Ações em benefício da espécie? Não faz sentido. Com efeito, com o tempo a espécie
fica cada vez menos provida dos praticantes dessas ações, até que enfim eles se
extinguem, se antes não se extinguir a própria espécie.
Mas alto lá! Um dado gene é uma entidade que aparece não só em um organismo,
mas também em outros organismos da mesma espécie. Suas cópias ocorrem no
banco gênico da espécie e são mais frequentes em indivíduos parentes daquele em
que estamos vendo a sua ação. Quanto mais próximo o grau de parentesco, maior a
fração r de genes que os dois organismos compartilham. Para pai-filho r = 1/2, para
irmão-irmão r = 1/2, para tio-sobrinho r = 1/4, para primos, r = 1/8 etc. Como se
expressou Dawkins, genes podem programar os organismos em que eles estão
presentes para fazer coisas contrárias aos interesses do organismo, mas que resultem
em mais cópias dos genes na geração seguinte. Podem fazer isso programando o
organismo para que ele seja altruísta com relação aos seus parentes. Ou seja, o gene
pode ser egoísta, mas o organismo em que ele reside pode ser altruísta. O organismo
é a forma de o gene fazer cópias de si mesmo. Nas palavras de Dawkins, “o
organismo é a máquina de sobrevivência dos genes”.
Hamilton elaborou sua teoria em termos matemáticos. Quando um ator presta um
benefício a um recipiente, o custo para o ator e o benefício para o recipiente podem
ser quantificados em números. Do ponto de vista de genética populacional, o custo
C é a perda relativa do sucesso reprodutivo posterior de quem presta o benefício
(ator). O benefício B é o aumento relativo do sucesso reprodutivo do recipiente
(beneficiado). Como apontou Hamilton, pela lógica do interesse do gene, a ação
altruísta é benéfica se
Em palavras, o custo C deve ser menor do que o produto do benefício B pela fração
r de genes que ator e recipiente compartilham.
Alguns aspectos da teoria de Hamilton são dignos de nota. É famosa a disposição dos
pais em se sacrificar pelos filhos. Filhos são também capazes de se sacrificar pelos pais,
mas em um nível menor. De onde vem essa assimetria? Acontece que no critério de
Hamilton os números C e B não ficam invariantes quando trocamos o ator pelo
recipiente e vice versa. O filho que se sacrifica pelo pai faz um sacrifício maior para um
benefício menor. Isto porque o filho que está se sacrificando tem um potencial maior de
procriação do que o pai pelo qual se sacrifica. Além do mais, os benefícios não são
equivalentes, principalmente se o filho for imaturo. Sem assistência paterna ou materna,
o filhote dificilmente sobrevive.
Podem surgir conflitos entre os genes de uma criança (ou de um outro
animal infante) e os genes da sua mãe. Esse fenômeno, denominado
conflito entre gerações, foi primeiro estudado por Robert Trivers (1943 – )
em um artigo clássico de 1974. A mãe tem outros filhos e é de interesse
de seus genes dedicar serviços a todos eles. Já cada filho, principalmente o
filho mais jovem, que mais se beneficia desses serviços, tenta maximizar a
atenção aos seus interesses. Desmamar o filho caçula é uma pequena
guerra. Isso é muito importante para os genes da mãe, pois enquanto ela
Robert Trivers amamente não ovula, portanto não é capaz de produzir novas cópias dos
seus genes. A partir de certa idade do caçula, é melhor para os genes da
mãe que ela geração de outros filhos. Para os genes do caçula, é melhor
que a mãe o amamente indefinidamente.
Mas o filho tenta maximizar para si os benefícios prestados pela mãe desde quando
é feto, o que escapou à atenção de Trivers. Ele produz hormônios que resultam na
maximização de sangue oxigenado na placenta, sangue que o feto drena pelo cordão
umbilical e bombeia no próprio organismo. Para isso o feto tem de cometer
pequenas maldades, como por exemplo fazer vasoconstricção , por ação muscular,
dos vasos que vão para outra partes do corpo da mãe. Isso gera hipertensão na mãe.
Às vezes o feto exagera na dose e a mãe ter eclampse, que pode ser fatal. Lá se vão
os genes tanto da mãe quanto do filho!
Há uma diferença curiosa no tratamento que gorilas e chimpanzés dão aos animais
imaturos do bando. Os gorilas são muito mais prestativos aos animais imaturos do
que os chimpanzés. A explicação para isso é o egoísmo dos genes. Em um bando de
gorilas, um único macho, o alfa, se acasala com todas a fêmeas. Portanto, todos os
muito jovens do bando são seus filhos. Já os chimpanzés, são promíscuos. As fêmeas
praticam sexo com todos os machos do bando que não sejam seus filhos ou irmãos
maternos. Portanto, pela lógica dos genes, não é conveniente que um macho se
sacrifique muito pelos pequenos. Há uma probabilidade de que o pequeno seja um
filho, apenas isso. Um ou outro leitor irá questionar que gene não sabe cálculo das
probabilidades. Realmente não sabe, mas age como se soubesse. Do mesmo modo
que uma bala de canhão se movimenta como se conhecesse as leis da balística.
Ah, não acabei! Quando um novo gorila assume o papel de alfa no bando, sua
primeira providência é matar todos os filhotes que estejam sendo amamentados.
Assim manda o gene egoísta. Pois enquanto amamenta, a fêmea não ovula e por isso
não ajuda a fazer cópias dos genes que comandam o comportamento do macho.
Espero que nenhum político nepotista se sinta justificado alegando que age
teleguiado pelos seus genes!
Sistema haplodiploide de reprodução
Todos os membros de uma colônia de formigas são irmãos, exceto a rainha, que é
mãe de todos. O conflito entre diferentes colônias se torna nesse caso mais grave. As
fêmeas estéreis na verdade formam duas castas, as operárias, que fazem todo o
trabalho, e os soldados, que cuidam das guerras. Uma larva se torna operária ou
soldado também como resultado de como é criada pelas irmãs operárias mais velhas.
Os soldados, armados de mandíbulas mortíferas, fazem expedições de guerra a outras
colônias vizinhas e cometem genocídio, se são bem sucedidos. Com frequência,
trazem os cadáveres para o formigueiro, para serem devorados. Membros de uma
colônia se reconhecem pelo cheiro. No enciclopédico livro Ants, os autores, Bert
Holldrober e Edward O Wilson comentam: “Se as formigas possuíssem armas
nucleares, destruiriam a vida em uma semana.”
Mas as formigas não se limitam a matar as concorrentes, às vezes também as
escravizam. Geralmente fazem isso com formigas de outras espécies. Batalhões de
soldados atacam outra colônia, matam todos os soldados e, cuidadosamente,
carregam os ovos que encontrarem de volta para casa. As operárias cuidam dos ovos e
depois das larvas de modo que elas se transformem em operárias escravas. A escrava
não sabe que está na colônia errada, cuidando do interesse de genes que não são os
seus. Ludibriada, segue erroneamente as instruções dos seus genes: mantenha a casa
limpa, providencie comida para toda a colônia e principalmente cuide das irmãs
imaturas.