Charles Perrault • Publicou a sua coletânea de contos de fadas, Histoires ou contes du temps passé avec des moralités, em 1697, alguns dos quais, como era o caso de “O capuchinho vermelho”, não tinham sido divulgados como textos escritos.
• Os Contos de Perrault geraram, desde o início,
alguma controvérsia: tratando-se de histórias expressamente destinadas a crianças, revelavam, ao mesmo tempo, uma ambivalência irónica dificilmente compatível com a competência leitora de um público infantil. 1. Charles Perrault • Perrault parece ter usado a tradição oral como ponto de partida, sujeitando-a, depois, a um sistemático trabalho de reelaboração. Com o Capuchinho, recria, portanto, um pseudoconto de transmissão oral, integrando-o numa moldura narrativa elaborada.
• Usou elementos que pretendiam atestar a
antiguidade do texto e introduziu elementos inaceitáveis em francês corrente, mas admissíveis no vocabulário infantil, com vista a recriar o efeito de um conto tradicional simples e ingénuo. Charles Perrault • Perrault transgrediu as fórmulas convencionais do conto maravilhoso em pontos estratégicos do seu texto, tornando nítida a manipulação do conto oral.
• Subverteu o happy ending indispensável ao conto
tradicional, optando por um desenlace trágico: o lobo devora a protagonista e não há qualquer sugestão de que ela seja posteriormente salva.
• Deste modo, ao mesmo tempo que se dirigia ao
público infantil, Perrault acenava, através da sátira e da ironia, ao seu leitor adulto. Charles Perrault
• O desenlace infeliz converte o texto numa sátira
contra os homens de discurso gracioso e subtil que não hesitam em abusar das moças do campo ingénuas. • A moral de Perrault indica, assim, que o lobo metaforiza “todo o tipo de pessoas”, não deixando dúvidas sobre o seu simbolismo masculino. Essa mensagem é corroborada pelo retrato fortemente erotizado da personagem feminina e pela cena em que a protagonista partilha a cama com o lobo e fica surpreendida ao descobrir o seu verdadeiro aspeto físico. Charles Perrault • A natureza ambígua do texto de Perrault pretendia, deste modo, satisfazer tanto os seus leitores oficiais (as crianças) como os implícitos, mas não declarados (adultos).
• N.B.: Era frequente, na cultura de salão do
tempo, ler contos de fadas em voz alta, apesar de estes serem considerados um passatempo ligeiro e ingénuo. 2. Irmãos Grimm • As diferenças mais flagrantes entre as versões de Perrault e Grimm relacionam-se com o tom predominante (irónico vs. ingénuo) e com os distintos desenlaces (trágico vs. feliz).
• Na versão prevalece a simplicidade estilística (frases
curtas, diálogo simples, vocabulário limitado), justificada pela adaptação da narração ao ponto de vista infantil, apresentando parte do discurso através dos olhos da criança. • Assim se compreende a supressão da cena erótica na versão dos Grimm, o que acentua a ingenuidade e inocência da criança. Irmãos Grimm • A versão dos Grimm apresenta dois finais alternativos, que culminam, em ambos os casos, com a salvação da protagonista. No primeiro deles, a criança é castigada (tanto ela como a avó são devoradas) e só mais tarde é salva quando o lobo é morto; no segundo, o lobo morre por afogamento, sem causar qualquer dano à criança.
• Por outro lado, ao contrário do que acontece na
versão de Perrault, na versão dos Grimm é dada à criança uma oportunidade de aprender a lição. O conto ilustra o próprio processo de aprendizagem através do erro. 3. As adaptações contemporâneas
• São inúmeras as versões contemporâneas do
Capuchinho Vermelho. A constante reescrita do texto explica-se pelo seu estatuto de clássico que constitui garantia antecipada de seu sucesso comercial.
• No que especificamente diz respeito à literatura
portuguesa de receção infantil, à semelhança do que se verifica na generalidade das obras ocidentais para crianças, observa-se a tendência sistemática para preferir a matriz dos Irmãos Grimm. As adaptações contemporâneas
• Embora algumas edições reproduzam
integralmente o texto, são várias as que o modificam substancialmente, adaptando-o ao destinatário infantil. • Estas adaptações preocupam-se sobretudo com o retrato da protagonista, o relato de acontecimentos considerados inadequados para consumo infantil e os códigos sociais subjacentes aos textos.