CEDO: A CULTURA LETRADA COMO LER OS CLÁSSICOS UNIVERSAIS DESDE CEDO, POR ANA MARIA MACHADO
“Navegar pelos clássicos não significa
apenas leitura de livros” (MACHADO, 2009, p. 65) Como ler – essa é uma grande questão que vamos encontrando a toda hora nesse mergulho pelos livros essenciais. Ler criticamente é uma das respostas. Significa que não se lê para concordar servilmente em atitude reverente, mas também não se lê para discordar e refutar em um eterno desafio (MACHADO, 2009, p. 98). POR QUE LER OS CLÁSSICOS UNIVERSAIS DESDE CEDO Para início de conversa, o que é clássico? [...] uma das possíveis origens da palavra clássico, etimologicamente, seria uma derivação de classos, um tipo de embarcação, uma nave para longas viagens. A outra, mais provável, é que venha de classe, como sinônimo de sala de aula – confirmando a ideia de livros de destaque, estudados nas escolas (MACHADO, 2009, p. 20). “Palavras, leva-as ao vento...” “Bacana” = Baco, deus do vinho; “Presente de grego” = Guerra de Troia; “Narcisismo” e “eco” = mito de Narciso e da ninfa Eco; “Verdadeira Odisseia”; “esforço hercúleo”; “Olimpíadas”; “Doenças venéreas” = Vênus, deusa do amor; “Artes marciais” = Marte, deus da guerra; “Hermético” = Hermes, mensageiro dos deuses; “Cronológico” = Chronos, deus do tempo. CULTURA LETRADA, DE MÁRCIA ABREU APRESENTAÇÃO
Como definir literatura?
Há livros bons em si? Todos devem apreciar o mesmo tipo de texto? Há uma qualidade estética objetiva nas obras? Há uma maneira correta de ler literatura? (ABREU, 2006, p. 10) Introdução: Literatura, Cultura e Leitura
• Lista dos melhores romances mundiais do século XX
(Folha de São Paulo); • Lista dos melhores escritores brasileiros do século XX (Revista IstoÉ); • Lista dos livros de ficção mais vendidos do ano de 1999 (Revista Veja).
Qual é a lista correta? Podemos definir a literatura
através dessas listas? Os livros que lemos (ou não lemos) e as opiniões que expressamos sobre eles (tendo lido ou não) compõem parte de nossa imagem social. Uma pessoa que queira passar de si uma imagem de erudição falará de livros de James Joyce, mas não de obras de Paulo Coelho. Essa mesma pessoa, se tiver de externar idéias sobre Paulo Coelho, dirá que o desaprova. Mesmo que não tenha entendido nada de Ulisses ou tenha se emocionado lendo O alquimista (ABREU, 2006, p. 19). “Ninguém deixará de reconhecer a excelência estética dessas páginas” – o texto literário e seu valor
Ao pensar sobre literatura, deve-se começar por fazer uma
coisa que geralmente não se faz: refletir sobre o significado de termos como “texto literário”, “literariedade”, “qualidade estética” (ABREU, 2006, p. 20).
Esses casos devem ter deixado claro que a literariedade não
está apenas no texto – os mais radicais dirão: não está nunca no texto – e sim na maneira como ele é lido. Um “mesmo” texto ganha sentidos distintos de acordo com aquilo que se imagina que ele seja: uma carta ou um conto, um poema ou uma redação. Saber que algo é tido como literário provoca certo tipo de leitura (ABREU, 2006, p. 29). Você já percebeu que nem todo texto literário faz um uso artístico da linguagem e que um uso artístico da linguagem não garante que o texto seja tido como literatura. Da mesma forma, nem toda ficção é literária assim como nem toda literatura é ficcional (ABREU, 2006, p. 35-36). “Infelizmente, não poderemos publicar sua obra” – o nome do autor e o juízo estético
Fica claro que a qualidade literária do texto não é
critério absoluto. O que é bom como romance de autor consagrado do século XIX não é bom como romance inédito de autor contemporâneo e desconhecido. Ou seja, mais do que o texto, são os conhecimentos prévios que temos sobre seu autor, seu lugar na tradição literária, seu prestígio (etc.) que dirigem nossa leitura (ABREU, 2006, p. 49). A introdução da literatura como disciplina escolar teve um papel decisivo na difusão da idéia de que a Literatura (aquela que se chama de Grande) não é algo particular e historicamente determinado, mas sim um bem comum ao ser humano, que deve ser lido por todos e lido da mesma maneira. (ABREU, 2006, p. 58) “Versos simples e rudes produzidos pela cultura popular” – a beleza e o sentido estético em culturas outras FOLHETO DE CORDEL O poeta era compositor, editor e vendedor. Eram vendidos em feiras, festas, mercado – pendurados em varais, espalhados pelo chão ou dispostos em barracas. Os folhetos eram compostos por 8,16,32,48, ou 64 páginas. – O autor não podia ocupar menos ou mais páginas e sim um espaço exato. O número de páginas definem o gênero do folheto. – 8 paginas assuntos cotidiano, de fatos jornalísticos, etc; 16 narrativas de casos amorosos, etc. “O bom folheto é o que de qualquer classe quando bem rimado, bem metrificado, bem orado. Um folheto ruim é quando realmente se lê e não se entende, mal versado, mal rimado, mal orado, não tem oração. Esse para mim é que é o ruim” – Poeta Manoel de Almeida Filho O poeta nordestino João Martins de Athayde faz um cordel com base em “Romeu e Julieta”, mas ao final expõe sua opinião: Quem odeia a covardia tem de dizer como eu como o rapaz não vingou-se de tudo que o pai sofreu eu escrevi mas não gosto do romance de Romeu.
Romeu não é honrado, não age como se a vingança familiar
fosse sagrada. Como a narrativa não segue os padrões esperados, a história parece mal construída, não agradando o poeta. Antropóloga inglesa Laura Bohannan em um contato com os TIV, povo da África do Sul. Obra: Hamlet, Shakespeare. Avaliando as culturas: Para Laura o pai de Hamlet era um fantasma, assim como descrito na obra, mas para os TIV que não creem em fantasma, ele seria um zumbi. Laura não acha comum o casamento de Cláudio (Tio de Hamlet) com Gertrudes (viúva do irmão), mas já para o povo africano isso era algo muito comum, um irmão assumir a família. A apreciação estética não é universal: ela depende da inserção cultural dos sujeitos. Uma mesma obra é lida, avaliada e investida de significações variadas por diferentes grupos culturais. “A literatura é forma de humanização do sujeito” – quando os leitores se contam aos milhares. • Literatura nos transforma em pessoas melhores, pois ao ler sabemos como é estar na pele de gente que leva uma vida muito diferente da nossa.
• Uma definição de Literatura como fonte de
humanização não se sustenta diante do fato de que há gente muito boa que nunca leu um livro e gente péssima que vive de livro na mão. Literatura de massa: é fruto de uma combinação dos mesmos lugares. Tudo com o mesmo objetivo de evitar que o leitor se questione e questione o mundo em que vive, sentindo prazer em “reencontrar” o que é confortavelmente bem conhecido.
Grande Literatura: Força uma reflexão sobre a realidade
e permitem o leitor enxergue melhor o mundo em que vive, incorporando a experiência vivia no contato com o texto às suas próprias experiências pessoais. “É, sem dúvida, uma obra-prima de todos os tempos” – os critérios de avaliação e tempo É claro que nordestinos pobres e velhos africanos avaliam literatura de formas diferentes, afinal eles não tem formação adequada e por isso leem mal os textos. Por isso, outro exemplo. O jornal Correio Popular, de Campinas, entrevistou dois professores da Unicamp, ambos com a mesma formação acadêmica, para avaliar os romances de Jorge Amado. Professora Marisa Lajolo: “Foi a maior perda possível para a cultura brasileira, o escritor baiano ensinou o povo a ler literatura brasileira.” Professor Paulo Franchetti: “Era um escritor de recursos limitados, era um criador de cenários, mas não vai além de um bom cronista.” Durante a mesma obra, pessoas de sólida formação fazem leituras distintas, pois veem a vida de forma diferente. Shakespeare
James Hogg, em 1814, sentenciou: “O nome de
Shakespeare está em lugar absolutamente alto e vai cair. Suas histórias não tem nenhuma invenção, ele retira todos os seus enredo de antigas narrativas. E as transforma em peça com tão pouco trabalho imaginativo que qualquer um é capaz de devolvê-las à forma de conto em prosa”. Conclusão: Somos todos diferentes
A definição de literatura não é algo objetivo e universal,
mas sim algo cultural e histórico. Cada grupo social e, principalmente cada grupo cultural tem um conceito sobre o que seja literatura, e tem critérios de avaliação próprios para examinar histórias, poesias, etc. A proposta é que se abra mão da tarefa de julgar e hierarquizar o conjunto de textos empregando um único critério e se passe a compreender cada obra dentro do sistema de valores em que foi criada. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Márcia. Cultura letrada: literatura e leitura. São
Paulo: Editora Unesp, 2006.
CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos. Trad. Nilson
Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos
universais desde cedo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.