
O velho Afonso, Príncipe subido,
Quando quem tudo enfim vencendo andava,
Da larga e muita idade foi vencido.
A pálida doença lhe tocava,
Com fria mão, o corpo enfraquecido;
E pagaram seus anos, deste jeito,
À triste Libitina seu direito.

84
Os altos promontórios o choraram,
E dos rios as águas saudosas
Os semeados campos alagaram,
Com lágrimas correndo piedosas;
Mas tanto pelo mundo se alargaram,
Com fama suas obras valorosos,
Que sempre no seu reino chamarão
“Afonso! Afonso!” os ecos; mas em vão.

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Inês de Castro
O turbilhão de emoções continua com este
episódio lírico-trágico (estrofes 120 a 135),
talvez o mais reconhecido de “Os
Lusíadas”. Convém que se não perca de
vista a sua integração no poema, via
alocução de Vasco da Gama ao rei de
Melinde. Costuma-se classificá-lo como
lírico, distinguindo-o assim, sobretudo, dos
mais comuns episódios bélicos.
D. Inês e D. Pedro são os amantes trágicos
por excelência. O seu amor é ilícito,
120
proibido pelos poderes. O poeta que tinha
escrito sonetos tão sombrios, de sofrimento Estavas, linda Inês, posta em sossego,
amoroso, chama repetidamente este de De teus anos colhendo doce fruto,
“puro amor”, e censura o rei, de quem tanto Naquele engano da alma, ledo e cego,
elogiara os feitos guerreiros, por esta Que a Fortuna não deixa durar muito,
sombra no seu reinado.
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus formosos olhos nunca enxuto,
Aos montes ensinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas.

46
D. Afonso IV pretende casar o filho que, apaixonado por Inês,
recusa. A solução é eliminá-la. Trazida à presença do rei, esta
implora pela sua vida, só para poder cuidar dos seus filhos. Comove
o velho soberano, mas os conselheiros e o povo exigem a morte. E
assim a frágil e bela apaixonada é assassinada “só por ter sujeito o
coração a quem soube vencê-la” (por amar quem soube conquistar o
seu coração).
Uma rápida análise do episódio permite encontrar aí presentes, com
maior ou menor clareza, elementos trágicos como o destino, que
conduz a ação para o final trágico; a peripécia; até algo próximo do
papel do coro (apóstrofes). A nobreza moral e social dos
personagens é também salientada, de modo a criar no leitor
sentimentos de terror e de piedade perante a desgraça que se abate
sobre a protagonista (catástrofe).
Quando Inês teme mais a orfandade dos filhos que a própria perda
da vida, quando ela suplica a comutação da pena capital por um
exílio na Sibéria (Cítia) ou na Líbia, entre “toda a feridade”, só
para poder criar os filhos do seu amor, quando é comparada com “a
linda moça Policena, consolação extrema da mãe velha”, quando o
leitor escuta toda a estrofe 134, e mesmo a 135, estão-se a dedilhar
os acordes da piedade. Já os versos iniciais da estrofe 124, a
apóstrofe com que termina a 130 (e antes a da segunda metade da
123) e a estrofe 133 estão ao serviço da sugestão do terror trágico.

47
134
Assim como a bonina, que cortada 143
Antes do tempo foi, cândida e bela, Quem viu um olhar seguro, um gesto brando,
Sendo das mãos lacivas maltratada uma suave e angélica excelência,
Da menina que a trouxe na capela, Que em si está sempre as almas transformando,
O cheiro traz perdido e a cor murchada: Que tivesse contra ela resistência?
Tal está, morta, a pálida donzela, Desculpado por certo está Fernando,
Secas do rosto as rosas e perdida Pera quem tem de amor experiência;
A branca e viva cor, Coma doce vida. Mas antes, tendo livre a fantasia,
Por muito mais culpado o julgaria.

D. Fernando
Depois da vingança de D. Pedro, o cruel, é apresentado o
brando D. Fernando, responsabilizado pela quase perda
do reino durante as guerras fernandinas e pela crise que o
país enfrentaria após a sua morte.
Interpretando estas crises como conseqüência ou castigo
do amor do rei por Leonor Teles, o romântico poeta
acrescenta “Mas quem pode livrar-se por ventura Dos
laços que Amor arma brandamente”. Por isso, continua, o
monarca tem desculpa (estrofe 143) para quem já amou,
quem nunca amou será mais ríspido nas críticas.

48
49
Canto IV
Vasco da Gama prossegue a narrativa da história de Portugal. Fala agora da 2.ª
Dinastia, desde a Revolução de 1383-85, até ao momento, do reinado de D.
Manuel I, em que a sua armada parte para a Índia.

A narrativa da revolução de 1383-85 é dividida em duas partes: o levantamento do


povo para apoiar o pretendente português (estrofes 1 a 23), e a batalha de
Aljubarrota (estrofes 24 a 44). Dois heróis partilham as glórias destes episódios: o
régio D. João e o guerreiro D. Nuno Álvares Pereira.
Camões elogia os patriotas que defenderam a independência, quer sejam humildes
ou poderosos, sem medo de morrer pela causa portuguesa. Critica
amarguradamente quem se juntou ao partido castelhano, particularmente os irmãos
de Nun'Álvares, que tem de lidar com o conflito acrescido de lutar contra os seus
familiares.
Os feitos do Mestre de Avis também são cantados de forma particularmente épica,
fazendo lembrar Ájax na Ilíada. A sua coragem salva a batalha. Socorre a Ala dos
Namorados que se encontrava na vanguarda e, na estrofe 38, “sopesando a lança
quatro vezes, com força (a)tira; e, deste único tiro, muitos lançaram o último
suspiro”.
Mas no fim de mais uma batalha sanguinária, a par com o canto da glória, o poeta
deixa a opinião de quem maldiz a guerra, que por cobiça dos poderosos lança tanta
gente à morte, deixando tantas mães e esposas sem maridos e filhos.
50
24
Dom Nuno Alvares digo: verdadeiro
Açoute de soberbos Castelhanos,
Como já o fero Huno o foi primeiro
Pera Franceses, pera Italianos.
Outro também, famoso cavaleiro,
Que a ala direita tem dos Lusitanos,
Apto pera mandá-los e regê-los,
Mem Rodrigues se diz de Vasconcelos.

38
Vedes-me aqui, Rei vosso e companheiro,
Que entre as lanças e setas e os arneses
Dos inimigos corro e vou primeiro;
Pelejai, verdadeiros Portugueses! »
Isto disse o magnânimo guerreiro
E, sopesando a lança quatro vezes,
Com força tira; e deste único tiro
Muitos lançaram o último suspiro.

51
Expansão portuguesa
Com a paz, as atenções do reino viram-se para Marrocos e para o
mar. Entra a Ínclita geração, representada por D. Duarte e D.
Fernando, e depois D. Afonso V. Depois da viagem Pêro da
Covilhã e Afonso de Paiva, surge a narração dos preparativos da
viagem à Índia, desejo que D. João II não conseguiu concretizar
antes de morrer e que iria ser realizado por D. Manuel, a quem os
rios Indo e Ganges apareceram em sonhos, profetizando as futuras
glórias do Oriente.

O velho do restelo
O canto termina com a partida da armada. Quando estão a despedir-se das
famílias na praia de Belém, os navegadores são surpreendidos pelas palavras de
um velho que estava entre a multidão. É o episódio do Velho do Restelo (estrofes
94 a 104).
Este personagem é a representação da contestação da época contra as aventuras
dos descobrimentos. Havia quem pensasse que era puro orgulho e simplesmente
suicídio tentar estes projetos de navegar para partes longínquas do mundo; uma
perda de recursos e homens, que fariam falta na luta contra os inimigos mouros
ou para a defesa do reino contra uma eventual invasão castelhana.
O episódio entrou no imaginário português. A expressão passou a significar o
conservadorismo, o mau agouro, a má-vontade e a falta de espírito de aventura,
frente a projetos originais que exigem alguma ousadia e gastos de recursos.
52
94
Mas um velho, d'respeito venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco levantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
Cum saber só d'experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito:

95
- Ó glória de mandar, ó vã cobiça
Desta vaidade a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
Como aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!

53
54
Canto V
Vasco da Gama conta agora como foi a viagem da armada, de Lisboa a Melinde. É a
narrativa da grande aventura marítima, em que os marinheiros observaram
maravilhados ou inquietos o a costa de África, o Cruzeiro do Sul nos céus
desconhecidos do novo hemisfério, o Fogo de Santelmo e a Tromba Marítima, e
enfrentaram perigos e obstáculos enormes como a hostilidade dos nativos, no
episódio de Fernão Veloso, a fúria de um monstro, no episódio do Gigante
Adamastor, a doença e a morte provocadas pelo escorbuto (doença caracterizada por
entumescimento das hemorragias das gengivas, provocada pela falta de vitamina C).

Fernão Veloso
Aportados na costa africana, os portugueses fizeram contacto com os povos nativos.
Este aventureiro (estrofes 30 a 36), convidado para conhecer a sua aldeia,
acompanhou despreocupadamente os anfitriões. Mas, percebendo as intenções
assassinas destes, “mais apressado do que fora, vinha” perseguido por um grupo.
É um episódio também humorístico, pela bazófia do português. Depois de uma
escaramuça para o salvarem, os companheiros fazem troça da sua fuga apressada,
depois de, com tanta confiança, ter entrado pela terra adentro na companhia dos
nativos. A isto ele responde que, vendo como tantos inimigos voltavam para atacar a
praia, vinha a correr só para ajudar a frota, “por me lembrar que estáveis cá sem
mim”.

55
30
Mas, logo ao outro dia, seus parceiros,
Todos nus e da cor da escura treva,
Descendo pelos ásperos outeiros,
As peças vêm buscar que estoutro leva.
Domésticos já tanto e companheiros se nos
mostram, que fazem que se atreva
Fernão Veloso a ir ver da terra o trato
E partir-se com eles pelo mato.

O Adamastor
Podem-se considerar três partes no episódio do
Adamastor: a primeira é uma teofania (estrofes
37 a 40). Chegados ao Cabo das Tormentas no
meio da uma tempestade, os marinheiros
avistam o titã, tão terrível que “Arrepiam-se
as carnes e o cabelo A mi e a todos só de
ouvi-lo e vê-lo”. Aqui está o puro pavor, a
ameaça iminente da aniquilação, fisicamente
sentida - as carnes engelham-se, os cabelos
crispam-se

56
O espetáculo é envolvente, grandioso, terrificante. Este semideus maléfico, encarnação dos
perigos da arriscada travessia, precede-se de uma nuvem negra, que surge rasante sobre as
cabeças dos navegantes. Mas mais surpreendente ainda é a orquestração que o mar faz com
este elemento aéreo “Bramindo, o mar de longe brada, Como se desse em vão nalgum
rochedo”. O lado maravilhoso desta aparição também é acentuado, fazendo contrastar todo
o espetáculo de disformidade e gigantismo com o cenário precedente, onde são manifestos
os encantos de uma noite dos "mares do Sul", “prosperamente os ventos assoprando”.
Então começa a segunda parte do episódio (estrofes 41 a 48), que em termos cronológico-
narrativos é uma prolepse (antecipação de um acontecimento ocorrido posteriormente no
discurso narrativo e na relação do plano da história). O Adamastor fala e, como um oráculo,
vaticina o destino cruel que espera alguns dos navegadores que atravessarão os seus
domínios. É uma forma inteligente de o poeta dos meados do século falar de
acontecimentos do passado, mas que seriam futuros para o navegador do início do século
que faz a narração.
Finalmente surge uma écloga (poesia pastoril, geralmente dialogada) marinha (estrofes 49 a
59), que obedece a um desenvolvimento comum a muitas composições líricas de Camões: o
enamoramento (de Adamastor por Tétis, não correspondido), a separação forçada (pela
titanomaquia), a traição, o lamento pelo sonho frustrado, do qual o sofredor é constante e
eternamente recordado: “Enfim, minha grandíssima estatura, Neste remoto cabo
converteram Os Deuses, e por mais dobradas mágoas, Me anda Tétis cercando destas
águas”.

57
37
Porém já cinco Sóis eram passados
Que dali nos partíramos, cortando
Os mares nunca d'outrem navegados,
Prosperamente os ventos assoprando,
Quando uma noite, estando descuidados
Na cortadora proa vigiando,
uma nuvem que os ares escurece,
Sobre nossas cabeças aparece.

41
E disse: - “Ó gente ousada, mais que quantas
No mundo cometeram grandes cousas,
Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,
E por trabalhos vãos nunca repousas,
Pois os vedados términos quebrantas
E navegar meus longos mares ousas,
Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,
Nunca arados d'estranho ou próprio lenho;

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49
Mais ia por diante o monstro horrendo,
Dizendo nossos Fados, quando, alçado,
Lhe disse eu: - “Quem és tu? Que esse estupendo
Corpo, certo me tem maravilhado!”
A boca e os olhos negros retorcendo
E dando um espantoso e grande brado,
Me respondeu, com voz pesada e amara,
Como quem da pergunta lhe pesara:

50
Eu sou aquele oculto e grande Cabo
A quem chamais vós outros Tormentório,
Que nunca a Ptolomeu, Pompónio, Estrabo,
Plinio e quantos passaram fui notório.
Aqui toda a Africana costa acabo
Neste meu nunca visto Promontório,
Que pera o Pólo Antártico se estende,
A quem vossa ousadia tanto ofende.

59
Passado mais este obstáculo, os navegadores agora enfrentam a doença, particularmente
o escorbuto, e um clima a que não estão habituados. Apesar de um acolhimento cordial
dos povos da África do Sul, o desânimo também aumenta por não haver quem dê notícias
sobre a Índia. Até que, depois de Moçambique e Mombaça, a narrativa termina com a
alegria da chegada a Melinde.
O canto encerra com a admiração dos melindanos por toda a epopéia portuguesa, e a
censura do poeta pela iliteracia dos seus conterrâneos. Pela boca de Vasco da Gama, que
lhe empresta legitimidade, conta como os poderosos do mundo, especialmente gregos e
romanos, eram amantes das letras. E lamenta que os seus contemporâneos desprezem a
língua, a poesia e o cantar e louvar de heróis e povos.

85
Até que aqui, no teu seguro porto,
Cuja brandura e doce tratamento
Dará saúde a um vivo e vida a um morto,
Nos trouxe a piedade do alto Assento.
Aqui repouso, aqui doce conforto,
Nova quietação do pensamento,
Nos deste. E vês aqui, se atento ouviste,
Te contei tudo quanto me pediste.

60

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